A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM CARTOGRÁFICA NA PAISAGEM LOCAL: UM
ENFOQUE SÓCIO-ESPACIAL ATRAVÉS DO ESTUDO DAS BACIAS HIDROGRAFICAS.1
Ângela Mara de Oliveira FERNANDES
[email protected]
Mestranda de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Juiz de Fora
Mariane de Oliveira FERNANDES
[email protected]
Graduanda em Geografia
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
Resumo: Observar, perceber, analisar os conceitos e a síntese através das representações
cartográficas, dá a possibilidade de se pensar o conhecimento do espaço geográfico. Estudar desde
os primeiros anos de escolaridade a linguagem cartográfica através do conhecimento da realidade
local é fundamental para que os alunos compreendam os mapas e estabeleçam a capacidade de
relacioná-los à representação do espaço. Estabelecer relações entre sociedade e natureza é
entender que esta interação constrói o espaço em que vivemos. Por isso que neste trabalho
procuraremos enfatizar o estudo das bacias hidrográficas a partir da observação dos rios e afluentes,
construir mapas, levando em consideração aspectos físicos e humanos. Os alunos precisam estar em
contato direto com a linguagem cartográfica para que construam conhecimentos fundamentais sobre
esta linguagem; representando, codificando o espaço e sendo leitores das informações expressas. O
objetivo deste trabalho é divulgar a importância da familiarização dos alunos com a linguagem
cartográfica; a interação entre noção espacial e a forma de como o ser humano se relaciona com os
recursos naturais.
Palavras-chave: cartografia; bacias hidrográficas; ensino-aprendizagem; sociedade, espaço.
INTRODUÇÃO
Sabemos que a Geografia é considerada uma das mais antigas disciplinas
acadêmicas, podendo admitir que os povos primitivos sem conhecimento da escrita, mas
vivendo no espaço geográfico, já tinham idéias geográficas, pois da terra retiravam seu
sustento. Através da comunicação oral e dos desenhos escritos em rochas, transmitiam
conhecimento de geração em geração e, por isso, tinham uma concepção de mundo.
Conhecer o espaço em que vive foi sempre de interesse do homem, pois através das
observações feitas, ou seja, interagindo com o meio já eram estabelecidas relações sociais,
ao mesmo tempo, transformando o espaço.
Ao longo do tempo foi crescendo a preocupação em estabelecer relações entre
sociedade e natureza, entendemos que a interação entre estes se constrói o espaço em que
vivemos. Através da leitura e interpretação deste espaço, faz-se necessário a inserção do
1 Ensino
de Geografia
mapa como principal ferramenta de concepção, análise e organização espacial, utilizandose de um sistema de signos para representar a realidade, tendo como enfoque o estudo da
natureza e da sociedade de forma conjunta.
Uma maneira de trabalhar a espacialidade de forma prática e conjunta é estudar e
compreender a importância dos recursos hídricos, como o estudo das bacias hidrográficas
na paisagem local utilizando-se da linguagem cartográfica.
UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A CARTOGRAFIA E O ENSINO
Desde a Antiguidade a Cartografia esteve a serviço do homem no que diz respeito
aos conhecimentos geográficos. Através dos relatos de viagens e a necessidade da
expansão do mundo conhecido pelos interesses religiosos e capitalistas, a divulgação do
uso de instrumentos como a bússola, o astrolábio e o uso de mapas foram expandidos. O
mapa surgiu mesmo antes da invenção da escrita, sendo feitos para mostrar áreas onde
havia caça e pesca, como registros de deslocamentos por meio de imagens desenhadas.
A descoberta de novos caminhos serviu de grande importância, sendo do ponto de
vista religioso ou econômico, pois através deste, as paisagens eram descritas, mapas eram
aprimorados e estudos ligados a ciência geográfica eram elaborados.
Ao chegar ao século XVII, os conhecimentos geográficos disseminados e
interligados às ciências afins, como a Astronomia e a Filosofia já eram bastante numerosas
e haviam adquirido certa profundidade. Porém, conforme Andrade (1987), a Geografia no
século XVIII e XIX, em consequência da expansão do capitalismo comercial se expande por
causa das grandes navegações e como consequência o descobrimento dos novos
continentes e ilhas, intensificando o comércio e as organizações sociais.
A Cartografia se separa da Geografia, porém a constituição da representação do
espaço é necessária. Ambas se tornam ciências autônomas no século XVIII.
No século XX, o ensino de Geografia passa a ter um caráter positivista, tendo como
enfoque o estudo da Terra no que diz respeito aos aspectos físicos, culturais econômicos e
políticos. Então, o mapa passa a ser trabalhado como figura ilustrativa para localizar o lugar
de interesse do conteúdo ensinado. Neste período, a Geografia tinha como foco a descrição
dos lugares, tendo como prioridade a capacidade de memorização dos educandos sem
desenvolver uma criticidade, a inteligência no sentido amplo do termo, ou seja, o senso de
cidadania plena. Mesmo valorizando o homem como sujeito histórico, tinha como foco o
estudo das relações homem-natureza, no entanto, não discutia as relações sociais,
traduzindo-se na dissociação das paisagens e no espaço vivido pelo homem.
Já a partir da década de 1970, a ciência geográfica, denominada como Geografia
Crítica, busca discutir a importância do ensino pelos mapas, sendo ele visto como eficaz
para a condução do ensino geográfico, pois também fornece elementos tanto para melhor
compreender o espaço em que vivemos, quanto para assumir um compromisso com a
transformação social.
A partir da perspectiva da década de 1970, iremos apresentar o ensino da
Geografia que se baseia nas propostas pedagógicas onde se caracterizam o conhecimento
geográfico e sua importância no âmbito social.
A APLICAÇÃO DA CARTOGRAFIA NO ENSINO DA GEOGRAFIA
Voltando à década de 1960, alguns geógrafos, em especial os franceses,
defendiam a corrente crítica se opondo a corrente tradicional. Seus princípios eram estudar
o homem interagindo sobre o meio e conceber as relações sociais e de trabalho como
decisivas na transformação do território. Situar-se de forma crítica sobre a realidade e a
ordem vigente era a função do geógrafo, isto é, um agente de transformação social.
Teóricos insatisfeitos com a educação que se configurava na década de 1970, no
Brasil, nos âmbitos sociais, políticos e econômicos, formaram movimentos sociais que
reivindicavam contra a política social, ou seja, uma política controladora que sustentava uma
ideologia do desenvolvimento tecnocrático.
No campo da Geografia, percebia-se que o ensino sofria os efeitos dessa política
controladora, apresentando-se limitado e reduzindo-se a informações primárias sobre
dados, nomes de rios, cidades, países, localizações, clima, vegetação, etc.
O ensino foi convertido numa ciência de mapas e gráficos, preocupada em delinear
os fenômenos geográficos, apresentados, como pontos, distâncias, climas, populações,
regiões, países, capitais para serem memorizados. Designou-se, portanto, desconhecer o
aspecto dinâmico da construção do espaço como espaço social, resultado da ação humana,
estabelecendo o poder de descarregar a natureza histórica e social do conhecimento
geográfico.
A política educacional brasileira recebia muitas críticas, devido ao autoritarismo e
cerceamento já citados acima. Sendo assim, nas décadas de 1980 e 1990 a educação
passou a ser pensada e compreendida,
[...] não apenas como elementos de legitimação da classe hegemônica e
da marginalidade dos interesses maiores, mas como vias de buscar
propostas para a sua superação, em seu movimento histórico, como sendo
determinada e determinante das contradições internas próprias da
sociedade capitalista na qual se insere. As tendências críticas passam a
analisar a educação não apenas como um elemento de reprodução, mas
um elemento que propicie a transformação dessa sociedade, ou seja, é
preciso entendê-la nesse processo contraditório e numa relação dialética
com a sociedade. (GEBRAN, 2003, p.84)
Nesta década de 1980 foi defendida a perspectiva da pedagogia crítica,
contribuindo para uma visão mais ampla do professor com uma articulação maior entre
teoria e prática. É relevante destacar que,
o desafio que se consolidou na
contemporaneidade foi de mudar as diretrizes da didática modernizadora ampliando os
horizontes da didática crítica.
Faz-se necessária uma preocupação com a formação do cidadão, especialmente o
espaço no que diz respeito à educação básica, considerada como um lugar para o exercício
da cidadania política e social.
Deve haver uma centralização da ação educativa no desenvolvimento de um
processo formativo que permita ao educando conhecer e apreender a sua realidade social.
Poderá também tornar possível a elaboração de outros saberes, abrindo espaços para uma
maior participação dos membros que a freqüentam e, conseqüentemente, propiciar a real
inserção política, econômica e cultural no mundo por ele vivido ao garantir o acesso ao
saber socialmente produzido ao longo dos tempos. Produzir um conhecimento ligado à
realidade social, deve se estabelecer a partir das atividades dos indivíduos em interação
com os elementos que constituem esse meio.
Esse meio é natural e social, (natureza, pessoas, objetos, idéias e
representações), é constituído pela cultura. Essa noção de cultura
integrante do processo de construção do conhecimento e de constituição
do indivíduo é central para a concepção de aprendizagem, pois esta
incorpora a experiência dos indivíduos. (LIMA, 1990, apud GEBRAN, 2003,
p.86).
OS PCNs
A partir da década de 1990, após a promulgação das Leis de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB 9394/96), mais especificamente no ano de 1997, houve a publicação dos
PCNs pelo MEC. Neste documento há objetivos gerais para todas as disciplinas do Ensino
Fundamental. Dentre eles, destacamos as seguintes: a utilização das diferentes linguagens
(verbal, gráfica, plástica); perceber-se como integrante e agente transformador do ambiente
em que vive, identificando e interagindo com este ambiente, contribuindo para a sua
melhoria, posicionando de forma crítica, fazendo do diálogo, a mediação de conflitos e
decisões, sendo responsável e participante das decisões coletivas.
Pode-se perceber que os objetivos destacados acima estão relacionados à
disciplina de Geografia como em outras disciplinas também. Por isso, o documento PCN
(1997) busca fazer uma relação entre as diferentes disciplinas. No que se refere ao ensino
de Geografia como disciplina escolar, deve levar os alunos a compreender de forma mais
ampla a realidade, possibilitando que nela interfiram de maneira mais consciente e
propositiva.
No PCN (1997) de Geografia o conhecimento geográfico tem por objetivo elucidar
e envolver as relações entre a sociedade e a natureza. Nesta relação,
[...] a Geografia tem que trabalhar com diferentes noções espaciais e
temporais, bem como com os fenômenos sociais, culturais e naturais que
são característicos de cada paisagem, para permitir uma compreensão
processual e dinâmica de sua constituição. (PCN, 1997,v.5 p.40)
A preocupação básica é buscar a relação do processo histórico construído pela
humanidade e vivido pelo aluno, nas suas relações com a sociedade e os meios naturais.
No entanto, os dados do passado e do presente que nela convivem, podem ser
compreendidos através da análise do processo de produção e organização do espaço. Este
aluno deve observar e buscar esclarecimentos para aquilo que, em uma paisagem,
continuou intacta ou foi modificada.
A historicidade enfoca o homem como sujeito construtor do espaço geográfico, a
análise espacial de cada membro da sociedade e que se apropria deste espaço também
marcada por vínculos afetivos e referências socioculturais. Refletir sobre essas noções
espaciais implica em compreender subjetivamente a paisagem como lugar que possui
significados para os que vivem e a constroem. Estes espaços no qual sociedades, grupos e
indivíduos se inserem, têm deste lugar particularidades e vivências, constituindo relações
únicas, pois são subsídios importantes na composição do saber geográfico. Contribuem
para uma maior compreensão do mundo, através das vivências construindo uma maior
visão do mundo.
Podemos perceber que,
[...] a interface com a História é essencial. A Geografia pode trabalhar com
recortes temporais e espaciais distintos dos da História, embora não possa
construir interpretações de uma paisagem sem buscar sua historicidade. Uma
abordagem que pretende ler a paisagem local, estabelecer comparações,
interpretar as múltiplas relações entre a sociedade e a natureza de um
determinado lugar, pressupõe uma inter-relação entre essas disciplinas, tanto
nas problematizações quanto nos conteúdos e procedimentos. Com a área de
Ciências também há uma afinidade peculiar nos conteúdos desse ciclo, uma
vez que o funcionamento da natureza e suas determinações na vida dos
homens devem ser estudados. Sem perder de vista as especificidades de
cada uma das áreas, o professor pode aproveitar o que há em comum para
tratar um mesmo assunto sob vários ângulos. (PCN, 1997, v.5 p. 18-19)
Nesse sentido, a Geografia contribui para a compreensão no que diz respeito às
relações locais com as globais. Sabe-se que tais elementos locais estão inseridos num
contexto global e as possibilidades e implicações que essas dimensões possuem e se
inserem neste contexto.
A paisagem local, o espaço vivido pelos alunos deve ser o objeto de estudo
ao longo dos dois primeiros ciclos. Entretanto, não se deve trabalhar do
nível local ao mundial hierarquicamente: o espaço vivido pode não ser o
real imediato, pois são muitos e variados os lugares com os quais os
alunos têm contato e, sobretudo, que são capazes de pensar sobre. A
compreensão de como a realidade local relaciona-se com o contexto global
é um trabalho que deve ser desenvolvido durante toda a escolaridade, de
modo cada vez mais abrangente, desde os ciclos iniciais. (PCN, 1997, v.5
p. 7)
Sendo a Geografia, uma ciência que tem a preocupação de estudar a organização
e a reorganização do espaço pelo homem e do homem no espaço, incumbe-se então, à
Cartografia disponibilizar formas que possibilitem a leitura e interpretação do espaço. Nessa
análise, faz-se necessária a inserção do mapa como principal ferramenta de concepção, análise
e organização do espaço, de modo que se trata de uma representação espacial utilizando-se de
um sistema de signos para representar certa realidade.
A Geografia trabalha com diferentes linguagens e imagens recorrendo na busca de
informações e como meio de divulgar suas interpretações, proposições e conceitos. Sustentada
numa síntese de diversos tempos e numa linguagem característica, que faça da localização e
da espacialização uma referência da leitura das paisagens e seus movimentos utilizando então
de uma cartografia conceitual.
Referindo-se à representação do espaço geográfico, a assimilação da linguagem
cartográfica é de grande importância, especialmente quando se deseja abordar o pensar na
educação do sujeito habilitado a participar na interlocução e na comunicação de sua época.
Podemos considerar que a Cartografia numa definição de forma mais ampla,
corresponde à linguagem criada para registros sobre os lugares. Apesar de não corresponder
de forma exata ao que muitos cartógrafos enumeram, essa definição nos é dada de forma muito
adequada para pensar a cartografia escolar. O desenho e a Cartografia podem ser analisados
no campo das linguagens gráficas. Dessa forma, referem-se aos registros espaciais: observa-se
que há uma relação entre os objetos nos desenhos das crianças (um boneco ao lado da casa,
por exemplo), em altura menor, sob um determinado aspecto e com formas e traços e que
permitem dizer o que expressam. De uma só vez estão postos os elementos do mapa
(localização, escala, projeção e legenda), com sentido dado competentemente pela criança.
A escola é um local onde os alunos reelaboram e pensam sobre suas experiências
pessoais, o que lhes permite a construção e reconstrução do conhecimento.
A linguagem cartográfica nos dá base a essa construção e reconstrução dos
saberes. Sob este ponto de vista, a elaboração de conhecimentos sócio-espaciais tem a
influência da linguagem cartográfica. Ao estabelecer relações com essas linguagens (desenho
do espaço e linguagem cartográfica), o professor conduz o aluno a compreender os mapas,
contextualizando seus elementos e, assim, superando as dificuldades originadas em tentativas
de fazer relações errôneas ou detalhamentos desnecessários (como cálculo de distâncias em
mapas de pequena escala, determinação de latitude e longitude para localizar pontos aleatórios
no planisfério, etc.).
Ao invés de “alfabetizar” o aluno com um código gráfico (ou cartográfico) com
conteúdos sem significados, a linguagem cartográfica cria possibilidades amplas de construção
através dos desenhos com o espaço, enfocando o sócio-espacial (a ocupação urbana:
avenidas, ruas, comércio, indústrias, pontes, favelas, etc.).
É necessário ensinar como os conteúdos espaciais são apresentados, no caso da
linguagem cartográfica, e seu significado. Em ocorrência das práticas escolares, fator
importante no ensino de Geografia surge então outro desdobramento bem interessante:
Um mapa de relevo, por exemplo, ao apresentar a distribuição das altitudes
por meio de tonalidades (tons escuros para áreas mais altas, e claros para
áreas mais baixas), diz também da distribuição da rede hidrográfica (os rios
correm para as áreas mais baixas). Mas para entender esse mapa é
preciso ter noção das relações entre a drenagem e a morfologia, que pode
ter-se originado pela observação de campo e produção de croquis, ter
passado pela observação ou construção de maquetes. (ALMEIDA, 2001, p.
38)
Por isso, a linguagem cartográfica no ensino deve ser estudada de forma constante
não só em um capítulo isolado, apenas dentro de um determinado tempo e depois esquecido e,
nem ser ensinado de uma só vez. Se for linguagem, deve servir para “ler” os mapas impressos,
bem como para “escrever” a respeito de algo observado, discutido ou obtido em diversas fontes
como em livros, revistas, leitura de imagens de forma empírica, fotos aéreas, filmes, gravuras e
vídeos, por exemplo. Não só ligados ao conteúdo de Geografia, mas em outras áreas do ensino,
a linguagem cartográfica se faz necessária atendendo necessidades geradas no estudo de um
tema ou problema, diluindo-se em diferentes períodos ao longo do Ensino Fundamental e
Médio.
É importante que o professor interprete as imagens na íntegra e procure
contextualizá-las em todo o seu processo: por quem foram feitas, quando, com que finalidade,
etc., e tomar esses dados como referência na leitura de informações mais particularizadas,
ensinando aos alunos que as imagens são produtos do meio, construídas pelos seres humanos,
marcada num tempo e espaço, cuja intenção pode ser achada de forma explícita ou implícita.
É plausível perceber que o estudo da linguagem cartográfica é de suma importância
ser discutida e estudada desde o início da escolaridade. Serve de contribuição não somente
para que os alunos compreendam a utilização dos mapas, mas também para desenvolver
capacidades referentes à representação do espaço. Considerando os saberes escolares como
construção social, os alunos precisam ser preparados para que tenham capacidade de construir
conhecimentos básicos sobre essa linguagem, como indivíduos que representam e codificam o
espaço e como leitores.
A escola deve criar formas para que os conhecimentos sejam construídos sobre uma
linguagem que ao fim se desdobrem em dois sentidos: como indivíduos que expressam e
codificam o espaço e como leitores das informações.
As formas mais comuns e presentes nas escolas é o trabalho com mapas de forma
tradicional. É comum uma linguagem cartográfica através de circunstâncias nas quais os alunos
têm de copiar mapas, enumerar nomes de rios ou cidades, memorizar as informações neles
representadas e colorir esses mapas, entre outros. Toda essa forma de trabalho é claro que não
garante que se tenha uma construção dos saberes e tais conhecimentos úteis, tanto para
representação do espaço geográfico, assim como a leitura desses mapas. Sendo um meio de
atender a diversas necessidades das mais habituais como: chegar a um lugar que não se
conhece, compreender o trajeto dos rios e a formação de bacias hidrográficas e às mais
específicas e locais como áreas de preservação ambiental, delimitação de bacias hidrográficas,
etc. Portanto, se faz necessário partir do princípio de que a linguagem cartográfica é um sistema
de códigos e símbolos que envolvem dimensões proporcionais, uso de signos ordenados e
técnicas de projeção.
A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA CARTOGRAFIA NO 1º CICLO NA PERSPECTIVA DAS
BACIAS HIDROGRÁFICAS
As diferentes práticas pedagógicas vêm auxiliando o entendimento de diversas
formas de um mesmo fenômeno no que diz respeito ao estudo da ciência geográfica, de forma
que os alunos possam construir abrangências novas e mais complexas a seu respeito. Essas
práticas envolvem fórmulas de problematização, observação, apontamento, descrição,
documentação, representação e pesquisa dos fenômenos sociais, culturais ou naturais que
compõem a paisagem e o espaço geográfico, na busca e formulação de hipóteses e
explicações das relações, permanências e transformações que aí se encontram em interação.
Espera-se que, dessa forma, os alunos desenvolvam a capacidade de identificar e refletir sobre
diferentes aspectos da realidade, compreendendo a relação sociedade-natureza.
O estudo da natureza e da sociedade deve ser realizado conjuntamente. Ao
desenvolver esse trabalho é necessário que professores e alunos devam compreender que tais
definições (sociedade e natureza) compõem a base material ou física sobre a qual o espaço
geográfico é produzido.
É necessário que o professor planeje e crie circunstâncias nas quais os alunos
possam conhecer e utilizar tais procedimentos. “A observação, descrição, experimentação,
analogia e síntese devem ser ensinadas para que os alunos possam aprender a explicar,
compreender e até mesmo representar os processos de construção do espaço e dos diferentes
tipos de paisagens e territórios.” (PCN, 1997, v.5 p. 7)
A Geografia no primeiro ciclo deve ser trabalhada questões, principalmente sobre a
relação natureza e sociedade na construção do espaço geográfico. No entanto, a paisagem
local e o espaço vivido é o ponto de partida para o professor organizar seu trabalho. A principal
atenção é partir do local de vivência dos alunos, criando meios e hipóteses acerca da presença
e do papel da natureza na paisagem local, mas não se restringir a isso, ir além daquilo que já
sabem para que haja uma ampliação dos conhecimentos.
É de grande importância que o professor conheça a realidade dos alunos, saiba
sobre seus conhecimentos e idéias, o lugar em que vivem assim como sua relação entre eles.
Os alunos têm conhecimentos prévios do meio em que vivem e convivem, pelos familiares e
pelos diferentes meios de comunicação mesmo que não tenham contato com o conhecimento
geográfico sistematizado.
No primeiro ciclo, muitas crianças têm seu primeiro contato com a escola. Instruir os
alunos a fazer a leitura de imagens, observar as paisagens, mesmo que estas leituras sejam
feitas pelo professor, é sua função. No entanto, cabe ao professor estimular e fazer o intermédio
das discussões entre os alunos para que desde pequenos compartilhem seus conhecimentos,
e, a partir daí, confrontar opiniões, elaborar perguntas, ouvir os que estão próximos, afim de que
se posicionem diante do grupo em que faz parte.
O trabalho deve ser realizado levando em conta pontos referenciais de construção
do conhecimento pelos alunos na formação da linguagem cartográfica, ou seja, aquilo que os
alunos já utilizam para se localizar e orientar no espaço. A partir de meios e circunstâncias nas
quais comuniquem e explicitem seus saberes, o professor pode criar outras possibilidades e
formas nas quais possam esquematizar e expandir suas ideias de distância, direção e
orientação.
A escrita individual ou coletiva, a partir das observações e do que aprenderam é
uma forma de aproximar esses alunos dos procedimentos essências do campo da Geografia
como de outras disciplinas, pois são essenciais para a vida do estudante.
Uma maneira de se expressar no 1º ciclo da escolaridade assim como um
procedimento de registro utilizado pela própria Geografia é o desenho. Ir além da expressão é
uma maneira de propor aos alunos iniciarem de forma objetiva as noções de distância, direção e
proporção que são necessárias para o conhecimento da linguagem cartográfica.
Sabendo da importância da água como recurso natural, essencial e finito e, por
vivermos num país privilegiado no que diz respeito à quantidade de água, se faz necessário
destacarmos sua relevância e seu estudo nas séries iniciais. Esse assunto pode ser trabalhado
também na área de Ciências e estudo da Terra onde há uma afinidade peculiar nos conteúdos
desse ciclo, uma vez que o funcionamento da natureza e suas determinações na vida dos
homens devem ser estudados.
Ao analisar as diferenças existentes entre os espaços modificados pelo homem e
ambientes naturais é importante perceber que a observação do espaço geográfico apresenta-se
como ferramenta muito importante em suas atividades de preservação dos mananciais
superficiais de água.
Entender o espaço geográfico como elemento constitutivo das sociedades
nos abre uma via de compreensão da realidade que é extremamente rica,
além de indispensável. Estudar a realidade social contemporânea sem um
ponto de vista geográfico (o espaço) é tratar as sociedades como se elas
fossem abstratas e imaginárias, como um corpo invertebrado que não tem
como se sustentar. É o uso do espaço geográfico pelo homem que faz dele
um componente da sociedade. Os seres humanos organizados em
sociedade organizam também o espaço geográfico, que é um quadro de
vida no qual se desenvolvem as relações sociais. As relações sociais se
dão no espaço geográfico e dependem dele em boa medida. (FONSECA;
OLIVA, 2007, p. 72-73)
Levar a comunidade e os alunos do 1º ciclo da escolaridade a estar mais próxima
das questões que interferem no meio ambiente e principalmente os fenômenos que atingem
uma bacia hidrográfica sendo esta definida como a área na qual ocorre a captação de água
(drenagem) para um rio principal, sua afluente e subafluente devido às suas características
geográficas e topográficas. É de grande importância a contribuição no que diz respeito à
necessidade de preservação e conservação dos recursos naturais.
Sabemos que com o trabalho e estudos do meio em que os alunos estão inseridos,
bem como a representação dos lugares e imagens, é nítida a importância do uso de recursos
didáticos interessantes, pois, através destes, os alunos poderão construir e reconstruir, de
maneira cada vez mais ampla e estruturada o espaço que estão inseridos. As imagens e as
percepções que têm da paisagem local, conscientizando-se de seus vínculos afetivos e de
identidade com o lugar no qual se encontram inseridos é de grande importância. Ao discutirmos
a paisagem local, leva-nos perceber a importância da qualidade das águas. Sabemos que a
dependência da forma de uso e da ocupação dos solos em torno dos mananciais se faz
necessário.
Conduzir os alunos a compreensão e a percepção das relações que estruturam uma
paisagem cultural, ou seja, uma paisagem estabelecida de um meio natural onde o ser humano
tem a capacidade de se inserir no espaço por meio de ações e interações com a natureza é
muito importante. Ao constituirmos a união de ambientes naturais e de construções dos
indivíduos em um determinado espaço, estamos proporcionando ao aluno o entendimento de
diferentes fatos. Pesquisar sobre a bacia hidrográfica da cidade é uma excelente forma de
mostrar e levar os alunos a pensar o quanto a influência do ser humano pode modificar a
paisagem.
Apenas por meio de um procedimento educativo coerente e contínuo, as diferentes
ações em uma bacia hidrográfica poderão ter como consequência uma atuação integrada, com
a participação de toda a população.
ESTUDO DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS: TEORIA E PRÁTICA
A finalidade principal é levar os alunos a olhar a paisagem pela visão da Geografia,
mostrando a relação existente entre natureza e sociedade, visto que nessa relação
modificações são feitas neste espaço. No 1º ciclo da escolaridade é mais importante relacionar
tais fatos do que aprofundar aspectos como classificação de climas, vegetação ou/e
caracterização dos rios, por exemplo.
Quando abordamos a interação dos aspectos físicos e humanos, não podemos
deixar de citar fatores relacionados as áreas urbanas, onde mudanças ocorridas nesse espaço
como até menores interferências em um dos componentes do ciclo hidrológico pode resultar em
modificações em todo o processo, trazendo consequências ao regime fluvial o que pode gerar
uma grande diminuição da quantidade e volume de água do curso d’água principal. Quando
tratamos a respeito dos períodos de estiagem, ou também do transbordamento no período de
chuvas, grandes problemas à população que vive próxima as margens dos rios podem vir a
ocorrer, um exemplo disso é a impermeabilização do solo por não comportar a quantidade de
água escoada nos períodos de maior intensidade de chuvas, provocando inundações. Nesses
espaços, a população é a que mais sofre com a modificação das condições do uso do solo.
Modificações na paisagem natural por ocupações irregulares, por exemplo, pode vir
a interferir na qualidade das águas devido aos dejetos depositados nos mananciais e,
consequentemente interferências na forma de organização do espaço geográfico resultando na
implicação e comprometimento da bacia hidrográfica e até de outras áreas e dos que fazem
parte dela.
É necessário levar os alunos a refletir e perceber quanto é importante o estudo de
uma bacia hidrográfica, não apenas isso, mas o levantamento de questões no qual interferem
no cotidiano de sua comunidade. Um exemplo que podemos citar é a falta de cuidados com o
depósito de esgoto e de lixo em mananciais ou quando é retirada a cobertura vegetal
provocando a erosão, onde esses sedimentos são carregados formando bancos de areia em
seu leito, diminuindo o nível das águas. Um outro problema é a diminuição da
evapotranspiração devido ao desmatamento, resultando nas alterações da dinâmica do sistema
natural. Quando existe certo cuidado e a preservação das bacias hidrográficas, ou seja, seus
rios principais, afluentes e subafluentes, há grandes possibilidades de uso como a prática de
irrigação na agricultura, por exemplo, ou o abastecimento de necessidades básicas Podemos
analisar tais fatos ao observarmos tabelas, fotografias e mapas.
Com a finalidade de pressionar as autoridades governamentais, vários orgãos
foram feitos e organizados, um exemplo é a Agenda 21, um detalhado programa de ação
estabelecendo metas aceitas universalmente para os principais fatores que afetam a relação
entre o meio ambiente e o desenvolvimento enumeramos também o Plano Diretor, Estatuto da
Cidade entre outros mecanismos capazes de proporcionar à sociedade civil a busca de meios
de coibir certos interesses particulares.
Ao analisarmos os fatos relatados nos parágrafos anteriores, podemos pensar
formas de trabalhar assuntos denominados importantes por fazer parte da vivência dos alunos,
como instigá-los à busca de meios de intervenção por meio de projetos feitos pelos próprios
alunos, ficando atento aos órgãos públicos e responsáveis por esses processos denunciando
irregularidades, etc.
Uma dessas formas seria o trabalho de campo em que os alunos terão a
oportunidade de observar e examinar o espaço em que vivem, levando em consideração
aspectos físicos como a flora, fauna, solo, clima, hidrografia sem separar de aspectos sociais,
ou seja, a inserção do homem neste espaço e a forma de como esses recursos naturais são
utilizados. O professor tem um papel importantíssimo nesse processo, ao levar os alunos a
refletir sobre esses conteúdos e direcionar a atenção dos mesmos aos conteúdos que planeja
lecionar.
Faz-se necessária a interpretação do espaço, mas antes é preciso fazer um recorte,
ou seja, levar os alunos a percepções que no caso de um observador sem o auxílio de um
educador passaria despercebido aspectos relevantes no que diz respeito ao processo de
degradação ou alterações que este espaço vivido vem passando ao longo dos anos como: que
indústrias se concentram no lugar onde vivem? em Que locais são depositados seus desejos
industriais? Qual a cor da água do córrego? Há presença de moradias próximas da nascente?
Existe poluição, sedimentos no leito do rio? O que compõem às margens desse
córrego/ribeirão?
São meios e formas que levam os alunos a reflexão sobre o espaço em que vivem.
Utilizar a prática de observação do espaço físico como meio de interpretação de fenômenos que
compõem uma bacia hidrográfica se faz importante, bem como estabelecer relações com a
preservação dos recursos naturais e a qualidade de vida da comunidade.
Esse tipo de trabalho pode ser feito através de diferentes formas como: fotografias,
uso de pranchetas nas quais os alunos irão observar e representar através de desenhos que
posteriormente serão levadas a construção de mapas através do que estão vendo na paisagem
local, estabelecer dimensões aproximadas do real sempre com o auxilio do professor. Não
podemos dizer que a Cartografia não está inserida neste contexto, pois esta é definida como a
linguagem criada para registros sobre os lugares.
O momento em sala de aula é muito importante. Recompor aquilo que foi lido,
através da observação da paisagem é ideal para à compreensão de conceitos importantes da
Geografia e da linguagem cartográfica. Por meio de conhecimentos que os alunos adquiriram no
trabalho de campo, levantar questões da observação dos alunos, como as modificações
produzidas no espaço: construções, presença da industrialização e comércio, novas
edificações, desmatamento, mudanças no curso dos rios, novos aglomerados populacionais,
dependência do uso das águas como poder econômico, entre outros. Discutir sobre aspectos de
conservação e preservação é importante, mas podemos ir mais além . Ao tomarmos parte da
real situação através da observação, contato, análise e reflexão, a preservação do ambiente
estão sendo inseridas, porém de forma diferenciada. Conhecer o espaço através do olhar
geográfico é tarefa fundamental nas séries iniciais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que a ciência geográfica tem a preocupação de estudar a organização e a
reorganização do espaço pelo homem e do homem no espaço, sendo necessária à aplicação
desses fatos no âmbito escolar.
A Geografia foi transformada numa disciplina onde aspectos humanos e sociais são
de grande importância, passando a se discutir aspectos ligados ao seu cotidiano, dando ênfase
à formação do cidadão político, objetivo maior da educação escolar. Podemos dizer que a
Geografia ao longo dos tempos vem proporcionando desafios para educadores e educandos.
Ela deve propiciar a observação, leituras, análise e compreensão da paisagem local, espaço
geográfico e, enquanto espaço da ação humana em interação com a natureza, um espaço
social no qual está em constante transformação, um espaço dinâmico onde se resulta das
múltiplas determinações da ação humana.
O espaço da sala de aula deve ser um lugar onde se permite o diálogo, a troca de
experiências vividas no cotidiano gerando problematizações a serem discutidas e vivenciadas
no espaço escolar. Ao pensarmos em tal proposta, vemos a necessidade de conhecer o espaço
vivido pelo aluno bem como sua comunidade, ou seja, conhecer o aluno e proporcioná-lo a
compreensão das relações sócio-culturais e a dinâmica dos processos físicos e naturais
contextualizados historicamente, utilizando-se de diferentes formas de trabalho, num contexto
sócio-espacial do conhecimento geográfico como algumas descritas nesse artigo.
Refletir sobre a importância do conhecer e pensar o espaço através do olhar
geográfico é fundamental nas séries iniciais do ensino. Práticas como o contato com a
realidade, observações, questionamentos, nos faz descobrir e enxergar que o estudo das bacias
hidrográficas é uma tarefa difícil, porém alcançável.
REFERÊNCIAS
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MOÇO, Anderson. O mundo dentro e fora da escola. Nova Escola, out. 2008. Disponível em:
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SANTOS, Catarina Maria dos. A Cartografia no Ensino Fundamental: a partir do espaço
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SIMIELLI, Maria Elena Ramos. Cartografia no Ensino Fundamental e Médio. In: CARLOS, Ana
Fani Alessandri (Org.). A Geografia na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2007, p.92 – 108.
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Ângela Mara de Oliveira Fernandes e Mariane de Oliveira Fernandes