PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática
Maria Fernanda Donnard Carneiro
EXPERIMENTUM CRUCIS DE NEWTON:
contribuições da história e filosofia da ciência
Belo Horizonte
2012
Maria Fernanda Donnard Carneiro
EXPERIMENTUM CRUCIS DE NEWTON:
contribuições da história e filosofia da ciência
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Ensino de Ciências e Matemática da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito à obtenção do título de mestre em
ensino de Ciências e Matemática.
Área de concentração: ensino de Física
Orientadora: Lídia Maria Luz Paixão Ribeiro de
Oliveira
Belo Horizonte
2012
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
C289e
Carneiro, Maria Fernanda Donnard
Experimentum crucis de Newton: contribuições da história e filosofia da
ciência / Maria Fernanda Donnard Carneiro. Belo Horizonte, 2012.
241f.: il.
Orientadora: Lídia Maria Luz Paixão Ribeiro de Oliveira
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática.
1. Ciência – História. 2. Ciência – Filosofia. 3. Newton, Isaac, Sir, 16421727. I. Oliveira, Lícia Maria Luz Paixão de. II. Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e
Matemática. III. Título.
CDU: 501
Maria Fernanda Donnard Carneiro
EXPERIMENTUM CRUCIS DE NEWTON:
contribuições da história e filosofia da ciência
Dissertação apresentada ao Programa de pósgraduação em Ensino de Ciências e Matemática da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito à obtenção do título de mestre em
ensino de Ciências e Matemática.
____________________________________________________________
Lídia Maria Ribeiro Luz Paixão de Oliveira (Orientadora) – PUC Minas
____________________________________________________________
Ivan Ducatti – UFRJ
____________________________________________________________
Maria Inês Martins – PUC Minas
Belo Horizonte, 10 de fevereiro de 2012.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, à minha querida mãe, Rejane Donnard Carneiro, professora de
história, que com todo o seu carinho e dedicação, contribuiu, desde os primeiros anos
escolares, para que eu chegasse até aqui. Especialmente, neste trabalho, agradeço pelos
momentos de discussão, pelas leituras prévias dos capítulos, pela indicação de livros, pelas
dicas e sugestões e, principalmente, pela paciência em me escutar nos momentos mais
cansativos e difíceis dessa caminhada.
Ao meu querido irmão gêmeo, Saulo Donnard Carneiro, pela companhia, pela
presença sempre constante, pelo apoio incessante, pela mão estendida em todos os momentos
que se fizeram necessários, pelo olhar fraterno e pela sintonia. É sempre muito bom saber que
posso contar contigo em qualquer momento.
Ao meu pai, pelo incentivo, por sempre me lembrar de minhas obrigações ao
perguntar “E a dissertação? Como vai?” e, principalmente pelo auxílio logístico, no que diz
respeito à produção do cd com o documentário “Mentes Brilhantes” e ainda à confecção da
“Caixa de Luzes”, componentes do produto dessa dissertação.
À minha orientadora e professora, Lídia Maria L. P. Ribeiro de Oliveira, pela
paciência e orientação, conduzindo-me a este trabalho de pesquisa.
Aos meus colegas de mestrado e, em especial, à Cintia Christ Klippel, por permitir que
a amizade e a sintonia iniciadas em sala de aula, se estendessem para os mais variados
momentos de nossas vidas e nos transformassem em amigas do coração.
Ao meu amigo Marco Aurélio Peixoto, pelas conversas na internet durante as longas
madrugadas, quando as palavras e as idéias já não eram mais capazes de serem organizadas e,
também, pela ajuda no abstract.
A todos os professores do mestrado, pelos conhecimentos transmitidos.
Aos integrantes da secretaria do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e
Matemática, pela paciência e atenção prestada ao nos atender.
Aos alunos da licenciatura em Física da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, pelo acolhimento e recepção no momento da aplicação do produto, e também pelas
sugestões enviadas.
E, finalmente, a todas as pessoas que já passaram em meu caminho; e aos encontros,
aos desencontros, às aflições, às dificuldades, às provações, às alegrias, e às conquistas que
me enriqueceram como ser humano e me fizeram crescer e renovar atitudes e pensamentos.
“Se vi mais longe, foi porque estava sobre ombros de gigantes.” (NEWTON, 2002).
RESUMO
O processo de produção do conhecimento científico e o estabelecimento das leis ou verdades
científicas não estão relacionados apenas às habilidades pessoais de cada cientista. Eles
ultrapassam essas fronteiras, sendo ainda o resultado de uma série de influências externas do
meio, para as quais contribuem, de maneira direta e significativa, o contexto histórico e
filosófico vigentes. Isso significa que as descobertas científicas não foram, e nunca serão,
meros resultados de “mentes brilhantes” e geniais, confinados em laboratórios. Com base
nessa idéia, este trabalho se dedica à análise das condições históricas e filosóficas anteriores à
realização do Experimentum crucis de Newton, para mostrar aos alunos (por meio da
construção e elaboração de uma seqüência de atividades didáticas) quais fatores, realmente,
contribuíram para que o cientista afirmasse que a luz branca é uma mistura de cores com
diferentes refrangibilidades. Diferentemente da idéia simples e direta veiculada nos livros
didáticos (Newton posiciona o prisma frente à luz solar, olha a imagem obtida e já é capaz de
formular a sua teoria), tal conclusão foi o resultado de um longo processo de construção, para
o qual contribuíram a filosofia e a maneira de pensar de Newton. Características estas que, por
sua vez, também apresentam indícios das transformações (principalmente de mentalidade)
ocorridas na Europa a partir do renascimento do comércio e que culminaram no fértil período
da Revolução Científica.
Palavras-chave: História e filosofia da ciência. Isaac Newton. Dispersão da luz.
ABSTRACT
The production process of the scientific laws and the establishment of scientific truths aren't
only related to personal abilities of each scientist. They overpass those boundaries, being a
result of a lot of external influences from the environment, to which contribute directly and
significantly, the existing historical and philosophical context. This means that scientific
discoveries have not been and will never be mere results of “brilliant minds” and genius,
confined to laboratories. Based on this idea, this work is dedicated to analyse the historical
and philosophical conditions before performing the Newton's Experimentum crucis, to show
the students (through the construction and elaboration of a sequence of teaching activities)
which factors indeed contributed to afirm that the white light is a mixture of colors with
different refrangibility. Differently the simple and straightforward idea conveyed in textbooks
(Newton positioned the prism opposite the sunshine, saw the image obtained and was able to
formulate his theory), this conclusion was the result of a long building process to which
contributed the philosophy and way of Newton's reason. All these characteristics, by the way,
also show evidence of changes (mainly mentality) that occurred in Europe since the
renascence of trade, culminating in the fertile period of the Scientific Revolution.
Keywords: History and philosophy of science. Isaac Newton. Light dispersion.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 –
Os números triangulares e as suas representações geométricas ....................
84
Figura 2 –
Números quadrados e as suas representações geométricas ...........................
84
Figura 3 –
O sistema Tychônico .....................................................................................
87
Figura 4 –
Modelo de Kepler relacionando as distâncias orbitais dos seis planetas às
distâncias obtidas pela inscrição e circunscrição aos sólidos platônicos .......
89
Figura 5 –
A divisão da filosofia segundo Thomas Hobbes. .......................................... 104
Figura 6 –
Representação dos principais pensadores que fizeram parte do período da
Revolução Científica ..................................................................................... 108
Figura 7 –
Representação esquemática do experimento 3 de Newton ............................ 126
Figura 8 –
Detalhe da imagem oblonga obtida após a refração ...................................... 127
Figura 9 –
O ângulo refrator de um prisma e o posicionamento adotado por Newton
durante a realização dos experimentos .......................................................... 128
Figura 10 – Identificação dos ângulos com que um raio incide e emerge de um prisma,
quando ele se encontra na posição de desvio mínimo ................................... 128
Figura 11 – Desenho utilizado por Newton na demonstração de que a imagem
obtida deveria ser circular, quando o prisma estivesse na posição de
desvio mínimo ............................................................................................... 129
Figura 12 – A incidência perpendicular dos raios na parede também era uma condição
necessária para que a imagem obtida fosse circular ...................................... 130
Figura 13 – Representação esquemática do experimento 5 de Newton ............................ 133
Figura 14 – Divisão das imagens em pequenas regiões circulares, nas quais incidiriam
apenas raios refratados igualmente ................................................................ 136
Figura 15 – Desenho de Isaac Newton para o seu experimentum crucis .......................... 137
Figura 16 – Representação esquemática do experimento 6 .............................................. 138
Figura 17 – Representação esquemática do experimento de Newton usado para
combinar as cores .......................................................................................... 142
Figura 18 – A composição da luz branca, agora utilizando dois prismas ......................... 143
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Relação dos livros didáticos analisados .......................................................... 120
Quadro 2 – Dimensões e subdimensões utilizadas na análise dos livros didáticos ........... 121
Quadro 3 – Análise da organização da informação histórica – Dimensão I ...................... 122
Quadro 4 – Análise dos materiais usados para apresentar a informação histórica
referente à decomposição/composição da luz branca – Dimensão II ............. 123
LISTA DE SIGLAS
AAAS
– Associação Americana para o Progresso da Ciência
BAAS
– Associação Britânica para o Ensino de Ciências
PSSC
– Physical Science Study Committee
PNLEM – Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................
23
2 APLICAÇÕES DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO .........
2.1 A História e Filosofia da Ciência e o ensino: reaproximação e contribuições .......
2.2 Como ocorre a inserção da História e Filosofia da Ciência no ensino de ciências
2.2.1 Historiografia e algumas possibilidades de se escrever sobre a história.................
2.2.2 A pseudo-história.......................................................................................................
2.2.3 Outras possibilidades para a inserção da História e Filosofia da Ciência .............
26
26
36
37
39
44
3A CIÊNCIA COMO UM PRODUTO DA RELAÇÃO EXISTENCIAL ENTRE OS
SERES HUMANOS E O MEIO: SUBSÍDIOS TEÓRICOS.........................................
3.1 A ciência e a produção do conhecimento como produtos da relação existencial
entre os seres humanos e o meio.......................................................................................
3.1.1 A fase dos reflexos primordiais .................................................................................
3.1.2 A fase do saber ...........................................................................................................
3.1.3 A fase da ciência ........................................................................................................
3.2 A razão e o método como produtos da relação existencial entre o ser humano e
o meio ..................................................................................................................................
3.3 O desenvolvimento da ciência como um caso particular do desenvolvimento da
cultura geral .......................................................................................................................
3.3.1 O significado histórico dos instrumentos culturais materiais .................................
59
64
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................
4.1 Do contexto histórico e filosófico que precede a época de Isaac Newton................
4.2 As regras do filosofar de Isaac Newton .....................................................................
4.3 A teoria das cores de Newton......................................................................................
4.4 A proposta didática .....................................................................................................
67
68
68
69
70
51
52
52
53
54
58
5 A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA ................................................................................... 73
5.1 A Revolução Científica: caracterização geral ........................................................... 73
5.1.1 A primeira fase da revolução científica: contextualização histórica ...................... 74
5.1.2 A segunda fase da revolução científica: contextualização histórica ....................... 77
5.1.3 A terceira fase da revolução científica: contextualização histórica ........................ 79
5.1.4 A transição do feudalismo para o capitalismo e as transformações da
mentalidade......................................................................................................................... 80
5.1.4.1 As contribuições de Nicolau Copérnico (1473-1543) .......................................... 82
5.1.4.2 As contribuições de Tycho Brahe (1546-1601).................................................... 86
5.1.4.3 As contribuições de Kepler ( 1571-1630) ............................................................. 87
5.1.4.4 As contribuições de Galileu Galilei (1564-1642) ................................................. 91
5.1.4.5 As contribuições filosóficas de Francis Bacon (1561-1626) ............................... 97
5.1.4.6 Algumas contribuições de Renè Descartes (1596-1650) ..................................... 101
5.1.4.7 As contribuições filosóficas inglesas do século XVII .......................................... 104
6 AS REGRAS DO FILOSOFAR DE NEWTON .......................................................... 109
6.1 As regras da filosofia de Newton e o seu método ...................................................... 110
6.2 Algumas considerações sobre a história da ótica...................................................... 115
7 A TEORIA DAS CORES DE NEWTON: UMA ANÁLISE DA PROPOSIÇÃO
2 DO LIVRO I DE ÓTICA...............................................................................................
7.1 A decomposição da luz branca nos livros didáticos .................................................
7.2 Uma análise da proposição 2 do Livro I de Ótica de Newton: desenvolvimento
lógico e argumentação envolvida......................................................................................
7.2.1 O experimento 3 da parte I, do Livro I de Ótica.......................................................
7.2.2 O experimento 4 do Livro I de Ótica.........................................................................
7.2.3 O experimento 5 do Livro I de Ótica.........................................................................
7.2.4 O experimento 6 do Livro I de Ótica.........................................................................
7.2.4.1 O experimentum crucis e a argumentação utilizada por Newton ......................
7.3 Algumas considerações................................................................................................
119
119
124
126
132
133
137
139
145
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 148
8.1 O desenvolvimento da atividade: algumas considerações........................................ 148
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 154
APÊNDICE A – Produto Final – Material do Aluno..................................................... 159
APÊNDICE B – Produto Final – Orientações ao professor .......................................... 217
APÊNDICE C – Instrumento de avaliação entregue aos alunos após a realização
da atividade ........................................................................................................................ 240
23
1 INTRODUÇÃO
Em janeiro do ano de 2008, iniciei o mestrado profissional em ensino de Ciências e
Matemática (área de concentração: ensino de Física) na Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais.
Como parte integrante das disciplinas do primeiro módulo, cursei “A História e
Filosofia da Ciência”. Era a primeira vez que me deparava com discussões e considerações
filosóficas a cerca da construção do conhecimento científico, uma vez que não havia cursado
nenhuma disciplina similar na graduação.
A percepção e a compreensão de que o conhecimento científico é o resultado de um
processo histórico e dinâmico de construção humana e, por isso mesmo, está vinculado aos
contextos social, político, econômico e cultural vigentes em uma determinada época,
simplesmente me fascinaram. Não que jamais tivesse pensado a respeito, mas visões e
concepções mitificadas a respeito da figura do cientista e do processo de produção do
conhecimento científico são constante e insistentemente divulgadas pela mídia e até mesmo
por alguns livros didáticos, conduzindo-nos, muitas vezes, à irreflexão a respeito do longo
caminho percorrido até que determinada teoria ou lei fossem descobertas ou mesmo aceitas no
meio acadêmico. E esse descuido pode gerar complicações futuras, uma vez que, enquanto
professores, podemos incorrer no erro de transmitir, aos nossos alunos, uma visão também
distorcida e mitificada da ciência e de seu processo de construção.
Enquanto professora e autora de livros didáticos de Física para o ensino médio,
percebo como é deficiente e pouco significativa a inserção da História e Filosofia da Ciência,
em especial a História da Física, nos livros e compêndios utilizados nas escolas. Em geral, é
apresentada na forma de textos complementares, colocados ao final dos capítulos, que
enfocam a biografia de determinados físicos, ou então por meio de pequenas inserções
mitificadas e distorcidas (pseudo-história) que reforçam, principalmente, a idéia de que
determinada lei foi descoberta porque, em um certo instante, o físico teve um “insight” que o
permitiu compreender o fenômeno estudado. Todas as contribuições do momento histórico e
filosófico vigente na época e as influências no modo de pensar e de agir são desconsideradas.
Diante dessas constatações, passei a pesquisar e a me interessar sobre as possibilidades
de inserção da História e Filosofia da Ciência em atividades e propostas a serem
desenvolvidas em sala de aula.
Esta dissertação é, portanto, o resultado de todo esse processo de estudo, de pesquisas
e de reflexões a respeito desse tema.
24
Nela, serão enfatizadas e analisadas situações referentes à Ótica, com destaque
especial para as questões, os experimentos e as argumentações utilizadas por Newton para
comprovar a proposição 2 da parte I de seu livro I de Ótica (1704), que afirma que “a luz do
sol consiste em raios com diferentes refrangibilidades”.
Essa escolha justifica-se pelo fato de ser este um experimento muito relatado e
comentado nos livros didáticos de Física. São raros os compêndios que não fazem menção,
ainda que por meio de desenhos, dessa descoberta. O problema, entretanto, é que tais relatos
são extremamente simples e diretos e conduzem o aluno à falsa impressão de que o prisma foi
colocado em qualquer posição e de qualquer maneira frente à luz solar. Além disso, fazem o
aluno acreditar que as conclusões a respeito da composição da luz branca foram facilmente
obtidas a partir, apenas, das observações realizadas.
Um estudo mais preciso e cuidadoso da História e Filosofia da Ciência e,
principalmente do artigo publicado por Newton em 1672, na Philosophical Transactions, e de
seu livro Ótica (1704), nos revelam que não foi sempre assim. Detalhes específicos em
relação ao posicionamento do prisma e a utilização de argumentos epistemológicos, e não
apenas experimentais, precisaram ser empregados para que Newton pudesse formular a sua
teoria a respeito das cores. Detalhes estes, por sua vez, que ficam completamente omitidos,
apagados e distanciados do ensino desse conteúdo.
Sendo assim, este trabalho tem como objetivo, em um primeiro momento, mostrar aos
alunos que o raciocínio e a argumentação empregados por Isaac Newton (1642-1727) para
explicar o fenômeno da dispersão da luz branca não foram tão “simples” quanto desejam
evidenciar alguns materiais didáticos. Na verdade, constituem o resultado de um lento
processo de desenvolvimento do pensamento científico, para o qual contribuíram de modo
significativo o contexto histórico e filosófico vigentes antes e durante a própria existência de
Newton.
Em um segundo momento, pretende-se construir junto aos alunos, uma visão mais
humana do cientista (em especial de Isaac Newton) e desmitificar a idéia de que são seres
geniais, que desenvolvem idéias mirabolantes em momentos de puro “insight”.
Por fim, deseja-se, ainda com base nos estudos desenvolvidos a respeito da dispersão
da luz branca, elaborar uma sequência didática para os alunos do segundo ano do ensino
médio que auxilie na compreensão de que Newton não formulou essa teoria a partir de uma
simples observação (estimulada talvez por uma mera idéia repentina) mas, sim, como
conseqüência de todo um processo de construção histórica e filosófica do pensamento
científico.
25
Para tanto, o presente trabalho encontra-se estruturado em 7 capítulos.
No capítulo seguinte, será feita uma análise das possibilidades de aproximação da
História e Filosofia da Ciência do ensino de ciências (mais especificamente no ensino de
física), bem como das estratégias já utilizadas por alguns pesquisadores para se atingir tal
objetivo. Nesse sentido, serão evidenciadas, em um primeiro momento, as concepções de
alguns historiadores da ciência a respeito das melhorias percebidas no ensino de ciências com
essa aproximação. Em seguida, serão relatadas algumas tentativas de inserção da história e
filosofia da ciência no ensino já realizadas por pesquisadores e que buscam, de um modo
geral, se distanciarem da chamada “pseudo-história”.
Na sequência, serão apresentados, os subsídios teóricos que embasam e norteiam toda
a discussão desse trabalho e que colocam a ciência e a produção de todo o seu conhecimento
como produtos da relação existencial entre o homem e o meio.
Com essa concepção em mente, será feito ainda um estudo do contexto histórico da
época da realização do experimentum crucis, procurando-se destacar quais foram as
concepções filosóficas (herdadas de épocas anteriores) que influenciaram o desenvolvimento
do raciocínio, da lógica e da maneira de pensar de Isaac Newton. Posteriormente, todas essas
considerações serão empregadas na análise (mais especifica e detalhada) da sequência de
passos da argumentação desenvolvida por Newton para explicar o fenômeno da dispersão da
luz branca por um prisma e que, como veremos no decorrer do texto, destroem e desmitificam
por completo a concepção errônea de que grandes teorias científicas nascem prontas e
acabadas da mente de gênios.
26
2 APLICAÇÕES DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO
Tentativas de se inserir a História e Filosofia da Ciência no ensino de ciências (e em
especial no ensino da Física) não constituem ações recentes. Conforme veremos a seguir, já
no final do século XIX e início do século XX, encontram-se filósofos e pensadores
trabalhando e produzindo artigos e livros voltados para essa temática.
Atualmente, essas preocupações com a inserção da “História e Filosofia da Ciência” se
tornaram tão evidentes que passaram a constituir uma importante área de pesquisa nos cursos
de pós-graduação (mestrados e doutorados). Mais do que a pesquisa em si, buscam-se
desenvolver, nesses cursos, estratégias de ensino que não reforcem a visão empiristaindutivista da ciência e que, por sua vez, priorizem o equilíbrio entre as duas facetas da
abordagem da História e Filosofia da Ciência: a internalista (que se preocupa em responder se
determinada teoria estava bem fundamentada, considerando apenas as evidências científicas
utilizadas, a existência ou não de lacunas metodológicas e o contexto científico de sua época)
e a externalista (que se preocupa em analisar os fatores extracientíficos, isto é, o contexto
histórico e filosófico - as influências sociais, políticas, econômicas, a luta pelo poder vigentes à época do desenvolvimento de determinada teoria científica).
Nesse sentido, este capítulo faz uma revisão de algumas das mais importantes
discussões sobre o tema, apresentando concepções favoráveis e contrárias à inserção da
História e Filosofia da Ciência no ensino. São apresentados também, alguns trabalhos e
materiais didáticos recentemente desenvolvidos na área e que procuram reaproximar história e
filosofia da ciência do ensino.
2.1 A História e Filosofia da Ciência e o ensino: reaproximação e contribuições
É impossível negar a complexidade e as dificuldades envolvidas em um processo de
ensino-aprendizagem. Além de ser um fenômeno humano, do qual participam e interagem
alunos, professores, famílias e profissionais de outras áreas; é também um fenômeno
histórico, cujos modos de pensar e de agir (traduzidos em técnicas e metodologias) refletem
aspectos condizentes com dimensões sociopolíticas e culturais de épocas já vivenciadas.
Nesse sentido, os conhecimentos prévios; a motivação, o interesse, o esforço e as habilidades
pessoais (tanto dos alunos quanto dos professores); o local físico no qual ocorre o ensino; as
relações emocionais e afetivas aí estabelecidas; a existência de materiais e recursos didáticos e
os processos avaliativos adotados são algumas das variáveis que interferem diretamente na
27
relação ensino- aprendizagem, transformando-a em algo tão complexo e desafiador.
E quando este processo se refere ao ensino da Física, uma disciplina extremamente
rica e resultante de um longo e tortuoso processo histórico de construção e reconstrução, a
situação se agrava. Conforme apregoa Robillota:
O conhecimento englobado pela Física forma um corpo articulado de modo
complexo, e parte dessa dificuldade de se ensinar esta disciplina advém do fato de
não reconhecermos ou considerarmos essa complexidade em toda a sua extensão.
Ao tratarmos de modo simplificado um corpo de conhecimento que é muito
complicado e repleto de sutilezas, podemos acabar por fazer com que ele se torne
ininteligível aos estudantes. (ROBILLOTA, 1988, p. 9).
Essa ininteligibilidade dos conteúdos é, na maioria das vezes, traduzida e evidenciada
por concepções inadequadas da ciência e do processo de produção do conhecimento científico,
por uma enorme dificuldade para abstrair e aplicar o conteúdo da Física em outras áreas do
conhecimento ou em situações que exijam um maior grau de complexidade, pelo grande
número de evasões, desmotivação e desinteresse demonstrados nas aulas dessa disciplina.
Dentre os diversos caminhos apontados pelas pesquisas desenvolvidas na área de
ensino de Física para solucionar ou minimizar os problemas anteriormente mencionados, e
que vêm sendo constante e intensamente defendidos nas últimas décadas, encontra-se a
necessidade de se tornar o ensino da Física mais contextualizado, mais histórico e mais
reflexivo, o que implica em uma reaproximação da História e Filosofia da Ciência do ensino
da Física.
Na verdade, ainda que nas últimas décadas tenham-se intensificados os trabalhos nessa
área, essa tentativa de reaproximação não é recente. Desde o final do século XIX e início do
século XX, encontram-se indícios desse processo.
O filósofo e físico Ernst Mach (1838-1916), é um exemplo. Autor de A mecânica no
seu desenvolvimento histórico-crítico (1883), A análise das sensações e a relação entre físico
e psíquico (1900), Os princípios da termologia desenvolvidos de modo histórico-crítico
(1896) e Conhecimento e erro (1905), tornou-se conhecido por defender a idéia da ciência
como uma maneira de economizar pensamento.
Para Mach, todas as leis e teorias científicas desenvolvidas seriam resultantes de um
processo de evolução biológica e cultural que permitiriam aos homens das futuras gerações
alcançarem o conhecimento vasto, sem a necessidade de serem refeitas todas as experiências e
demonstrações já executadas, ao longo dos séculos.
Segundo afirmam Reale e Antiseri (2007), Mach advoga ser função da ciência
28
[...] pesquisar o que é constante nos fenômenos naturais, seus elementos, o modo da
sua relação e sua dependência recíproca. Mediante a descrição clara e completa, a
ciência procura tornar inútil o recurso a novas experiências, economizando assim
experiências (REALE; ANTISERI, 2007, p. 409).
Nesse contexto, torna-se indispensável, para Mach, que o ensino da ciência seja
realizado evidenciando-se todo o seu desenvolvimento histórico. Somente dessa maneira seria
possível ao aluno conhecer a experiência já realizada por outros, o que lhe economizaria
pensamentos e novas e desnecessárias experiências. O conhecimento científico de uma
geração inteira tornar-se-ia, dessa maneira, patrimônio de gerações futuras que dele poderiam
usufruir. Vale ressaltar que para Mach, evidenciar o desenvolvimento histórico correspondia,
na verdade, a estabelecer quase que uma sistematização cronológica dos dados científicos,
com o estudo de fatos e situações anteriores que se tornaram decisivos na descoberta de
determinada teoria. Não há, ainda, nenhuma preocupação com o estabelecimento dos porquês
no estudo dessas teorias, nem tampouco com as contradições inerentes a este processo de
formação em ciências.
Os franceses Pierre Duhem (1861-1916) e Paul Langevin (1872-1946), no início do
século XX, também contribuíram de modo significativo para essa aproximação. Duhem, ao
fazer uma analogia entre o desenvolvimento cognitivo de um indivíduo e o desenvolvimento
histórico, transfere para o “método histórico” (baseado na análise e estudo das transformações
que propiciaram a observação de determinado fato empírico, bem como das teorias que
surgiram para tentar explicá-lo) as responsabilidades e possibilidades de se oferecer um
ensino mais profícuo das ciências, capaz de fornecer aos estudantes uma visão mais clara e
correta da complexa organização dessa área de conhecimento. (PORTELA, 2006, p. 14). Já
Langevin, em uma conferência proferida no Museu Pedagógico da França, defende a inserção
da história no ensino como meio de se combater um ensino dogmático, frio e estático que
reforça, principalmente, a idéia de que a ciência é algo morto, concluído e definitivo.
(PORTELA, 2006, p. 15).
Na segunda metade do século XX, mais especificamente nos anos pós Segunda Guerra
Mundial, constata-se, em diversos países, uma preocupação crescente com o ensino de
ciências. Questionamentos acerca da aliança entre capital e ciência-tecnologia, que culminou
com a produção e lançamento da bomba atômica, apontam para a necessidade de se
desenvolver, no processo de formação científica dos indivíduos, uma consciência cidadã sobre
as implicações sociais e tecnológicas da ciência (SILVA et al., 2008, p. 499). Tais
preocupações se evidenciaram na elaboração de novos projetos de ensino de ciências e nas
conferências e palestras ministradas em associações americanas e britânicas (Associação
29
Americana para o Progresso da Ciência - AAAS e Associação Britânica para o Ensino de
Ciências - BAAS), nas quais modificações curriculares foram propostas com o intuito de
tornar os cursos de ciências mais “contextualizados, mais históricos e mais filosóficos ou
reflexivos” (MATTHEWS, 1995, p. 167), capacitando os alunos a:
a) considerar a maneira pela qual o desenvolvimento de uma determinada teoria ou
pensamento científico se relaciona ao seu contexto moral, espiritual, cultural e
histórico;
b) estudar exemplos de controvérsias científicas e de mudanças no pensamento
científico (MATTHEWS, 1995, p. 167).
De uma maneira geral, com estas novas propostas,
[...] não se tenciona que elas [as crianças] sejam submetidas a uma ‘catequese’ sobre
as quinze razões pelas quais as conclusões de Galileu eram corretas e as dos cardeais
não. Ao contrário, espera-se que elas considerem o fato de que há perguntas a serem
feitas e que comecem a refletir não somente sobre as respostas para essas perguntas,
mas, sobretudo, sobre quais as respostas válidas e que tipos de evidências poderiam
sustentar essas respostas. (MATTHEWS, 1995, p. 168).
No que se refere à elaboração dos projetos de ensino tem-se, ao final da década de
1960, nos Estados Unidos, a publicação do Harvard Project Physics. Desenvolvido por um
grupo de professores (Gerald Holton, James Rutherford e Fletcher Watson) da Universidade
de Harvard, este projeto destaca-se por apresentar uma visão mais humanística, histórica e
contextualizada do ensino de ciências (e, mais especificamente, da Física). Foi desenvolvido
como resposta à visão extremamente tecnicista defendida pelo Physical Science Study
Committee (PSSC) e objetivava, principalmente,
a) atrair um maior número de alunos para o estudo da Física Introdutória;
b) ajudar os alunos a verem a Física como uma maravilhosa atividade com muitas
facetas humanas. Isto significa apresentar o assunto numa perspectiva cultural e
histórica e mostrar que as idéias da Física têm uma tradição ao mesmo tempo que
modos de adaptação e mudança evolutivos .
O Projeto Harvard, como ficou popularmente conhecido, obteve “sucesso em evitar a
evasão dos estudantes, atrair mulheres para os cursos de ciências e desenvolver a
habilidade do raciocínio crítico.” (MATTHEWS, 1995, p. 171) e tornou-se uma grande
30
referência aos pesquisadores e defensores da introdução da História e Filosofia da Ciência no
ensino.
Os anos 70 do século XX foram marcados por intensos debates e oposições à inserção
da História e Filosofia da Ciência no ensino, fato que evidencia a repercussão e influência
exercida por esta área do conhecimento na cultura científica da época. De modo geral, as
críticas feitas podem ser agrupadas em duas concepções principais: a de que a única história
possível nos cursos de ciências era a pseudo-história e a idéia de que a exposição à história da
ciência poderia contribuir para o enfraquecimento das convicções científicas, necessárias ao
bem sucedido aprendizado da ciência.
Um dos defensores e divulgadores da primeira visão sobre a história da ciência, foi
Martin Klein. Em julho de 1970, nos seminários e conferências ministradas no “International
Working Seminar on the Role of History of Physics Education”, organizado por Allen King e
ocorrido no “Massachusetts Institute of Technology”, Klein exerceu o papel de “advogado do
diabo”, segundo Brush (1974). Inicialmente proposto com o objetivo de discutir e delinear
passos concretos para a produção e elaboração de materiais didáticos que permitissem a
utilização da história da ciência por professores com pouco conhecimento do assunto, o
seminário também contribuiu, especialmente com a participação de Klein, para suscitar
algumas dúvidas quanto à possibilidade de se aproximar história e ensino de ciências.
Segundo Klein, história e ciências são duas disciplinas completamente distintas. O
cientista busca, na maioria das vezes, atingir e explicar a essência de um fenômeno e, para tanto,
precisa se libertar de complicadores ou contingências relativas ao tempo, espaço e personalidade
do observador. Para o historiador, entretanto, são exatamente tais aspectos que constituem a
essência da história (BRUSCH, 1974, p. 1166). Klein acredita que quando um professor faz uso
de algum material didático com enfoque histórico ele age de modo seletivo, escolhendo
exatamente aquele fato histórico que pode ajudá-lo a explicar alguma teoria moderna. Em
conseqüência disso, tem-se a proliferação de uma série de fascinantes (e algumas vezes míticas)
anedotas, que constituem as chamadas pseudo-histórias. Entre fazer uso da pseudo-história ou
não incluir a história no ensino, Klein é categórico ao fazer a opção pela segunda.
Ainda seguindo as idéias de Klein e aprofundando um pouco nas considerações,
Whitaker, em uma sequência de dois artigos (parte I e II) intitulados “History and quasi history in physics education” publicados em 1979, defende a idéia de que a inserção da
história no ensino é feita não para atender a objetivos realmente pedagógicos e, sim, para
satisfazer aos fins de uma ideologia científica da qual comunga o autor que dela faz uso
(MATTHEWS, 1995, p. 173; PORTELA, 2006, p. 19). Nesse sentido, torna-se comum a
31
“quasi-história”, que se difere da pseudo-história de Klein, sendo caracterizada pela
“falsificação da história com aspecto de história genuína, [...] onde a história é escrita
para sustentar uma determinada versão de metodologia científica (MATTHEWS, 1995, p.
174). É o que, no início da década de 30, Herbert Butterfield intitulou de interpretação
“Whig” da história. Por ela, determinado historiador faria uma retomada do passado com o
intuito de identificar pensadores, filósofos e cientistas cujas ideias e valores estariam de
acordo com aquilo que se deseja ensinar ou explicar. A compreensão completa do contexto,
dos problemas e pré-conceitos com os quais tais pessoas tiveram que lidar, é completamente
ignorada.
A segunda concepção contra o uso da história no ensino tem em Thomas Kuhn um de
seus principais divulgadores. A análise filosófica feita em “A Estrutura das Revoluções
Científicas” coloca em discussão a necessidade de se utilizar a história da ciência nos manuais
científicos (livros-textos) já que ela poderia reforçar nos alunos determinadas concepções ou
paradigmas anteriormente defendidos e que, atualmente, já foram descartados pelos “mais
persistentes esforços da ciência.” (DUARTE, 2006, p. 36). Dessa maneira, “os conceitos,
problemas e soluções do passado, quando apresentados em sua integridade histórica,
confundiria e feriria (sic) a habilidade dos estudantes na aprendizagem do paradigma atual.”
(PORTELA, 2006, p. 20).
Ainda no que diz respeito às críticas feitas à inserção da história da ciência no ensino,
devem-se destacar as considerações feitas por Stephen Brush, um dos colaboradores do
“Projeto Harvard”. Em seu artigo “Should the History of Science be Rated X?”, Brush (1974)
faz uma reflexão acerca dos aspectos subversivos que a história da ciência pode conter,
principalmente quando utilizada no ensino. Dentre esses aspectos, encontra-se a temática
referente à objetividade da ciência e da maneira com que a história da ciência e os seus
episódios são empregados pelos professores. Em um primeiro momento, parece que o autor se
posiciona totalmente contra a utilização da história da ciência no ensino. No entanto, o que ele
realmente pretende, é alertar os professores quanto às diferentes maneiras e possibilidades de
se fazer essa inserção, e quais as concepções que estão por trás de cada uma delas.
Eu sugiro que o professor que deseje doutrinar os seus alunos na visão tradicional do
cientista como um investigador neutro, não deveria empregar materiais históricos
como os que estão sendo agora elaborados pelos historiadores da ciência: eles não
serviriam a este propósito. [...] Por outro lado, aqueles professores que desejem
atacar e contestar o dogmatismo presente nos textos didáticos e transmitir uma visão
de ciência como algo que não pode ser separado de considerações metafísicas ou
estéticas, podem encontrar algum estímulo na nova história da ciência. (BRUSH,
1974, p. 1170).
32
Do exposto acima, percebe-se que Brush (1974) vê, na utilização da história da
ciência, a possibilidade de se compreender, de uma maneira mais realista, o processo de
construção do conhecimento científico. Processo esse que ajuda, por exemplo, a elucidar
questões referentes à origem dos conceitos de carga elétrica, força, campo, etc.
Seguindo-se a essa “era de críticas e debates” tem-se uma época marcada pela
intensificação das pesquisas e estudos na área, com a publicação de inúmeros outros artigos e
elaboração de materiais didáticos que pudessem auxiliar e orientar aos professores quanto às
possibilidades e maneiras de se fazer a inserção da história e filosofia da ciência no ensino.
A análise desses materiais permite-nos identificar um consenso entre os especialistas e
pesquisadores quanto ao importante papel que a História e Filosofia da Ciência podem
desempenhar na educação de um indivíduo. Matthews (1995), por exemplo, aponta quatro
importantes contribuições da História e Filosofia da Ciência ao ensino, a saber:
a) humanizam as ciências ao aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e
políticos da comunidade;
b) contribuem para um entendimento mais integral da matéria científica, isto é, podem
contribuir para a superação do mar de falta de significação que se diz ter inundado
as salas de aula de ciências, onde fórmulas e equações são recitadas sem que muitos
cheguem a saber o que significam;
c) tornam as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, deste modo,
o desenvolvimento do pensamento crítico;
d) melhoram a formação do professor, auxiliando o desenvolvimento de uma
epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, ou seja, de uma maior
compreensão da estrutura das ciências e do espaço que ocupa no sistema intelectual
das coisas. (MATTHEWS, 1995, p. 165).
As três primeiras contribuições são, na verdade, decorrentes de uma tendência
verificada nos trabalhos de epistemólogos e historiadores da ciência do início do século XX e
caracterizada pela necessidade de se combater a visão inadequada de ciência constantemente
disseminada e conhecida como visão empirista-indutivista.
Segundo Silveira (1996), as teses mais importantes desta epistemologia são as
seguintes:
33
a) A observação é a fonte e a função do conhecimento. Todo o conhecimento deriva
direta ou indiretamente da experiência sensível (sensações e percepções); antes de
podermos fazer qualquer afirmação sobre o mundo, devemos ter experiências
sensoriais;
b) O conhecimento científico é obtido dos fenômenos (aquilo que se observa),
aplicando-se as regras do método científico (procedimento algoritmo que aplicado
às observações produz as generalizações, as leis, as teorias científicas). O
conhecimento constitui-se em uma síntese indutiva do observado, experimentado;
c) A especulação, a imaginação, a intuição, a criatividade não devem
desempenhar qualquer papel na obtenção do conhecimento. O verdadeiro
conhecimento é livre de pré-conceitos, de pressupostos;
d) As teorias científicas não são criadas, inventadas ou construídas, mas
descobertas em conjuntos de dados empíricos (relatos de observações, tabelas
laboratoriais, etc). A teoria tem como função a organização econômica e
parcimoniosa dos dados, do observado e a previsão de novas observações. Qualquer
tentativa de ultrapassar o observado é destituída de sentido. (SILVEIRA, 1996, p.
225).
Silveira e Ostermann (2002), também tecem comentários a respeito dessa concepção
enfatizando que ela coloca a observação e a experimentação como a base segura do
conhecimento em geral e, em especial, do conhecimento científico. Dessa maneira, todas as
proposições científicas deveriam partir de resultados obtidos experimentalmente para,
somente depois de um processo de indução baseado na observação de regularidades, serem
expressas como leis gerais e universais. Em outras palavras,
[...] os indutivistas acreditam que as leis físicas são objetivas porque se apóiam sobre
fatos experimentais, observados cuidadosamente e sem preconceitos. Neste modo de
ver as coisas, a observação de um grande número de fatos permitiria a percepção
objetiva de regularidades, que seriam expressas por meio de leis gerais. A validade
de cada lei transcenderia o conjunto particular de fatos que lhe deu origem. Existe,
assim, o salto de um número finito de casos singulares para uma situação universal.
(ROBILLOTA, 1988, p. 13).
As críticas a essa visão de ciência são extensas e recaem, principalmente, sobre a
objetividade da observação e sobre a veracidade de justificativas baseadas na lógica da
indução. O filósofo Karl Popper foi um dos críticos mais influentes. Quanto à lógica da
indução, ele comenta
34
É obvia a falta de validade desse gênero de raciocínio: nenhum número de
observações de cisnes brancos é capaz de estabelecer que todos os cisnes são
brancos (ou que é pequena a probabilidade de se encontrar um cisne que não seja
branco). Do mesmo modo, por maior que seja o número de espectros de átomos de
hidrogênio que observemos, nunca poderemos estabelecer que todos os átomos de
hidrogênio emitem espectros do mesmo tipo. Portanto, a indução [...] não pode
fundamentar nada. (POPPER apud REALE; ANTISERI, 2007, p. 1022).
Já no que se refere à objetividade da observação, a crítica mais contundente tem, na
própria história do desenvolvimento da Física, um grande aliado. A teoria da Relatividade de
Albert Einstein, na qual todos os postulados foram apresentados e elaborados sem bases
experimentais é uma comprovação de que a ciência pode ter um desenvolvimento conceitual
livre, independente, em um primeiro momento, dos dados empíricos.
Apesar de todas essas críticas e discussões a respeito da inadequação dessa visão de
ciência, algumas práticas pedagógicas e alguns materiais didáticos insistem em reforçar traços
do empirismo-indutivista. Silveira e Ostermann (2002), por exemplo, afirmam que elementos
de indução podem ser encontrados em propostas de atividades de laboratório nas quais os
alunos devem descobrir a lei matemática que relaciona duas variáveis estudadas
experimentalmente e, utilizando-se desses resultados, generalizar essa lei para todos os corpos
em situações similares. Para exemplificar, os autores discutem a determinação da lei do
período de oscilação de um pêndulo proposta em uma atividade prática e mostram que, antes
mesmo de se chegar à generalização (indutiva) desejada, é possível identificar falhas desse
método, visto que “existem infinitas funções (e não apenas uma) que descrevem, com o grau
de aproximação que se desejar, os mesmos resultados.” (SILVEIRA; OSTERMANN, 2002, p.
16).
Além dessa constatação, Silveira e Ostermann (2002) também mencionam que o
pensamento docente ainda alinha-se, em inúmeras situações, à concepção empiristaindutivista, principalmente no momento de se justificar, aos estudantes, a origem de
determinado conteúdo estudado. Robillota (1988, p. 15), que concorda com tal afirmação, vai
além e apregoa que frases do tipo: “sabemos, pela experiência, que tal coisa acontece de tal
modo.” incorporam e reforçam sutilmente o princípio da indução nos alunos.
Em decorrência de atitudes como estas, os discentes desenvolvem uma ideia
equivocada sobre a ciência, que passa a ser considerada como um “conjunto de verdades
dogmáticas resultantes da observação pura e divorciada do contexto social; como uma
atividade superior e, como tal, praticada somente por seres intelectualmente superiores.”
(SILVA et al., 2008, p. 500). Os cientistas e pesquisadores não são, portanto, reconhecidos
como seres humanos imersos em um mar de incertezas, dúvidas, angústias, desejos,
35
esperanças, ideias e, consequentemente, não são seres sujeitos aos enganos e desacertos
inerentes a qualquer processo de produção de conhecimento.
Qual seria então, o caminho a ser percorrido na tentativa de se reverter este quadro?
Incluir a História e a Filosófica da Ciência no ensino é a solução apontada pelos
estudiosos e pesquisadores da área, tal como já havia afirmado Matthews (1995), ao
relacionar as contribuições da História e Filosofia da Ciência ao ensino.
[...] o estudo da história da ciência deve evitar que se adote uma visão ingênua (ou
arrogante) da ciência, como sendo ‘a verdade’ ou ‘aquilo que foi provado’, alguma
coisa de eterno e imutável, construída por gênios que nunca cometem erros e
eventualmente alguns imbecis que fazem tudo errado (MARTINS, 1998, p. 18).
[...] A História das Ciências pode ser uma ferramenta importante [...], ao apresentar
a ciência como um processo que envolve pessoas comuns, contextos concretos,
debates, e não como um conjunto de resultados prontos (SILVA et al., 2008, p. 500).
[...] A história ensina a ‘relativizar’, demole mitos, exibe a construção do
conhecimento, insere os indivíduos num processo, numa tradição. Além disso, ela
pode trazer de volta o fazer ciência para a esfera das atividades humanas
(ROBILLOTA, 1988, p. 18).
Não somente os alunos seriam beneficiados pela inclusão dessa abordagem históricofilosófica como, também, os professores, que encontrariam as bases sólidas e seguras para a
implementação de um ensino mais humano, reflexivo, crítico e, portanto, mais coerente com o
próprio desenvolvimento da humanidade.
Na verdade, a mudança da visão de ciência dos discentes (da empirista-indutivista para
uma abordagem mais humana e contextualizada) somente poderá ser, de fato, concretizada, na
minha percepção, se o professor adotar práticas pedagógicas a ela condizentes.
Silva et al. (2002) mencionam, por exemplo, que cada professor, ao fazer uso de um
teaching style característico, repassa aos estudantes visões, concepções e ideias que foram
internalizadas ao longo do seu próprio processo de formação profissional.
[...] De fato, o que ocorre é que o professor internaliza mitos durante sua formação,
transmitindo-os para as crianças, as quais crescem com estes mitos e os transmitem
para outros, em um processo contínuo [...]. (SILVA et al., 2002, p. 500).
Dessa maneira para que o professor repense a sua prática e a ela incorpore subsídios
que permitam uma abordagem histórico-filosófica da produção do conhecimento, é
imprescindível que ele também modifique a percepção que tem de ciência, o que deve ser
concretizado no decorrer de sua formação acadêmica. Hülsendeger (2007), Sandoval e
36
Cudmani (1993), Matthews (1995), Robillota (1998), Silva et al. (2002) e outros corroboram
essa idéia e sugerem, portanto, a inclusão da disciplina História e Filosofia da Ciência nos
currículos dos cursos de licenciatura.
Sandoval e Cudmani (1993), por sua vez, vão mais além e discutem os benefícios que
o conhecimento em história e filosofia pode trazer para o professor de física (ou professor de
ciências). Dentre eles, destacam-se as capacidades de:
a) transmitir uma visão mais realista e humana da Física (ou da ciência) pautada,
principalmente, pela compreensão de que a criação científica não pode ser reduzida
meramente a um problema lógico, visto que é o resultado de um complexo processo
histórico, caracterizado pela interação com o meio social de determinada época;
b) compreender que determinadas pré-concepções evidenciadas pelos estudantes
apresentam alguma semelhança com as teorias que, em determinada época, a
ciência aceitou como válidas;
c) explicar com maior segurança e propriedade, porque determinada proposição é
considerada definitiva, em uma dada época, e qual a sua relação com a prática.
Todas essas habilidades distinguem, segundo Matthews (1995), um professor instruído
em ciência de outro simplesmente treinado em ciência. “Os professores de ciências precisam
de instrução. A História e Filosofia da Ciência contribui claramente para essa maior
compreensão da ciência.” (MATTHEWS, 1995, p. 188).
2.2 Como ocorre a inserção da História e Filosofia da Ciência no ensino de ciências
Conforme mostrado anteriormente, as contribuições da inserção da História e Filosofia
da Ciência ao ensino são muitas e relevantes. No entanto, entre a compreensão e a aceitação
desse fato, e a aplicação dos conhecimentos dessa área de modo a, realmente, revelar a ciência
como uma atividade humana e social e promover a verdadeira compreensão do processo de
produção do conhecimento científico, existe um grande hiato.
Tal situação pode ser evidenciada pelo grande número de produções acadêmicas, pela
grande atenção e pelo cuidado que pesquisadores e estudiosos da área dispensam às
maneiras de se inserir a História e Filosofia da Ciência em propostas didáticas. Inúmeras
tentativas já foram feitas: muitas delas de maneira eficaz, outras nem tanto, conforme veremos
a seguir.
37
2.2.1 Historiografia e algumas possibilidades de se escrever sobre a história
Quando se relacionam as maneiras de se inserir a História e a Filosofia da Ciência no
ensino (dramatizações, experimentos históricos, painéis, seminários, etc.) é praticamente
impossível não incluir a leitura de algum texto histórico sobre o assunto em questão. As
informações históricas precisam ser transmitidas e os textos e os documentos escritos
constituem um efetivo meio para isso.
No entanto, quando nos colocamos na condição de leitores de história, precisamos ter
em mente que existem maneiras específicas de escrever a seu respeito, muitas das quais
representam ou fundamentam-se em modos de conceber e compreender o mundo e as suas
relações.
Quando se fala em escrever a respeito da história, tanto no sentido de como ela deve
ser escrita (que envolve teorias e métodos), quanto no sentido de como ela foi,
efetivamente escrita, estamos trabalhando com uma área do conhecimento conhecida por
historiografia.
De uma maneira geral, os pesquisadores da área costumam dividir a historiografia em
três fases distintas: a fase pré-científica que engloba as historiografias Grega, Romana, Cristãmedieval e Renascentista; a fase de transição, em que se destacam a historiografia
Racionalista ou Iluminista e a historiografia Liberal e Romântica e, finalmente, a fase
científica em que temos o Positivismo, o Historicismo, o Materialismo Histórico, no século
XIX, a escola dos “ANNALES” e a História Nova, em pleno século XX.
Cada uma delas apresenta características condizentes com as correntes filosóficas e o
panorama histórico existentes no momento.
Considerando-se o contexto desse trabalho, e com o intuito de auxiliar na
compreensão de como a história da ciência tem sido escrita e introduzida no ensino, é
relevante nos atermos à historiografia positivista e às contribuições da História Nova, que são
as manifestações mais recentes.
De uma maneira bem sucinta, pode-se dizer que o positivismo representa
um amplo movimento do pensamento que dominou grande parte da cultura européia,
em suas manifestações filosóficas, políticas, pedagógicas, historiográficas e
literárias, de cerca de 1840 até quase as vésperas da Primeira Guerra Mundial.
(REALE; ANTISERI, 2007, p. 295).
Originado em um contexto no qual o processo de industrialização e o desenvolvimento
da ciência e da tecnologia constituíam os pilares do meio sociocultural, esta corrente se
38
destacou pelo primado da ciência, isto é, pela valorização da ciência (e de seus métodos)
como sendo o único meio em condições de resolver todos os problemas humanos e sociais
que atormentavam a sociedade.
Os positivistas negavam qualquer conhecimento ligado à metafísica e se dedicavam
exclusivamente à descrição das leis que regem o universo (seja no campo das ciências ou
das relações sociais). Para o positivista, não interessava, nem fazia sentido, indagar a respeito
das causas íntimas e primárias dos fenômenos. Era preciso e necessário apenas saber
descrevê-los. Por isso, os seguidores desse movimento acreditavam em um ideal de
neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/autor e sua obra. Ao invés de mostrar as
opiniões e julgamentos de seu criador, a obra deveria retratar de forma neutra e clara uma
dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar. Os positivistas acreditavam que o
conhecimento se explica por si mesmo, necessitando apenas seu estudioso recuperá-lo e
colocá-lo à mostra.
Nesse sentido, para os positivistas que se dedicaram ao estudo da História, tal área do
conhecimento passou a ser encarada como uma ciência pura, sendo constituída por fatos
históricos bem definidos cronologicamente, e com significados e importância similares às das
leis Físicas e Químicas. À semelhança de um cientista (que executa experimentos rigorosos),
um historiador deveria extrair as informações acerca do fato histórico, através da busca
minuciosa em documentos e textos, lembrando sempre de não fazer nenhum juízo de valor a
respeito do fato. O foco dessa historiografia está, portanto, na objetividade dos fatos e na
validade do método utilizado para se obtê-los.
Consideradas no contexto da escrita da história da ciência, essas características
positivistas passaram a ser associadas, com um tom pejorativo, às descrições e às narrativas
factuais e cronológicas das descobertas científicas, sempre dotadas de grande ênfase nos
personagens da ciência.
No entanto, segundo afirmam alguns pesquisadores, Petersen (1998) e Pezat (2006),
por exemplo, tal associação está equivocada. Uma leitura atenta de Auguste Comte (17981857), representante do positivismo francês, desmente alguns aspectos comumente associados
ao seu pensamento.
Todas as obras históricas escritas até hoje, mesmo as mais recomendáveis, não
tiveram [...] senão o caráter de anais, isto é, de descrição e de disposição cronológica
de uma certa série de fatos particulares, mais ou menos exatos, mas sempre isolados
entre si. [...]. Não existe até hoje verdadeira história, concebida em um espírito
científico, isto é, tendo por fim a pesquisa das leis que presidem ao desenvolvimento
social da espécie humana. (COMTE, 1899, p. 199).
39
Percebe-se, com tal afirmação, que o próprio filósofo condena as narrativas ditas
apenas factuais e cronológicas e defende o estudo das leis da sociedade como meio de se
tornar tais histórias recomendáveis.
Consideradas, portanto, como positivistas ou não, o fato é que essas inserções da
história da ciência com características de descrições meramente factuais e cronológicas, muito
comuns em livros e materiais didáticos, pouco contribuem para disseminar uma visão humana
da ciência. Isoladas de considerações acerca do momento político, econômico, social e
cultural vigentes, reforçam apenas os aspectos finais do processo de construção do
conhecimento científico, no qual a formulação de uma lei e a explicação do fenômeno
ganham destaque. As contradições, as dificuldades e os desacertos parecem não fazer parte
desse processo. Certamente por esta razão, tais abordagens passaram a ser vistas com um
olhar pejorativo pelos historiadores da ciência.
2.2.2 A pseudo-história
É possível perceber na literatura, certo consenso quanto à inutilidade de determinadas
abordagens históricas feitas em livros e manuais. Em geral, tais abordagens se caracterizam
pela citação de datas e nomes de personagens da ciência, pela apresentação de biografias
curtas dos autores das leis estudadas (geralmente no final dos capítulos), ou por relatos
folclóricos e mitificados de acontecimentos históricos como, por exemplo, a história de que
Newton teria descoberto a lei da Gravitação Universal depois de ter a sua cabeça atingida por
uma maçã que se desprendeu de uma árvore, sob a qual ele se encontrava.
[...] Os cursos de livros didáticos frequentemente passam uma visão de ciência e de
Física, particularmente, senão como algo estático, pelo menos como um processo
automático que se desenvolve linear e cumulativamente, passo a passo, sem grandes
contradições. Em geral, as suas teorias, modelos ou leis são apresentados como se
constituíssem verdades absolutas, naturais, objetivas, que devem ser apreendidas
como regras estabelecidas, para serem usados ou aplicados sem quaisquer indagação
ou questionamento. As referências históricas, quando existem, não vão além de
‘pinceladas’ de uma história que se limita a citar grandes nomes da ciência ou a
apresentar datas e observações folclóricas relacionadas às suas ‘descobertas e
descobridores’. (SALÉM, 1986, p. 42).
Silva et al. (2008, p. 498), em seu trabalho sobre o uso da história da ciência, também
questionam a eficácia de uma história que “não passa de cronologia, de uma seqüência de
fatos, datas e ‘gênios de avental branco’ confinados a laboratórios e bibliotecas.”. Para
Zanetic e Mozena (2007), nos textos didáticos,
40
[...] quando estão presentes capítulos, apêndices ou notas históricas, temos quase
sempre arremedos de história da ciência: são aquelas seqüências cronológicas de
datas de grandes invenções, de descobertas sensacionais ou de nascimento e morte
das principais personagens envolvidas nesses acontecimentos, acompanhadas de
ilustrações que representam essas personagens e seus feitos. (ZANETIC; MOZENA,
2007, p. 110).
Essas abordagens são conhecidas pelos estudiosos como pseudo-história e estão,
segundo Pagliarini (2007), baseadas em concepções de senso comum sobre a ciência e como
ela se desenvolve.
Para Allchin (2004), a pseudo-história não está relacionada à utilização de fatos
históricos falsos ou incorretos. Pseudo-história não é “Falsa-história” Ao contrário, ela relata
episódios, acontecimentos e descobertas que, de fato, aconteceram. O problema, no entanto, é
a maneira como são feitos tais relatos. Em geral, a pseudo-história recorta ou fragmenta
eventos históricos reais, omitindo o contexto no qual eles ocorreram. Com isso, denota-se e
reforça-se idéias falsas a respeito do processo histórico da produção do conhecimento e,
conseqüentemente, a respeito da natureza do conhecimento científico. “A pseudo-história
transforma a ciência real em uma ciência imaginária e idealizada.” (ALLCHIN, 2004, p. 186).
Além das características já citadas, é ainda evidente nesse tipo de abordagem a idéia
de que exista um método científico universal capaz de conduzir todo e qualquer tipo de
produção científica por meio da execução de passos ou etapas específicas que podem ser
assim sintetizadas:
a) Definição do problema a ser estudado.
b) Realização de rigorosas medições e observações acerca do problema estudado. É
considerada a etapa crucial do método, já que a partir dela serão estabelecidos os
rumos a serem tomados.
c) Definição de padrões e formulação de hipóteses sobre o fenômeno estudado, a
partir dos resultados obtidos na etapa anterior.
d) Teste das hipóteses para confirmação ou não dos resultados obtidos. Caso
confirmadas, tem-se a comunicação dos resultados obtidos e o consequente
estabelecimento das leis científicas.
Por este encadeamento, fica subtendida a falsa idéia de que todas as teorias científicas
de que se tem conhecimento até hoje foram obtidas a partir de dados coletados minuciosa e
cuidadosamente, o que reforça a concepção empirista-indutivista e anula por completo as
41
contribuições e os fatores humanos tais como a criatividade e a imaginação, ao desconsiderar
todos os prováveis erros e os insucessos cometidos ao longo de todo o caminho.
Além disso, em algumas situações, esta pseudo-história é apresentada aos estudantes
por meio de narrativas que fazem uso de artifícios retóricos para despertar a atenção e a
curiosidade dos ouvintes mas que, em termos históricos não cumprem o seu papel. Observe,
por exemplo, como o documentário “Mentes Brilhantes” (que será utilizado nessa dissertação
como parte do material didático produzido) introduz aos alunos as primeiras idéias a respeito
de quatro cientistas (Galileu Galileu, Isaac Newton, Albert Einstein e Stephen Hawking):
São desajustados, rebeldes arrogantes, desprezam a sabedoria universal e cada um
deles concebeu uma visão radical do cosmos. Galileu Galilei, Isaac Newton, Albert
Einstein e Stephen Hawking. Todos tiveram vidas tumultuadas cheias de triunfos e
falhanços que os tornaram humildes [...]
Essas são as pessoas que ousaram desafiar. Enfrentam muitas vezes oposições e
geralmente não lidam bem com isso [...]
Havia uma espécie de demônio em seu interior que praticamente não os deixava
fazer outra coisa. É preciso ter um ego forte para dizer, eu consigo resolver isto, eu
consigo resolver este pedaço do universo [...].
Quem eram estes rebeldes brilhantes e que segredos de suas mentes permitiam a eles
pensar o impensável e revelar a beleza e a estranheza do universo? (MENTES ...,
2009).
Em geral, estas narrativas romantizam os cientistas ao relatar as suas descobertas e
criam, portanto, mitos. A arquitetura desses mitos científicos, segundo Allchin (2004), se
constrói com base em quatro pilares: a monumentalidade, a idealização, o drama e o caráter
justificativo.
A monumentalidade está relacionada ao papel heróico exercido pelos cientistas dentro
destas narrativas. Em uma analogia aos grandes personagens da literatura, os cientistas-heróis
são apresentados como indivíduos completamente íntegros, honestos e incapazes de cometer
algum erro. Além disso, as suas descobertas são sempre destacadas como revolucionárias e
dotadas de uma importância superior, que ultrapassa a própria vida do cientista.
A idealização, por sua vez, diz respeito ao fato de a narrativa ser construída por meio
de uma constante exaltação daquilo que se deseja que o leitor/ouvinte retenha, seguida de uma
relativização de aspectos considerados, pelo autor, como menos importantes ou não
essenciais. Como conseqüência, muitos detalhes particulares das descobertas (tempo, lugar,
cultura, contingências da personalidade do cientista, conquistas e informações anteriores) são
perdidos e o contexto que caracteriza toda a “rede” da história se torna estreito e
extremamente direto.
Segundo Allchin (2004), a idealização é empregada para preservar somente os
42
elementos que justificam o resultado a ser evidenciado no decorrer da narrativa. De certa
maneira, tal procedimento já é esperado, uma vez que é impossível, em um processo de
ensino e aprendizagem, fazer referência a todos os passos que efetivamente contribuíram para
que determinada lei fosse formulada. No entanto, é extremamente importante que os
professores estejam atentos ao tipo de simplificação que fazem nesses relatos, para que não
transmitam aos alunos uma concepção distorcida da ciência e do trabalho desses cientistas.
O terceiro pilar que sustenta a arquitetura desses mitos é o “drama efetivo” das
narrativas que, de acordo com Allchin (2004), constituem técnicas literárias usadas com o
único propósito de persuadir, divertir e entreter o leitor. Dentre estas técnicas, o autor destaca:
a) a emoção do momento da descoberta, também intitulado de momento “a-há” ou
momento “eureka” e ilustrado como aquela lâmpada que aparece acima dos
personagens nas histórias em quadrinho. Na história da gravitação universal, por
exemplo, tal técnica é muito evidente. Diversos são os materiais que afirmam ter
Newton conseguido formular a Teoria da Gravitação Universal, depois de ter a sua
cabeça atingida pela fruta. Tudo se passa como se esse episódio tivesse fornecido “a
luz’ ao cientista que, a partir daí, pode concluir a sua lei. Situação semelhante
também se percebe na ótica de Newton. O experimento da dispersão da luz branca
através de um prisma é apresentado como o momento “a-há” para a conclusão de
que a luz branca é constituída por cores com diferentes refrangibilidades;
b) a exaltação do bom, em contraste com o mau, ou seja, do herói versus o seu
adversário, do cientista versus aquele supressor da verdade, de Darwin versus
Lamarck, de Galileo versus a Igreja, de Newton versus Aristóteles, etc.;
c) a recompensa pelo caráter integro, que faz o cientista ser leal às evidências do
fenômeno e ainda resistir aos preconceitos sociais. No documentário Mentes
Brilhantes produzido pela Discovery Channel (que será utilizado no produto final
dessa dissertação), por exemplo, Isaac Newton é caracterizado como um ser que
sofreu muitas críticas e perseguições (era tido como uma pessoa de difícil
relacionamento e que, por isso mesmo, se manteve praticamente só e isolado do
convívio com os demais). Mesmo assim, não abandonou o seu trabalho e, nos
momentos oportunos, deixou evidenciar as suas teorias.
Por fim, e como uma consequência imediata dessas três características, Allchin (2001)
identifica o caráter justificativo e explicativo dessas narrativas. Segundo o autor, grande parte
43
das narrativas históricas apresenta papel semelhante ao das fábulas. No final do processo,
objetiva-se sempre enfatizar um resultado ou uma moral que explicite “Como a ciência
encontra as verdades.” (ALLCHIN, 2001, p. 346). Através de uma série de eventos e da
aplicação de métodos sempre corretos, os cientistas sempre acabam por descobrir as
explicações para os fenômenos e, dessa forma, reafirmam a autoridade da ciência.
De fato, o que se percebe nas narrativas ditas históricas é exatamente a seqüencia de
acontecimentos que conduz sempre à explicação do fenômeno. As controvérsias, os resultados
inesperados (muito comuns no decorrer dos procedimentos), as dificuldades com a execução
de determinado experimento, são completamente ignorados no processo. Na explicação de
Newton para o fenômeno da dispersão da luz branca, fornecida pelos materiais didáticos
analisados, por exemplo, verifica-se (veja análise feita no capítulo 7 dessa dissertação) que
nenhuma informação é mencionada a respeito do formato da imagem do Sol, quando os raios
dele emitidos ultrapassavam o prisma. Segundo a previsão teórica, ela deveria ser circular. No
entanto, os resultados obtidos mostraram ser oblonga. Essa diferença não significou, no
entanto, um erro no processo científico. Ao contrário, foi extremamente importante para que
Newton modificasse as suas conjecturas a respeito das refrações sofridas pelos raios nos dois
lados do prisma. Apesar disso, nenhum material didático analisado (veja as considerações no
capítulo 7 desse trabalho) menciona essa situação.
O caráter explicativo ou justificativo reforça, portanto, nos alunos, a idéia de que
métodos corretos conduzem sempre a conclusões corretas, o que nem sempre é verdadeiro.
Métodos corretos podem também, como evidenciado acima, levar a conclusões “erradas” ou,
melhor dizendo, inesperadas.
Segundo Chaib e Assis (2007), distorções como essas contribuem para reforçar, além
da concepção empirista-indutivista citada por Pagliarini (2007), o caráter linear da história da
ciência, no qual os conceitos e teorias antigas seriam substituídos pelos novos, sem qualquer
contradição, discussão ou debate. A ciência seria então transformada em um mero
encadeamento de idéias e fatos, sempre bem sucedidos, e não passíveis de qualquer percalço
em seu desenvolvimento. Robillota (1985) também demonstra a sua insatisfação com esse
caráter linear traçado para a história da ciência, e ainda afirma que ele provoca nos estudantes
um sentimento de inferioridade, na medida em que se percebem como meros espectadores,
distantes e incapazes de participar da produção e divulgação do conhecimento científico.
[...] A linearização é responsável por uma imagem de ciência como algo não
humano, muito superior às possibilidades dos mortais. A linearização da história
apresenta a ciência como um produto a ser venerado, admirado à distância, fazendo
44
com que os estudantes adquiram um sentimento de inferioridade. Esse sentimento
sugere a eles ser difícil demais a participação no desenvolvimento e difusão da
ciência. A linearização da história promove o triunfo da ciência; nós somos os
derrotados. (ROBILLOTA, 1985, p. IV-10).
Em suma, percebe-se que a utilização da pseudo-história não contribuiu em nada para
estabelecer uma visão mais humana e realista da ciência, tal como entendemos e defendemos
neste trabalho. Ao contrário, ela reforça elementos da concepção empirista-indutivista,
estabelece e perpetua mitos e ainda possibilita o aparecimento do sentimento de inferioridade
nos estudantes, que se sentem excluídos e distantes do processo de construção da ciência.
2.2.3 Outras possibilidades para a inserção da História e Filosofia da Ciência
Uma vez que a pseudo-história e as suas narrativas mitificadas não cumprem com o
papel de transmitir uma idéia mais humana e realista da ciência, faz-se necessário repensar e
delinear novas maneiras de se aproximar a História e a Filosofia da Ciência do ensino. Tal
preocupação, na verdade, não é recente e se evidencia nas inúmeras discussões, nos diversos
artigos e relatos escritos, bem como nas diversas pesquisas já realizadas com este enfoque.
Pelos trabalhos já desenvolvidos, percebe-se que não há um modo único de trabalhar a
História e a Filosofia da Ciência em sala de aula que possa ser adotado como método padrão
para se alcançar o objetivo desejado. Isso porque cada conjunto de alunos tem características e
demandas próprias que acabam por delimitar ou mesmo definir as melhores estratégias a
serem utilizadas. Além disso, dependendo da concepção epistemológica adotada pelo
professor, isto é, dependendo da maneira como o docente compreende a relação entre a
ciência, o sujeito, o objeto do conhecimento e a maneira como ocorre a produção desse
conhecimento, tem-se a elaboração de atividades distintas e a adoção de estratégias e
metodologias diferentes.
No entanto, é possível encontrar na bibliografia recente algumas tentativas para se
fazer essa reaproximação e mesmo algumas considerações quanto ao que deve ser evitado.
De acordo com os estudiosos e pesquisadores da História e Filosofia da Ciência, é
possível identificar dois enfoques diferentes para esta área do conhecimento. O primeiro,
conhecido como enfoque internalista (ou conceitual),
[...] se caracteriza pelo estudo profundo de teorias, comparação entre teorias
concorrentes, análise da consistência interna das idéias que surgiram, estudo da
lógica de algumas descobertas, assim como do papel de cada um dos cientistas
envolvidos nos episódios históricos. (PORTELA, 2006, p. 44).
45
Em outras palavras, é uma abordagem que se preocupa em responder se determinada
teoria estava bem fundamentada, considerando as evidências utilizadas, a existência ou não de
lacunas metodológicas e o contexto científico de sua época. Está mais adequada, portanto,
para os estudiosos, pesquisadores e historiadores da ciência que dispõem de um tempo
extenso e têm a oportunidade de acesso a documentos e fontes primárias, tais como as cartas
trocadas entre os cientistas envolvidos na análise dos fenômenos ou mesmo os experimentos
por eles realizados à época do estudo.
O segundo enfoque seria a história externalista e não-conceitual, que se preocuparia
em analisar os fatores extracientíficos, isto é, “as influências sociais, políticas, econômicas, a
luta pelo poder, propaganda.” (MARTINS, 2005, p. 306). Por esta abordagem, deveriam ser
feitas análises de como os aspectos e as necessidades sociais de diferentes épocas afetaram o
conteúdo das diversas teorias científicas que estiveram em vigor naquele momento histórico.
Um exemplo de tal abordagem seria a busca pela compreensão do porquê de determinada
teoria que estava bem fundamentada ter sido rejeitada. Para Martins (2005), a resposta a essa
temática envolveria a análise e o estudo profundo da correspondência do cientista com outros
estudiosos da época, do contexto social, político e religioso, o que poderia transformar as
aulas de ciências em verdadeiros cursos de História e Filosofia da Ciência.
O que se verifica, na realidade, nas propostas apresentadas no meio acadêmico para a
utilização da História e Filosofia da Ciência em sala de aula (ensino médio ou superior), é
uma tentativa de se estabelecer um ponto de equilíbrio que una elementos de uma abordagem
internalista (ao analisar, por exemplo, o encadeamento lógico e as argumentações utilizadas
na explicação de um determinado fenômeno) com elementos de uma abordagem externalista
(ao analisar, por exemplo, o momento histórico para dele retirar algumas informações que
auxiliem na compreensão dos fatos estudados). Essa união, não pode resultar em um trabalho
empobrecido ou desvirtuado do seu real objetivo, nem tampouco demasiadamente denso do
ponto de vista histórico. Segundo Guerra et al.,
[...] precisamos ter o cuidado de não realizarmos um trabalho empobrecido. Os
alunos necessitam estudar de forma aprofundada o tempo e o espaço histórico do
assunto abordado, de forma a reconhecerem os problemas e as controvérsias vividas
pelos personagens que construíram direta ou indiretamente aquele conhecimento.
Enfim, eles devem ser capazes de reconhecer os debates científicos, filosóficos e
epistemológicos gerados naquele ambiente. Apesar da importância desse trabalho
histórico aprofundado, não podemos correr o risco de transformar as aulas de
ciências em cursos da história da ciência. (GUERRA et al., 2004, p. 226).
É exatamente com este enfoque e buscando formas de apresentar uma concepção de
46
história mais filosófica e humana, que alguns trabalhos têm sido desenvolvidos nos mestrados
profissionalizantes em ensino de ciências, ou mesmo como resultado da própria experiência e
reflexão docente.
Guerra et al. (2004), por exemplo, apresentam uma proposta pedagógica para se
trabalhar de forma um pouco mais aprofundada e contextualizada o desenvolvimento do
eletromagnetismo no ensino médio. Para tanto, selecionam o período que se estende desde o
experimento de Oersted, em 1820, até a publicação do trabalho de Faraday sobre a indução
eletromagnética, em 1832 e propõem que seja trabalhado em quatro unidades didáticas
distintas. Na unidade I, intitulada “Antecedentes do eletromagnetismo” é apresentado o
ambiente científico em que viveram Ampère, Oersted e Faraday, a partir do estudo de
questões referentes ao Iluminismo e à concepção mecanicista da natureza. Na unidade II, “O
nascimento do eletromagnetismo”, são apresentadas as questões filosóficas e científicas que
estruturaram a primeira fase do eletromagnetismo. Discussões em sala, leitura de poesias,
discussões de filmes, construção de aparelhos (galvanômetro) e realização de experimentos
são algumas das estratégias utilizadas. Na terceira unidade, “O eletromagnetismo após
Faraday”, são discutidos os conceitos de campo elétrico, campo magnético e eletromagnético.
Por fim, em “Circuitos Elétricos”, os alunos trabalham a eletrodinâmica, principalmente a lei
de Ohm, resistência e resistividade elétricas.
Silva et al. (2008), por sua vez, buscam na reconstrução de episódios históricos o meio
de se apropriar da História e Filosofia da Ciência. Para tanto, inspiradas na epistemologia de
Lakatos, procuram desenvolver o ensino dos conceitos científicos por meio de atividades
didáticas que devem priorizar os seguintes passos:
a) Passo 1: Revelar as concepções alternativas dos alunos em determinado conteúdo
para encará-las como se fossem “programas”. Isso pode ser feito por meio da
aplicação de questionários, discussões orais, etc.;
b) Passo 2: Apresentar duas teorias científicas rivais, preferencialmente, de modo a
incluir aquela que se pretenda ensinar, e discutir com os alunos os postulados de
cada teoria, analisando as diferenças explicativas para certos fenômenos. É
interessante que, nesse momento, o professor dê preferência a fenômenos que
possam ser igualmente explicados por ambas as teorias. Dessa maneira, os alunos
as considerarão como igualmente fortalecidas;
c) Passo 3: Avaliar as inteligibilidades das teorias propostas no passo anterior;
d) Passo 4: Apresentar a atividade didática procurando promover reflexões e
47
discussões entre os discentes, que os conduzam à percepção de que uma das teorias
apresentadas mostra-se contraditória frente à explicação de determinado fenômeno.
Com isso, pretende-se provocar, nos discentes, um entendimento da degeneração
(enfraquecimento) de uma teoria frente a rival;
e) Passo 5: Iniciar a discussão racional entre as concepções alternativas dos alunos e a
teoria científica que foi vencedora no passo anterior. Neste momento, o professor
deve apenas resgatar e apresentar aos alunos as concepções alternativas que foram
encontradas no passo 1 e compará-las com a teoria científica, então inteligível;
f) Passo 6: Estabelecer uma insatisfação com a concepção alternativa da mesma forma
como se procedeu com o programa degenerativo no passo 4, de modo que, ao final,
os alunos tenham condições de escolher a melhor teoria;
g) Passo 7: Verificar e avaliar se a nova concepção (e não a alternativa) foi, de fato,
interiorizada pelos estudantes.
Com esta seqüência de passos, os autores acreditam preparar os indivíduos para
posteriores debates racionais.
Ainda baseando-se na utilização de atividades didáticas que priorizem o falseamento
de uma teoria frente à outra, Silveira e Peduzzi (2006) elaboram uma seqüência didática para
explorar os espectros de emissão atômica e a teoria do átomo de Bohr com o intuito de
evidenciar a riqueza e o dinamismo dessa abordagem frente à história empirista, normalmente
utilizada em sala de aula. Nesse sentido, sugerem o seguinte encadeamento:
a) estudar aspectos da Física do final do século XIX e começo do século XX
pertinentes
ao
tema,
de
modo
a
contextualizá-lo
historicamente
(o
eletromagnetismo de Maxwell, as séries espectrais, o quantum de Planck, a
explicação de Einstein do efeito fotoelétrico, o átomo de Rutherford);
b) destacar que, segundo o eletromagnetismo de Maxwell, as órbitas dos elétrons do
átomo de Rutherford eram instáveis;
c) introduzir as hipóteses revolucionárias de Bohr – o núcleo duro de sua teoria ou, de
acordo com a terminologia de Lakatos, do seu programa de pesquisa;
d) discutir a importância da interação entre teoria e experiência no desenvolvimento
dos primeiros modelos de Bohr, destacando o caráter progressivo das idéias;
e) examinar as limitações da concepção empirista-indutivista quando confrontada com
a história do programa de pesquisa de Bohr;
48
f) destacar, por fim, que com as novas evidências experimentais, o programa de
pesquisa começou a dar indícios de saturação e entrou, portanto, na fase regressiva,
caracterizada pelo atraso do crescimento teórico em relação ao crescimento
empírico.
Em uma outra tentativa de utilizar a História da Ciência como meio de favorecer o
aprendizado de conceitos da Termodinâmica no ensino médio, Hülsendeger (2007) elaborou
um projeto que contou com a participação dos professores de Física, História e Redação. O
enfoque central do trabalho foi o surgimento da máquina a vapor e a proposta foi
desenvolvida por meio de pesquisas, escrita, discussão, crítica, contextualização do momento
histórico (Primeira revolução industrial) e compreensão dos fenômenos físicos envolvidos.
Um outro trabalho que também pode ser citado como uma tentativa de se explorar a
história da ciência, é o descrito por Magalhães, Santos e Dias (2002) para o ensino dos
conceitos de campo elétrico e magnético. Baseando-se em suas experiências docentes em uma
escola do Rio de Janeiro, os autores buscam, na teoria da aprendizagem significativa de
Ausubel e Novak, a inspiração para a elaboração do material. Na visão dos mesmos, a história
da Física funciona como um organizador prévio, isto é, como material introdutório que deve
ser apresentado antes do material a ser aprendido e que favorece o desenvolvimento dos
conceitos subsunçores. Nesse contexto, os autores propõem a seguinte sequência:
a) elaboração e aplicação de um questionário para verificar o conhecimento prévio dos
alunos acerca dos conceitos de campo;
b) confecção de um catálogo historiográfico, com os eventos, as questões e os
problemas que foram mais significativos para a formulação e a fundamentação dos
conceitos de campo elétrico e magnético. Esse catálogo, dentro da teoria da
aprendizagem significativa, funcionaria como os subsunçores;
c) apresentação de um roteiro de ensino dos conceitos de campo elétrico e magnético,
com o objetivo de se efetivar uma aprendizagem significativa.
Exemplificando os trabalhos desenvolvidos em programas de mestrado em ensino de
ciências, Paula (2006) procura na exploração de experimentos históricos, o caminho para se
atingir o equilíbrio anteriormente discutido. Com este intuito, e devido à dificuldade de se
reproduzir na íntegra esses experimentos históricos, o autor propõe a utilização de simulações
computacionais, como meio de se analisar e resgatar algumas características do experimento
49
do plano inclinado de Galileu, extraído da obra Discursos e demonstrações matemáticas
acerca de duas novas ciências (1638) de Galileu Galilei (1564-1642) e, a partir disso, elabora
uma atividade de ensino para o estudo da lei de queda dos corpos, no ensino médio.
Já Portela (2006), utiliza-se do estudo de casos históricos, como meio de se aproximar
a história da ciência do ensino em sala de aula. Em seu trabalho, é resgatado o contexto em
que se deu o surgimento da noção de pressão atmosférica. Nesse processo, o autor explora o
caráter linear da história, na medida em que parte das ideias de Aristóteles sobre a
impossibilidade do vazio, apresenta os problemas de ordem prática da época de Galileu
Galilei, os experimentos cruciais realizados por vários cientistas como Berti, Evangelista
Torricelli e Blaise Pascal, e finalmente apresenta a confirmação da existência de uma pressão
exercida pelo ar atmosférico expressa nos experimentos de Robert Boyle. Tudo isso é
repassado aos alunos por meio das “Lições de Física”, material pelo autor elaborado como
produto final de sua dissertação.
Vannucchi (1996), por sua vez, utiliza-se do episódio do aperfeiçoamento da luneta de
Galileu Galilei no século XVII, para elaborar duas atividades de ensino a serem aplicadas no
ensino médio, que têm como finalidades a discussão das relações entre Ciência e Tecnologia e
o papel dos referenciais teóricos dos cientistas na observação e interpretação de dados.
Diante desses exemplos, percebe-se a diversidade de maneiras propostas com o intuito
de fazer a aproximação da História e Filosofia da Ciência do ensino. Particularmente, acredito
que cada momento histórico do desenvolvimento da ciência traz à tona diferentes questões
acerca da produção científica que precisam e podem ser exploradas por meio de atividades
didáticas, com o objetivo de transmitir uma visão mais humana e realista da produção do
conhecimento científico. Uma maneira de se fazer isso, seria por meio de recortes nos
momentos históricos. Ao invés de trabalhar com uma história linear como fez Portela (2006),
escolhe-se um fato, um evento marcante, um experimento importante dentro do
desenvolvimento da ciência – tal como fizeram Guerra et al. (2004) e Vannucchi (1996) – e
desenvolve-se um estudo das principais ideias e questões científicas em torno da explicação
do fenômeno, as controvérsias mais marcantes, os personagens (cientistas) envolvidos e,
principalmente, as influências ideológicas e filosóficas que permeiam o pensamento científico
da época. Sempre tendo em mente a necessidade de se encontrar o equilíbrio entre as
abordagens externalista e internalista da ciência.
Desse modo, procura-se mostrar aos alunos que as descobertas científicas não
acontecem por acaso nem como consequência de um momento de pura inspiração dos
cientistas. Muito pelo contrário. Elas resultam de um lento processo de construção, para o
50
qual contribuem os estudos feitos anteriormente, o momento histórico vivido à época e,
principalmente, a filosofia que embasa o modo de pensar, raciocinar e lidar com o objeto do
conhecimento dos cientistas.
51
3 A CIÊNCIA COMO UM PRODUTO DA RELAÇÃO EXISTENCIAL ENTRE OS
SERES HUMANOS E O MEIO: SUBSÍDIOS TEÓRICOS
A busca pelo equilíbrio entre a abordagem externalista e a abordagem internalista da
ciência, mencionadas no capítulo anterior, somente será efetivada se o pesquisador/professor
tiver a consciência de cada uma delas reflete, na realidade, uma concepção específica acerca
da ciência e da produção do conhecimento científico. De fato, as atividades ou materiais
didáticos propostos (em uma ou outra linha) reforçam determinadas concepções que podem
construir ou não, nos alunos, visões mais humanas e realistas da ciência.
Considerando que um dos objetivos desse trabalho é a elaboração de um material
didático que empregue elementos da História e Filosofia da Ciência no ensino de Física, de
modo a fazer com que os discentes compreendam que as teorias científicas são, na verdade, o
resultado de um lento processo de construção, para o qual contribuem os estudos
desenvolvidos anteriormente, o momento histórico e a filosofia vigentes à época, torna-se
imprescindível que estejam claras tanto a concepção de conhecimento científico abordada
neste trabalho, como o processo pelo qual compreendemos a sua produção e evolução.
De um modo geral, podem-se identificar duas linhas de análise a serem seguidas,
quando se decide estudar sobre o conhecimento científico e o processo de sua produção. A
primeira delas isola o indivíduo de toda a evolução e o coloca como um ser introspectivo,
cujas realizações e descobertas são meramente resultantes de sua individualidade, vocação e
genialidade. A segunda, com a qual nos identificamos neste trabalho e que apresenta um
ângulo de visão totalmente contrário, coloca o conhecimento como um fato histórico, isto é,
como uma manifestação que acontece concomitantemente ao desenvolvimento biológico dos
seres e que, portanto, acompanha o processo de formação da racionalidade humana sendo ora
influência, ora influenciado pelo meio. Nessa perspectiva, o indivíduo passa a existir não
somente por sua personalidade e individualidade, mas também por sua experiência exterior,
social e histórica com o meio no qual ele está inserido em determinada época.
Pinto (1979), um dos grandes defensores dessa segunda linha, advoga ainda que,
partindo dessa premissa histórica do conhecimento, a sua produção deve sempre ser encarada
de modo dialético. O todo do conhecimento, presente em uma determinada época, se constrói
pela acumulação de atos e descobertas particulares, efetivadas em um lugar específico e por
um determinado cientista. Esses atos singulares, por sua vez, precisam ser encarados como
resultantes do conhecimento total disponível no momento histórico em questão. Não é
pertinente, portanto, perguntar pelo que vem logicamente primeiro: o todo ou as partes? Cabe,
52
apenas, indagar qual dessas duas categorias, em concordância com o tipo e o teor da análise a
ser feita, tem a primazia naquele momento.
[...] A teoria do conhecimento tem de ser construída partindo não da subjetividade
humana que, como tal, já é um produto secundário do processo da realidade, mas da
objetividade absoluta, da existência concreta do mundo em evolução permanente, da
vida, como dinamismo em expansão e complexidade crescente. (PINTO, 1979, p.
18).
3.1 A ciência e a produção do conhecimento como produtos da relação existencial entre
os seres humanos e o meio
A idéia de que a produção do conhecimento se dá concomitantemente ao
desenvolvimento biológico dos seres e que, portanto, é uma característica de qualquer matéria
viva, pode ser justificada quando associamos o conhecimento à capacidade que os seres têm
de se sensibilizarem pelas condições do ambiente e de reagirem a ele com respostas que
tendem a ser as mais eficazes e apropriadas para contornar situações possivelmente
desfavoráveis e prejudiciais.
De acordo com Pinto (1979), o conhecimento acompanha a escala evolutiva das
espécies, encontrando sua maior expressão na racionalidade humana. Isso significa que, de
um modo bastante amplo, e sem nos atermos às minúcias existentes entre os distintos
processos evolutivos que conduzem uma espécie biológica à outra, é possível dividir o
processo de produção do conhecimento em três etapas distintas: a fase dos reflexos
primordiais, a fase do saber e a fase da ciência. Em todas elas, o conhecimento é tido como o
reflexo do mundo no ser vivo e, portanto, encontra-se completamente vinculado à existência
dos seres nesse mundo.
[...] o ‘estar no mundo’ é universal, pertence à base biológica da existência, sendo
comum a todos os animais e não uma característica do homem, no qual apenas se
apresenta com aspecto diferente pelo fato de nele se tornar consciente. Por isso, o
conhecimento supõe alguma forma de apreensão do estado presente do mundo e de
resposta a ele, pois sem a reatividade da matéria organizada, esta seria incapaz de
evoluir, isto é, de ascender em grau de complexidade na organização, mas, ao
contrário, seria arrastada pelas leis das simples reações químicas e pela exposição ao
acaso dos choques mecânicos. (PINTO, 1979, p. 21).
3.1.1 A fase dos reflexos primordiais
De modo geral, essa primeira etapa do conhecimento é a mais extensa em termos
cronológicos, já que inclui toda a escala evolutiva da matéria viva, desde a mais primitiva
53
forma de organização até as fases iniciais do processo de hominização.
Caracteriza-se, primordialmente, pela produção de um conhecimento na ausência da
consciência, ainda que se verifiquem algumas respostas (arco reflexos) às solicitações do
meio. Os tropismos, isto é, a capacidade de responder favoravelmente aos estímulos
representados por forças físicas (gravitação), a iluminação, a direção dos campos elétricos e
magnéticos, constituem o conhecimento dessa fase mais elementar.
Em um segundo momento, mas ainda dentro da fase dos reflexos primordiais, o
conhecimento já se mostra mais relacionado à capacidade de reagir ao meio, ainda de modo
inconsciente, principalmente com o estabelecimento dos reflexos condicionados. Nesse
sentido, os animais conseguem encontrar soluções para problemas relativos à sua
sobrevivência com o auxílio, principalmente, de experiências anteriores. Em um estágio
posterior, por sua vez, já são encontrados traços de uma consciência, porém sem caráter
reflexivo. O animal se mostra capaz de formar representações dos objetos enquanto estes
estão próximos a ele, mas não consegue abstrair nem separar o objeto da idéia que têm dele.
Por fim, e estabelecendo o início do período de transição para a próxima fase, tem-se o
conhecimento encontrado nas formas pré-sapiens da evolução humana. São indivíduos do
gênero “homo” que demonstram a capacidade da ideação, isto é, a habilidade de, na ausência
material de um objeto, conseguir manter representações do mesmo e estabelecer vínculos
entre essas ideias. Além dessas transformações psíquicas, estes seres passam por algumas
modificações orgânicas importantes (liberação dos membros anteriores da necessidade de
apoiar a marcha, desenvolvimento do aparelho fonador) que os possibilitam operar
instrumentalmente sobre o mundo e exercer um certo domínio sobre ele.
3.1.2 A fase do saber
A segunda fase do desenvolvimento do conhecimento, intitulada de fase do saber, se
caracteriza pela presença de um conhecimento reflexivo. Nessa etapa, o ser humano toma
consciência de sua racionalidade, reconhece nela um traço que o distingue dos demais seres e a
cultiva intencionalmente, transmitindo, por meio da educação, esse saber às gerações futuras.
No entanto, é um momento em que o ser humano apenas sabe que sabe, mas
desconhece a maneira como chegou a esse saber. Ele é capaz de organizar o conhecimento em
formas preliminares para atender às necessidades práticas, mas ainda não é capaz de
estabelecer um método nessa organização. O conhecimento se mantém praticamente no
estágio empírico e o ser humano
54
[...] pratica observações conscientes, ensaia técnicas de atuação sobre a realidade,
experimenta em forma espontânea e confusa, crias as primeiras explicações
racionais do mundo, da sociedade e da existência, a princípio em caráter puramente
mítico e religioso, e depois em forma de incipientes interpretações científicas do
universo. (PINTO, 1979, p. 29).
Em consequência disso, o conhecimento na fase do saber adquire um crescimento
desordenado, uma vez que se mostra dependente das interpretações dos indivíduos que se
dedicam a investigar a realidade.
3.1.3 A fase da ciência
A terceira fase de produção do conhecimento, que se intitula por fase da ciência é, em
linhas gerais, o momento do saber metódico, isto é, o período no qual o saber, o
conhecimento, são intencionalmente produzidos para provocar, por meio do domínio e da
utilização dos fenômenos naturais, a transformação da realidade. Como nos apregoa Pinto,
[...] A ciência é a investigação metódica, organizada, da realidade, para descobrir a
essência dos seres e dos fenômenos e as leis que os regem com o fim de aproveitar
as propriedades das coisas e dos processos naturais em benefício do homem.
(PINTO, 1979, p. 30).
Nesse contexto, a ciência, é vista como fruto da racionalidade humana, que não mais
coleta dados de modo subjetivo e baseado em caprichos ou invenções pessoais mas, sim,
segue regras e leis que determinam como retirar do mundo conteúdos inteligíveis e que,
principalmente, respeitem as correlações processuais existentes entre as ideias já elaboradas
sobre determinado fenômeno.
Em outras palavras, o conhecimento se eleva à forma científica quando o ser humano,
em virtude de todo um processo de maturação biológica, de desenvolvimento do sistema
nervoso central e da capacidade de criar reflexos cada vez mais elaborados, se mostra capaz
de explorar a natureza de forma metódica e organizada, de acumular e reter dados, de
classificar, de comparar e de estabelecer relações lógicas e ideias a respeito de tudo aquilo que
foi observado. Nesse contexto, verifica-se que a ciência se torna um produto final do processo
de hominização, se manifestando apenas em seus estágios superiores.
Segundo Pinto, o conhecimento nessa fase da ciência se expande em um formato de
uma espiral, já que
55
[...] a prática de um momento, tal seja a organização que o ser vivo possua,
condiciona a modalidade da percepção que lhe é dado ter. Desta é que o animal
parte, equipado com ela, e portanto diferente do que era anteriormente, para uma
nova experiência da realidade, o que significa um enriquecimento, um
aperfeiçoamento da natureza de tal ser vivo. O que distingue a segunda experiência
da primeira, é que o ser vivo mudou qualitativamente no intervalo, pelo fato de se ter
tornado agora capaz de comportar-se com uma atuação sobre a realidade, que vai
crescendo e se complicando com a evolução das espécies, até alcançar no homem o
que se entende por trabalho consciente de construção do mundo para si. (PINTO,
1979, p. 46).
E é exatamente durante a realização desse trabalho, dessa ação consciente sobre o
meio, que o ser humano se torna capaz de concretizar a relação entre o pensamento e o mundo
exterior, em uma ideia. Isso significa que, para que se evidencie o surgimento das ideias, é
imprescindível que o indivíduo viva em sociedade e que opere sobre ela.
Vista sob essa ótica, as ideias adquirem uma conotação de produto, de um resultado e
de uma consequência da ação do indivíduo sobre a natureza. Podem, portanto, e seguindo a
classificação estabelecida por Pinto (1979), serem consideradas um bem de consumo. Por
outro lado, a partir do momento em que passam a existir e que são incorporadas ao processo
de produção do conhecimento, as ideias começam a direcionar e a dirigir as atitudes humanas
e, assim, adquirem uma conotação de bens de produção.
Vê-se, assim, que no desenrolar de todo o processo de construção do conhecimento
científico, as ideias assumem ciclicamente os dois aspectos: ora são bens de produção, ora de
consumo. Disso resulta que ao mais recente conhecimento produzido em uma determinada
época, estará sempre associado um potencial de progresso, compreendido como a
possibilidade de essa recém adquirida ideia servir como elemento propulsor de novas
descobertas que, por sua vez, conduzirão a outras ideias e assim sucessivamente.
[...] O que se chama conhecimento consubstancia-se em um processo de
encadeamento de ideias, cuja essência reside nesta contradição, que se engendra e se
resolve a todo instante, quando uma ideia recém-adquirida se mostra capaz de
conduzir a novas descobertas, que serão representadas por outras tantas ideias, que,
uma vez adquiridas, continuarão impulsionando o ciclo sem fim do progresso
intelectual. (PINTO, 1979, p. 87)
Complementando esta realidade dinâmica da produção do conhecimento, e fornecendo
a ela uma compreensão menos abstrata e mais condizente com a linha de raciocínio defendida
nesse trabalho, é preciso mencionar outras duas facetas da produção do conhecimento
científico que, de certo modo, se correlacionam ao ciclo acima descrito.
Com efeito, até o presente momento evidenciou-se a capacidade que o ser humano
apresenta, na fase da ciência, de empregar as ideias (seja como um bem de produção ou
56
consumo) para realizar um trabalho sobre a natureza, modificando-a e sendo também por ela
modificado. No entanto, ainda que possa parecer que essas transformações ocorram entre o
indivíduo isolado e o mundo em um determinado instante, o que se constata é algo muito
diferente.
Na verdade, a ação do ser humano sobre a natureza não se dá de maneira individual,
solitária ou pessoal, mas apresenta um caráter social. Isso significa que o indivíduo sempre
produz ideias em uma ação coletiva, em união com um grupo de semelhantes que, a priori
reduzido, tende constantemente a crescer. E essa produção social de ideias pressupõe que as
novas descobertas possam ser transmitidas e comunicadas a todos os membros do grupo
empenhados nessa tarefa comum, o que só pode ser efetivado por meio do desenvolvimento
de uma linguagem falada e escrita próprias.
Além desse caráter social da produção das ideias, é preciso ressaltar também a sua
faceta histórica, isto é, a sua completa interdependência do momento histórico vigente. O
aparecimento de determinada ideia e o seu emprego como um bem de consumo subordinamse, especialmente, às demandas sociais, econômicas, culturais e políticas existentes em um
certo período. Por outro lado, são exatamente essas necessidades que determinarão o período
pelo qual essas ideias serão eficazes. Isso porque o mundo resultante das aplicações das ideias
se transforma, passando a exigir a concatenação de novas ideias que atendam às recentes
situações e conflitos que outrora se estabelecem.
Dessa maneira, pode-se afirmar que não existem ideias eternas. O que há de eterno
nelas é exatamente essa possibilidade de servirem à humanidade durante um período
histórico, de modificarem a realidade e, assim, de propiciarem o aparecimento de novas
ideias, mais condizentes com a nova realidade em questão. A ideia que deixa de existir,
entretanto, não morre, mas conserva alguns de seus traços e características naquela que por
ventura dela se origina.
[...] O que há de eterno nas ideias é serem todas perecíveis mas não inúteis ou
infecundas. Exatamente o oposto é que se dá. A ideia, ao perder a validade, por força
da própria transformação da realidade, que suscita, condiciona o surgimento de
outra, transmuta-se nesta, e de alguma forma nela se conserva, e assim a sua
caducidade equivale ao mesmo tempo à sua perenidade. Em essência a ideia
superada ingressa como elemento na composição daquela que a substitui. Por isso, o
progresso do conhecimento, que se faz pela morte e criação das ideias, representa o
único aspecto eterno do saber. (PINTO, 1979, p. 90).
Do exposto acima, pode-se fazer três inferências importantes. A primeira delas, é que
a análise, a crítica e o exame de uma ideia geral, filosófica ou científica só podem ser feitas
57
por meio da exposição e do estudo do desenvolvimento da história dessa ideia, isto é, das
manifestações e produções que a antecederam e que a conduziram até a sua formulação atual.
Em outras palavras, “o conteúdo de todo o conceito, é o próprio processo de sua
conceituação” (PINTO, 1979, p. 91).
A segunda conclusão importante é a de que a compreensão de determinado conceito
não pode ser feita isoladamente. Isso porque, no curso de sua formação, estão sendo
envolvidos outros conceitos que, sendo também históricos, apresentam-se variáveis na forma
e no conteúdo, podendo influenciar, ou não, o desenvolvimento do conceito central.
A terceira, por sua vez, é a de que o que se entende por ciência, em cada momento
histórico, é a melhor, mais elevada e mais fiel maneira de representação da realidade,
concebida pelos indivíduos. Isso justifica o cuidado e o respeito que se deve ter ao abordar
dados, explicações e teorias que, atualmente, possam ser consideradas sem nexo ou mesmo
mágicas. Em algum momento do passado, por razões relacionadas ao contexto histórico, elas
foram importantes e contribuíram para a produção das ideias atuais. De modo análogo, aquilo
que hoje é aceito como o verdadeiro saber científico, pode ser visto, pela casta científica que
viverá daqui a milhares de anos, como algo completamente ingênuo.
Por fim, é importante ressaltar que esse mesmo saber científico metódico, que segue
regras e leis, que produz ideias com caráter social e que encontra-se imbuído de uma faceta
histórica, pode apresentar-se, sob duas conotações diferentes: a alienada (ou ingênua) e a
crítica. Quando a produção do conhecimento se retém simplesmente à utilização das ideias
como bens de consumo, tem-se a faceta alienada do conhecimento. Nestes casos, o indivíduo
alienado utiliza (consome) as ideias alheias, preferencialmente as produzidas por outros, e se
mostra incapaz de construir com elas algo de novo, de original, de profícuo para a intervenção
crítica na sociedade.
[...] Não havendo estímulos nem interesses prementes em fabricar algo de próprio,
não há imposição de desvendar problemas da realidade particular do especialista,
nem de dar-lhe soluções originais, não há o que produzir, nem mesmo ideias. Estas
aparecem unicamente como objetos de enfeite intelectual, devendo ser tomadas de
fora, importadas de um mundo alheio e consumidas, isto é, assimiladas tal como são
recebidas, pelo puro prazer de ilustrar o espírito, enriquecê-lo de conhecimentos.
(PINTO, 1979, p. 53).
Já na concepção crítica do conhecimento, verifica-se exatamente o contrário. O
indivíduo se mostra capaz de desvendar e pesquisar problemas de sua realidade, de formular
novas ideias, de provocar interferência no meio em que vive a partir das descobertas feitas,
enfim, de construir algo de novo.
58
É fato que, ao longo de toda a história da produção do conhecimento científico, e
especialmente no período da Revolução Científica (1543-1687), muitas foram as situações nas
quais as ideias foram empregadas com a conotação de bens de consumo. O próprio Isaac
Newton (1642-1727) menciona ter se apoiado sobre ombros de gigantes para desenvolver
toda a sua teoria. No entanto, o que é importante ressaltar é que, esse emprego não se
restringiu apenas a essa faceta. Muito pelo contrário. Newton e a maior parcela dos
personagens responsáveis por essa revolução na ciência, foram exímios empregadores desse
processo dinâmico e cíclico das ideias (ora como bens de produção, ora como bens de
consumo), isto é, foram capazes de refletir criticamente sobre as ideias que consumiam e/ou
produziam de modo a modificarem a realidade e a sociedade em que viviam.
3.2 A razão e o método como produtos da relação existencial entre o ser humano e o
meio
Da mesma maneira que a ciência e o conhecimento que a caracteriza são resultantes do
processo histórico de interação ser humano-meio, também a razão e o método científico
apresentam a sua historicidade.
Entendendo-se a razão como a forma mais perfeita e completa de percepção e
compreensão da realidade pelo ser humano, em uma determinada época, e ainda como elemento
resultante de todo um processo de desenvolvimento e de maturação de sistemas (muitos dos
quais biológicos) de intervenção no meio, não é difícil inferir que a sua gênese esteja também
relacionada a um dos momentos da gênese do ser humano. Como nos afirma Pinto,
[...] a razão não é um dom, um tesouro, uma qualidade inata, possuída de uma só vez
por todas, mas o processo de crescente realização do homem no mundo e por isso se
constitui no curso de seu próprio exercício. O homem realiza-se como homem, se
faz um ser racional raciocinando. (PINTO, 1979, p. 102).
Em um primeiro momento, essa razão se caracteriza pelo acúmulo e pela repetição de
experiências, apenas como hábitos reconhecidos socialmente. Não há qualquer crítica ou
reflexão sobre o que está sendo feito. É o que se observa nos primórdios da hominização, no
processo de coleta dos frutos, por exemplo. Os atos transformam-se em comportamentos
sociais, antes mesmo que qualquer reflexão racional seja feita a respeito.
Posteriormente, com a ação consciente do ser humano sobre o meio e com a ampliação
e o consequente acúmulo de conhecimento e experiências, o indivíduo vê-se capaz de utilizarse da ideação (habilidade de, na ausência material de um objeto, conseguir manter
59
representações do mesmo e estabelecer vínculos entre essas ideias), da conceituação e da
imaginação, isto é, da capacidade de destacar a imagem concreta, imediata e presente de um
objeto e fazê-la existir apenas no âmbito do pensamento abstrato.
Como conseqüência, uma nova fase da razão, intitulada de razão reflexiva, se inicia.
Nela, a razão deixa de ser o pensamento da ação direta e concreta a ser executada, e passa a
ser o pensamento da ação possível de ser realizada. Em outras palavras, o indivíduo que já
atingiu a fase reflexiva da razão, torna-se capaz de vivenciar, em pensamento, a situação que
pretende criar ou construir. Ele antecipa, em ideia, as modificações e alterações materiais que
pretende imprimir ao mundo e só posteriormente, as executa. Além disso, depois de
realizadas, essas ações e os seus resultados passam por um processo de crítica e análise, o que
não existia anteriormente.
Em termos de ciência, a fase da razão reflexiva encaixa-se na fase da ciência e
corresponde ao momento em que se verificam as invenções das experiências e o estabelecimento
de uma atitude metódica reflexiva. O método, que até então era praticado empiricamente, sem
qualquer consciência, e validado apenas pelos resultados experimentais que proporcionava,
passa a ser um procedimento intencional de análise mental, de estruturação, de concatenação do
pensamento e de reflexão crítica sobre aquilo que possibilita conhecer.
[...] Se a princípio o método é espontâneo, irreflexivo, por que se guia apenas pela
lógica da concatenação de estímulos e respostas úteis, mais tarde se subjetiva, e se
abstratiza tornando-se uma finalidade consciente da atividade ideativa. (PINTO,
1979, p. 105).
Nesse sentido, o método torna-se um produto de reflexões feitas a respeito de sua
própria aplicação (é o resultado de uma auto-reflexão), e a razão passa, então, a ser vista como
o método do método.
Vê-se, dessa maneira, que a razão, o método, a ciência e o conhecimento que a
caracteriza, apresentam historicidades que se complementam e se influenciam mutuamente,
além de estarem totalmente relacionadas ao processo existencial e de desenvolvimento do ser
humano, enquanto uma espécie biológica em contato com o meio.
3.3 O desenvolvimento da ciência como um caso particular do desenvolvimento da
cultura geral
Nos parágrafos anteriores, evidenciou-se a relação de interdependência entre o
processo de desenvolvimento biológico do ser humano, a sua existência em um determinado
60
meio, a melhor elaboração de suas ideias e percepções, o desenvolvimento da razão e,
consequentemente, do conhecimento considerado científico.
Na verdade, todas essas relações estão inseridas em um contexto muito mais amplo e
abrangente, que é o do desenvolvimento da cultura, em geral. Dessa forma, antes de se
perguntar o que é a ciência, ou como ela se constituiu no decorrer dos tempos, é preciso ter-se
bem compreendido o significado da cultura em geral, da qual as criações e as teorias
científicas constituem apenas um caso particular.
Pela linha adotada nesse trabalho, a cultura precisa ser compreendida como “uma
criação do ser humano, resultante da complexidade crescente das operações de que esse
animal se mostra capaz no trato com a natureza material, e da luta a que se vê obrigado para
manter-se em vida.” (PINTO, 1979, p. 121-122). Nesse contexto, a criação da cultura e a
criação do ser humano são duas facetas de um mesmo processo, no qual se alternam e se
condicionam mutuamente as novas aquisições orgânicas e as intervenções e transformações
sociais provocadas por este ser.
Isso porque à medida que o indivíduo vai colhendo experiências novas de suas ações
sobre o meio, ele vai aperfeiçoando as suas capacidades de ideação e de imaginação e, com
elas, desenvolve técnicas e cria instrumentos com finalidades específicas de intervenção nesse
próprio meio. Sendo assim, a cultura pode ser vista como
[...] o processo pelo qual o homem acumula as experiências que vai sendo capaz de
realizar, discerne entre elas, fixa as de efeito favorável e, como resultado da ação
exercida, converte em ideias as imagens e lembranças, a princípio coladas às
realidades sensíveis, e depois generalizadas, desse contato inventivo com o mundo
natural. (PINTO, 1979, p. 122).
Percebe-se, dessa maneira, que as ideias, aqui compreendidas como os resultados
sociais e intencionais de intervenção humana no meio, e os instrumentos artificialmente
fabricados para se prolongar, reforçar e facilitar a ação humana em um ambiente hostil, são os
dois componentes indissociáveis da cultura.
Além disso, vista sob este prisma, a cultura pode ser então encarada como um bem de
consumo e também como um bem de produção. Na medida em que a cultura existente em
cada momento histórico (seja sob a forma de ideias, de teorias sobre a realidade e de objetos
fabricados com um fim específico) é transmitida e absorvida, via educação, para a geração
presente, tem-se a sua configuração como um bem de consumo. Estes indivíduos, inseridos
nesse contexto histórico, estão assim munidos e equipados para enfrentarem as necessidades
inerentes de sua época e, ainda, para fazerem novas descobertas. Por outro lado, a cultura se
61
revela um bem de produção por constituir-se no acervo de conhecimentos e de instrumentos
que permitirão aos seres humanos atuarem sobre a natureza para garantirem a sua
sobrevivência enquanto espécie.
Verifica-se, dessa forma, que esse comportamento dual da cultura é inerente ao
processo da existência humana, ocorrendo em qualquer sociedade. O aspecto negativo e
perigoso desse quadro, no entanto, reside justamente quando o indivíduo deixa de ser um bem
de produção para si próprio (isto é, quando deixa de utilizar a cultura que tem à sua disposição
em determinando momento em benefício próprio e com o intuito de melhorar a compreensão
que tem das suas relações com o mundo e com seus semelhantes) e torna-se única e
exclusivamente um bem de produção para outros.
Segundo Pinto (1979), com o evoluir da exploração da natureza pelos seres humanos e
com o crescimento numérico dos diversos grupos sociais, verifica-se um alargamento e uma
ampliação dos conhecimentos culturais, dos bens e dos instrumentos produzidos, que
conduzem a uma distribuição da apropriação da cultura. Essa distribuição, inicialmente, é uma
consequência normal e esperada do aumento do volume de cultura, que se evidencia a partir
de certo período. O que se nota, entretanto, é que essa cultura, depois de distribuída, deixa de
ser propriedade comum do grupo (bem coletivo) e de propiciar, a todos os seus membros, os
resultados benéficos de sua conservação.
Na verdade, uma classe minoritária da sociedade se apropria, em um primeiro
momento, da parte ideal e subjetiva (das ideias, das criações artísticas e ideológicas) da
produção da cultura, relegando à maioria da população, apenas a possibilidade de produzir os
bens culturais, isto, é, de manejar e operar, por meio da força muscular, os materiais, os
instrumentos, as máquinas e as ferramentas que ora servirão para transformar a realidade. Em
um segundo momento, essa mesma minoria, agora já enriquecida pela exploração e pela
comercialização dos frutos materiais da cultura, passa, não somente a absorver os produtos da
fabricação dos que só manipulam os instrumentos materiais como, também, chega ao ponto de
adquirir o ser humano como mais um instrumento dessa produção.
Tem-se, assim, a forma suprema de distorção na apropriação da cultura, com a divisão
da sociedade em dois grupos bastante desiguais, ambos administradores de produtos da
cultura. Ao minoritário e dominante, cabe a parte exclusiva da criação ideal da cultura e ainda
da posse dos meios e instrumentos de produção dessa cultura. Já à grande parcela da
população, cabe apenas a operacionalização desses instrumentos da cultura.
Toda essa realidade histórica apresenta importantes repercussões no surgimento e
desenvolvimento da ciência. Por um longo período inicial de formação da ciência, nota-se que
62
uma classe, constituída pelas pessoas do seleto grupo letrado e “culto”, se apropria do aspecto
subjetivo da cultura, tornando-se dona das ideias e das finalidades a serem estabelecidas. Os
seus membros se sentem responsáveis pelo conhecimento “puro” e, para atingirem esse fim,
se afastam do trabalho direto na natureza, do contato imediato com os corpos e passam a se
dedicar à explicação imaginativa e às especulações dos fenômenos, principalmente as de
caráter matemático e filosófico. A outra classe, por outro lado, está privada de investigar com
fins científicos os corpos ou instrumentos que manipula, está proibida de indagar a respeito
das propriedades e de levantar idéias a respeito dos mesmos, principalmente porque a
obrigação de operá-los contínua e uniformemente de modo rotineiro, embota o espírito crítico
e indagador. Dessa forma, aqueles que de fato trabalham e operam com os instrumentos da
cultura, se mostram incapazes de construir um conceito e uma reflexão eficazes sobre aquilo
que os cercam, diariamente. Com isso, esses indivíduos se vêem impedidos, não de pensar a
respeito das coisas e do mundo, mas de terem reconhecidas e valorizadas as suas ideias e
questionamentos. Tal privilégio passa a ser único e exclusivo da classe “culta”.
Tem-se, aí, portanto, a origem da divisão histórica do trabalho nas suas formas
intelectual e manual, e a explicação do porquê, desde os períodos mais remotos, introduziu-se
a separação entre a origem material do conhecimento e a sua formulação teórica. É o que se
evidencia, por exemplo, nos períodos do platonismo e de algumas escolas gregas e medievais,
nos quais os representantes da classe “pensante” procuraram pela especulação, pelo esforço
imaginativo ou mesmo pela intuição, descobrir a essência das coisas, a matéria primeira da
composição do universo, as forças ocultas que explicam a ocorrência dos fenômenos e outras
diversas questões relacionadas às ideias, sem nenhuma vinculação com o aspecto material.
Segundo Pinto (1979), é exatamente por esta razão que a matemática e as teorias
astronômicas, de caráter mais abstrato (já que lidam com números e figuras), de pequena base
de observação e de praticamente nenhuma experimentação, encontraram grande disseminação
e aprovação entre a elite culta da época, se tornando as principais ciências estudadas e
divulgadas.
Essa situação se mantém até que, após o Renascimento Europeu, verificam-se
mudanças na mentalidade e nas condições históricas, principalmente com o surgimento da
burguesia, e com a necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de navegação, de novos
instrumentos de medição, de novas máquinas, de novos motores, de novos engenhos, de novas
forças físicas de impulsão, etc. A fração culta da sociedade se vê, então, obrigada a se
interessar pela pesquisa e pela produção de tais instrumentos, já que somente dessa maneira
ela teria a possibilidade de manter o domínio que vinha exercendo.
63
Desse modo estabelece-se, frente a essa nova realidade, uma atitude diferente da classe
culta, que passa a perceber a compreensão do trabalho manual como uma das maneiras de se
retirar, da natureza, os segredos de suas forças e, assim, colocá-las a seu serviço. Nota-se,
então, uma passagem do modo contemplativo da natureza, para a decidida e metódica
intervenção em seus processos, em especial por meio da realização de experimentos. Tal
constatação mostra que o desenvolvimento da experimentação está relacionado ao surgimento
de uma nova mentalidade, que proporcionou uma ampliação do conceito de cultura e uma
maior valorização do trabalho do pesquisador científico. Isso não significa que a divisão
social do trabalho esteja completamente superada. Longe disso. Ela ainda persiste em nossa
sociedade, principalmente pelo fato de existir uma desigualdade na posse dos bens de
produção, que se reflete e se reforça em uma desigualdade social.
A finalidade da ciência produzida por uma sociedade dividida em classes, é um outro
aspecto que merece ser discutido. Com efeito, a criação do conhecimento científico, como já
mencionado nesse trabalho, não se dá de modo espontâneo, mas é dirigida por decisões,
especulações e inferências feitas por indivíduos pertencentes a um específico grupo social, em
uma determinada época e inseridos em um certo contexto histórico. Isso significa que,
necessariamente, tais decisões representam e concretizam a vontade de alguém. Sendo a
apropriação da ciência um processo desigual, e estando a classe dominante e “culta”
responsável pela concatenação das idéias, é certo que a fixação dos fins a serem alcançados
com a produção científica não estará em desacordo com os interesses desse grupo. Segundo
nos afirma Pinto,
[...] são apenas as chamadas elites as que dispõem dos instrumentos de produção da
ciência, e por isso também são elas que, em sua consciência social de classe,
estabelecem as finalidades da pesquisa e da educação científica, sabendo o que
fazem sempre em benefício de si próprias. (PINTO, 1979, p. 148).
Mais ainda, pode-se afirmar que a produção científica estará relacionada com a
economia social, uma vez que determinará que bens deverão surgir como mercadorias,
objetos de compra e venda. Além disso, não serão quaisquer ideias as que irão ser concebidas
e, muito menos aceitas, uma vez que a ciência está vinculada a uma economia social e aos
interesses da produção social.
[...] a criação da ciência e seu conteúdo assumem nas sociedades divididas em
estamentos e em classes um caráter obrigatoriamente ideológico, isto é, reflexo de
condições concretas, particulares, na consciência do grupo que a produz. (PINTO,
1979, p. 151).
64
Nesse sentido, serão apenas as ideias capazes de perpetuar o monopólio do saber
teórico e o domínio da classe dominante sobre as menos favorecidas as que serão estimuladas
e defendidas. Não faz sentido, portanto, falar em ciência “pura”, como se o ser humano não
pensasse sempre por motivo de finalidades definidas e em função daquilo que deseja e projeta
alcançar. Segundo apregoa Pinto,
[...] exigir do cientista que inicie o trabalho despido dos preconceitos de sua época,
de sua classe, de sua formação intelectual, supor que esteja livre das pressões
ideológicas e materiais que sobre ele atuam, dos conhecimentos errôneos do tempo,
(esses justamente só irão ser denunciados em consequência do trabalho racional que
será empreendido pelo pesquisador no estudo da realidade), seria inverter a
sequência histórica dos fatos no curso do processo epistemológico, seria imaginar
que o cientista fosse uma criatura angélica, um ser intemporal e insocial, o que
significaria toma-lo por um indivíduo extra-histórico. (PINTO, 1979, p. 265).
Sendo assim, é importante que cada pesquisador e cientista tenha em mente esse fato,
para que possa desenvolver o seu senso crítico e munir-se de conhecimentos filosóficos a
respeito dos grandes temas e das direções de pensamentos de sua época, que lhe capacitarão a
debater e a fazer escolhas mais conscientes e direcionadas para propósitos verdadeiramente
humanos de transformação da realidade e menos condizentes com a alienação humana.
3.3.1 O significado histórico dos instrumentos culturais materiais
Conforme mencionado anteriormente, tanto as ideias, quanto os instrumentos, as
máquinas ou as ferramentas utilizadas pelos seres humanos para modificar e transformar a
realidade na qual estão inseridos em um determinado momento, são elementos indissociáveis
da cultura da época.
Isso significa que, ao lado dessas ideias e de todo o processo de dominação e
apropriação da cultura que elas engendram, também desempenham papéis importantes, os
instrumentos culturais materiais, isto é, “os implementos operatórios que contribuem para a
execução da pesquisa, a formulação de novas ideias, as invenções e as descobertas de
aspectos ainda desconhecidos da realidade.” (PINTO, 1979, p. 266).
Segundo Pinto (1979), desde os instrumentos mais elementares e clássicos (a balança,
o densímetro, o microscópio, o amperímetro, o termômetro) até os mais modernos, raros e
sofisticados dispositivos (os aceleradores de partículas, os computadores eletrônicos)
encontrados apenas nos grandes laboratórios de nações altamente desenvolvidas, verifica-se
uma mesma situação existencial. O indivíduo materializa os conhecimentos científicos
anteriores na construção de instrumentos e produz, com o auxílio dos mesmos, ideias e novos
65
instrumentos que se acrescentarão aos anteriores, conferindo-lhe maior capacidade de
investigar a natureza, de descobrir propriedades novas da matéria e de pensar teorias originais.
Em outras palavras,
a instrumentalidade dos aparelhos e artefatos de que se vale a pesquisa científica não
significa outra coisa senão a concretização, em um determinado objeto, o
instrumento científico, de forças da natureza que o homem vai utilizar para vencer
outras forças da natureza, aquelas contra as quais está lutando, está trabalhando.
(PINTO, 1979, p. 463-464).
Nesse sentido, pode-se afirmar que os instrumentos utilizados pelos cientistas, ao
longo dos séculos, apresentam um caráter eminentemente histórico. Situação essa que não
deve ser compreendida de um modo simples e trivial, como uma mera sucessão cronológica
de instrumentos curiosos e antiquados, dignos de uma rica sala de museu. Na verdade, o
importante é entender que ao longo do processo de invenção e produção de cada um desses
artefatos verifica-se, igualmente, um processo de maturação e de desenvolvimento da
capacidade reflexiva e de apreensão da realidade, pelos seres humanos. “Tudo se passa como
se o seu cérebro desenvolvesse novos mecanismos sensoriais, capazes de pôr a consciência
em contato com aspectos ocultos, insuspeitos e inatingíveis do mundo exterior.” (PINTO,
1979, p. 268). Assim, quando o ser humano propicia o aumento de sua sensibilidade através
da utilização dos instrumentos que cria, favorece o desenvolvimento de sua racionalidade, na
medida em que os resultados obtidos dessas observações permitem a elaboração de conceitos,
ideias e teorias mais próximas do real.
[...] o homem primitivo, (por exemplo), depois de haver inventado o arco e a flecha
não consegue, é claro, enviar nenhum satélite artificial ao espaço, mas consegue
caçar animais que até então estavam fora de seu alcance; o homem neolítico, que
descobriu a roda do oleiro, não era capaz de fabricar substâncias sintéticas, mas
fabricava vasos e artefatos de cerâmica, antes inexistentes. Em todos estes exemplos,
vemos o implemento natural, que nada mais é do que uma ideia cultural convertida
em instrumento, retornando à natureza, em forma de força relativamente original,
autônoma e distinta das demais, para atuar no mundo inanimado, modifica-lo e criar
objetos ou resultados inéditos. (PINTO, 1979, p. 532).
Tem-se, desse modo, o estabelecimento de ciclo de implicações recíprocas. Por um lado,
a ciência e todo o cabedal de conhecimento que ela proporciona criam, em um determinado
momento, o instrumento científico. Por outro, esse artefato, ao proporcionar melhores condições
de observação e resultados, cria a ciência do momento seguinte, que servirá de base para a
invenção de novos instrumentos em outro instante, e assim sucessivamente.
De todas as considerações feitas anteriormente, fica evidente a historicidade da ciência
66
e do conhecimento científico. Historicidade essa, que não pode, conforme procurou-se
mostrar, ser simplesmente confundida com o desenrolar cronológico de fatos e momentos, tal
como uma simples sucessão de acontecimentos no tempo.
Em verdade, o saber científico é histórico não porque transcorre no fluxo de tempo,
mas primordialmente porque decorre desse fluxo de tempo, do passado existente em cada
momento. Isso significa que, a análise completa do desenvolvimento da ciência e da teoria do
conhecimento a ela subjacente precisa ser encarada sob duas óticas: a da historicidade do
processo do mundo, enquanto tal, e a da historicidade do processo evolutivo da consciência.
Em outras palavras, é preciso fundamentar a ciência na condição existencial do ser humano.
Com efeito, o desenvolvimento biológico do ser humano, enquanto uma espécie
animal, permite o estabelecimento de novas relações com a natureza e, por conseguinte, a
realização de um trabalho sobre ela. Essas novas associações, por sua vez, são traduzidas em
um desenvolvimento intelectual e cultural, seja por meio da elaboração de novas ideias ou de
novos instrumentos materiais e possibilitarão, futuramente, uma diferente intervenção na
natureza. Dessa intervenção, resultará uma nova compreensão da realidade e o
estabelecimento de leis e teorias científicas, que irão, por sua vez, fornecer subsídios para uma
nova intervenção na natureza e, assim, o ciclo se reiniciará.
Dessa forma, pode-se concluir que a teoria do conhecimento se confunde, em essência,
com a teoria do conhecimento do ser humano. Indivíduo este que não deve ser visto de modo
isolado mas, sim, como um ser social, que traz no íntimo todo um conjunto de experiências
resultantes da sua existência no mundo e que representa, ao mesmo tempo, os objetivos e as
aspirações políticas, econômicas e ideológicas de um grupo de pessoas, em uma determinada
época e local.
Nesse contexto, é imprescindível que os professores e os autores de materiais
didáticos, estejam cientes e atentos a essa historicidade da ciência e da produção do
conhecimento científico, para que possam evitar, dessa maneira, a disseminação de ideias
distorcidas e empobrecidas a respeito do tema, que enfoquem, principalmente, o gênio
individual criador de cada personagem da ciência, em detrimento de todo um longo processo
de evolução, de amadurecimento e de desenvolvimento da consciência, da intelectualidade e
do mundo. É óbvio que as ideias, as experiências e as interpretações individuais dos cientistas
apresentam papel importante no avanço da ciência. Mas não devemos nos conduzir à errônea
interpretação de acreditar que fora o gênio de personalidades privilegiadas isoladas, agindo a
partir de si mesmo, sem raízes externas, sem qualquer influência do meio e do momento
histórico, que criaram e impulsionaram a ciência e todo o conhecimento científico.
67
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Considerando toda a discussão anteriormente realizada acerca dos benefícios atingidos
com a inserção da História e Filosofia da Ciência no ensino de ciências, e tendo sempre como
elemento norteador a concepção de que o desenvolvimento da ciência é um caso particular do
desenvolvimento da cultura geral e que, portanto, a ciência, a produção de seu conhecimento,
a razão e o método científico são produtos da relação existencial entre o homem e o meio no
qual ele se insere, passamos a nos dedicar à definição e à delimitação do assunto de pesquisa.
Como primeira providência, era preciso determinar, com que área da Física (mecânica,
termodinâmica, ótica, ondas, etc.) trabalhar e, em um segundo momento, que temática ou que
momento e fato históricos desejaríamos enfocar e estudar dentro dessa área.
A opção pela Ótica se concretizou a partir da pesquisa bibliográfica realizada em
revistas científicas voltadas para o ensino da Física (Caderno Brasileiro de Ensino de Física,
Revista Brasileira de Ensino de Física, Investigações em Ensino de Ciências, Ciência &
Educação, etc.) e em dissertações e materiais didáticos produzidos nos cursos de mestrado em
ensino de ciências. Verificou-se que a maior parte dos materiais já desenvolvidos priorizavam
aspectos, experimentos e passagens relacionadas à mecânica. Poucos deles se dedicavam a
analisar aspectos históricos e filosóficos da ótica. Acrescentando o meu particular interesse e
fascínio por essa área do conhecimento, não foi, portanto, difícil fazer a escolha.
O episódio da realização, por Isaac Newton, do experimento que evidencia a
decomposição da luz branca, foi selecionado por ser, conforme já mencionado anteriormente,
um experimento muito relatado e comentado nos livros didáticos de Física. São raros os
compêndios que não fazem menção, ainda que por meio de desenhos, dessa descoberta.
Uma vez selecionado e delimitado o assunto de pesquisa, iniciou-se o estudo e a
análise do tema. A leitura do livro “Ótica: um tratado das reflexões, refrações, inflexões e
cores da luz”, de Isaac Newton, mais especificamente de algumas proposições do Livro I
desse compêndio, evidenciaram uma linha de raciocínio e uma construção lógica muito
distantes e diferentes da maneira com que tal assunto é abordado no ensino básico.
Diante disso, optou-se por fazer um estudo mais profundo não apenas desse
encadeamento e dessa sequência argumentativa empregada por esse cientista mas, também,
“da razão de Newton”, isto é, do seu modo de raciocinar, de observar e compreender a
natureza.
No entanto, admitindo que a ciência seja um produto da relação existencial entre o
homem e o meio, um estudo dessa envergadura somente ficaria completo e embasado, se
68
também nos dedicássemos à análise do contexto histórico e filosófico vigente não somente à
época de Newton mas, também, anteriormente a ele. Isso porque, certamente, os princípios
filosóficos que nortearam as ações de Newton, foram herdados das modificações e
transformações do pensamento ocorridas em momentos históricos que precederam a sua época.
Sendo assim, os capítulos que se seguem constituem, na realidade, os resultados
obtidos dessas pesquisas e estudos. Procurou-se, em cada um deles, compreender, evidenciar
e destacar os elementos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a construção da lógica
newtoniana e, por conseguinte, justificam e explicam a maneira como Newton conduziu a
realização dos experimentos na determinação de que a luz branca é uma mistura de raios com
diferentes refrangibilidades.
4.1 Do contexto histórico e filosófico que precede a época de Isaac Newton
O próximo capítulo desse trabalho inicia as discussões acerca do contexto histórico e
filosófico anterior a Newton, conhecido como o período da Revolução Científica.
Conforme veremos, tal momento é considerado pelos historiadores da ciência como
um poderoso movimento de transformação das idéias, através do qual todo o sistema de
pressupostos herdado da Idade Média (em especial os pressupostos Aristotélicos) é
questionado, demolido e substituído por um sistema completamente novo.
E é exatamente no decorrer de todo esse processo, que modificações foram
gradualmente ocorrendo, influenciando filósofos e preparando o cenário para que Newton e
todos os demais cientistas dos séculos seguintes tivessem condições de formular e estabelecer
novas teorias a respeito dos fenômenos da natureza.
Dessa maneira, a caracterização das transformações econômicas, políticas, culturais e
religiosas, bem como as respostas filosóficas e as descobertas científicas de Copérnico, Tycho
Brahe, Kepler, Galileu Galilei, Bacon, Descartes, e alguns filósofos ingleses – Hobbes, Boyle
e Locke – constituirão a temática desse capítulo.
4.2 As regras do filosofar de Isaac Newton
Com base nas informações obtidas no contexto histórico e filosófico, pretende-se em
“As regras do filosofar de Newton”, verificar como as mudanças de mentalidade, de
pressupostos filosóficos e de cenário econômico, social e político influenciaram a maneira de
Newton pensar e compreender a natureza.
69
Qual o papel que a experimentação e a matemática exercem no método de Newton?
Qual a origem de tal influência? Que concepção tem o cientista acerca do universo?
O entendimento desses pressupostos (embasado por essa concepção histórica) é
indispensável para que consigamos, ao analisar e estudar os experimentos por ele realizados
para mostrar que a luz branca é uma mistura de raios com diferentes refrangibilidades,
compreender a verdadeira razão de determinadas afirmações e o real motivo da adoção de
certos procedimentos.
Com isso, intenciona-se traçar uma figura mais humana de Newton, colocando-o como
um ser que sofre a influência do meio em que vive.
4.3 A teoria das cores de Newton
Tendo em mente tanto o contexto histórico e filosófico, quanto as regras do filosofar
de Newton, pretende-se, no capítulo “A teoria das cores de Newton”, fazer uma análise mais
específica do encadeamento lógico, das argumentações e das dificuldades enfrentadas pelo
cientista ao realizar o tão difundido experimento da decomposição da luz branca. Além disso,
também objetiva-se comparar a descrição feita por Newton em “Ótica” do seu experimento,
com a maneira como os livros didáticos apresentam e descrevem essa mesma situação.
Com este intuito, será feita uma análise de alguns livros didáticos utilizados pelas
escolas de ensino médio do país, para averiguar que tipo de história da ciência está sendo
ensinada aos alunos, no que tange a decomposição da luz branca.
É óbvio que outros materiais como pára - didáticos, filmes, experimentos, etc.
poderiam ter sido também analisados. No entanto, optou-se pelo livro didático, por ser esta a
forma mais tradicional de mediação entre alunos e professores, comumente empregada nas
escolas do país como meio de transmissão de conhecimento. Para alguns docentes, é a única
fonte de consulta e leitura para o preparo das aulas.
Ainda é bastante consensual que o livro didático (LD), na maioria das salas de aula,
continua prevalecendo como principal instrumento de trabalho do professor,
embasando significativamente a prática docente. Sendo ou não intensamente usado
pelos alunos, é seguramente a principal referência da grande maioria dos
professores. (DELIZOICOV; ANGOTTI, 2002, p. 36).
A seleção dos livros didáticos a serem analisados foi feita com base em dois critérios:
a adoção do material por grandes escolas particulares de Belo Horizonte e a indicação do livro
no Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) de 2009.
70
Este programa, instituído pelo governo federal em 2004, por meio da resolução nº 38
de 15/10/2003, prevê a universalização dos livros didáticos para os alunos do ensino médio
das escolas públicas de todo o país. Tem a duração de 3anos a partir da data de escolha.
Finalizado esse prazo, uma nova seleção do material é feita pelos professores das escolas
cadastradas. Em relação aos livros de Física, esta primeira escolha ocorreu em 2008, com a
utilização dos livros em 2009 e é por esta razão que nos dedicaremos ao PNLEM 2009.
As informações, os critérios utilizados para a análise do material (com a divisão dos
temas em dimensões e categorias) e os resultados oriundos de todo esse processo, serão
apresentados de modo completo no capítulo “A teoria das cores de Newton”.
Conforme veremos, a comparação com o encadeamento lógico adotado por Newton
em “Ótica”, demonstra uma realidade preocupante no que diz respeito ao ensino da
decomposição da luz branca.
4.4 A proposta didática
O Apêndice A desse trabalho acadêmico será destinado à apresentação da proposta
didática que, conforme constam nos objetivos iniciais, deverá ser elaborada com base em
todos esses estudos e discussões realizadas a respeito da decomposição da luz branca.
Na verdade, pretende-se construir uma sequência didática para os alunos do segundo
ano do ensino médio, a ser desenvolvida em um total de aproximadamente 10 aulas e que
proporcione a compreensão de que Newton não formulou a teoria da decomposição da luz
branca a partir de uma simples observação (estimulada talvez por uma mera idéia repentina)
mas, sim, como conseqüência de todo um processo de construção histórica e filosófica do
pensamento científico.
A opção pela sequência didática justifica-se por ser esta uma estratégia de ensino com
um caráter claramente processual e que, portanto, se aproxima da visão histórica, processual,
complexa e humana da produção do conhecimento, defendida nesse trabalho.
Com efeito, partindo-se da ideia de que o homem é um ser social, cuja existência ora
exerce influência sobre, ou ora é influenciada pelo contexto histórico e filosófico de uma
determinada época, não é difícil conceber e compreender a complexidade inerente a todo
processo de ensino-aprendizagem e, por conseguinte, a toda prática educativa. Primeiro,
porque pressupõem o estabelecimento de uma relação entre seres humanos que, como
sabemos, são seres sociais, que trazem consigo conhecimentos adquiridos das diferentes
formas de se interagir com o meio e, por isso mesmo, demonstram valores, ambições, desejos,
71
opiniões, etc. diferentes e, muitas das vezes, conflitantes. Em segundo, porque o próprio
processo de ensino/aprendizagem e a própria prática educativa sofrem constante influência de
uma série de fatores externos, a saber: o tipo de atividade metodológica, os aspectos materiais
da situação (materiais curriculares e recursos didáticos disponíveis), o estilo de ensinar do
professor e as relações por ele determinadas, os conteúdos culturais, o sentido, o papel e os
instrumentos de avaliação, a organização social da aula (individual, em grandes, pequenos,
fixos ou variáveis grupos), a utilização dos espaços e do tempo, etc.
Nesse sentido, reconhecer a grandiosidade de cada uma dessas variáveis e adotar uma
postura reflexiva diante delas, com o estabelecimento de intervenções metodológicas
condizentes com essa visão humana, constituem o papel de todo professor que deseje
melhorar a sua prática educativa. Vale ressaltar aqui que compartilhamos com Zabala (1998),
o entendimento do que seja uma prática educativa.
A estrutura da prática obedece a múltiplos determinantes, tem sua justificação em
parâmetros institucionais, organizativos, tradições metodológicas, possibilidades
reais dos professores, dos meios e condições físicas existentes, etc. Mas a prática é
algo fluido, fugidio, difícil de limitar com coordenadas simples e, além do mais,
complexa, já que nela se expressam múltiplos fatores, idéias, valores, hábitos
pedagógicos, etc. (ZABALA, 1998, p. 16).
Partindo dessa visão contextualizada da prática, não podemos nos esquecer de que ela
não se concretiza apenas em sala de aula. Na verdade, trata-se de um processo, do qual fazem
parte o planejamento anterior e a avaliação.
A intervenção pedagógica tem um antes e um depois que constituem as peças
substanciais em toda prática educacional. O planejamento e a avaliação dos
processos educacionais são uma parte inseparável da atuação docente, já que o que
acontece nas aulas, a própria intervenção pedagógica, nunca pode ser entendida sem
uma análise que leve em conta as intenções, as previsões, as expectativas e a
avaliação dos resultados. Por pouco explícitos que sejam os processos de
planejamento prévio ou os de avaliação da intervenção pedagógica, esta não pode
ser analisada sem ser observada dinamicamente desde um modelo de percepção da
realidade da aula, onde estão estreitamente vinculados o planejamento, a aplicação e
a avaliação. (ZABALA, 1998, p. 17).
E é exatamente para que se consiga fazer a análise da intervenção pedagógica, ou em
outras palavras, a análise da tríade planejamento-aplicação-avaliação, que deve-se eleger um
elemento, uma unidade, que represente todo o processo e que carregue, intrinsecamente, todas
as variáveis que nele incidem. Para Zabala (1998), essa unidade é a atividade ou tarefa, que se
exprime por meio de uma exposição, um debate, uma leitura, uma pesquisa, um exercício, um
experimento, uma ação motivadora, etc.
72
No entanto, não é apenas a atividade ou tarefa que definem, em si, as características da
intervenção pedagógica de uma prática educativa. Na verdade, ainda segundo Zabala (1998),
é a ordem e as relações que se constroem entre essas atividades que determinam, de modo
significativo, o tipo e as características do ensino.
As atividades, apesar de concentrarem a maioria das variáveis educativas que
intervêm na aula, podem ter um valor ou outro segundo o lugar que ocupem quanto
às outras atividades, as de antes e as de depois. É evidente que uma atividade, por
exemplo, de estudo individual, terá uma posição educativa diferente em relação ao
tipo de atividade anterior, por exemplo, uma exposição ou um trabalho de campo,
uma pesquisa bibliográfica ou uma experimentação. (ZABALA, 1998, p. 18).
Sendo assim, a atividade ou a tarefa deixa de ser a unidade representativa de todo o
processo e dá lugar às sequências de atividades ou às sequências didáticas que, de um modo
geral, “[...] são um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a
realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto
pelos professores quanto pelos alunos.” (ZABALA, 1998, p. 18).
Estar atento a esta ordem e encadeamento lógico das atividades, e não apenas ao
conteúdo e à forma de cada uma delas é, portanto, um dos cuidados que os professores devem
ter ao fazerem a opção pelo trabalho com as sequências didáticas.
Com a sequência didática proposta no Apêndice A desse trabalho, pretendemos,
inicialmente, respeitar e reforçar o caráter processual da produção do conhecimento, uma vez
que esta própria estratégia, por si só, guarda elementos que a tornam uma sucessão de estados
(com o planejamento, a aplicação e a avaliação dos resultados), elaborados com o objetivo de
se conduzir à evolução de determinada ideia. Além disso, pode-se fazer uma comparação
entre o longo processo de produção do conhecimento e a utilização da sequência didática. Em
ambos, deve-se sempre lembrar que os seres envolvidos estão sujeitos à influência de uma
série de fatores, a maioria deles oriundos da relação com o meio. Fatores estes que
condicionam, impedem, dificultam ou mesmo delimitam o desenvolvimento ideal pretendido.
73
5 A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA
A importância e as contribuições da história e da filosofia da ciência ao ensino,
discutidas no capítulo 2, reforçam a necessidade de se desenvolver trabalhos e atividades que
busquem, diretamente no contexto histórico vigente em determinada época, os elementos
necessários para uma melhor compreensão do processo de produção do conhecimento
científico e da lógica e da argumentação utilizadas por determinado cientista ao explicar um
fenômeno.
Por esta razão, acredito que qualquer trabalho inserido nessa linha da história e da
filosofia da ciência precisa estar bem fundamentado quanto ao momento histórico vigente, o
que pode ser feito por um recorte ou uma delimitação e caracterização do período no qual o
cientista, ou o fenômeno, ou a teoria a ser abordada estão inseridos.
Isto posto, e lembrando que o objetivo dessa dissertação é mostrar ao aluno que o
raciocínio e a argumentação empregados por Isaac Newton (1642-1727) para explicar o
fenômeno da dispersão da luz branca foram o resultado de um lento processo de
desenvolvimento do pensamento científico, torna-se imprescindível que seja feita uma análise e
uma breve caracterização do momento e do contexto histórico que se estende da segunda metade
do século XV ao final do século XVII e que é conhecido como “Revolução Científica”.
5.1 A Revolução Científica: caracterização geral
A Revolução Científica é considerada pelos historiadores da ciência como um
poderoso movimento de transformação das idéias, através do qual todo o sistema de
pressupostos herdado da Idade Média (em especial os pressupostos Aristotélicos) é
questionado, demolido e substituído por um sistema completamente novo.
De acordo com Bernal (1976), este período pode ser dividido em três fases específicas:
a fase do Renascimento, de 1440 a 1540; a fase das Guerras de Religião, de 1540 a 1650
(segunda metade do século XVI e primeira metade do século XVII); e a fase da Restauração,
de 1650 a 1690 (segunda metade do século XVII). Em cada uma delas, uma série de
acontecimentos sociais, políticos, econômicos e religiosos contribuíram de modo significativo
para que matemáticos, físicos, biólogos, químicos, médicos, filósofos e astrônomos
formulassem novas teorias explicativas acerca do funcionamento do universo, da posição do
homem dentro desse cosmo, dos processos de construção da ciência, das relações entre o
homem e a ciência e entre a ciência e a fé religiosa.
74
5.1.1 A primeira fase da revolução científica: contextualização histórica
A partir do ano 1000 podemos identificar alguns sintomas de mudanças na realidade
da Europa Ocidental. O perigo das invasões bárbaras diminuiu, trazendo uma certa
estabilidade e segurança internas. O domínio muçulmano na Península Ibérica enfraqueceu-se
e os cristãos intensificaram a recuperação do seu território (Guerra de Reconquista).
Essa nova realidade teve repercussão não só no crescimento demográfico, já que o
índice de nascimentos começara a superar lenta, mas firmemente, a taxa de mortalidade, como
também no estímulo para o aumento da produção agrícola. Importantes inovações técnicas
foram sendo introduzidas. Generalizou-se o uso de instrumentos de ferro como a foice, a
enxada, o arado e a charrua, antes feitos de madeira, permitindo ao camponês realizar uma
melhor preparação do terreno para a semeadura e obter melhores colheitas.
O crescimento populacional não ficou restrito aos grupos aristocráticos, atingindo
também as camadas populares, o que resultou no aumento numérico da força de trabalho e na
ampliação do mercado consumidor. Os feudos começaram a produzir mais do que
necessitavam, passando a trocar os seus excedentes, o que ocasionou a volta do comércio in
natura. Aos poucos, a produção auto-suficiente da época feudal passou a ser substituída por
uma nova forma de produção, a produção para o mercado, caracterizada pela existência de
sobras que podiam ser vendidas. Os camponeses foram se libertando da lavoura de
subsistência, passando a se ocupar em outras atividades econômicas não vinculadas
diretamente à terra, como o artesanato e o comércio.
Se, durante mais de seis séculos, o Ocidente se definhara sob uma economia
estagnada, na qual as mercadorias eram, em geral, negociadas por escambo, agora era possível
assistir a uma vigorosa ascensão do comércio baseado no dinheiro. Embora não tivessem
desaparecido durante o período feudal, as moedas eram um bem escasso e raro, utilizadas
somente na compra de produtos que não se podia obter pela permuta, como o sal.
A partir do século XIII, a cunhagem de moedas de ouro voltou a ser praticada e foi
nessa época que se passou a distinguir nelas o seu valor intrínseco (peso em ouro) do seu
valor extrínseco (como instrumento de troca, como signo monetário).
Se, até o século X, a Europa Ocidental conheceu o esvaziamento das cidades e a
ruralização da maioria da população, a partir do século XI, tem início o fenômeno da
urbanização em que muitas cidades foram repovoadas ou fundadas, sempre em função do
renascimento e da expansão do comércio.
Outro acontecimento de importância que contribuiu para o renascimento do comércio
75
foi o movimento das Cruzadas, convocado pelo papa Urbano II, no Concílio realizado em
Clermont, no sudeste da França, no mês de outubro de 1095.
Se, inicialmente, o objetivo das Cruzadas foi religioso (libertar a Terra Santa do
domínio muçulmano), os resultados econômicos e sociais foram os mais permanentes, já que
os cristãos ocidentais conseguiram manter o domínio da Palestina somente por dois séculos,
de 1098 a 1291, quando as forças do Islã tomaram o último reduto cristão na Terra Santa,
pondo fim ao movimento das Cruzadas.
Segundo Huberman (1986), as Cruzadas, do ponto de vista econômico,
ajudaram a despertar a Europa de seu sono feudal, espalhando sacerdotes,
guerreiros, trabalhadores e uma crescente classe de comerciantes por todo o
continente; intensificaram a procura de mercadorias estrangeiras; arrebataram a rota
do Mediterrâneo das mãos dos muçulmanos e a converteram, outra vez, na maior
rota comercial entre o Oriente e o Ocidente, tal como antes. (HUBERMAN, 1986, p.
21).
À medida que esse comércio internacional se desenvolveu, surgiram novas relações de
trabalho nas cidades. Muitos artesãos que, a princípio, eram autônomos, passaram a depender
de um comerciante que lhes fornecia a matéria-prima e os instrumentos de trabalho ou lhes
financiava a produção. Esses comerciantes passaram, também, a contratar trabalhadores por
uma jornada de trabalho (jornaleiros), tornando-se dependentes do comerciante-manufatureiro
e tendo suas condições de vida deterioradas.
As transformações provocadas pelo renascimento comercial determinaram o
surgimento de um novo ideal de vida, fundamentado na valorização do luxo e do conforto.
Essa nova mentalidade justificou a preocupação do burguês de trabalhar intensamente,
aumentar cada vez mais seus negócios e seus lucros, para enriquecer.
A mudança do padrão de riqueza, da terra para dinheiro, fortaleceu os comerciantes e
enfraqueceu os senhores feudais, que possuíam terras.
A necessidade de superar os obstáculos, para desempenhar de maneira mais lucrativa o
comércio, levou a burguesia a se aliar aos reis, que puderam, assim, centralizar novamente o
poder, resultando na formação do Estados Nacionais.
Do ponto de vista cultural, todas essas transformações políticas, econômicas e sociais,
repercutiram em um movimento conhecido como Renascimento.
O comércio e a riqueza alteraram o comportamento, as concepções estéticas e
religiosas dos europeus, principalmente da burguesia, que exigia uma cultura adaptada à sua
visão de mundo, uma cultura mais profana, menos religiosa, mais aberta e acessível.
76
Na verdade, o Renascimento resultou em um notável acervo de novas realizações no
campo da arte, da literatura, da ciência, da filosofia, da política, da educação e da religião que
extrapola para além dos limites da influência grega e romana. Ao mesmo tempo, o
Renascimento incorporou certo número de ideais e de atitudes que marcaram a mentalidade
do mundo moderno. Destacam-se entre eles o otimismo em relação à existência; o hedonismo
ou a valorização da vida e da alegria de viver, do prazer; o naturalismo, isto é, a valorização
da natureza, dos fenômenos naturais, das coisas que cercam o homem. A valorização da
natureza é um reflexo da valorização do homem, pois ele vive na natureza que merece ser
estudada, conhecida e dominada em seu benefício. O naturalismo renascentista é manifesto
nas obras artísticas e no grande desenvolvimento científico que ocorreu no período. Também
podemos destacar o individualismo e o antropocentrismo, que é a colocação do homem como
o centro de todos os fenômenos importantes da cultura, ao lado das realizações humanas que
estão acima de todas as coisas. Todas as obras renascentistas inspiram-se em feitos humanos e
foram concretizadas para benefício e glória dos homens. A aceitação conformada das
“verdades” e da realidade impostas pela Igreja, na primeira fase da Idade Média, foi
substituída pelo racionalismo, ou seja, a valorização das possibilidades ilimitadas da razão
humana em atingir a verdade nas áreas científicas e religiosas, promovendo o
desenvolvimento do espírito crítico. Finalmente, a cultura renascentista é uma cultura
essencialmente urbana, uma vez que se desenvolveu nas grandes cidades que, então, estavam
crescendo, ligadas ao comércio e à burguesia mercantil: Florença, Gênova, Veneza, Roma,
Milão, Paris, Londres, Amsterdã, Bruxelas, Colônia, Salamanca e outras.
O estudo do homem e da natureza conduziu ao Renascimento Científico. A leitura das
obras da Antiguidade Clássica, o desenvolvimento do espírito crítico e a rejeição do
“princípio da autoridade” conduziram ao nascimento da ciência experimental. Generalizou-se,
então, o costume de observar os fenômenos da natureza, explicando-os racionalmente e
relacionando-os com fenômenos já conhecidos. O resultado foi o desenvolvimento das
ciências em geral.
A importância do Renascimento Cultural e de sua conotação humanista vai, portanto,
muito além de uma simples modificação na forma de expressão cultural de uma nova
sociedade moderna. Segundo Bernal,
[...] o que lhe confere importância na ciência, na arte e na política, é o fato de ser um
movimento consciente e, ainda por cima, um movimento revolucionário. Nos seus
aspectos intelectuais, foi a obra de uma pequena minoria consciente de eruditos e de
artistas que se colocaram em oposição global ao padrão da vida medieval e se
esforçaram por criar novas formas tão semelhantes quanto possíveis às da
77
antiguidade clássica. Já não se contentavam em ver os Antigos através da longa
cadeia da tradição, através dos Árabes e dos escolásticos; queriam vê-los
directamente, escavando-lhes as estátuas, lendo-lhe os textos. Para isso, tiveram de
ler os originais gregos e encontraram, em primeira mão, não só o pensamento de
Platão e Aristóteles, mas também o de Demócrito e Arquimedes. (BERNAL, 1976,
p. 379).
E como conseqüência de toda essa nova realidade, Bernal afirma que
[...] o Renascimento marcou um rompimento definitivo e deliberado com o passado.
Inevitavelmente, muitos aspectos desse passado permanecem; mas toma-se novo
rumo, e as formas medievais de economia, de construção, de arte, de pensamento,
desaparecem para sempre, substituídas por uma cultura nova, capitalista na
economia, clássica na arte e na literatura, científica na atitude perante a natureza.
(BERNAL, 1976, p. 380).
Ao final da Idade Média, e consequentemente dessa primeira fase do Renascimento, a
Europa Ocidental já havia consolidado os principais traços de sua estrutura política,
socioeconômica e cultural. Existiam Estados com poder político centralizado; a economia
estava unificada dentro dos limites de cada nação e a atividade comercial era predominante.
Uma ampla transformação social favoreceu a consolidação da burguesia que, com o
Renascimento Cultural, adquiriu cultura e projeção social. O continente já se encontrava
pronto para expandir-se política e economicamente em regiões afastadas e desconhecidas: a
África, a Ásia e a América. E é exatamente o que se verifica com o Expansionismo Marítimo
Europeu.
5.1.2 A segunda fase da revolução científica: contextualização histórica
A fase das Guerras de Religião, que se estende de 1540 a 1650, é considerada como o
período no qual começam a se sentir os primeiros resultados das transformações ocorridas no
período anterior. É marcada, historicamente, pelas Guerras de Religião, isto é, por conflitos
com contornos claramente políticos e sociais, mas exteriorizados na forma de divergências
religiosas, principalmente entre católicos e protestantes. Tais guerras apresentam como
origem ou causa o movimento da Reforma Protestante.
O homem europeu do início da Idade Moderna era, de modo geral, angustiado e
atormentado por dúvidas sobre a sua natureza e o sentido de sua existência. O Humanismo e o
movimento Renascentista, conforme mencionado anteriormente, vinham colocando em xeque
as verdades dogmáticas estabelecidas pelo pensamento medieval em todos os domínios. A
maneira de compreender o Universo, a natureza, o homem e, sobretudo, Deus estava sendo
78
refeita e influenciando sábios, artistas e cientistas que, com suas novas idéias, atuavam no
sentido de criar uma nova cultura. Entretanto, a Igreja Católica, muito mais interessada em
preservar a sua hegemonia e seus privilégios, relegou a um plano muito secundário as
preocupações e as necessidades espirituais de seus adeptos.
Foi nesse contexto que teve início, sob a liderança de Martinho Lutero, a Reforma
Protestante, movimento que significou a ruptura da unidade da Igreja Católica, uma vez que
proporcionou o surgimento de diversas igrejas reformadas, genericamente denominadas
protestantes, pondo fim à hegemonia que exercera por muitos séculos.
No entanto, muito antes de Lutero iniciar o movimento reformista, muitos clérigos e
pensadores católicos leigos já tinham consciência da necessidade de mudanças na Igreja,
corrigindo seus desmandos, eliminando os abusos e conclamando os padres a aceitarem suas
responsabilidades pastorais. Era evidente, também, a necessidade de atender às angústias a
que os fiéis estavam submetidos e para as quais a Igreja não tinha respostas claras. Somente
quando a Revolução Protestante começou a ameaçar seriamente a hegemonia católica, com
toda a nação alemã na iminência de tornar-se luterana, é que teve início a ação direta dos
papas reformistas.
Nesse aspecto, a reação católica realizou-se em dois sentidos. Por um lado, era preciso
combater os avanços do protestantismo e, ao mesmo tempo, promover alterações no interior
da própria Igreja a fim de evitar novas cisões. Surgem, então, a Contra-Reforma e a Reforma
Católica, que foram colocadas em prática ao mesmo tempo. Dentre algumas medidas adotadas
pela Contra-Reforma como meio de se conter os avanços do protestantismo, tem-se a
organização e a fundação de ordens religiosas (como a Companhia de Jesus) que buscavam
um profundo revigoramento da espiritualidade e uma renovação do sentimento religioso
através de uma vida voltada para uma maior e mais perfeita comunicação com Deus; e a
reorganização do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, que atuava na Europa,
principalmente na Espanha e em Portugal, desde a Idade Média, julgando e punindo aqueles
que fossem suspeitos de heresia.
Segundo Burns (1967), o resultado mais evidente e imediato da Reforma foi a divisão
da cristandade ocidental em várias seitas ou doutrinas hostis que fizeram desaparecer o ideal
medieval de organização de uma Igreja Universal que orientasse a todos os cristãos da
Europa. “Já não havia, como na Idade Média, um único rebanho e um único pastor para toda a
Europa latina e teutônica.” (BURNS, 1967, p. 481). Um de seus maus frutos, no entanto, foi a
série de guerras religiosas que assolaram a Europa por quase quarenta anos, muitas das quais
extremamente violentas e sanguinárias. As razões para tais conflitos apresentavam cunho
79
religioso mas, ao mesmo tempo, tinham uma outra forte conotação: as convicções e práticas
econômicas da nova burguesia encontravam maior força de expressão em termos calvinistas,
que em termos católicos.
5.1.3 A terceira fase da revolução científica: contextualização histórica
A fase da Restauração, que se estende de 1650 a 1690, é considerada como um
período de compromissos e transformações no campo da política. É marcada, historicamente,
pelo estabelecimento do Absolutismo como a nova estrutura político-administrativa européia,
resultante de todo o processo de modificação econômica, política, social e ideológica que teve
início em fins da Idade Média.
Pela caracterização política da primeira fase da revolução, sabe-se que o período de
transição da Idade Média para a Idade Moderna, foi marcado por um movimento gradual de
centralização do poder nas mãos dos reis, que culminou com a formação dos Estados
Nacionais. No entanto, nessas instituições políticas, o poder do rei era limitado. A aliança
com a burguesia, o forte poder político exercido pela Igreja e ainda a existência de
assembléias populares, restringiam o poder real.
Com o início da Reforma Protestante, entretanto, muitos reis, para se verem livres da
interferência da Igreja, adotaram religiões protestantes como religiões oficiais de seus
Estados, o que lhes reforçou o poder.
Também o expansionismo europeu, que aumentou a riqueza dos reis, e a colonização
da América, que consolidou o poder internacional dos Estados, contribuíram para que o poder
dos reis fosse aumentando gradativamente até que eles passaram a controlar todas as
atribuições que existiam dentro do Estado, muito além dos poderes que eles detinham nos
Estados Nacionais. À medida que os monarcas aumentavam os seus poderes, a participação
do povo no governo ia diminuindo, até que os Parlamentos chegaram a desaparecer quase
totalmente, e as leis se tornaram atribuição exclusiva dos soberanos.
A partir daí, a centralização que existia no Estado Nacional foi se tornando excessiva
até que se hipertrofiou. A essa hipertrofia do poder real é dado o nome de absolutismo, ou
seja, o absolutismo é uma estrutura político-administrativa na qual todos os poderes são
exercidos indiscriminadamente pelos reis, muito além do poder existente nos Estados
Nacionais.
O absolutismo criou um novo tipo de Estado, o Estado Moderno, denominação dada a
todos os Estados Nacionais que se tornaram absolutistas. Como se evidenciou, a origem do
80
absolutismo pode ser buscada nos acontecimentos que marcaram o fim da Idade Média.
Entretanto, antes de tudo, o absolutismo foi uma evolução natural da estrutura política
européia e não uma imposição de reis despóticos. Numa época de grande instabilidade em que
a ordem e a segurança são desejadas, o absolutismo foi desejado pelo povo, pregado nas
igrejas, pretendido pela burguesia e teorizado por pensadores.
O cenário que é o elemento indispensável à compreensão da Revolução Científica
está, dessa maneira, traçado e caracterizado. Todas as modificações políticas, econômicas e
culturais relatadas anteriormente, permitem classificar o momento histórico no qual acontece
a Revolução Científica como um período de crítica destrutiva e síntese construtiva, já que
todo o conjunto de pressupostos da Idade Média é paulatinamente substituído por um sistema
radicalmente novo. E desse novo sistema fazem parte tanto os acontecimentos políticos,
econômicos e sociais já descritos, como também as novas maneiras de pensar, agir e se
comportar da nova classe social. Como afirma Bernal (1976, p. 371), nesse momento histórico
“um sistema de pensamento radicalmente novo estava construído na nova sociedade a partir
de elementos derivados directamente do antigo, mas transformados pelos pensamentos e pelos
actos dos nomes empenhados em fazer a revolução.”.
Sendo assim, prosseguiremos a análise da Revolução Científica, evidenciando quais
foram as principais transformações sofridas no pensamento e no conhecimento humano à
época dessa revolução, principalmente no que diz respeito às maneiras de pensar, conceber,
compreender e fazer ciência.
5.1.4 A transição do feudalismo para o capitalismo e as transformações da mentalidade
A transição do feudalismo para o capitalismo não ocorreu de modo abrupto e
repentino. Como relatado anteriormente, foram necessários cerca de 150 anos de
transformações para que uma visão de mundo fosse substituída por outra, muito distinta.
Situação semelhante se verifica em relação à mentalidade humana nesse período. A
passagem de uma concepção medieval para uma concepção moderna também foi fruto de um
lento processo de construção e reconstrução, ao longo do qual elementos peculiares da
concepção de mundo medieval coexistiram (e ainda coexistem) com os elementos modernos.
De uma maneira geral, verifica-se que a tendência dominante do pensamento medieval
estava em colocar o homem em uma posição mais significante e importante que a própria
natureza física. Segundo nos relata Burtt (1983), acreditava-se que tudo na natureza estaria
subordinado ao homem, que seria, portanto, o controlador do universo. Nesse sentido, todo o
81
mundo da natureza existiria para o benefício do homem sendo, portanto, totalmente inteligível
a ele. Essa inteligibilidade, por sua vez, ocorreria principalmente através das experiências
sensoriais espontâneas do homem, o que permitia a interpretação do mundo segundo as
categorias de substância, essência, matéria, forma, quantidade e qualidade, em distinção às
categorias de tempo, espaço, massa e energia aceitas pela modernidade.
Sendo assim, quando o homem observava um objeto distante, algo partia de seus olhos
para o objeto, e não do objeto para seus olhos. As coisas que pareciam (aos sentidos)
diferentes eram consideradas substâncias diferentes, como o vapor, a água e o gelo. A chuva
caía porque beneficiava as culturas dos homens. Os corpos leves, como o fogo, tendiam a
subir para o lugar que lhes pertenciam, da mesma maneira que um corpo mais pesado, como a
água ou a terra, tendia a descer para seus lugares apropriados. Em suma, “a ciência medieval
afirmava a sua pressuposição de que o homem, com seus meios de conhecimento e suas
necessidades, era o fator determinante no mundo.” (BURTT, 1983, p. 12).
Sendo o homem colocado nessa posição de destaque, seria natural que o local no qual
ele vivesse também desfrutasse de posição privilegiada no cosmos. A Terra, vista como uma
coisa vasta e sólida era então colocada em repouso no centro do universo, sendo que o Sol e o
céu estrelado, considerado uma esfera leve e etérea, estariam se movendo suavemente em
torno dela.
Com o início das transformações que a posteriori conduziriam à revolução científica,
toda essa concepção de mundo e de Homem, capaz de se relacionar com a natureza e de
produzir algum conhecimento, começa a ser contestada, questionada, ampliada e modificada.
Além disso, pode-se afirmar que todas essas transformações vivenciadas ao longo
desse período também se refletiram intensamente na produção do conhecimento. De fato,
como nos mostra o historiador inglês Burke (2003), o renascimento do comércio criou uma
nova dinâmica de mercados. Ao interligar diversas regiões, intensificou-se também a troca de
conhecimentos entre os países europeus, e destes com regiões mais distantes da Ásia e da
América. Algumas regiões se tornaram, portanto, além de centros dinâmicos da economia
comercial, pólos específicos de produção, difusão, concentração e distribuição do
conhecimento. Dentre elas, destacam-se Roma, Paris e Londres. É o que o historiador define
como o processamento do conhecimento.
A sistematização do conhecimento nas cidades e fora delas era parte de um processo
mais amplo de elaboração ou ‘processamento’, que incluía compilar, checar, editar,
traduzir, comentar, criticar, sintetizar ou, como se dizia na época, ‘resumir e
metodizar’.
82
As cidades foram descritas como ‘centros de cálculo’, isto é, lugares em que a
informação local de diferentes regiões e relativa a diferentes tópicos era
transformada em conhecimento geral. (BURKE, 2003, p. 72-73).
Ainda segundo Burke (2003), esses conhecimentos produzidos nas cidades após o
renascimento do comércio, podiam ser agrupados e classificados em diferentes categorias:
teórico (conhecimento dos filósofos) e prático (conhecimento dos empíricos); público e
privado (aqui considerado no sentido de informação restrita a um grupo da elite), alto
(entendido como o conhecimento masculino por Giovanni Maria Tolosami) e baixo (o
conhecimento feminino), etc. Essas classificações sofreram modificações com o passar do
tempo, sendo muitas vezes contestadas por diferentes indivíduos ou grupos.
Independente da categoria à qual o conhecimento esteja inserido, é importante
ressaltar que serão exatamente destes centros ou destas cidades, que serão produzidas, como
veremos a seguir, as principais teorias científicas e filosóficas quem embasarão o pensamento
do homem moderno.
5.1.4.1 As contribuições de Nicolau Copérnico (1473-1543)
O grande motor propulsor de toda essa transformação foi, indubitavelmente, a
publicação, em 1543, do De Revolutionibus orbium celestium, de Nicolau Copérnico.
Nessa obra, o astrônomo defende, em capítulos distintos, as seguintes teses:
a) o mundo deve ser esférico;
b) a Terra deve ser esférica;
c) com a água, a Terra forma uma única esfera;
d) o movimento dos corpos celestes é uniforme, circular e perpétuo ou então composto
de movimentos circulares;
e) a Terra se move em um círculo orbital em torno de seu centro, girando também
sobre o seu eixo;
f) comparados com a dimensão da Terra, é enorme a vastidão dos céus.
No capítulo 7, Copérnico discute as razões pelas quais os antigos consideravam que a
Terra estava imóvel no centro do mundo. As razões da insustentabilidade dessa visão, e que
constituem o grande triunfo da teoria copernicana são discutidas no capítulo seguinte. O
capítulo 9 discute se é possível atribuir à Terra mais movimentos e fala do centro do universo.
83
O último capítulo, por sua vez, é reservado às considerações acerca da ordem das esferas
celestes.
Segundo Reale e Antiseri (2007), a teoria copernicana subverteu o mundo. Não por
apresentar idéias unicamente inovadoras e diferentes. Na verdade, Copérnico arrasta “para o
seu mundo, muitos aspectos e estruturas do velho mundo.” (REALE; ANTISERI, 2007, p.
225), tais como a idéia ptoleimaca de que o mundo não é infinito e a concepção de que a
forma perfeita é a esférica e o movimento perfeito e natural é o circular. O que, de fato, torna
a sua teoria revolucionária, é exatamente a coragem de mudar de caminho, de paradigma e,
consequentemente, de impor ao mundo das idéias uma nova tradição de pensamento. Tirando
a Terra do centro do universo, Copérnico também retira o homem de sua posição privilegiada
no cosmos e coloca em voga questões referentes ao relacionamento do Homem com o
universo e com Deus.
[...] Copérnico tira a Terra do centro do universo e, com ela, o homem. A terra não é
mais o centro do universo, mas corpo celeste como os outros: ela, precisamente, não
é mais o centro do universo criado por Deus em função do homem concebido como
o ponto mais alto da criação, em função do qual estaria todo o universo. E, como a
Terra não é mais o lugar privilegiado da criação e se ela não é diferente dos outros
corpos celestes, então não poderia haver outros homens também em outros planetas?
E, ocorrendo isso, como resistir a verdade da narração bíblica sobre a descendência
de todos os homens de Adão e Eva? E como Deus, que desceu a esta Terra para
redimir os homens, poderia ter redimido outros eventuais homens? [...]. (REALE;
ANTISERI, 2007, p. 186).
Que razões, no entanto, teriam levado Copérnico a propor essa nova e revolucionária
teoria? Que fatores contribuíram para isto?
A resposta a essa pergunta pode ser encontrada no ambiente intelectual e histórico
vivenciado pelo astrônomo, àquela época.
Conforme mencionado anteriormente, vivia-se a época da Renascença, da revolução
comercial, da ascensão da burguesia, das viagens ultramarinas e das descobertas de
continentes desconhecidos e civilizações ainda não estudadas. Os comerciantes desviavam as
suas atenções das feiras locais para os grandes e inexplorados centros comerciais na América.
Os limites do conhecimento humano, de uma hora para outra, se tornavam pequenos e
insuficientes perante a constante ampliação de seus horizontes. A circunavegação da Terra
comprovou a sua esfericidade. Locais distantes do continente europeu mostravam-se
densamente povoados e instigavam indagações a respeito da certeza de a Europa ser o centro
de importância do universo. A Reforma Protestante contribuía para libertar o pensamento
humano e fazer aparecer, ao lado de Roma, numerosos centros religiosos.
84
Nesse burburinho de idéias e concepções novas, algumas das quais estranhas e
radicais, não é difícil para Copérnico sugerir que uma nova mudança, talvez até maior do que
as que outrora haviam ocorrido, devesse ser executada: o deslocamento do centro astronômico
da Terra para o Sol.
Aliado a todos esses acontecimentos históricos, revisitava-se, nesse momento, a idéia,
herdada ainda da Antiguidade, de que a natureza tenderia sempre a executar as suas funções
da maneira mais cômoda e com o menor trabalho possível buscando, para tanto, os
movimentos e as configurações mais simples. E nesse contexto, o sistema copernicano se
encaixava perfeitamente. Os complexos epiciclos haviam sido reduzidos, várias
irregularidades do sistema ptoleimaco haviam sido corrigidas.
Além disso, tem-se a contribuição de alguns fatos relacionados à própria história da
matemática. À exceção dos dois últimos séculos, nos quais a álgebra finalmente libertou o
conhecimento humano das representações geométricas, a geometria sempre foi a ciência
matemática mais importante. Na Antiguidade, a álgebra desenvolveu-se em uma estreita
dependência com a geometria. Os pitagóricos, por exemplo, buscaram estabelecer a ligação
entre a aritmética e a geometria por meio dos números triangulares e dos números quadrados.
Figura 1 – Os números triangulares e as suas representações geométricas
Fonte: STRUIK, 1989, p. 78.
Figura 2 – Números quadrados e as suas representações geométricas
Fonte: STRUIK, 1989, p. 78.
Nos “Elementos” de Euclides, por sua vez,
o raciocínio algébrico é totalmente expresso em uma forma matemática. A expressão
A é introduzida como sendo o lado do quadrado de área A e o produto ab como
sendo a área de um retângulo de lados a e b. As equações lineares e quadráticas são
resolvidas por construções geométricas, conduzindo à chamada ‘aplicação de áreas’.
(STRUIK, 1989, p. 92).
85
No final da Idade Média, com o declínio do regime feudal e as transformações
decorrentes do renascimento cultural, verificou-se uma retomada dos estudos matemáticos.
Estes, por sua vez, empregavam em sua grande maioria, os mesmos métodos e partiam das
mesmas premissas que os antigos.
Em virtude de toda essa influência geométrica, é possível compreender porque os
matemáticos dos séculos XV e XVI, apesar de contarem com um simbolismo algébrico mais
amplo, ainda guardavam certa dependência da representação geométrica. O objeto de
interesse naquele momento estava na teoria das equações e, em particular, na busca de
métodos capazes de transformar equações complexas (quadráticas e cúbicas) em equações
equivalentes e mais simples. No entanto, considerando a influência geométrica, essa busca,
significava reduzir figuras complexas a simples – triângulos ou círculos simples - que fossem
equivalentes à combinação mais elaborada substituída.
Considerando que desde a Antiguidade, da Idade Média e até a época Galileu a
astronomia era pensada como um ramo da geometria, não é difícil entender que pouco tempo
foi necessário até que surgisse um pensador que propusesse a questão da redução do
complexo ao simples também na astronomia. E é exatamente Copérnico quem faz isso. O
astrônomo descobre e prova, matematicamente, que a complexa representação geométrica do
sistema de Ptolomeu (com epiciclos, excêntricos, etc) poderia ser reduzida a uma
representação mais simples se o ponto de referência astronômico fosse transferido da Terra
para o Sol.
Matematicamente, não está em questão qual dos sistemas (de Ptolomeu ou de
Copérnico) é verdadeiro. Na medida em que a astronomia é matemática, ambos são
verdadeiros, pois ambos representam os fatos, mas um é mais simples e harmonioso
que o outro. (BURTT, 1983, p. 38).
Por estas passagens, percebe-se que Copérnico não discute a sua teoria em termos de
verdadeiro ou falso. Ele apenas procura seguir e aplicar o princípio da simplicidade, já
mencionado anteriormente, para encontrar a resposta à seguinte questão: que movimentos
devemos atribuir à Terra de modo a obter a geometria mais simples e mais harmoniosa do céu?
Por fim, mas não menos importante, pode-se citar a influência filosófica no
pensamento da época. Segundo nos relata Burtt (1983), nos séculos XV a XVII presencia-se a
coexistência de duas correntes filosóficas: o aristotelismo e o neoplatonismo. A primeira,
minimizava a importância da matemática e colocava a natureza como algo fundamentalmente
qualitativo, que deveria ser explorada e interpretada por meio da lógica e não por meio da
matemática. A segunda, por sua vez, que vinha ressurgindo na Europa como conseqüência do
86
Renascimento e que sofria forte influência dos pitagóricos, colocava o universo (e a natureza)
como algo fundamentalmente geométrico e, por conseguinte, dotado de uma harmonia
simples, bela e estritamente matemática. A Terra, na condição de corpo pertencente a esse
universo, era também fundamentalmente matemática em sua estrutura, o que legitimava a
busca por uma interpretação geométrica mais simples para os fatos. Sendo Copérnico um
seguidor do neoplatonismo, fica evidente a naturalidade com que ele se
[...] convencera de que o universo é integralmente composto de números e, por
conseguinte, o que quer que fosse matematicamente verdadeiro seria real ou
astronomicamente verdadeiro. A nossa Terra não constituía exceção – também ela
era de natureza essencialmente geométrica – e, portanto, o princípio da relatividade
dos valores matemáticos aplicava-se ao domínio humano, assim como a qualquer
outra parte do reino astronômico. Para ele, a conversão das coisas na nova visão do
mundo [heliocêntrico] não era mais que uma redução matemática de um complexo
labirinto geométrico em um sistema simples, belo e harmonioso [...] (BURTT, 1983,
p. 43).
5.1.4.2 As contribuições de Tycho Brahe (1546-1601)
Três anos após a morte de Copérnico, tem-se o nascimento do dinamarquês Tycho
Brahe que, sobretudo, destaca-se por ser um virtuoso observador astronômico. Diferentemente
da prática comum de observação dos planetas apenas quando em posições ou configurações
favoráveis, Brahe desenvolveu e introduziu a prática de observá-los, a olho nu, enquanto se
moviam nos céus. Para tanto, construiu e desenvolveu equipamentos e instrumentos maiores e
mais estáveis, com os quais obteve medidas e resultados com alto nível de precisão.
Quanto à defesa e aceitação dos modelos astronômicos de Ptolomeu e Copérnico,
Brahe é categórico ao afirmar: nem um, nem o outro. Em relação ao modelo de Copérnico,
Brahe critica o fato de a Terra ser considerada como um corpo em movimento.
[...] se fosse verdade que a Terra gira de lesta para oeste, então – essa é a objeção de
Brahe - o trajeto de uma bala disparada em direção ao poente por um canhão deveria
ser mais longo do que o trajeto de uma bala disparada pelo mesmo canhão em
direção ao levante. E isso porque, no primeiro caso, a Terra estaria se movendo em
direção oposta à da bala, ao passo que, no segundo caso, a Terra se moveria na
direção da bala, de modo que este último trajeto deveria ser mais curto do que o da
bala disparada em direção ao ocidente. Mas, como esses previstos trajetos diferentes
não se dão na prática, Brahe concluía então que a Terra está imóvel. (REALE;
ANTISERI, 2007, p. 229-231).
Em relação ao modelo ptoleimaco, Brahe, ainda que não estivesse embasado pelo
neoplatonismo que influenciou Copérnico, consegue perceber a exagerada complexidade
desse modelo e apregoa ser supérfluo recorrer a tão numerosos epiciclos, por meio dos quais
87
se explicava o comportamento dos planetas em relação ao Sol.
Sendo assim, o astrônomo propõe um outro modelo, conhecido como “tychônico”. Por
ele, a Terra era mantida imóvel e no centro do universo. Ao seu redor, estariam girando o Sol,
a Lua e as estrelas fixas. O Sol, por sua vez, estaria no centro do movimento de rotação dos
demais planetas (FIG. 3).
Figura 3 – O sistema Tychônico
a) Representação do modelo astronômico de Tycho
Brahe
Fonte: HAWKING, 2005, p. 136.
b) Identificação dos corpos integrantes ao sistema
tychônico
Fonte: NELY, 2009.
Apesar de não ser um sistema estruturado de modo simétrico, o modelo astronômico
de Brahe foi abraçado pela grande maioria daqueles que estavam insatisfeitos com o modelo
de Ptolomeu mas que, no entanto, não concordavam com as idéias de Copérnico. Nesse
sentido, Reale e Antiseri (2007, p. 233) afirmam que o sistema tychônico foi “[...]
engenhosamente concebido: mantinha as vantagens matemáticas do sistema de Copérnico e,
além disso, evitava as críticas de natureza física e as acusações de ordem teológica [...].”.
5.1.4.3 As contribuições de Kepler ( 1571-1630)
Como mencionado anteriormente, no meio século posterior a Copérnico, os
astrônomos não tiveram coragem suficiente para apoiar e divulgar o heliocentrismo. No
entanto, no final da década oitenta e início da década noventa desse mesmo século, o jovem
matemático e astrônomo Johannes Kepler, retoma os estudos de Copérnico e se transforma no
primeiro grande defensor e entusiasta dessa teoria.
88
Sei, com certeza, que tenho para com ela [a teoria de Copérnico] este dever, o de,
assim como confirmei-a como verdadeira no mais profundo de minha alma, e assim
como contemplo a sua beleza com incríveis deleito e encanto, assim também devo
defendê-la publicamente perante meus leitores com todas as forças de que disponho.
(KEPLER; FRISCH apud BURTT, 1983, p. 45).
Mas que fatores explicariam a sua opção pelo copernicismo?
Novamente, o fato de ter sido influenciado por um contexto histórico e filosófico
semelhante ao experimentado por Copérnico.
Aos vinte e dois anos, Kepler havia abandonado a teologia para se dedicar à
matemática. Por esta razão, o pano de fundo neoplatônico, que justificava em grande parte o
desenvolvimento da matemática da época e cujas idéias já haviam sido incorporadas ao
modelo astronômico de Copérnico, conquistou a convicção e a simpatia do jovem astrônomo
e se transformou na fundamentação filosófica de todo o seu pensamento.
A unidade e a simplicidade da natureza, bem como a concepção de que o Universo
havia sido criado por Deus a partir de considerações matemáticas e que, portanto, a sua
estrutura e as suas leis deveriam ser definidas somente em termos de considerações
matemáticas, passaram a constituir a base de toda a teoria kepleriana.
Aliado a essa concepção, tem-se ainda como razão para aceitar o copernicismo o fato
de ao Sol ser reservada uma posição central, de destaque, atitude que ia ao encontro das ânsias
de Kepler. Segundo afirma Burtt (1983), apesar de ser um dos fundadores da ciência moderna,
Kepler cultivava certos pensamentos místicos e supersticiosos, com especial destaque para a
exaltação e valorização do Sol. De acordo com o astrônomo, o Sol seria o olho do mundo, o
responsável por iluminar, aquecer e mover todos os corpos do universo.
Em primeiro lugar, a menos que talvez um cego possa negá-lo perante ti, dentre todos
os corpos do universo o mais notável é o Sol, cuja essência integral nada mais é que a
mais pura das luzes que possa existir em qualquer estrela; que é por si só, o produtor, o
conservador e aquecedor de todas as coisas; é uma fonte de luz, rico em frutífero
calor, absolutamente claro, límpido e puro para a vista, a fonte da visão, pintor de
todas as cores, embora, ele próprio vazio de cor, denominado rei dos planetas; por seu
movimento, coração do mundo; por seu poder, olho do mundo; por sua beleza, único
que podemos considerar merecedor do Deus Altíssimo; desejara Ele um domicílio
material para si, escolhendo um lugar onde habitar com os anjos benditos... Pois se os
germânicos elegem como César o que tem poder máximo em todo o império, quem
hesitaria em conferir os votos dos movimentos celestes àquele que já vem
administrando todos os demais movimentos e mudanças por graça da luz, que é sua
posse exclusiva? [...]. (KEPLER; FRISCH apud BURTT, 1983, p. 45-46).
Combinando-se os elementos supersticiosos à sua ânsia matemática de encontrar
fórmulas precisas que pudessem ser confirmadas pelos dados, Kepler partiu da cogitação de
que se o sistema de Copérnico era verdadeiro, então deveriam existir muitas outras harmonias
89
matemáticas no universo a serem descobertas e que serviriam para confirmação do
copernicismo.
Com isso em mente e com base no estudo e na análise dos dados já disponíveis (alguns
deles obtidos ainda por Tycho Brahe), dedicou-se intensamente a procurar, determinar e
formular leis matemáticas que melhor explicassem o funcionamento do universo, bem como
as relações entre os corpos celestes. Desses estudos, destacam-se:
a) a publicação, em 1596, do Mysterium Cosmographicum, através do qual ele
assegura que o número de planetas, bem como a dimensão de suas órbitas poderiam
ser explicados por meio de relações matemáticas entre estas últimas e os cinco
sólidos platônicos existentes (cubo, tetraedro, dodecaedro, icosaedro e ortoedro).
Em outras palavras, as distâncias entre as órbitas de cada um dos seis planetas
guardariam certa semelhança com as distâncias que seriam obtidas caso as esferas
hipotéticas de cada planeta fossem inscritas e circunscritas pelos sólidos platônicos.
Figura 4 – Modelo de Kepler relacionando as distâncias orbitais dos seis planetas às distâncias
obtidas pela inscrição e circunscrição aos sólidos platônicos
Fonte: HAWKING, 2005, p. 104.
90
b) a descoberta e a divulgação das três leis matemáticas que regiam o movimento dos
corpos em torno do Sol. Segundo Burtt (1983), tais leis não tinham especial
importância para Kepler, visto que eram consideradas apenas como mais algumas
dentre as diversas relações matemáticas por ele obtidas, quando se considerava
válido e verdadeiro o modelo de Copérnico. Diferentemente do que se observa com
os trabalhos científicos posteriores, não há grandes preocupações com as utilidades
futuras dessas descobertas. O objetivo central era encontrar as harmonias
matemáticas no modelo de Copérnico. No entanto, tais leis e em especial a
primeira, são de fundamental importância no curso do desenvolvimento do
pensamento científico, visto que significaram a ruptura com algumas idéias ainda
aceitas desde a Antiguidade.
A associação das distâncias orbitais dos planetas com as distâncias entre os sólidos
platônicos inscritos e circunscritos logo mostrou-se falha. E durante muito tempo, buscou-se
encontrar as verdadeiras relações. Passados mais de dez anos de tentativas frustradas, Kepler
finalmente mostrou a incompatibilidade dos dados observados com as combinações das
trajetórias circulares. Depois de tentar as trajetórias ovais, o astrônomo percebeu que os dados
se harmonizavam com a teoria quando aos planetas eram atribuídos movimentos em torno de
órbitas elípticas. Estava, portanto, quebrado o paradigma clássico da perfeição e da
naturalidade do movimento circular. E os princípios da cosmologia aristotélica se haviam
despedaçado. Em seu lugar, colocavam-se relações matemáticas racionais.
Analisando a teoria kepleriana e, principalmente, a maneira através da qual o
astrônomo encontra as suas verdades, podem-se identificar algumas peculiaridades da
filosofia subjacente ao procedimento científico adotado por Kepler.
Primeiramente, ele estabelece uma nova concepção de causalidade para os fatos. Tal
concepção estava centrada na harmonia matemática dos mesmos. Sendo assim, os fatos
observados comportavam-se daquela maneira, porque obedeciam a uma harmonia matemática
que outrora fora estabelecida por Deus. Como exemplo, pode-se citar a causa apresentada
para o fato de existirem seis planetas: os cinco sólidos regulares são inseridos entre as esferas
desses planetas e, portanto, só poderiam existir seis planetas.
Em segundo lugar, certamente como conseqüência dessa nova noção de causalidade,
tem-se uma modificação na idéia de hipótese científica. Se a causa de qualquer fato observado
está fundamentada na harmonia matemática, então qualquer tentativa de explicação desse
fato, por meio do levantamento de hipóteses, deve conter, obrigatoriamente, um enunciado
91
referente a esta harmonia matemática, isto é, um enunciado que revele a conexão matemática
e racional daquilo observado. Caso contrário, a hipótese em questão não poderá ser
considerada verdadeira. Além disso, essa hipótese deve ser passível de verificação exata no
mundo observado.
Por fim, tem-se a elaboração de uma nova doutrina do conhecimento, que estabelece
que o conhecimento certo e verdadeiro do universo e dos fenômenos que nele se observam é
aquele que pode ser traduzido, expresso e evidenciado em quantidades. A quantidade passa,
então, a ser considerada a característica fundamental ou a qualidade primária de todas as
coisas, sendo a única capaz de ser verdadeiramente conhecida pelo pensamento humano.
Todas as demais qualidades mutáveis e superficiais não são reais e, portanto, não existem de
maneira tão verdadeira.
De modo geral, pode-se afirmar que essas modificações nas concepções de
causalidade, hipótese científica, realidade e conhecimento são as contribuições filosóficas
mais importantes de Kepler e que, conforme veremos posteriormente, servirão como base
sólida e fértil para o desenvolvimento dos estudos científicos de Newton.
5.1.4.4 As contribuições de Galileu Galilei (1564-1642)
Galileu foi contemporâneo de Kepler e, com ele, estabeleceu uma fiel relação de
amizade, evidenciada pelo grande intercâmbio de correspondências. De um modo geral, os
trabalhos de Galileu, assim como os de Kepler, foram fortemente influenciados pelas
condições ambientais gerais vivenciadas na época, e também pelos resultados obtidos
diretamente de suas próprias realizações e pesquisas.
Assim como o astrônomo alemão, Galileu também foi adepto e defensor do sistema de
Copérnico. A atribuição de movimento à Terra, impulsionou-lhe a estudar mais cuidadosa,
minuciosa e matematicamente, os movimentos de pequenas partes da Terra e também dos
corpos nela existentes, permitindo-lhe a descoberta da causa de alguns fenômenos naturais,
que não poderiam ser explicadas com base no modelo ptoleimaco até então aceito. Tais
descobertas, no entanto, não foram inicialmente divulgadas pelo físico italiano, que temia
represálias semelhantes às sofridas por Copérnico.
Essas preocupações e temores se extinguiram completamente em 1610 quando, depois
de construir um telescópio, Galileu o aponta para o céu. Segundo Hawking (2005, p. 57), as
observações por ele feitas são tão significativas e importantes que a partir de então “o cosmo
literalmente se abre para a humanidade.”.
92
Dentre algumas das grandes coisas vistas por Galileu, estão:
a) o acréscimo de inúmeras estrelas jamais vistas, à multidão de estrelas fixas já
existentes;
b) o fato de a superfície da lua não ser lisa e polida mas cheia de imperfeições,
montanhas, crateras e sinuosidades, tal como a superfície da Terra. Esta constatação
é de extrema importância, visto que derruba a necessidade de qualquer distinção
entre corpos celestes e terrestres, que era um dos pilares da teoria aristotélicaptolemaica;
c) a constatação de que a galáxia (e, consequentemente a Via Láctea), nada mais é do
que um aglomerado de estrelas, distribuídas ao acaso;
d) a descoberta da existência de quatro satélites girando ao redor de Júpiter, um evento
de tremendas conseqüências para os simpatizantes do geocentrismo, que
acreditavam que todos os corpos celestes se moviam exclusivamente ao redor da
Terra. Na verdade, este fato proporcionou a Galileu uma visão, no céu, de modelo
em escala reduzida do sistema de Copérnico;
e) as manchas solares que, diferentemente do que sustentava a concepção aristotélica,
comprovaram que o Sol também sofre alterações e mutações;
f) as fases de Vênus que, em particular semelhança com as fases da Lua,
evidenciaram que todos os planetas recebem luz solar e, portanto, são corpos de
natureza escura.
Todos esses dados foram reunidos e apresentados à comunidade científica, ainda no
mesmo ano, no Siderius Nuntius, O Mensageiro Celeste. Este tratado contribuiu, por um lado,
para abalar por completo a imagem do mundo aristotélico-ptoleimaco e, por outro, para
afastar alguns obstáculos que se interpunham no caminho da aceitação e confirmação da
teoria de Copérnico.
Além disso, segundo Reale e Antiseri (2007), ao levar o telescópio para dentro da
ciência e utilizá-lo como instrumento científico potencializador dos sentidos, Galileu supera
todo um conjunto de paradigmas e obstáculos epistemológicos (existiam na época arraigados
preconceitos na ciência acadêmica com relação ao emprego de lentes, já que supunha-se
enganarem os olhos) que dificultavam o avanço de pesquisas e a confirmação de teorias e
transforma este instrumento em um “elemento decisivo do saber” (REALE; ANTISERI, 2007,
p. 254).
93
O período que se estende da publicação do Siderius Nuntius a 1615, é marcado pela
divulgação de novos trabalhos de Galileu, sempre defendendo e empregando a teoria de
Copérnico na análise dos fenômenos. É então nessa época que se percebe uma alteração no
teor das críticas feitas ao astrônomo italiano. De questionador e opositor à filosofia
aristotélica, Galileu passa a ser considerado um opositor às palavras das Sagradas Escrituras.
Na tentativa de apaziguar e amenizar a situação, o astrônomo defende a separação entre fé e
ciência e exalta a autonomia dos conhecimentos científicos.
A ciência e a fé são incomensuráveis. E, sendo incomensuráveis, são compatíveis.
Ou seja, não se trata de um ou–ou, mas muito mais de um e-e. O discurso científico
é discurso empiricamente controlável, que visa a nos fazer compreender como
funciona este mundo, ao passo que o discurso religioso é discurso de salvação, que
não se preocupa com ‘o quê’, mas sim com o ‘sentido’ das coisas e da nossa vida. A
ciência é cega para o mundo dos valores e do sentido da vida, ao passo que a fé é
incompetente a respeito de questões factuais. Ciência e fé tratam cada qual de suas
questões próprias: é essa a razão pela qual se harmonizam. Elas não se contradizem
e nem podem se contradizer, já que são incomensuráveis: a ciência nos diz ‘como
vai o céu’ e a fé nos diz ‘como se vai ao céu’. (REALE; ANTISERI, 2007, p. 265).
Em 1616, as autoridades eclesiásticas se posicionam e o Santo Ofício da Inquisição
proíbe a divulgação das teorias de Copérnico e Galileu é impedido, sob pena de ser preso, de
ensinar e defender, com palavras ou escritos, essa teoria.
Entre os anos de 1624 a 1630, em uma polêmica com o jesuíta Horácio Grassi que
viria a se tornar o papa Urbano VIII, Galileu tem reavivadas as esperanças de poder retomar
os seus estudos astronômicos e as suas antigas convicções. Começa então a preparar a
publicação do Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo, ptoleimaco e copernicano,
que ocorre no ano de 1632. Escrito em italiano e não em latim, e organizado na forma de
diálogo entre três personagens (Simplício, representante da filosofia aristotélica; Salviati,
cientista defensor da teoria copernicana e, certamente, a figura representativa do próprio
Galileu e Sagredo, representante do povo, aberto para a novidade, mas que deseja conhecer as
razões de ambas as partes), este tratado se configura como uma obra de crítica e combate à
filosofia aristotélica.
A reação da igreja católica foi imediata, sendo Galileu obrigado a abjurar as suas teses
e, em seguida, condenado à prisão no palácio de um de seus amigos. Aí, nesse retiro, Galileu
completou os seus trabalhos sobre dinâmica e estática, que seriam publicados, no ano de
1638, em seu último livro, Discursos e demonstrações matemáticas sobre as duas novas
ciências. Não menos copernicano do que os Diálogos sobre os dois máximos sistemas do
mundo, esta obra reúne as descobertas referentes à resistência de materiais e ao estudo dos
94
movimentos dos corpos e representa a contribuição mais madura e original de Galileu à
história das idéias científicas.
E quais seriam os pressupostos filosóficos que embasam todos os trabalhos e
publicações de Galileu? Qual é a maneira galileana de compreender e perceber a ciência e a
natureza?
Primeiramente, pode-se afirmar que a natureza se apresenta a Galileu, talvez até mais
do que a Kepler, como um sistema simples e ordenado que age segundo leis imutáveis,
fundamentadas em princípios matemáticos e geométricos. A natureza é o domínio da
matemática.
[...] A filosofia está escrita nesse grande livro permanentemente aberto diante de
nossos olhos – refiro-me ao universo- mas que não podemos compreender sem
primeiro conhecer a língua e dominar os símbolos em que está escrito. A linguagem
desse livro é a matemática e seus símbolos são triângulos, círculos e outras figuras
geométricas, sem cuja ajuda é impossível compreender uma única palavra de seu
texto; sem cuja ajuda, vagueia-se em vão por um labirinto escuro [...]. (BURTT,
1983, p. 61).
Nesse sentido, as demonstrações matemáticas, e não a lógica escolástica, adquirem
papel de destaque, sendo consideradas um meio efetivo para se desvendar os mistérios da
natureza. Um outro meio válido nesse processo de descoberta e explicações dos fenômenos
naturais é o das observações e experimentações.
Na verdade, o que Galileu propõe é a combinação, de maneira justa, desses métodos
matemático (demonstrações) e experimental. Segundo ele, as características e leis do mundo
no qual vivemos nos são reveladas através dos sentidos. “Os fatos sensoriais estão perante nós
para serem explicados; não podem ser revogados ou ignorados.” (BURTT, 1983, p. 62). Ao
contrário, eles devem ser explicados em termos matemáticos. Se, no entanto, não nos for
possível ter uma intuição imediata das conclusões plausíveis advindas de um determinado fato
observado, então se faz necessário a realização de experiências, que possam fornecer dados
suficientes a uma análise mais profunda. Essa análise, por sua vez, deve ser executada com a
ajuda do método resolutivo, que é, essencialmente, um método de demonstrações
matemáticas.
[...] O mundo dos sentidos não é a sua própria explicação; tal como se apresenta, ele
é um código não decifrado, um livro escrito em língua estranha, que deve ser
interpretado ou explicado em termos do alfabeto dessa língua. Após vaguear por
muito tempo em direções errôneas, o homem por fim descobriu os rudimentos desse
alfabeto, ou seja, os princípios e unidades da matemática. Descobrimos que todos os
ramos da matemática sempre se aplicam ao mundo material; os corpos físicos, por
exemplo, são sempre figuras geométricas, muito embora nunca revelem as formas
95
exatas que nos compraz tratar na geometria pura. Por conseguinte, quando tratamos
de decifrar uma página pouco familiar da natureza, o método é, obviamente, o de
buscar nela o nosso alfabeto; resolve-la em termos matemáticos [...]. (BURTT, 1983,
p. 64).
Diante do exposto acima, fica evidente a existência de um método galileano de
análise, observação e explicação da natureza. Segundo Burtt (1983), este método pode ser
didaticamente dividido em três etapas: a intuição ou resolução, a demonstração e a
experiência.
Na etapa inicial da intuição, a experiência sensorial proporcionada por determinado
fenômeno deve ser analisada e examinada de modo mais completo possível, com o objetivo
de se intuir uma forma matemática simples de se traduzir o fenômeno observado.
Em seguida, os fatos sensoriais em si deverão ser deixados de lado, visto que não
haverá mais necessidade de se recorrer a eles. Os elementos resultantes da etapa inicial e que,
de certa forma, guardam a essência dos fatos sensoriais, deverão passar por um processo de
demonstrações dedutíveis, a partir da aplicação da matemática pura. Fica evidente, dessa
maneira, que o método da demonstração matemática é, para Galileu, independente da
verificação sensorial.
[...] Ele [Galileu] insistia em que a partir de poucas experiências podia-se chegar a
diversas conclusões válidas, as quais iam muito além da experiência mesma, uma
vez que o conhecimento de um único fato, adquirido através da descoberta de suas
causas, prepara a mente para a compreensão e a determinação de outros fatos sem a
necessidade de recorrer-se à experiência [...]. (BURTT, 1983, p. 62).
Em seu estudo sobre os projéteis, por exemplo, o físico italiano afirma que, uma vez
sabido que a trajetória seguida pelo projétil é uma parábola, é possível demonstrar, somente
através da aplicação da matemática pura e sem a realização de qualquer experiência, que o
alcance máximo ocorrerá para um ângulo de lançamento de 45°.
Contudo, visando a obtenção de resultados mais seguros e, segundo relata o próprio
Galileu, com o intento de convencer aqueles que não acreditam na aplicabilidade da
matemática, deve-se desenvolver, sempre que possível, demonstrações matemáticas cujas
conclusões sejam suscetíveis de comprovação por meio da experiência. As teorias ou os
princípios assim obtidos poderiam ainda estimular a explicação de fenômenos correlatos mais
complexos e a descobertas de leis matemáticas adicionais.
Nesse momento, uma pergunta se coloca: a estrutura matemática da natureza é
percebida, pelo cientista italiano, como algo final, que simplesmente existe dessa maneira, ou
pode ser explicada por outras razões e circunstâncias?
96
Assim como Kepler, a resposta dada por Galileu a essa questão tem uma base
religiosa. De fato, o uso da palavra natureza pelo físico italiano não exclui uma interpretação
religiosa para as causas das coisas. Na verdade, Galileu admite a existência de um Deus que,
agindo tal qual um geômetra, seria o criador dessa harmonia matemática. E como seria, na
visão de Galileu, a ação deste Deus?
Diferentemente da interpretação medieval que colocava Deus como a causa final de
todas as coisas e, consequentemente, interpretava os porquês dos fatos em termos de sua
utilidade para o homem, na eterna busca de sua união com Deus; a interpretação galileana
procura centrar a sua análise no como dos fatos e, com isso, elimina qualquer necessidade
desta causalidade final. Nesse contexto, Deus, tal como concebiam os aristotélicos, perde o
seu papel no cosmo de Galileu. No entanto, segundo nos relata Burtt (1983), negar
simplesmente a existência de Deus, àquela época, é algo muito radical e, por esta razão, o
físico italiano opta por inverter a sua posição. De causa final de todas as coisas, passa a ser
visto como “A Primeira Causa Eficiente, ou o Criador dos átomos” (BURTT, 1983, p. 78).
Desse modo, Deus passa a ser considerado como um imenso inventor mecânico que, ao criar
os átomos, permite que toda uma sucessão de movimentos (junções e separações) com
características matemáticas possam ocorrer e explicar como ocorrem os mais diversos
fenômenos observados na natureza.
A diferença, no entanto, entre conhecimento de Deus e o dos homens estaria no fato de
o primeiro ser completo e imediato, e o segundo parcial e lento, exigindo esforços para ser
verdadeiramente apreendido.
Quanto à verdade, da qual as demonstrações matemáticas nos dão conhecimento, ela
é a mesma que a sabedoria divina conhece; mas a maneira pela qual Deus conhece
as proposições infinitas, das quais conhecemos algumas poucas, é muito mais
perfeita que a nossa, que procede através do raciocínio e caminha de conclusão em
conclusão, enquanto que a sua dá-se através de um pensamento ou intuição.
(BURTT, 1983, p. 66).
É exatamente essa base religiosa que permitiu a Galileu afirmar que as passagens
controversas das Escrituras, cujas diversas interpretações evidenciam a dificuldade dos
teólogos em conceber certezas, precisariam ser explicadas à luz da ciência. As discussões em
torno de um fenômeno natural deveriam, portanto, iniciar-se por experiências e
demonstrações e, não, pela autoridade das Escrituras pois
[...] do mundo Divino provieram tanto a Sagrada Escritura quanto a natureza. Sendo
a natureza inexorável e imutável e nunca ultrapassando os limites das leis a ela
impostas, acredito que, no que concerne aos efeitos naturais, aquilo que a
97
experiência sensorial expõe aos nossos olhos ou que as demonstrações necessárias
nos comprovam não deveria ser posto em dúvida, em nenhuma circunstância, e
muito menos condenado em função do testemunho dos textos da Escritura, os quais,
entre suas palavras, podem abrigar significados contrários aos daquelas. Não é
menos admirável a maneira como Deus se nos revela nas ações da natureza que nos
ditames da Escritura Sagrada. (BURTT, 1983, p. 67).
Observa-se, dessa maneira, que a ciência galileana é independente da fé, aqui
traduzida e representada pelos ensinamentos divulgados nas Sagradas Escrituras. Isso
significa que as explicações dos fenômenos naturais devem ser sempre pautadas em
demonstrações matemáticas e experiências sensatas e nunca baseadas nos ditames dessas
escrituras. Além disso, os fatos sensoriais desse modo observados ou as conclusões assim
obtidas, representarão verdades e certezas e não deverão ser postos em dúvida, já que exibem
a harmonia matemática estabelecida por Deus.
Além de ser independente da fé, a ciência galileana é também realista e objetiva.
Realista no sentido de que Galileu, assim como Copérnico, não percebia a ciência apenas
como um conjunto de cálculos úteis para fazer previsões mas, sim, como uma descrição
verdadeira da realidade. E objetiva, na medida em que se preocupava em descrever as
qualidades objetivas (primárias) dos corpos, isto é, aquelas quantitativamente determináveis e,
portanto, mensuráveis. As cores, odores, sabores, textura, compreendidas como qualidades
subjetivas (secundárias), variariam de homem para homem e, portanto, não poderiam
constituir o objeto da ciência.
E essa objetividade da ciência, por sua vez, tem algumas conseqüências. Segundo
Reale e Antiseri (2007), ela exclui o homem do universo de investigação da física e, junto
com ele, uma série de coisas e objetos ordenados e hierarquizados em sua função. Exclui
ainda a investigação qualitativa em benefício da quantitativa e elimina as causas finais em
favor das causas mecânicas e eficientes. Em síntese, “o mundo descrito pela física de Galileu
não é mais o mundo de que fala a física de Aristóteles.” (REALE; ANTISERI, 2007, p. 282).
5.1.4.5 As contribuições filosóficas de Francis Bacon (1561-1626)
O período que se estende da segunda metade do século XVI até a segunda metade do
século XVII e que é caracterizado, na Inglaterra, pela passagem do catolicismo ao
protestantismo e por uma rápida expansão e desenvolvimento do setor industrial, evidencia o
momento histórico vivenciado pelo jurista inglês Francis Bacon.
Considerado o “filósofo da época industrial”, Bacon dedicou grande parte do seu tempo a
98
refletir sobre o conhecimento e sobre a melhor maneira de colocá-lo a serviço do homem. Para
ele, a ciência deveria dar frutos na prática, isto é, o conhecimento por ela produzido deveria ser
capaz de promover melhorias nas técnicas e nas condições da vida humana. Segundo nos alerta
Andery et al. (2003), Bacon não propõe que todo conhecimento particular tenha uma utilidade
prática e imediata na vida humana; mas “é o conjunto do saber que deve estar voltado para
atender as necessidades do homem.” (ANDERY et al., 2003, p. 195).
“A ciência pode e deve transformar as condições da vida humana. Ela não é realidade
indiferente aos valores da ética, mas sim instrumento construído pelo homem tendo em vista a
realização dos valores de fraternidade e progresso.” (REALE; ANTISERI, 2007, p. 322).
Nesse sentido, e para que o conhecimento cumpra a sua finalidade de se colocar a
serviço do homem, Bacon se esforçou por estabelecer um método que permitisse uma
compreensão mais correta dos fenômenos e das verdades a eles subjacentes. Tal método foi
desenvolvido a partir de considerações e reflexões feitas pelo filósofo sobre o saber da época.
Como descrevem Reale e Antiseri (2007), Bacon via o saber da época impregnado de
“antecipações da natureza”, isto é, de “noções que alcançam fácil concordância, porque,
extraídas de poucos dados, sobretudo dos que se repetem habitualmente, logo ocupam o
intelecto e preenchem a fantasia.” (REALE; ANTISERI, 2007, p. 333).
Como conseqüência, o saber se mostra “[...] entretecido de axiomas que, sendo
produzidos precipitadamente a partir de poucos e insuficientes exemplos, sequer arranham a
realidade, servindo apenas para alimentar disputas estéreis.” (REALE; ANTISERI, 2003, p.
333).
Nesse sentido, o filósofo propõe que as antecipações da natureza sejam substituídas
por “interpretações da natureza”. “Recolhidas de dados diversos e muito distantes entre si,
elas não podem logo tomar o intelecto; por isso, parecem difíceis e estranhas à
opinião comum, quase semelhantes aos mistérios da fé.” (REALE; ANTISERI, 2007, p.
334).
E essas interpretações, para serem obtidas, precisam seguir um método, um novum
organum que, segundo Bacon, seria um novo instrumento eficaz de se atingir a verdade;
constituído, essencialmente, de duas etapas. A primeira, implicaria em limpar a mente dos
ídolos, isto é, das falsas noções que invadiram o intelecto humano. A segunda, por sua vez,
corresponderia na aplicação das regras do método de Bacon, ou método da indução.
No que diz respeito à primeira etapa, Bacon acredita que o homem, ao produzir
conhecimento, pode cometer quatro tipos de erros (ídolos) se seguir o seu impulso
natural.
99
Os primeiros são os ídolos da tribo, ou seja, as falhas inerentes a todo ser humano e
decorrentes de interpretações equivocadas tanto de seus sentidos quanto de seu intelecto.
Segundo o filósofo, não se pode confiar nas informações fornecidas pelos sentidos (senão
aquelas corrigidas pela experimentação) nem nas advindas do intelecto, já que estão sujeitas a
inúmeras falhas, sendo a tendência de se generalizar a partir de casos favoráveis e
contrariando qualquer instância negativa que se apresente, uma delas.
Quando encontra alguma noção que o satisfaz, porque considera verdadeira ou
porque convincente e agradável, o intelecto humano leva todo o resto a validá-la e
coincidir com ela. E até quando a força ou o número das instâncias contrárias é
maior, no entanto, ou não são levadas em conta por desprezo ou são confundidas
com distinções e rejeitadas, não sem grave e danoso prejuízo, desde que isso
conserve imperturbável a autoridade das primeiras afirmações. (REALE;
ANTISERI, 2007, p. 335).
Os segundos são os ídolos da caverna, da gruta particular de cada um e, portanto,
estão relacionados aos erros cometidos em decorrência da individualidade de cada estudioso,
isto é, da sua história de vida, do seu ambiente, de sua formação, dos seus hábitos, dos seus
objetivos ao iniciar determinado estudo. Todos esses aspectos fazem o cientista compreender,
interpretar e analisar um fenômeno mediante determinado prisma.
Além das aberrações comuns ao gênero humano, cada um de nós tem caverna ou
gruta particular na qual a luz da natureza se perde e se corrompe, por causa da
natureza própria e singular de cada um, por causa de sua educação e das
conversações com os outros, por causa dos livros que lê e da autoridade que admira
e honra ou por causa da diversidade de impressões, à medida que elas encontrem o
espírito já ocupado por preconceitos ou então descongestionado e tranqüilo.
(REALE; ANTISERI, 2007, p. 336).
O terceiro tipo, são os ídolos do foro, isto é, as falhas provenientes dos contatos
recíprocos entre os seres humanos e que, portanto, são decorrentes da linguagem que usamos
e da comunicação estabelecida. As palavras que usamos limitam a nossa concepção das
coisas, na medida em que nem sempre é possível fazer com que elas correspondam, da
maneira mais fiel possível, aos fatos e fenômenos observados na natureza. Assim, o uso de
palavras vagas e, muitas vezes, sem correspondência com qualquer aspecto do real, acaba por
gerar inúmeras controvérsias em torno de nomes e definições.
Os ídolos que, através das palavras, penetram no intelecto, são de duas espécies: são
nomes de coisas inexistentes ou são nomes de coisas que existem, mas confusos,
indeterminados e impropriamente abstraídos das coisas. (REALE; ANTISERI, 2007,
p. 337).
100
Os últimos ídolos, por sua vez, são os do teatro que correspondem às distorções
introduzidas no pensamento advindas da aceitação de falsas teorias ou sistemas filosóficos.
Nesse momento Bacon tece críticas contumazes ao sistema filosófico aristotélico,
principalmente no que diz respeito à sua incapacidade e esterilidade para produzir resultados
práticos que beneficiem a vida humana. Para ele, a filosofia aristotélica era “boa somente para
as disputas e as controvérsias, mas estéril em obras vantajosas para a vida do homem.”
(REALE; ANTISERI, 2007, p. 322).
Uma vez libertado o intelecto humano de todos estes ídolos e das antecipações da
natureza, Bacon afirma ser o momento de o homem encaminhar-se para o verdadeiro estudo
da natureza por meio de um método por ele proposto e intitulado de método da indução. Tal
método funciona como um procedimento de pesquisa composto por duas partes. A primeira
consiste em extrair e fazer surgir os axiomas da experiência, e a segunda em deduzir e derivar
novos experimentos dos axiomas.
Para se atingir o objetivo proposto na primeira etapa, Bacon sugere sejam feitas, com
base naquilo que se deseja estudar, três relações (por ele intituladas de tábuas) ou listas,
propriamente ditas: a tábua da presença, na qual se relacionam todas as situações nas quais se
apresenta o fenômeno; a tábua das ausências, na qual se relacionam as situações em que o
fenômeno em questão está ausente e, por fim, a tábua dos graus, na qual são registradas
todas as instâncias em que o fenômeno se apresenta segundo uma maior ou menor
intensidade.
Feito isso, o filósofo procede ao método da indução propriamente dito, aqui
compreendido como a eliminação ou a exclusão da hipótese falsa, por meio da comparação
das respostas obtidas nas três tábuas. Dessa maneira, obtém-se uma primeira colheita, isto é,
uma primeira hipótese, que deve passar agora pelas fases da dedução e da experimentação.
Dedução dos fatos implicados e previstos pela hipótese e experimentação e verificação de
suas veracidades. Nesse sentido, deve-se construir uma rede de investigações e um rico
conjunto de técnicas experimentais, capazes de permitirem a realização de um grande número
de experiências ordenadas. Se, no entanto, durante a pesquisa de uma determinada natureza, o
intelecto humano se encontrar em dúvida e inseguro quanto uma ou outra decisão, Bacon
sugere seja realizado o chamado “experimentum crucis”, isto é, aquele capaz de efetivamente
permitir a confirmação de uma teoria e a eliminação de outra.
Em síntese, esse método baconiano que busca a eliminação da mente humana das
antecipações da natureza, que incentiva a realização dos experimentos e que “coloca chumbo
e pesos no intelecto humano” (REALE; ANTISERI, 2007, p. 339), exercerá influência
101
histórica e decisiva sobre aqueles que seriam os seus seguidores e continuadores, com
especial destaque para Isaac Newton.
5.1.4.6 Algumas contribuições de Renè Descartes (1596-1650)
Inserido nesse contexto de transformações que assolaram o pensamento europeu
no decorrer do movimento da Revolução Científica, tem-se o filósofo francês Renè
Descartes.
De acordo com Burtt (1983), a sua importância para o movimento pode ser
considerada dupla: ele elaborou uma hipótese abrangente e detalhada da estrutura matemática
do universo e utilizou um método matemático e dedutivo próprios e um dualismo metafísico
para explicar o posicionamento e os interesses do homem em relação à natureza.
De um modo geral, o desenvolvimento de toda a filosofia de Descartes está pautado
em sua completa certeza e convicção de que é possível conhecer e chegar a verdades
indubitáveis. E o caminho a ser percorrido para se atingir tal feito passa pela dúvida. Duvidar
de tudo, particularmente da existência das coisas provenientes dos sentidos é o método
utilizado pelo filósofo para conhecer as verdades, consideradas como idéias claras e distintas.
A existência do pensamento humano, no entanto, é a única idéia que não pode ser atingida
pela dúvida. Isso porque, ao ser capaz de duvidar de tudo, Descartes chega à conclusão de que
é um ser pensante e, portanto, existe: “Penso, logo existo”.
A existência do pensamento humano é, dessa maneira, estabelecida como a primeira
verdade indubitável para o filósofo. Como conseqüência disso, tem-se um segundo princípio,
também verdadeiro: o da existência de Deus. Com efeito, se somos seres capazes de formular
idéias a respeito das coisas exteriores e daquelas que nos chegam pelos sentidos, é porque
tanto o nosso corpo, quanto essas coisas existem e foram criadas por um ser bom e perfeito:
Deus.
Assim, a existência do pensamento humano e a existência de Deus são as duas
verdades ou princípios inicialmente estabelecidos e dos quais deriva toda a filosofia de
Descartes.
Se a dúvida foi o ponto de partida para que Descartes estabelecesse esses dois
princípios, o método de raciocínio por ele empregado nesse processo foi o matemático. As
regras metodológicas de Descartes indicam o caminho correto para todo indivíduo que deseja
chegar a verdades.
102
[...] regras certas e fáceis que, sendo observadas exatamente por quem quer que seja,
tornem impossível tomar o falso por verdadeiro e, sem qualquer esforço mental
inútil, mas aumentando sempre gradualmente a ciência, levem ao conhecimento
verdadeiro de tudo o que se é capaz de conhecer. (REALE; ANTISERI, 2007, p.
359).
De um modo geral, essas quatro regras ou preceitos são assim apresentados:
O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não
conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação
e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e
tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-la em
dúvida.
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas
parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos
mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por
degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem
entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão
gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir. (DESCARTES, 1973, p. 45-46).
A ênfase na dúvida e a aplicação do método matemático de raciocínio traduzem,
portanto, a maneira pela qual a razão é capaz de chegar a verdades claras e distintas evitandose, assim, os erros.
A importância que Descartes atribui à matemática evidencia-se, não apenas em seu
método descrito anteriormente, mas também na maneira como ele percebe o mundo.
Influenciado pelos estudos e pelas realizações matemáticas de Kepler e Galileu, e seguindo
uma convicção profunda que há muito se estabelecera em sua mente, Descartes procurou
demonstrar, em seus trabalhos, que a matemática era a única chave para se desvendar os
segredos da natureza. Nesse sentido, mergulhou insistentemente no campo da geometria e
inventou um instrumento que permitiu a união de elementos da aritmética e da álgebra com os
elementos da geometria, principalmente ao se constatar uma correspondência biunívoca entre
essas duas áreas. Por meio deste instrumento, conhecido como geometria analítica, Descartes
percebeu que a extensão do espaço (comprimento, largura e espessura) poderia ser, por mais
complicada que fosse, representada e traduzida por meio de fórmulas e números e, de modo
análogo, que determinadas verdades numéricas poderiam ser, sob certas circunstâncias,
representações espaciais. Tal constatação ampliou a esperança do filósofo de que o mundo da
Física pudesse ser redutível unicamente a qualidades matemáticas, o que evidenciaria o fato
de ser a matemática a chave única e adequada para revelar as verdades da natureza ou do
mundo físico.
103
E quais seriam, então, as características desse universo cartesiano?
Segundo Reale e Antiseri (2007), o universo de Descartes seria composto basicamente
por matéria (ou extensão) e movimento. Inicialmente, Deus teria colocado todas as coisas
dotadas de extensão em movimento, sendo que os fenômenos observados seriam provocados
pelo choque dessas partículas movendo-se umas sobre as outras. Através dessas colisões, a
quantidade de movimento inicial seria transmitida a outras partes do universo, de modo que
não haveria necessidade de recorrer a forças ou atrações para explicar o movimento (princípio
da conservação). Tudo aconteceria segundo a regularidade e a precisão de uma máquina ou
um relógio mecânico. Além disso, existiria nesse universo uma espécie de éter que, uma vez
impelido pela ação Divina a executar determinado movimento, criaria uma série de
redemoinhos e vórtices, nos quais objetos visíveis, como os planetas, seriam arrastados e
conduzidos a determinados pontos.
Essa maneira de conceber o universo é, sem dúvida, uma visão fundamentalmente
diferente do modo platônico-aristotélico até então existente. A condição natural dos corpos de
quietude é substituída pela concepção de movimento, agora compreendido como um estado.
O lugar natural dos corpos deixa de existir, já que as coisas não têm uma direção
finalisticamente definida. Além disso, o Deus que antes era relegado à condição de fim (já que
o homem deveria encontrar o seu caminho de volta a Ele), passa a ser compreendido como a
causa primeira do movimento e dos acontecimentos do universo, percebido como uma grande
máquina matemática.
Aliado à existência desse universo mecânico, dinâmico e matemático, intitulado de
Res Extensa, Descartes admite ainda a existência de um outro mundo, completamente
independente do primeiro (a Res Cogitans), cuja essência é o pensamento, a vontade, a
percepção e o sentimento, isto é, um mundo sem extensão. No caso do ser humano, a Res
Extensa seria o seu corpo e a Res Cogitans a sua alma. Para Descartes, a Res Cogitans se
uniria ao corpo como um todo, mas exerceria as suas funções em uma região particular
(glândula pineal), de onde se irradiaria por todo o restante do corpo por meio das essências,
ou espíritos animais, dos nervos e mesmo do sangue. Assim, afirmava o filósofo que por meio
de uma parte do corpo, uma substância sem extensão entrava em relação efetiva com o reino
da extensão, fato que é conhecido como o dualismo cartesiano.
Novamente, tem-se uma ruptura com a visão antiga. Além de o mundo ser uma
máquina dinâmica e matemática, algumas coisas que o tornavam um lugar vivo, espiritual e
gracioso, tais como as características secundárias dos objetos, foram reunidas e colocadas em
um mundo diferente e independente do mundo verdadeiramente extenso. Como nos afirma
104
Burtt (1983, p. 98), “[...] foi uma mudança incalculável na visão de mundo da opinião
inteligente da Europa.”.
5.1.4.7 As contribuições filosóficas inglesas do século XVII
A obra de Descartes exerceu grande influência na Europa durante a segunda metade do
século XVII, despertando amplo interesse e severas críticas. Na Inglaterra, ela despertou, mais
particularmente, a atenção de Thomas Hobbes, Robert Boyle e John Locke.
Hobbes (1588-1679) viveu na Inglaterra em um período muito conturbado e marcado
por uma série de disputas políticas. De um lado, as forças parlamentares desejavam a instauração
de uma monarquia parlamentar e, de outro, as forças da nobreza propunham o governo de um só
homem com poderes absolutos. Nesse sentido, grande parte de sua obra esteve ligada a essas
questões políticas, especialmente por ter se destacado, conforme mencionado anteriormente,
como um dos teóricos e defensores da monarquia absolutista. Hobbes defendia a idéia do
“contrato social”, no qual todos os homens abririam mão de seus próprios direitos, transferindoos para alguém, como meio de se garantir a sobrevivência humana.
Em conjunto com essas inquietações, Hobbes desenvolveu também um forte interesse
pela filosofia, chegando a elaborar um sistema no qual as preocupações com a sociedade e as
questões políticas estivessem associadas ao estudo da produção do conhecimento científico.
Por este sistema, a filosofia não se ocuparia de Deus, da teologia, e nem de tudo o que
não estivesse bem fundado. Ela se dedicaria unicamente ao estudo dos corpos, fossem eles
artificiais (filosofia civil ou política) ou naturais (filosofia da natureza). Dentre estes últimos,
os corpos ainda poderiam ser divididos em físicos ou humanos. Tudo aquilo que não fosse
corpóreo ou que fosse espiritual deveria ser excluído da filosofia.
Figura 5 – A divisão da filosofia segundo Thomas Hobbes
Fonte: REALE; ANTISERI, 2007, p. 489.
Por esta divisão, já evidencia-se uma das tendências do pensamento de Hobbes que é a
crítica ao dualismo cartesiano. Para ele, todas as coisas, inclusive o pensamento, deveriam ser
reduzidas a corpos e movimentos, não fazendo sentido a consideração da Res Cogitans de
105
Descartes. Mesmo aqueles corpos que aparentemente não demonstravam algum movimento a
olho nu, possuíam algum tipo de movimento interno. Nesse contexto, o conhecimento era
possível porque os objetos ou corpos eram capazes de produzir sensações, imaginações e
sentimentos nos seres humanos. No mecanismo das sensações, os objetos sensíveis afetavam
os órgãos sensoriais de modo que se produzisse, nos seres vivos, a sensação, que era algo que
vinha de um movimento interno do objeto, mas não se confundia com ele. A imaginação e o
sentimento, por sua vez, dependeriam dessas sensações e aconteceriam na ausência do objeto
real.
Assim, a produção do conhecimento (científico, inclusive) dependeria da imaginação,
do sentimento e da sensação mas, acima de tudo, seria um processo lógico e racional. As
impressões e sensações proporcionadas pelos objetos seriam traduzidas em nomes que, por
sua vez, seriam associados, de um modo quase matemático (por adição ou subtração de
idéias) para formar as proposições e concretizar o raciocínio.
Em síntese, a razão para Hobbes estaria completamente desvinculada da fé, sendo uma
espécie de cálculo (adição e subtração) efetuado com os nomes das coisas, isto é, com as
sensações que outrora foram produzidas.
Paralelamente a esse movimento matemático dentro da ciência, desenvolvia-se uma
outra corrente científica não exclusivamente matemática, de método empírico e experimental
cujos principais defensores foram William Gilbert (o pai do magnetismo), William Harvey
(descobridor da circulação sanguínea) e Robert Boyle (1627-1691), sendo que as idéias deste
último foram por demais importantes para o desenvolvimento e a formulação do pensamento
de Newton.
Segundo Burtt (1983), Boyle exemplifica, em sua maneira de pensar, todas as
principais correntes intelectuais existentes à sua época. Os princípios, interesses e crenças
importantes dessas correntes foram reunidos em seu pensamento e harmonizados com êxito
considerável em torno de dois aspectos principais: a ciência experimental e a religião.
Boyle não era um matemático. Mesmo assim, ao contrário do que se possa pensar,
demonstrou estar de acordo com Galileu e Descartes ao afirmar que o mundo inteiro parece
ter uma estrutura fundamentalmente matemática, sendo os princípios matemáticos e
mecânicos a chave para a interpretação e a explicação dos fenômenos.
No entanto, segundo Boyle, a análise racional dos fatos sensoriais deveria ser sempre
confirmada por meio de experimentos exatos, cujos resultados serviriam para fortalecer a
razão. Vale ressaltar, nesse momento, que Boyle não coloca a primazia do experimento sobre
a razão. Na verdade, conforme nos ressalta Burtt (1983), para o cientista,
106
[...] a experiência é apenas um assistente da razão, visto como efetivamente
proporciona informações ao entendimento, mas o entendimento permanece sendo o
juiz e tem o poder ou o direito de examinar e utilizar os testemunhos que a ele são
apresentados. (BURTT, 1983, p. 137).
Sendo um partidário da visão matemática da natureza, é de se esperar que Boyle
também demonstre uma visão mecânica do universo, isto é, uma visão baseada na noção de
movimento do mesmo. Com efeito, assumindo a idéia corpuscular da matéria, isto é, supondo
ser ela constituída de pequenas partículas, os átomos, Boyle procura comprovar, por meio da
realização de experimentos, que todas as qualidades primárias e secundárias da matéria, assim
como a enorme variedade de corpos (com formas e volumes diferentes) e a diversidade quase
infinita de fenômenos, são todos resultantes dos movimentos, junções, combinações e
separações dessas pequenas partículas.
Assim como Descartes, Boyle também aceitava a idéia da existência de uma substância
fluida (éter) a preencher o espaço. Ainda que poucos experimentos adequados tivessem sido
realizados com o intuito de se comprovar a existência de tal substância, recorria-se à ela para
explicar a comunicação e a transmissão de movimento de um corpo a outro por impacto
sucessivo, ou para explicar alguns fenômenos curiosos como o magnetismo que, até então, não
podiam ser elucidados com base nos movimentos universais e mecânicos das partículas.
E nesse mundo essencialmente mecânico, qual seria o lugar reservado a Deus? Para
Boyle, a existência da razão e da inteligência humanas, assim como da ordem e beleza do
universo como um todo, seriam as evidências mais concretas da existência de um Criador
poderoso, sábio e bom. Criador este que seria responsável por evitar o despedaçamento do
universo e, ainda, por mantê-lo em funcionamento de modo harmonioso.
[...] Este criador supremamente poderoso e artífice do mundo não abandonou uma
obra-prima tão digna dele, mas sim a mantém e preserva, regulando de tal modo os
movimentos estupendamente rápidos dos grandes globos e de outras vastas massas
de matéria que nenhuma irregularidade perceptível desorganiza o grande sistema do
universo, nem o reduz a uma espécie de caos, ou estado confuso de coisas
embaralhadas e degeneradas. (BOYLE apud BURTT, 1983, p. 153).
Para finalizar a caracterização e as contribuições da filosofia inglesa no século XVII, é
preciso considerar as idéias do inglês John Locke (1632-1704).
De origem social burguesa, Locke desempenhou um papel extremamente ativo e
participativo na vida pública, sendo considerado um dos mentores, defensores e divulgadores
do liberalismo. Em relação às suas preocupações filosóficas, têm-se no processo de produção
do conhecimento e no entendimento humano, os principais pilares. Em sua obra “O Ensaio
107
sobre o intelecto humano”, Locke aborda os limites, as condições e as possibilidades efetivas
para o conhecimento humano e estabelece os princípios do empirismo lockiano.
De um modo geral, o filósofo inglês assimila o princípio cartesiano de que o único
objeto do pensamento humano é a idéia. No entanto, discorda quanto ao fato de que essa idéia
seja algo inato a todo ser humano. Para ele, todas as idéias que diziam respeito a objetos
externos ou a operações internas da mente derivavam da experiência, uma vez que seria
impossível, ao intelecto humano, criar ou inventar idéias, nem tampouco destruir aquelas que
já existiam. Dessa maneira, a experiência constituía a fonte e, ao mesmo tempo, o limite para
o conhecimento humano.
Nesse contexto, em sua doutrina sobre as idéias, Locke afirma existirem dois tipos
principais de idéias: as idéias de sensação e as idéias de reflexão. As primeiras seriam aquelas
que se constituiriam a partir das experiências com os objetos do mundo exterior e, portanto,
seriam proporcionadas pelos sentidos (idéias de cor, som, sabor, extensão, figura,
movimento). Já as outras, seriam aquelas advindas de operações internas da mente tais como
as idéias de percepção, vontade, dor, prazer, etc.
Além disso, o filósofo também classificava as idéias em simples ou complexas. As
simples seriam aquelas adquiridas inicialmente e passivamente pela mente humana, por meio
dos sentidos ou através da reflexão das operações dessa mente acerca dos objetos externos.
Seriam, portanto, idéias claras e distintas e impossíveis de destruição. Já as complexas, seriam
aquelas desenvolvidas pela mente a partir das operações de soma e de comparação entre as
idéias simples já existentes. Exigiriam um papel constante e ativo do sujeito nesse processo de
construção do conhecimento.
[...] Estas idéias simples, os materiais de todo o nosso conhecimento, são sugeridas
ou fornecidas à mente unicamente pelas duas vias acima mencionadas: sensação e
reflexão. Quando o entendimento já está abastecido de idéias simples, tem o poder
para repetir, comparar e uni-las numa variedade quase infinita, formando à vontade
novas idéias complexas. Mas não tem o poder [...] de formar uma única nova idéia
simples na mente, que não tenha sido recebida pelos meios acima mencionados. [...]
Semelhante inabilidade será descoberta por quem tentar modelar em seu
entendimento alguma idéia que não recebera dos sentidos dos objetos externos, ou
mediante a reflexão das operações de sua mente acerca deles. Gostaria que alguém
tentasse imaginar um gosto que jamais impressionou seu paladar, ou tentasse formar
a idéia de um aroma que nunca cheirou; quando puder fazer isso, concluirei também
que um cego tem idéias das cores, e um surdo noções reais dos diversos sons.
[...] Mediante esta faculdade de repetir e unir suas idéias, a mente revela grande
poder para variar e multiplicar os objetos de seus pensamentos de modo infinito e
muito além do que lhe foi fornecido pela sensação ou reflexão [...] Tendo, contudo,
adquirido as idéias simples, a mente deixa de se limitar pela mera observação do que
lhe é oferecido externamente, passando, mediante seu próprio poder, a reunir as
idéias que possui para formar idéias complexas originais, pois jamais foram assim
recebidas unidas. (LOCKE apud ANDERY et al., 2003, p. 225-226).
108
São estes, portanto, os principais pontos do empirismo de Locke que, juntamente com
as suas idéias políticas, pautadas no direito à liberdade, à igualdade e à racionalidade,
transformaram o filósofo não apenas em um dos principais defensores do Iluminismo mas,
também, no precursor de uma filosofia mais crítica, centrada no problema do conhecimento
humano e na importância da experiência como fonte e meio de se produzir este conhecimento.
É certo que muitos outros personagens integram e completam o quadro de pensadores
e filósofos da ciência durante o período da Revolução Científica. No entanto, estes
mencionados ao longo do capítulo proporcionaram, de uma forma ou de outra, modificações e
transformações no pensamento, preparando o terreno para que Isaac Newton desenvolvesse
toda a sua filosofia e se consolidasse como um dos mais importantes nomes da ciência.
Cabe ressaltar, no entanto, que, devido à extensão do período, e ao grande número de
contribuições, é impossível identificar se este ou aquele exerceram influência direta e
específica sobre Newton. Interessa-nos, apenas, compreender quais as idéias compartilhadas
pelo ambiente intelectual de cada época para que, no capítulo seguinte, possamos entender
como Newton se posicionava perante algumas delas.
Com o intuito de facilitar a visualização desse extenso período, tem-se, na figura
abaixo, uma representação de uma linha do tempo com os principais pensadores desse
período.
Figura 6 – Representação dos principais pensadores que fizeram parte do período da
Revolução Científica
Fonte: Elaborado pela autora.
Por esta representação, fica evidente que as idéias desses pensadores, muitas das
vezes, coexistem em diversos momentos desempenhando, portanto, um papel dual na
construção do conhecimento: ora exercem a influência sobre, e ora sofrem a influência das
correntes e pensamentos vigentes no momento em questão.
109
6 AS REGRAS DO FILOSOFAR DE NEWTON
Conforme descrito no capítulo anterior, o período da Revolução Científica (que se
estende do final do século XV ao início do século XVII) caracteriza-se por um conjunto de
intensas modificações e transformações no modo de pensar e na maneira de conceber a
produção do conhecimento científico e a relação homem-natureza. Todas essas modificações
foram, gradualmente, marcando épocas distintas, influenciando filósofos e preparando o
cenário para que Newton e todos os demais cientistas dos séculos seguintes tivessem
condições de formular e estabelecer novas teorias a respeito dos fenômenos da natureza.
O fato de que a história subsequente [ao período da Revolução Científica], durante
quase cem anos de matemática, mecânica e astronomia tenha-se apresentado
principalmente como um período de maior apreciação e de mais extensa aplicação
das descobertas de Newton, e de que esse século seja repleto de estrelas de primeira
grandeza em cada um daqueles campos, só pode ser atribuído à circunstância de que
o terreno estivesse preparado, [e de que estas pessoas estivessem prontas para fazer a
colheita].
[...] Um dos aspectos mais curiosos e exasperantes de todo esse magnífico
movimento é que nenhum dos seus grandes representantes parece ter sabido, com
satisfatória clareza, o que estava fazendo, ou como o fazia. E, quanto à filosofia
fundamental do universo, compreendida pelas conquistas científicas, Newton pouco
mais fez que encampar as idéias a esse respeito que foram formuladas para ele por
seus antecessores intelectuais, simplesmente atualizando-as ocasionalmente, nos
pontos em que suas descobertas pessoais, obviamente, fizeram uma diferença, ou
remodelando-as ligeiramente em uma forma mais ao gosto de certos interesses seus,
extracientíficos. (BURTT, 1983, p. 167-168).
Em termos filosóficos, pode-se afirmar que a Revolução Científica proporcionou o
aparecimento de duas correntes filosóficas. A primeira delas seria uma corrente resultante do
neoplatonismo e que, conforme relatado no capitulo anterior, já havia influenciado Copérnico,
Kepler, Galileu, etc. Também intitulada de filosofia mecânica por Barbatti (1999), esta
corrente defende a redução da natureza a entes matemáticos e geométricos e tem, portanto, na
geometria euclidiana, o seu principal instrumento. “A única forma de garantir a certeza de
algo é dispô-lo matematicamente.” (BARBATTI, 1999, p. 155). A outra corrente, por sua vez,
que já se fazia presente no modo baconiano de compreender a produção do conhecimento,
parte do princípio de que a única forma de se estabelecer verdades é por meio da realização de
experimentos criteriosos e, então, é intitulada de filosofia empírica.
Ainda de acordo com Barbatti (1999), essas duas correntes permeiam toda a produção
do conhecimento científico da Idade Moderna e, portanto, servem como base e
fundamentação da filosofia e do método de Newton, conforme veremos a seguir.
110
6.1 As regras da filosofia de Newton e o seu método
No ano de morte de Galileu, em 1642, nascia Isaac Newton. Segundo Reale e Antiseri
(2007, p. 290), “Newton foi o homem que levou a revolução científica a termo.”.
De fato, com suas descobertas mecânicas, astronômicas, óticas, matemáticas, etc.,
Newton estabeleceu um novo sistema de mundo e permitiu a configuração da fisionomia da
física clássica. Além disso, suas preocupações com questões teológicas e o estabelecimento da
“razão de Newton”, isto é, de um modo de raciocinar que não se prende em hipóteses sobre a
natureza íntima ou a essência das coisas, mas que, controlada pela experiência, procura e
prova as leis de seu funcionamento, fizeram dele um dos grandes nomes da ciência moderna e
conferiram à sua obra, uma importância de caráter filosófico.
[...] com Isaac Newton, acabava um período da atitude dos filósofos em relação à
natureza e começava outro, inteiramente novo. Em sua obra, a ciência clássica
alcançou existência independente e, daí em diante, começou a exercer toda a sua
influência sobre a sociedade humana. Se alguém devesse assumir a função de
descrever essa influência em suas numerosas ramificações, Newton poderia
constituir o ponto de partida: tudo o que foi feito antes era apenas introdução.
(REALE; ANTISERI, 2007, p. 291).
Mas quais seriam então, as características desse método newtoniano de observação e
análise da natureza?
Segundo nos apregoa Burtt (1983), por ser Newton o herdeiro natural das duas
correntes filosóficas mais eminentes àquela época (a empírica e experimental, e a dedutiva e
matemática), o seu método de análise e interpretação dos fenômenos apresenta dois aspectos
bem fortes e definidos: um matemático e outro experimental.
Assim como Copérnico, Kepler, Galileu e Descartes, Newton também atribuiu à
matemática um papel de grande significação. Já pelo próprio título dado ao seu famoso livro
“Os Principia” (Princípios matemáticos da filosofia natural), fica evidente a sua constante
esperança de que todos os fenômenos naturais pudessem, por fim, ser explicados por meio de
argumentos e demonstrações matemáticas. No entanto, diferentemente de seus antecessores
que acreditavam que todos os segredos do mundo podiam ser completamente desvendados
pelos métodos matemáticos, Newton afirmava que “[...] o mundo é o que é; enquanto leis
matemáticas exatas puderem ser nele descobertas, ótimo; de outra forma, nós teremos de
buscar a expansão da nossa matemática, ou contentarmo-nos com algum outro método.”
(NEWTON apud BURTT, 1983, p. 171).
E este outro método, ao qual ele se refere, é o empírico ou experimental. Em Ótica:
111
um tratado das reflexões, refrações, inflexões e cores da luz (1704), por exemplo, a utilização
de tal recurso se mostra evidente. Escrito na forma de definições, axiomas, proposições e
teoremas, este livro tem, nas palavras do próprio autor, as demonstrações desses teoremas e
proposições baseadas em demonstrações por experiências.
Além desse viés matemático-empírico de demonstrações de fenômenos, o método
estabelecido por Newton também sugere regras e maneiras específicas de raciocínio, que
traduzem toda uma visão peculiar sobre a natureza, a estrutura do universo, o modo como se
deve investigar e, mais ainda, o que se deve procurar. Conhecidas como as regras da filosofia
newtoniana, podem ser caracterizadas da seguinte maneira:
Regra I: “Não devemos admitir mais causas para as coisas naturais do que as que são
tanto verdadeiras como suficientes para explicar as suas aparências.” (REALE; ANTISERI,
2007, p. 296). Em outras palavras, essa regra traduz a idéia de que, na natureza, os eventos e
os fenômenos são, em sua essência, simples. Dessa maneira, não há necessidade de se
formular hipóteses complexas para explicá-los.
Como uma consequência direta dessa premissa, tem-se exatamente a regra II do
filosofar newtoniano, a saber:
Regra II: “Por isso, tanto quanto possível, aos mesmos efeitos devemos atribuir as
mesmas causas.” (REALE; ANTISERI, 2007, p. 296). Na verdade, essa regra traduz a idéia
da uniformidade da natureza e permite a análise de fenômenos similares em locais e situações
diferentes. Sendo assim, a compreensão de como a luz se reflete, por exemplo, na superfície
da Terra, permite que sejam feitas considerações a respeito de seu comportamento na
superfície dos outros planetas. De modo análogo, pode-se estudar a questão da respiração no
homem e nos animais, ou ainda a queda de pedras na Europa e na América.
A terceira regra também pode ser entendida como parte do princípio da uniformidade
e apregoa que:
Regra III: “As qualidades dos corpos que não admitem aumento nem diminuição de
grau e que se descobre pertencerem a todos os corpos no interior do âmbito dos nossos
experimentos devem ser consideradas qualidades universais de todos os corpos.” (REALE;
ANTISERI, 2007, p. 296). Segundo Newton, como só é possível conhecer as qualidades dos
corpos através dos experimentos, devem ser consideradas universais todas aquelas qualidades
que se revelarem concordantes em todos os experimentos e que ainda não puderem ser
diminuídas nem retiradas. Nesse sentido, a extensão, a dureza, a impenetrabilidade, o
movimento e a inércia constituem, para Newton, as qualidades universais ou fundamentais
dos objetos.
112
Por fim, na sua regra final, Newton estabelece aquele que entende ser o único método
válido para alcançar e fundamentar as proposições da ciência: o método indutivo.
Regra IV:
Na filosofia experimental, as proposições inferidas por indução geral dos fenômenos
devem ser consideradas como estritamente verdadeiras ou como muito próximas da
verdade, apesar das hipóteses contrárias que possam ser imaginadas, até quando se
verifiquem outros fenômenos, pelos quais se tornem mais exatas ou então sejam
submetidas a exceções. (REALE; ANTISERI, 2007, p. 298).
Reunindo todas essas quatro regras de raciocínio com a característica matemáticaexperimental do método, é possível identificar, segundo Burtt (1983), três etapas principais no
método de Newton.
A primeira corresponde à simplificação dos fenômenos pela realização de
experimentos, de modo que se possa apreender e compreender que características variam
quantitativamente e de que forma ocorre essa variação. Os conceitos fundamentais de
refringência e de massa (para a Física), assim como alguns princípios básicos da refração, do
movimento e das forças foram todos assim obtidos.
Em um segundo momento, deve-se proceder à elaboração matemática de tais
proposições, geralmente com o auxílio do cálculo, até que se consigam estabelecer relações
matemáticas entre elas.
Por fim, mas não menos importante, devem ser realizados experimentos exatos mais
aprofundados
[...] (1) para verificar a aplicabilidade dessas deduções em qualquer campo e para
reduzi-las à sua forma mais geral; (2) no caso de fenômenos mais complexos,
detectar a presença e determinar o valor de quaisquer causas adicionais (na
mecânica, as forças) que possam ser submetidas a tratamento quantitativo; e (3)
sugerir, nos casos em que a natureza de tais causas adicionais permaneça obscura,
uma expansão do nosso presente aparato matemático, para lidar com elas mais
eficazmente. (BURTT, 1983, p. 176)
Verifica-se, portanto, que no início e no fim de toda etapa científica importante devem,
segundo Newton, ocorrer experimentações. Isso porque este procedimento permite, não
apenas a descoberta das características que possam ser expressas em linguagem matemática
como, também, a aplicação dessas relações descobertas a determinadas situações mais simples
que possibilitarão, por meio da indução matemática (regra IV do filosofar de Newton), a
previsão de seus efeitos em casos mais complexos. Trata-se, exatamente, do que Newton
intitula de método da análise e síntese.
113
É importante ressaltar ainda que, no decorrer de todas essas etapas, e em especial nas
experimentais, Newton descarta a possibilidade de levantar hipóteses. Em princípio, pode
parecer estranho que, em se tratando de experimentos, não sejam elaboradas hipóteses. No
entanto, por hipótese, Newton compreende tudo aquilo que não pode ser deduzido
diretamente dos fenômenos e, dessa maneira, exclui de seu método, toda e qualquer
elaboração de hipóteses. As afirmações e proposições particulares deveriam, segundo ele, ser
deduzidas dos fenômenos através das observações e experimentações e, em seguida, tornadas
gerais pelo método da indução.
Pelo que foi descrito anteriormente, percebe-se que o método de análise e síntese
desenvolvido por Newton procura estabelecer explicações científicas satisfatórias para os
fenômenos naturais em termos de como acontecem, que grandezas estão envolvidas e quais as
relações matemáticas entre elas. As questões referentes às origens ou às causas de cada um
desses fenômenos, no entanto, que não podem ser extraídas diretamente das observações e dos
experimentos, não são exploradas por este método da análise e síntese.
Na verdade, Newton utiliza-se de argumentos filosóficos e teológicos para conseguir
explorar algumas causas dos fenômenos. Segundo ele, Deus está na origem das coisas: fez o
universo, o homem, e formou a matéria de que são constituídos os corpos. Além disso, Deus
colocou todas as coisas em ordem e em movimento e é o responsável por corrigir as suas
possíveis perturbações e por manter todas as coisas funcionando, em harmonia. A ordem do
mundo, portanto, evidencia a existência desse ser inteligente e poderoso que está na origem de
todos os fenômenos.
[...] Newton estava seguro, de que certos fatos empíricos, abertos à observação geral,
implicavam, de forma não qualificada, a existência de um Deus de uma certa
natureza e função definidas. Deus não era afastado do mundo que a ciência buscava
conhecer; com efeito, cada passo verdadeiro na filosofia natural traz-nos mais
próximos de um conhecimento da causa primeira, e deve ser, por esta razão,
altamente valorizado [...]. (BURTT, 1983, p. 220).
O método adotado por Newton para “fazer ciência” e os resultados por ele obtidos
foram tão significativos e importantes para o mundo moderno que diversos historiadores e
filósofos da ciência, veêm se debruçando sobre análises e estudos mais específicos de suas
características e pressupostos.
Conforme nos apregoa Sapunaru (2008), os historiadores Isaac Bernard Cohen e
George Smith seriam alguns deles. Diferentemente da visão apresentada por Burtt (1983), que
coloca as experimentações como as primeiras possibilidades de simplificação dos fenômenos
114
e, portanto, como o primeiro passo a ser adotado na análise fenomênica, esses dois filósofos e
pensadores acreditam que a idealização matemática era o elemento primeiro e norteador de
todo o processo desenvolvido por Newton. Nesse sentido, Sapunaru (2008) conclui que
Cohen e Smith entendem o “estilo newtoniano” como uma maneira de
[...] tratar um sistema físico de modo idealizado – matemática, modelos,
aproximações – utilizando-se, primeiro, a indução e, depois, a dedução,
confrontando-a com a realidade da natureza – mediante experimentos reais- e,
finalmente, ajustando-o em direção à verdade. (SAPUNARU, 2008, p. 60).
Nessa visão idealista da ciência, portanto, as deduções e os modelos matemáticos de
aproximação de um fenômeno ao mundo real apareceriam a priori, isto é, antes mesmo da
realização de experimentos.
Neste trabalho, no entanto, não nos cabe discorrer a respeito dessas duas leituras (a de
Burtt ou a idealista de Cohen e Smith) acerca do método de Newton, nem estabelecer a
veracidade de uma ou outra. O que se torna importante é perceber e reconhecer que,
independentemente do elemento utilizado por Newton para iniciar a análise de um
determinado fenômeno (se empírico ou matemático), o fator apriorístico não é e nem pode ser
o que determina o processo.
De fato, segundo a concepção de construção e produção do conhecimento defendida
neste trabalho, a leitura idealista defendida por Cohen e Smith e a experimental de Burtt, não
apareceriam para Newton como algo sobrenatural, tal como um insight ou uma “luz” vinda de
algum lugar. Na verdade, elas são fruto da tanto da relação do ser humano Newton com o
meio em que estava inserido, bem como de seu entendimento, posicionamento e compreensão
acerca das descobertas e dos avanços científicos anteriores.
[...] Newton, profundo conhecedor do pensamento de Johannes Kepler, já sabia que
a ‘forma geométrica’ da órbita planetária era elíptica, fato que poderia levantar
dúvidas sobre qual a real definição de ‘indução’ referida por Cohen e Smith.
(SAPUNARU, 2008, p. 60).
Sendo assim, a verdadeira compreensão do método de Newton vai muito além do
mero estabelecimento da ordem correta para o emprego da matemática ou das
experimentações no processo de análise de um fenômeno. Na verdade, passa pela certeza de
que Newton, na condição de um ser que estabelece relações com o meio, se apóia na realidade
e na ciência de seu tempo para fazer uso da matemática e também para elaborar e realizar as
experimentações de que necessita.
115
6.2 Algumas considerações sobre a história da ótica
Como descrito anteriormente, a junção e a exploração de um método experimental e
matemático, aliadas às considerações de ordem filosóficas e teológicas, são as principais
características do método de Newton e de sua maneira de pensar a respeito das coisas e dos
fenômenos do universo e que se tornam evidentes em toda a sua obra e, em especial, na Ótica
(1704).
Na verdade, a publicação deste livro não marca e nem representa o início dos estudos e
reflexões acerca dos fenômenos relacionados com a luz.
Com efeito, segundo nos relata Bassalo (1986), a luz sempre despertou o interesse e a
curiosidade dos seres humanos, principalmente no tocante à existência de pontos brilhantes no
céu escuro, na relação entre a luz e o fogo e no fato de a noite ser associada à ausência da luz
solar. Já nas primeiras civilizações, verificam-se tentativas de se explicar a origem dos
fenômenos luminosos. Na maior parte das vezes, eram feitas associações desses fenômenos
com as figuras dos Deuses de adoração. Para os egípcios, por exemplo, a luz era Maât, filha
de Rá, o Deus do Sol.
É somente com os gregos que luz passa a ter uma realidade mais objetiva, sendo
desarticulada da figura dos Deuses. Na medida em que eles compreenderam que deveria
existir uma relação entre os nossos olhos e aquilo que vemos, uma questão se tornou o cerne
das discussões: a luz vem dos objetos que vemos, ou sai de nossos olhos em direção a eles?
Para Homero, poeta grego que viveu entre os séculos IX e XVII a.C, a luz provinha dos olhos.
“Já para o filósofo grego Pitágoras, eram os olhos que recebiam os raios luminosos emitidos
por objetos luminosos, tais como: astros, chamas, pirilampos, etc., ou resvalados por objetos
não luminosos.” (BASSALO, 1986, p. 139).
Platão (428-348 a.C), tentando elucidar a dificuldade encontrada pelos partidários de
Homero em explicar o fato de não conseguirmos enxergar à noite, formula a sua teoria a
respeito do assunto. Para ele, a visão de um objeto era o resultado da combinação de três jatos
de partículas: um partindo dos olhos, um segundo emitido do objeto visualizado e outro
oriundo das fontes iluminadoras, tais como o Sol.
Como se pode notar, entre a maior parte dos filósofos da antiguidade, prevalecia a
idéia do caráter corpuscular da luz, com os raios (ou partículas) visuais partindo dos olhos em
direção aos objetos, ou vice-versa. Uma exceção à essa visão, entretanto, pode ser encontrada
na teoria apresentada por Aristóteles (384-322 a.C). Segundo o filósofo, a luz era o resultado
de uma atividade em um determinado meio o que, na visão de Bassalo (1986), pode ser
116
considerada a idéia precursora da teoria ondulatória.
Vale a pena ressaltar que esse conflito sobre a natureza da luz (se corpuscular ou
ondulatória) permaneceu de caráter especulativo-dogmático até o século XVII, quando, com
base nos trabalhos de Descartes, Fermat, Newton e Huygens, adquiriu, de fato, a conotação de
filosófico-científico.
Além das questões relacionadas à natureza da luz, também fizeram parte do cenário da
ótica anterior à era cristã, as preocupações acerca da finitude ou não da velocidade da luz; as
explicações para a formação do arco-íris, as questões relacionadas às propriedades óticas das
esferas de cristais e de vidros, bem como as propriedades refletoras das superfícies
espelhantes curvas ou planas. De um modo geral, todos esses fenômenos eram divididos em
dois ramos distintos: a Ótica, que estudava a teoria geométrica da percepção do espaço e dos
objetos nele existentes, e a Catóptrica, que se debruçava sobre a teoria dos espelhos e alguns
poucos fenômenos relacionados com a refração.
Somente nos primeiros séculos de nossa era cristã, é que foram adicionados, à lista de
fenômenos óticos, novos acontecimentos. O estadista e filósofo romano Lucius Annaeus
Sêneca (4 a.C - 65 d.C), por exemplo, parece ter sido o primeiro a observar o fenômeno da
decomposição da luz solar nas margens de vidros. Cláudio Ptolomeu (85-165 d.C), por sua
vez, estudou a refração da luz de um modo analítico, tentando estabelecer uma relação
matemática entre os ângulos de incidência e de refração de raios luminosos que atravessavam
superfícies diferentes.
Foi durante a época da Renascença, contudo, que verificou-se um grande avanço na
fabricação de instrumentos óticos. A melhoria das técnicas de polimentos de vidros,
evidenciada nesse momento histórico, estimulou não apenas a fabricação e a utilização dos
óculos como, ainda, possibilitou a construção do telescópio e do microscópio (inventado por
Hans Jessen e seu filho Zacharias, em 1590).
No entanto, foi com o astrônomo e físico Galileu Galilei que estes instrumentos
ganharam usos verdadeiramente científicos permitindo, conforme já mencionado no capítulo
anterior, a superação de todo um conjunto de paradigmas e obstáculos epistemológicos
(existiam na época arraigados preconceitos na ciência acadêmica com relação ao emprego de
lentes, já que supunha-se enganarem os olhos), que dificultavam a evolução do conhecimento
e a descoberta de novos fenômenos.
No século XVII a ótica passou por profundas modificações, impulsionadas por uma
série de descobertas e publicações, e é nesse contexto que se deve inserir o trabalho de
Newton referente à Teoria das Cores.
117
Segundo Assis em comentários a obra de Newton (2002), alguns exemplos que
ilustram tal afirmação, citados em ordem cronológica, seriam:
a) a publicação, em 1611, do Dioptrice de Kepler, no qual são apresentadas
explicações razoáveis para o funcionamento das lentes e dos telescópios refratores;
b) a descoberta, por Snell, entre 1621 e 1625 da lei correta para a refração da luz;
c) a publicação em 1637-1638 do Discours de la Méthode, de Descartes, no qual, no
apêndice La Dioptrique, aparece publicada pela primeira vez a lei correta de
refração da luz, além de serem descritas experiências em globos de vidro cheios de
água e em prismas de vidro;
d) a publicação, em 1664, de Robert Boyle do Experiments and considerations
touching coulours – The beginning of an Experimental History of Coulours, no qual
são relatados experimentos com prismas;
e) a publicação, em 1665, do Micrographia, de Hooke, onde ele descreve observações
feitas no microscópio.
Segundo esse mesmo autor,
é certo que Newton conheceu e estudou nos anos de 1664-5 os trabalhos de
Descartes e de Boyle e Hooke. [...] A partir de 1664 Newton passa a acompanhar
toda a literatura contemporânea que ia sendo publicada, e a ser por ela influenciado,
além de se corresponder com muitos cientistas, o que torna difícil determinar as
influências. A partir de então ele é fruto tanto de seu meio quanto de sua própria
originalidade [...]. (NEWTON, 2002, p. 20).
Vale ressaltar que Newton se inicia na ótica em 1664, quando toma conhecimento da
lei correta da refração por meio dos trabalhos de Descartes. A partir de então, realiza as suas
primeiras experiências e, em 1666, em um ensaio intitulado Of Colours, escreve pela primeira
vez, e de modo sistematizado, as suas idéias sobre o espectro produzido pela passagem de luz
solar através de um prisma. Esse ensaio, que continha ainda uma breve discussão do que viria
a ser o seu experimentum crucis, não chega a ser publicado.
É somente em 1672, com a publicação de seu artigo “Nova teoria sobre luz e cores”,
nas Philosophical Transactions da Royal Society de Londres, que as primeiras contribuições
de Newton para a ótica são tornadas públicas. Dentre elas, destaca-se a idéia (que é o objeto
de estudo dessa dissertação) de que a luz branca é uma mistura heterogênea de raios com
cores e refrangibilidades diferentes.
118
Segundo Silva (1996), as reações e as críticas a esse trabalho de Newton
(principalmente aquelas enviadas pelo padre Pardies, por Hooke e por Huygens) suscitaram
tamanha polêmica que Newton resolveu se calar sobre a ótica por quase 30 anos. Somente em
1704, após a morte de seu maior rival, Robert Hooke, é que Newton publica sua teoria
completa no livro “Ótica: um tratado das reflexões, refrações, inflexões e cores da luz”.
Na verdade, a Ótica (1704) está dividida em três livros. No Livro I (que também
encontra-se dividido em duas partes), são abordadas as questões referentes à decomposição da
luz branca nas cores do espectro ao atravessar um prisma e alguns assuntos correlatos; no
Livro II, o estudo recai essencialmente sobre as cores produzidas por corpos transparentes
delgados e espessos, fenômeno atualmente conhecido como os anéis de Newton. No Livro III,
por sua vez, há observações sobre a inflexão da luz (fenômeno atualmente conhecido como
difração da luz) e, em seguida, são propostas algumas questões que o próprio Newton
esperava que pudessem servir como elemento norteador para pesquisas adicionais e futuras.
De uma maneira geral, a estrutura do livro se assemelha com a de Os Elementos, de
Euclides, já que são apresentadas definições, axiomas, proposições e teoremas. No entanto, as
provas das proposições e dos teoremas não se pautam por rigorosas demonstrações
matemáticas mas, como o próprio Newton define, são realizadas por meio de demonstrações
por experiências.
Para esta dissertação, será enfocada a parte I do Livro I, mais especificamente a
seqüência de experimentos realizados para demonstrar a proposição 2, que afirma que “A luz
do Sol consiste em raios que se refratam diferentemente.” (NEWTON, 2002, p. 54).
Por esta razão, o próximo capítulo será destinado a uma análise mais profunda da
seqüência lógica, da argumentação e das dificuldades enfrentadas por Newton com a
realização dessa experiência, que relata o procedimento por ele utilizado ao fazer passar a luz
solar por um orifício da janela e atingir o prisma, e é, normalmente, a parte da teoria
enfatizada pelos livros didáticos e pelos professores, ao abordarem o fenômeno da
decomposição da luz branca.
119
7 A TEORIA DAS CORES DE NEWTON: UMA ANÁLISE DA PROPOSIÇÃO 2 DO
LIVRO I DE ÓTICA
Conforme mencionado anteriormente, este capítulo será destinado à análise do
encadeamento lógico, das argumentações e das dificuldades enfrentadas por Newton ao
realizar o tão difundido experimento da decomposição da luz branca.
Um dos objetivos desse trabalho é a elaboração de um material didático que auxilie na
compreensão de que Newton não formulou a teoria sobre a decomposição da luz branca a
partir de uma simples observação, estimulada talvez por uma mera idéia repentina. Portanto,
será feita, inicialmente, uma análise de como tal conteúdo é abordado nos livros didáticos.
Em seguida, será o momento de verificar como Newton se posiciona, mais
criticamente, em seu artigo publicado em 1672 nas Philosophical Transactiosl e em Ótica
(1704), ao relatar os experimentos e a sequência lógica por ele empregada para concluir que a
luz branca é composta por raios com diferentes refrangibilidades.
7.1 A decomposição da luz branca nos livros didáticos
Buscando compreender como a teoria da decomposição da luz branca é apresentada
nos livros didáticos, foram selecionados alguns exemplares (volume único ou volume 2) para
que pudesse ser feita uma análise mais específica dos aspectos, da sequência e da
argumentação empregada.
Para a seleção do material, utilizou-se como critério a indicação no Programa Nacional
do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) de 2007 (o que abrange a maior parte do
universo das escolas públicas) e a adoção do material por grandes escolas particulares de Belo
Horizonte.
Ao todo, foram analisados 8 livros didáticos (veja QUAD. 1), sendo que os seis
primeiros correspondem à indicação do PNLEM1 e, os demais, são exemplares adotados por
algumas escolas particulares de Belo Horizonte que não constam da lista do PNLEM.
1
Vale ressaltar que os livros adotados no PNLEM são escolhidos com base em critérios estabelecidos em
editais de convocação para a inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas para o programa
nacional do livro didático – ensino médio. Dentre essas diretrizes, destaca-se, por exemplo, a idéia de que a
Física, concebida ainda como uma atividade social e cultural, que é caracterizada pela sua historicidade,
permite compreender que suas teorias e modelos explicativos não são melhores ou piores em si mesmos, nem
são os únicos possíveis, nem são as últimas respostas que a humanidade poderá dar às nossas inquietações,
nem às nossas necessidades. De outra forma, todas as construções do conhecimento físico são fortemente
permeadas pelos contextos sócio-cultural-histórico-econômicos em que se desenvolvem.
120
Quadro 1 – Relação dos livros didáticos analisados
TÍTULO
A
B
C
D
E
F
G
H
Física- Série
Brasil
Física – Ciência e
Tecnologia
AUTOR(ES)
VOLUME
Alberto Gaspar
Carlos Magno Torres
Paulo César Penteado
José Luiz Sampaio
Universo da Física
Caio Sérgio Calçada
José Luiz Sampaio
Física
Caio Sérgio Calçada
Antônio Máximo Luz
Curso de Física
Beatriz Álvares
Alvarenga
Aurélio Gonçalves
Física – para o
Filho
Ensino Médio
Carlos Toscano
José Roberto Bonjorno
Física – História e Regina A. Bonjorno
Cotidiano
Valter Bonjorno
Clinton Márcio Ramos
Francisco Ramalho
Os fundamentos
Nicolau Ferraro
da Física
Paulo Antônio Toledo
ANO
EDITORA
PUBLICAÇÃO
Único
2004
Ática
2
2005
Moderna
2
2001
Atual
Único
2003
Atual
2
2005
Scipione
Único
2002
Scipione –
Série
Parâmetros
2
2003
FTD
2
2003
Moderna
Fonte: Elaborado pela autora.
Como elementos norteadores de nossa análise, foram estabelecidas duas dimensões
principais, adaptadas da tabela de critérios sugerida pela pesquisadora portuguesa Laurinda
Leite (2002):
a) a organização da informação histórica; e
b) os materiais usados para apresentar a informação histórica referente à
decomposição e à composição da luz branca.
Essas dimensões (que ainda foram divididas em subdimensões) procuram traçar um
perfil de como a informação histórica referente ao episódio da decomposição/composição da
luz branca está apresentada nos livros, com especial enfoque aos experimentos, às situações e
às argumentações empregadas para se comprovar tal fato.
O Quadro 2 a seguir, nos fornece uma visão desses parâmetros utilizados:
121
Quadro 2 – Dimensões e subdimensões utilizadas na análise dos livros didáticos
Dimensão I – Organização da informação histórica
Especificação
Vida de Newton
• dados biográficos (nome, data de nascimento e/ou de morte)
• episódios/anedotas (casado com..., formou-se em....)
Cientista
Características pessoais de Newton
• famoso/gênio (brilhante, mais importante, formidável)
• comum
• menção a evidências anteriores do fenômeno
• fenômeno associado apenas à passagem da luz pelo prisma,
sem qualquer referência ao contexto histórico.
• menção à descoberta de Newton
• descrição de algum experimento realizado por Newton ao
estudar o fenômeno da decomposição
O fenômeno da decomposição
⇒ enfoque apenas na passagem da luz solar por um prisma
da luz branca e a conclusão de
⇒ emprego de outros experimentos realizados por Newton
que a luz solar é uma mistura
•
menção e/ou descrição de experimentos que evidenciem o
de cores com refrangibilidades
fenômeno
da composição da luz branca
diferentes.
• desencadeamento dos fatos
⇒ define-se primeiramente o fenômeno da dispersão da luz e
usa-se o experimento com o prisma para ilustrar
⇒ utiliza-se o experimento com o prisma como elemento
desencadeador de observações que conduzirão à
interpretação do fenômeno.
• modo direto: conclusões são estabelecidas direta e tão somente
a partir das observações oriundas da passagem da luz solar
através de um único prisma
• modo indireto: outras possibilidades (como a criação das cores
pelo próprio prisma) são levadas em consideração e analisadas,
Explicação dos fenômenos da
antes que uma conclusão final seja estabelecida com base
decomposição e composição
apenas na observação de um experimento)
da luz
• emprego de argumentos teóricos: definições e novos conceitos
são elaborados a partir das observações feitas, e empregados na
análise dos fenômenos.
• emprego de argumentos epistemológicos: argumentos baseados
na filosofia e no modo através do qual o cientista concebe a
produção do conhecimento científico
Dimensão II – Materiais usados para apresentar a informação histórica referente à
decomposição e à composição da luz branca
• retrato de Newton
• retratos das máquinas, das montagens de laboratório, etc (usadas por Newton)
• originais (textos ou documentos produzidos pelo Newton)
• experiências históricas atribuídas a Newton
• fontes secundárias (desenhos, textos, diagramas elaborados pelos autores do livro didático)
• outros (poesia, pintura, moeda, selos, música, etc).
Subdimensão
Fonte: adaptado de Leite (2002).
Vale ressaltar que a análise foi feita de modo a verificar se, nos capítulos referentes à
refração da luz dos livros didáticos, era possível verificar a presença ou não de cada uma
122
dessas subdimensões.
Os resultados encontrados dessas análises foram agrupados no Quadro 3 e no Quadro
4, representativos dos dados obtidos para as dimensões I e II, respectivamente. Nelas, o
símbolo ☺ indica a presença do item, e × a ausência do mesmo.
Quadro 3 – Análise da organização da informação histórica – Dimensão I
Subdimensão
Especificação
Vida de Newton
• dados biográficos
• episódios/anedotas
Cientista
Características pessoais de Newton
• famoso/ gênio
• comum
• menção a evidências anteriores do
fenômeno
• fenômeno associado apenas à
passagem da luz pelo prisma, sem
qualquer referência ao contexto
histórico.
• menção à descoberta de Newton
• descrição de algum experimento
realizado por Newton ao estudar o
fenômeno da decomposição
⇒ enfoque na passagem da luz
Fenômeno da
solar por um prisma
decomposição da
luz branca e a
⇒ emprego de outros experimentos
conclusão de que a
realizados por Newton
luz solar é uma
(Associação de prismas, etc).
mistura de cores • menção e/ou descrição de
com
experimentos que evidenciem o
refrangibilidades
fenômeno da composição da luz
diferentes
branca
• desencadeamento dos fatos
⇒ define-se primeiramente o
fenômeno da dispersão da luz e
usa-se o experimento com o
prisma para ilustrar
⇒ utiliza-se o experimento com o
prisma como elemento
desencadeador de observações
que conduzirão à interpretação
do fenômeno
•
modo
direto
Explicação dos
• modo indireto
fenômenos da
decomposição e
• emprego de argumentos teóricos
composição da
• emprego de argumentos
luz
epistemológicos
Fonte: Elaborado pela autora.
A
B
C
D
E
F
G
H
×
×
×
×
×
×
×
×
☺ ×
☺ ☺
×
×
×
☺
×
×
×
×
×
×
×
×
×
×
×
×
×
×
☺
×
×
×
×
×
×
×
×
×
☺ ☺ ☺ ☺
×
×
☺
×
×
×
×
×
☺ ☺
×
☺
×
×
×
×
☺ ☺
×
☺
×
×
×
×
☺ ☺
×
×
×
×
×
×
☺ ☺
×
×
☺ ☺ ☺ ☺
×
☺ ☺
×
☺ ☺
×
×
×
×
×
×
☺ ☺ ☺ ☺ × × ☺ ☺
× × × × ☺ ☺ × ×
× × × × ☺ ☺ × ×
×
×
×
×
×
×
×
×
123
Quadro 4 – Análise dos materiais usados para apresentar a informação histórica referente à
decomposição/composição da luz branca – Dimensão II
Subdimensões
Retrato de Newton
Foto das máquinas, equipamentos de laboratório
Originais
Experiências históricas atribuídas a Newton
Fontes secundárias
Outros
A
×
×
×
×
☺
×
B
×
×
×
×
☺
×
C
×
×
×
×
☺
×
D
×
×
×
×
☺
×
E
×
☺
☺
☺
☺
×
F
×
☺
×
☺
☺
×
G
×
×
×
×
☺
×
H
×
☺
×
☺
☺
×
Fonte: Elaborado pela autora.
Pelos resultados visualizados em cada uma das tabelas, percebe-se que o episódio da
decomposição/composição da luz branca é muito pouco explorado em termos de uma
conotação histórica, já que apenas 3 (E, F e H), dos 8 livros didáticos analisados, fazem
menção aos experimentos históricos realizados por Newton. O próprio livro G, cujos autores
dizem fazer abordagens da história e do cotidiano, simplesmente desconhece qualquer
influência histórica nesse episódio, não chegando sequer a mencionar o papel relevante de
Newton no processo.
Mais da metade dos materiais (A, B C, D e G) opta por descrever, primeiramente, o
fenômeno da dispersão da luz branca através de um prisma (já supõem que a luz branca é uma
mistura de cores) para, em seguida, utilizar a experiência com esse dispositivo ótico como
meio de ilustrar o fenômeno. Um estudo mais detalhado da história da ciência e, mais
especificamente, da proposição 2 do livro I de Ótica do próprio Newton (veja item 7.3 a
seguir), no entanto, nos mostra que a sequência na qual os fatos ocorreram é outra. De
dificuldades e contradições entre a teoria prevista e os resultados obtidos com a passagem da
luz através do prisma, é que foi desenvolvida a idéia de que a luz solar é uma composição de
cores com diferentes refrangibilidades. Essa maneira de abordar o assunto, definindo a
dispersão inicialmente, embora possa parecer para alguns didática, contribui para distorcer a
lógica existente no processo de produção do conhecimento científico, já que anula os papéis
importantes das contradições e das divergências teóricas – experimentais na evolução do
conhecimento, colocando a descoberta científica em um patamar meio obscuro e misterioso.
Dos três livros que efetivamente mencionam influências históricas no episódio da
decomposição da luz branca, dois (E e F) conduzem a análise do fenômeno de uma forma
mais próxima e condizente com o que de fato aconteceu, isto é, não concluem que a luz
branca é uma mistura apenas baseados na realização de um experimento. Mencionam a
possibilidade de o prisma ter criado essas cores e discutem, portanto, a necessidade de se
124
realizar um novo experimento (experimento 6 da parte I do livro I de Ótica do próprio
Newton). Nessa discussão, o livro E apresenta alguns trechos de Ótica, nos quais Newton
explica e evidencia o seu raciocínio ao realizar determinada ação, o que torna essa descoberta
mais humana e menos fruto de “uma iluminação celestial”. O outro (H), por sua vez, introduz
alguma referência histórica apenas na legenda de uma figura, que mostra Newton segurando o
prisma para que a luz solar, oriunda de um orifício na janela, o atravesse. Aqui, temos
reforçada a concepção de que apenas este único experimento (com um posicionamento
aleatório do prisma frente ao feixe luminoso) serviu para que Newton formulasse toda a sua
teoria a respeito da composição da luz branca.
Por fim, no que diz respeito a essa composição da luz branca, apenas E e F citam a
realização da passagem da luz solar por dois prismas como meio de obter uma luz branca. No
entanto, nenhum deles aborda a dificuldade de se comprovar experimentalmente que essas
duas luzes brancas, ainda que tivessem propriedades semelhantes, eram, de fato, iguais. Isso
significa que o argumento epistemológico de Newton, baseado em suas regras do filosofar
não é evidenciado em nenhuma das obras didáticas.
Percebe-se, dessa forma que, apesar de ser comentado e explorado (na maior parte das
vezes por meio da utilização de imagens coloridas) em todos os livros didáticos, o episódio da
decomposição da luz branca recebe uma abordagem histórica que deixa a desejar. Quando
presente, enfoca o fenômeno como fruto de um único experimento e, na melhor das hipóteses
como fruto da realização de dois experimentos. A importância e as dificuldades com o correto
posicionamento do prisma (que na verdade constitui o elemento desencadeador de todas as
contradições entre a teoria prevista por Newton e os resultados observados), bem como a
necessidade de se formular novos conceitos (cores e luzes homogênea e heterogênea) e de se
empregar argumentos filosóficos na comprovação de sua teoria são totalmente
desconsideradas. E veremos, no item a seguir, como tais aspectos são importantes e
necessários na comprovação de que a luz solar é uma mistura de cores com diferentes
refrangibilidades.
7.2 Uma análise da proposição 2 do Livro I de Ótica de Newton: desenvolvimento lógico
e argumentação envolvida
Ao iniciar a parte I do Livro I de Ótica, Newton apresenta uma série de definições (de
raio de luz, de refringência, de reflexibilidade, de ângulo de incidência em superfícies
refletoras e refratoras, de ângulo de reflexão e refração, de luz simples e luz composta, de
125
cores homogêneas e heterogêneas) e axiomas, tais como “os ângulos de reflexão e refração
estão no mesmo plano que o ângulo de incidência.” (NEWTON, 2002, p. 41); “a refração do
meio mais rarefeito para o meio mais denso se dá em direção à perpendicular, isto é, de forma
que o ângulo de refração seja menor do que o ângulo de incidência.” (NEWTON, 2002, p.
42), etc. Todas essas informações iniciais denotam a sua intenção de apresentar uma síntese
do conhecimento a respeito da ótica geométrica até então aceito.
Em seguida, Newton parte para a discussão das proposições que, tomadas em
conjunto, compreendem a sua teoria sobre as reflexões, refrações, inflexões e cores da luz.
Vale a pena ressaltar que, em 1672, antes mesmo da publicação de Ótica, Newton já
havia apresentado uma definição para a cor de uma luz, em um artigo publicado nas
Philosophical Transactions. Segundo ele, “[...] Cores não são qualificações da luz derivadas
de refrações ou reflexões dos corpos naturais (como é geralmente acreditado) mas
propriedades originais e inatas que são diferentes nos diversos raios.” (NEWTON apud
SILVA, 1996, p. 11).
E é exatamente com essa definição em mente, que Newton realiza os experimentos e
prova as proposições em Ótica (1704).
A primeira delas, afirma que “as luzes que diferem em cor diferem também em graus
de refrangibilidade” (NEWTON, 2002, p. 50), e é fundamental para o desenvolvimento de
todo o seu trabalho, já que todas as demais se baseiam nela.
Para prová-la, Newton apresenta dois experimentos. Como o foco da dissertação não
está nessa proposição mas, na seguinte, é suficiente apenas compreender que, com ela, fica
estabelecido que duas cores distintas, azul e vermelho, por exemplo, apresentam desvios
diferentes quando observadas através de um prisma, ou seja, cores diferentes apresentam
refrangibilidades diferentes e, por esta razão, são refratadas de modo diferente.
A segunda proposição, por sua vez, apregoa que “a luz do Sol consiste em raios com
diferentes refrangibilidades2” e, para prová-la, Newton apresenta oito experimentos distintos;
todos eles enfocando o estudo da refração sofrida por um feixe de luz solar ao atravessar um
prisma. Nesse trabalho, vamos nos ater mais especificamente aos quatro primeiros
experimentos (experimentos do 3 ao 6), já que eles compreendem a sequência desenvolvida
por Newton que os autores tentam abordar nos seus livros e materiais didáticos. Além disso,
para a demonstração completa da proposição 2 será preciso ainda fazer uso de outros
2
O termo refrangibilidade é empregado por Newton para indicar uma propriedade específica dos raios
luminosos: aqueles mais refrangíveis são os que apresentam um maior desvio na refração. Em contrapartida,
o termo refringência é empregado em referência a uma propriedade das substâncias transparentes. Isso
significa que uma substância mais refringente, é aquela que produz um maior desvio dos raios luminosos.
126
experimentos e de bases teóricas que são apresentadas em Ótica em proposições e partes do
livro posteriores à proposição 2.
7.2.1 O experimento 3 da parte I, do Livro I de Ótica
Em uma sala bem escura coloquei em um orifício circular de 1/3 de polegada de
diâmetro que fiz na folha da janela um prisma de vidro por onde o feixe da luz solar
que entrasse pelo orifício pudesse ser refratado para cima em direção à parede
oposta da sala, formando ali uma imagem colorida do sol. (FIG. 7). (NEWTON,
2002, p. 54-55).
Figura 7 – Representação esquemática do experimento 3 de Newton
Fonte: NEWTON, 2002, p. 54.
Conforme vimos, este experimento (que é o terceiro na sequência evidenciada em
Ótica) é apresentado, por todos os livros didáticos que mencionam influências históricas no
episódio da decomposição da luz, como sendo aquele que permitiu a Newton, concluir que a
luz solar branca é, de fato, uma mistura ou uma composição de outras cores diferentes.
De uma maneira bem simplista e da qual parece participar o acaso, Newton teria,
segundo os relatos colhidos nos livros didáticos, despretensiosamente, colocado o prisma em
frente à luz solar e, a partir da imagem colorida obtida, concluído facilmente e diretamente
que as cores encontradas comporiam a luz solar branca.
Uma leitura mais atenta de Ótica, no entanto, nos mostra que o caminho não foi bem
esse.
Inicialmente, Newton percebe uma discrepância entre a forma da imagem prevista pela
teoria e a realmente projetada na parede.
A imagem era oblonga e não circular, e terminada por dois lados retilíneos e
paralelos e duas extremidades semicirculares. Tinha os lados nitidamente
delimitados, mas suas extremidades o eram muito confusa e indistintamente, pois a
luz ali diminuía e desaparecia gradualmente. (FIG. 8). (NEWTON, 2002, p. 55).
127
Figura 8 – Detalhe da imagem oblonga obtida após a refração
Fonte: NEWTON, 2002, p. 57.
Pelas teorias da refração até então aceitas, a imagem deveria ser circular. Com efeito,
seja EG (FIG. 8) a janela na qual é feito um orifício F, ABC uma seção transversal do prisma,
XY o sol, MN o papel colocado na parede e sobre o qual o espectro é projetado, PT a própria
imagem cujos lados v e w são retilíneos e paralelos e cujas extremidades P e T são
semicirculares. Considere ainda que XLJT e YKHP sejam dois raios: o primeiro tem origem na
região superior do sol e vai até a parte mais baixa da imagem, e o outro se origina da região
inferior do sol e vai até a parte mais alta da imagem.
Pelas leis existentes, Newton afirma que as refrações nos dois lados do prisma são
iguais. Isso significa que a refração do raio que atinge K é igual à do que incide em L, da
mesma maneira que o raio em H sofre uma refração igual à do raio que chega em J. Dessa
maneira, a sequência de refrações KH sofrida pelo raio YKHP é a mesma que a sequência LJ,
sofrida por XLJT. Consequentemente, os dois raios têm, entre eles, a mesma inclinação
(ângulo) antes e depois de serem refratados (inclinação esta que corresponde ao diâmetro do
sol) e, portanto, o comprimento da imagem PT deveria ser igual à largura vw, o que
corresponderia a uma imagem projetada no formato circular, semelhante ao sol.
Além disso, é preciso destacar também a importância dada por Newton ao correto
posicionamento do prisma.
Nessa experiência e nas seguintes o eixo do prisma (isto é, a reta que, passando pelo
meio do prisma de uma extremidade à outra, é paralela à aresta do ângulo refrator) era
perpendicular aos raios incidentes. Ao redor desse eixo girei o prisma lentamente e vi
a luz refratada na parede (ou seja, a imagem colorida do sol) primeiro descer, depois
subir. Entre a subida e a descida, quando a imagem parecia estacionária, detive o
prisma e fixei-o naquela posição, para que não se movesse mais. Pois nessa posição as
refrações da luz dos dois lados do ângulo refrator, isto é, na entrada e na saída dos
raios no prisma, eram iguais. [...] E nessa posição, por ser a mais conveniente, deve-se
entender que todos os prismas são colocados nas experiências seguintes, a não ser
quando alguma outra posição é descrita. [...] Portanto, estando o prisma colocado
nessa posição, deixei a luz refratada incidir perpendicularmente sobre uma folha de
papel branco colocada na parede oposta do quarto e observei a figura e as dimensões
da imagem solar que a luz formou no papel. (NEWTON, 2002, p. 55).
128
Na figura seguinte, tem-se a representação de um prisma e de seu posicionamento
durante a realização dos experimentos de Newton. Por ângulo refrator, compreende-se o
ângulo formado pelas faces ACac e ABab, sendo que o eixo desse sólido geométrico, em torno
do qual são realizadas as rotações, é exatamente uma reta paralela às arestas Aa, Bb e Cc, que
passa pelo meio do prisma.
Figura 9 – O ângulo refrator de um prisma e o posicionamento adotado por Newton durante a
realização dos experimentos
Fonte: NEWTON, 2002, p. 52.
Conforme evidencia Newton, a peculiaridade desse posicionamento reside
basicamente na obrigatoriedade de o ângulo de incidência do raio luminoso na primeira face
do prisma e do ângulo com que ele emerge na outra face, serem iguais, isto é, os ângulos entre
o raio incidente PQ e o prisma, e o raio emergente RS e o prisma, na FIG.10, são iguais.
Figura 10 – Identificação dos ângulos com que um raio incide e emerge de um prisma, quando
ele se encontra na posição de desvio mínimo
Fonte: SILVA, 1996, p. 12.
Quando isso acontece, é possível mostrar, matematicamente, que o ângulo de desvio,
isto é, o ângulo formado pelo raio incidente e pelo raio emergente, é mínimo. Na figura 10,
este ângulo está representado por δ e indica o quanto o raio incidente PQ foi desviado de sua
posição original (linha tracejada). Em resumo, quando o prisma é colocado de modo em que
129
os raios incidente e refratado formem ângulos iguais dos dois lados do prisma, o raio
incidente, ao atravessá-lo, sofre o menor desvio possível. Como consequência, tal orientação
do prisma é conhecida como “posição de desvio mínimo”.
Mas qual seria então, a importância de se colocar o prisma, durante a execução do
experimento, na posição de desvio mínimo?
É que ela é uma condição crucial e decisiva para a teoria de Newton. Somente
posicionando o prisma dessa maneira, seria possível, segundo a previsão teórica e matemática
de Newton, obter uma imagem completamente circular (FIG. 11).
Figura 11 – Desenho utilizado por Newton na demonstração de que a imagem obtida deveria
ser circular, quando o prisma estivesse na posição de desvio mínimo
Fonte: SILVA, 1996, p. 116.
Na verdade, ele havia calculado o ângulo formado pelos raios emergentes ao deixarem
o prisma (considerando que ele estivesse na posição de desvio mínimo) e havia encontrado o
valor de 31’ (trinta e um minutos) que correspondia exatamente ao ângulo entre esses raios
antes de atravessarem o prisma. Segundo Silva:
Newton apenas indicou o tipo de cálculo que efetuou, sem apresentar os detalhes
necessários para seu perfeito entendimento. Provavelmente realizou uma série de
cálculos bastante maçantes: considerou dois raios luminosos, incidindo sobre a
primeira face do prisma, com ângulos um pouco diferentes de 54º4’, de tal modo a
formarem um ângulo de 31’ entre si (ou seja, um deles seria de 54º19,5’ e o outro
53º48,5’). Calculou, então, as direções dos raios refratados pela primeira superfície
do prisma, depois os ângulos de incidência (internos) na segunda face do prisma. A
diferença obtida entre esses dois últimos ângulos foi de 31’. Ou seja: a abertura do
feixe incidente é igual à abertura do feixe que sai do prisma. (SILVA, 1996, p. 15).
Sendo assim, para Newton, se o prisma fosse colocado na posição de desvio mínimo,
os raios incidente e refratado formariam ângulos iguais dos dois lados do prisma e este fato
130
matemático poderia ser empregado na demonstração de que a imagem do sol a ser obtida
deveria ser circular.
Era também, condição indispensável à obtenção de uma imagem circular, a incidência
perpendicular dos raios emergentes do prisma na parede. Segundo nos relata Silva (1996),
Newton havia mostrado que o feixe luminoso emergente do prisma incidiria
perpendicularmente na parede, apenas quando a sua direção, antes da refração, formasse um
ângulo de 44º56’ com a perpendicular (FIG. 12).
Figura 12 – A incidência perpendicular dos raios na parede também era uma condição
necessária para que a imagem obtida fosse circular
Fonte: SILVA, 1996, p. 20.
Para isso, o sol deveria estar em uma posição específica durante a realização do
experimento, o que é algo bastante difícil, visto que tal astro se movimenta continuamente.
Para contornar esse problema, conjectura-se (veja SILVA, 1996) a possibilidade da utilização
de um espelho externo móvel que refletiria a luz solar na direção adequada, permitindo a
incidência perpendicular dos raios na parede.
No entanto, a experiência realizada mostrou que, ainda que o prisma estivesse na
posição de desvio mínimo, e ainda que os raios incidentes atingissem a parede
perpendicularmente, a imagem era bem diferente daquela prevista teoricamente. “Temos,
portanto, pela experiência, que a imagem não é circular [...].” (NEWTON, 2002, p. 58).
Fica evidente, nesse momento, um fato bastante interessante. Ao realizar esse
experimento, Newton já conhecia as características e as propriedades matemáticas decorrentes
da colocação do prisma na posição de desvio mínimo e é por esta razão que ele enfatiza, em
sua Ótica, a importância desse posicionamento para o sucesso do experimento. Somos,
portanto, levados a pensar que esta experiência não foi casual, como sugerida por alguns
livros didáticos e, sim, cuidadosamente considerada e planejada pelo cientista que utilizou-se
131
das leis da refração de Snell-Descartes e de conhecimentos matemáticos anteriores em sua
preparação. Além disso, a posição do desvio mínimo, que é o ponto chave para as conclusões
de Newton, não chega a ser nem de longe abordada nos livros e materiais didáticos.
Como vimos, as leis da refração conhecidas não permitiam uma explicação plausível
para o fato de a imagem não ser circular e, então, Newton propôs que os raios que emergiram
do prisma sofreram, na verdade, refrações diferentes (e não iguais como havia afirmado no
início): aqueles que se dirigiram para a extremidade superior P da imagem (veja FIG. 8)
sofreram o maior desvio e, portanto, foram mais refratáveis do que os outros que seguiram
para a extremidade inferior T.
“Essa imagem ou espectro PT era vermelho na extremidade menos refratada T, violeta
na extremidade mais refratada P e verde amarelado e azul nos espaços intermediários.”
(NEWTON, 2002, p. 58).
Na verdade, esse argumento apresentado por Newton apenas reafirma a validade da
relação entre cor e refrangibilidade, já indicada na proposição 1. Ele é, portanto, insuficiente
para permitir a conclusão de que essas cores distintas comporiam a luz solar branca. Mesmo
assim, deturpando o raciocínio seguido por Newton, os livros e materiais didáticos insistem
em apresentar este experimento como a prova conclusiva de que a luz solar branca é uma
mistura de várias cores, cada uma delas com diferentes refrangibilidades. Este fato contribui
para reforçar, nos alunos, uma visão distorcida do cientista Newton e do modo como ele
raciocinava em suas descobertas.
Segundo Silva (2003), o próprio Newton percebe a insuficiência e a incompletude de
seu experimento e passa, inicialmente, a cogitar e a eliminar possíveis interferências externas
a ele. A abertura do orifício na janela, a distância em que o anteparo havia sido posicionado, a
espessura do vidro da janela, e o próprio material do prisma, não poderiam ter gerado essa
imagem colorida e oblonga do sol?
A leitura de Ótica nos mostra que o cientista, de fato, se preocupou com estes detalhes
em seu experimento. Como é fácil cometer erros ao colocar o prisma na posição de desvio
mínimo, Newton afirma ter repetido o experimento umas quatro ou cinco vezes. Além disso,
alterou o tamanho do orifício da janela e, principalmente, realizou-a com prismas feitos de
materiais diferentes. E em todas elas, obteve os mesmos resultados: uma imagem oblonga e
não circular do Sol.
[...] o tamanho diferente do orifício na folha da janela, a diferente espessura do vidro
por onde os raios o atravessavam e as diferentes inclinações do prisma em relação ao
horizonte não causavam mudanças perceptíveis no comprimento da imagem.
132
Também não causavam nenhuma mudança as diferentes matérias dos prismas: pois
em um recipiente feito de placas polidas de vidro cimentadas na forma de um prisma e
cheio de água houve o mesmo sucesso da experiência [...]. (NEWTON, 2002, p. 57).
Vale ressaltar mais uma vez que os livros e os materiais didáticos analisados não se
preocupam em evidenciar essas repetições e essas variações do experimento realizadas por
Newton, contribuindo para a transmissão da idéia de que as conclusões foram muito óbvias e
extremamente fáceis de serem atingidas, visto que teriam sido o resultado de uma simples
observação da imagem “circular” projetada na parede.
Diante de tudo o que foi exposto, fica evidente o caráter não casual desse experimento
3. Newton estava embasado em leis da refração anteriormente descritas por Snell e Descartes
e em toda uma demonstração matemática que lhe indicavam como proceder ao posicionar o
prisma. Não, há, portanto, dúvidas quanto à influência dos estudos e das idéias anteriores
nesse experimento. Além disso, percebe-se que a proposição 2 não é, de fato, demonstrada
pela realização do experimento 3. Apenas fica reafirmado o que já se havia discutido na
proposição anterior: raios luminosos com cores diferentes apresentam refrangibilidades
diferentes. A comprovação verdadeira da proposição 2 exigirá de Newton a realização de
outros experimentos e a utilização de argumentos teóricos e epistemológicos, como veremos a
seguir.
7.2.2 O experimento 4 do Livro I de Ótica
Em um experimento bastante similar ao anterior, Newton se dedicou a analisar as
características da imagem formada pelo orifício, quando ele o avistava através do prisma. Para
tanto, manteve o prisma na mesma posição descrita no experimento 3 (isto é, na posição de
desvio mínimo) e olhou para o orifício através dele.
Novamente, segundo as leis da refração aceitas, a imagem do orifício deveria ser
circular. No entanto, observou que ela era também mais alongada, com o comprimento muitas
vezes maior do que a largura.
[...] a parte mais refratada dessa imagem aparecia violeta, a menos refratada
vermelha, as partes do meio azul, verde e amarelo nessa ordem. A mesma coisa
aconteceu quando retirei o prisma do sol e olhei através dele o orifício pela luz das
nuvens além dele. (NEWTON, 2002, p. 58-59).
Por este experimento, fica mais uma vez evidenciada a diferença de refração
apresentada pelos raios ao atravessarem o prisma. No entanto, tal como acontece com o
133
experimento 3, ainda não é possível concluir que a luz solar branca é uma mistura de raios
luminosos de cores com refrangibilidades diferentes.
No que diz respeito aos materiais didáticos analisados, cabe ressaltar que nenhum
deles aborda o experimento 4 de Newton. Acredito que isso seja uma conseqüência da pouca
contribuição do experimento no sentido de comprovar a proposição 2 e, também, da não
preocupação dos autores em evidenciar a seqüência lógica adotada por Newton ao demonstrar
a sua proposição. Na verdade, considerando que um deles (livro H) considera o experimento 3
como a prova final para a proposição 2, torna-se desnecessário abordar qualquer outro
experimento.
7.2.3 O experimento 5 do Livro I de Ótica
Tentando encontrar uma explicação para o fato de a imagem obtida do Sol ser oblonga
e não circular, ou seja, para o fato de que existem raios mais refrangíveis que outros, Newton
passa a analisar os efeitos provocados pela associação de prismas.
Nesse experimento, em especial, procura verificar se a elongação observada no
comprimento da imagem poderia ter sido provocada por irregularidades no vidro (ranhuras,
lados não totalmente planos, mas um pouco côncavos ou convexos, ondas ou sinuosidades
provocadas pelos buracos da areia, etc.) do prisma ou por uma dilatação de cada raio.
Com este intuito, acrescenta ao experimento 3 um segundo prisma, e analisa os efeitos
provocados por esta segunda refração.
[...] Ordenei todas as coisas como na terceira experiência e coloquei outro prisma
logo depois do primeiro numa posição cruzada em relação a ele, de forma que
pudesse refratar novamente o feixe da luz do sol que chegava até ele através do
prisma. No primeiro prisma, esse feixe foi refratado para cima e, no segundo, para o
lado. (FIG. 13). (NEWTON, 2002, p. 59).
Figura 13 – Representação esquemática do experimento 5 de Newton
Fonte: NEWTON, 2002, p. 60.
134
Nessa representação do experimento, S é o Sol, F o orifício na janela, ABC o primeiro
prisma, DH o segundo prisma, PT a imagem oblonga do sol encontrada quando esse feixe
atravessa apenas o primeiro prisma (isto é, quando o segundo é retirado), e pt a imagem
formada pelas refrações cruzadas dos dois prismas.
Por meio desse posicionamento do prisma, Newton esperava que as eventuais
irregularidades que tivessem alterado o trajeto do raio luminoso na primeira refração, pudessem,
agora, reconduzi-lo ao curso inicial, tal como se a segunda refração destruísse os efeitos
regulares produzidos pela primeira e intensificasse os efeitos irregulares. Em relação à imagem,
esperava-se que o formato oblongo fosse, agora, substituído por uma mancha quadrada.
Com efeito, se a primeira refração provocou uma elongação na direção vertical,
esperava-se, pelo posicionamento dos dois prismas, que uma outra elongação, agora na
direção horizontal, fosse verificada. Em outras palavras, se a imagem PT fosse dividida em
cinco partes menores, PQK, KQRL, LRSM, MSVN, NVT, acreditava-se que cada uma delas
fosse dilatada em uma direção transversal originando, respectivamente, as regiões p π qk, kqrl,
lrsm, msvn e nvt τ e provocando, dessa maneira, o aparecimento de uma mancha quadrada.
[...] Pois a segunda refração espalharia os raios em uma direção tanto quanto a
primeira o faz em outra, e assim dilataria a imagem em largura tanto quanto a
primeira o faz em comprimento. E a mesma coisa deveria acontecer se alguns raios
fossem por acaso mais refratados que outros. Mas o resultado é outro. [...].
(NEWTON, 2002, p. 60).
No entanto, como a própria Figura 13 evidencia, a imagem finalmente projetada pt não
se alarga pela refração no segundo prisma. Ela apenas fica mais oblíqua, com a extremidade
superior p mais transladada que a extremidade inferior t, indicando que a luz violeta que aí se
observa se refrata, novamente, mais que luz vermelha, encontrada em t. Além disso, os lados
que em PT eram paralelos, retilíneos e bem definidos, permanecem exatamente dessa forma
em pt, só que agora oblíquos em relação à posição inicial.
Segundo nos informa Silva (1996), Newton teria considerado, como possível
explicação para a elongação da imagem, o fato de a luz não se propagar em linha reta e, sim,
efetuar um movimento curvo após cada uma das refrações. “Então comecei a suspeitar se os
raios após sua passagem através do prisma não se moveriam em linhas curvas e, de acordo com
sua curvatura maior ou menor, tenderiam a diversas partes da parede.” (SILVA, 1996, p. 27).
Na verdade, essa idéia de Newton apresenta elementos que nos remetem à explicação
dada por Descartes para o surgimento das cores e, mais uma vez, confirmam a influência de
tal filósofo no pensamento de Newton.
135
[...] Segundo Descartes a luz é um movimento transmitido através do éter composto
por pequenos glóbulos que penetram todos os corpos. Antes da luz ser refratada, esses
glóbulos têm apenas um movimento retilíneo na direção de propagação. Quando
atingem obliquamente uma superfície refratora os glóbulos adquirem um movimento
de rotação em torno de seus próprios eixos. A velocidade de rotação é afetada pela
velocidade dos glóbulos vizinhos. Assim, os glóbulos dos raios vermelhos do espectro
pressionam os glóbulos vizinhos da região de sombra (glóbulos com velocidade de
rotação pequena) e são pressionados pelos do outro lado cuja velocidade é maior. A
diferença de velocidade entre os glóbulos vizinhos provoca um desvio dos raios. O
efeito dos glóbulos vizinhos à extremidade violeta do espectro é contrário ao
produzido nos raios vermelhos. As outras cores são resultado de velocidades
intermediárias dos glóbulos. (SILVA; MARTINS, 1996, p. 318).
A confirmação ou não dessa idéia da propagação curva da luz, passava, na verdade,
por uma verificação de proporcionalidade. Com efeito, se a luz se propagasse em linha reta, o
feixe emergente do prisma teria um formato cônico e, assim, por meio de elementos da
geometria plana, seria possível comprovar a existência de uma proporcionalidade entre o
tamanho da imagem, o tamanho do orifício e a distância entre eles.
Como Newton consegue verificar essa proporcionalidade, fica comprovado que a luz
se propaga em linha reta e, então, não poderia ser a trajetória curva a responsável pela
imagem alongada. Ele prossegue, assim, na busca por uma explicação.
Analisando mais cuidadosamente os resultados do experimento 5, o cientista conclui
que a luz violeta sofreu, “tanto no primeiro prisma, como no segundo, uma refração maior do
que o restante da luz.” (NEWTON, 2002, p. 61), enquanto a luz vermelha se mostrou a menos
refratada no primeiro e também no segundo prisma.
Buscando novas variações do experimento, Newton o repete colocando um terceiro
prisma depois do segundo e, em seguida, um quarto depois do terceiro. Em todas elas, a luz
mais refratada no primeiro prisma foi também a mais refratada nos demais experimentos,
indicando uma constância de refração maior e permitindo a confirmação de que, em qualquer
uma dessas circunstâncias, tal luz era sempre mais refrangível que o restante.
Um outro fato percebido por Newton, diz respeito às formas das imagens, que
mantinham sempre a mesma largura. Usando a idéia do experimento 3 de que se os raios
fossem igualmente refratados deveriam formar imagens circulares, Newton supõe que a
imagem oblonga PT pudesse ser constituída por um conjunto de regiões circulares, nas quais
os raios igualmente refratados incidissem sobre um determinado círculo. Isso significaria, por
exemplo, que o círculo AG (FIG.14) seria iluminado por todos os raios mais refratáveis do Sol
(supondo que estivessem sozinhos), enquanto o círculo EL, seria iluminado pelos raios menos
refratáveis (também supondo que estivessem sozinhos). Os demais círculos representariam as
regiões iluminadas por raios com refrangibilidades intermediárias.
136
Figura 14 – Divisão das imagens em pequenas regiões circulares, nas quais incidiriam apenas
raios refratados igualmente
Fonte: NEWTON, 2002, p. 61.
Dessa maneira, raciocina Newton que se a imagem circular Y do sol, formada por um
feixe luminoso não refratado é transformada, pela primeira refração, em uma imagem
alongada PT, então cada círculo AG, BH, CJ, DK, EL também deveria, após a segunda
refração, ser transformado em imagens alongadas, aumentando a largura da imagem inicial
PT. Como, pelo experimento, isso não se verifica, o cientista conclui que os raios não
poderiam ser dilatados durante a refração, já que isso modificaria a largura da imagem. Não se
verifica, pois, durante a refração, a dilatação dos raios luminosos.
Além disso, também não deveriam ocorrer, segundo Newton, irregularidades na
refração, com espalhamento (difusão) dos raios, uma vez que, se assim o fosse, as laterais AE
e GL não poderiam ter sido transladadas tão perfeitamente em linha reta para ae e gl,
respectivamente. Ao contrário, deveriam ter aparecido regiões com alguma penumbra,
curvatura ou ondulação.
Por este experimento, fica então ratificado o fato de que raios com cores diferentes
apresentam refrangibilidades diferentes, sendo que o mais refrangível ao atravessar um
prisma, demonstra essa mesma propriedade ao passar pelos demais. Além disso, fica
evidenciado que, durante a refração, não existe uma dilatação dos raios e nem tampouco que a
imagem oblonga é o resultado de uma propagação curva da luz. Não se consegue ainda, no
entanto, demonstrar a proposição 2 e comprovar que a luz do sol é composta por esses raios
com diferentes refrangibilidades.
No que se refere aos livros e materiais didáticos, pode-se afirmar que, assim como
acontece com experimento 4, este último experimento não chega sequer a ser mencionado,
contribuindo, mais uma vez, para transmitir a idéia de que todas as conclusões obtidas por
Newton foram elaboradas de modo direto e objetivo: observa-se e rapidamente conclui-se.
137
7.2.4 O experimento 6 do Livro I de Ótica
Até o presente momento, os experimentos realizados por Newton não permitiram a
confirmação de que as cores do espectro evidenciadas após a refração estivessem previamente
presentes na luz solar branca. Existe ainda, tanto para Newton, quanto para outros pensadores
da época, a possibilidade de essas cores terem sido criadas pelo prisma ou mesmo de serem o
resultado de um processo de transformação ou modificação da luz solar decorrente da
refração.
E é exatamente para elucidar essa questão que Newton elabora o experimento 6,
também conhecido como experimentum crucis (FIG. 15).
Figura 15 – Desenho de Isaac Newton para o seu experimentum crucis
Fonte: NEWTON, 2002, p. 66.
Novamente, procura-se estudar o que acontece com a luz quando ela passa através de
dois prismas. No entanto, são empregadas duas tábuas finas, no centro das quais foram feitos
orifícios menores que os da janela, para permitir a passagem de luz. Assim, aumentando o
orifício F da janela, Newton faz o raio incidente passar por um primeiro prisma ABC e
produzir um espectro colorido sobre um anteparo DE (uma das tábuas finas) (FIG.16). Como
há, nesse anteparo, um furo central, apenas a parte do espectro colorido que incidir nessa
região conseguirá passar e atingir o segundo anteparo de. Mais uma vez, o orifício dessa tábua
restringirá a passagem do raio que, conseguindo finalmente atravessar o orifício, incidirá
sobre um segundo prisma abc, aí colocado. Saindo desse prisma, o raio será finalmente
conduzido a um anteparo MN.
138
Figura 16 – Representação esquemática do experimento 6
Fonte: NEWTON, 2002, p. 67.
Nessa montagem é importante ressaltar que os três anteparos DE, de e MN e o segundo
prisma abc estão fixos, não podendo sofrer quaisquer translações ou rotações. Apenas o
prisma ABC podia ser girado em torno de seu eixo, para permitir a Newton a seleção da parte
do espectro que incidirá sobre DE. Por esta razão, os ângulos de incidência dos raios em abc
(segundo prisma) são sempre fixos, em qualquer um dos casos estudados.
Alterando o posicionamento de ABC, Newton percebeu que, para qualquer situação, o
segundo prisma não modificava a cor do feixe que chegava até ele, isto é, não provocava um
nova separação mas, sim, apenas uma mancha em MN da cor selecionada. Além disso,
dependendo da parte do espectro selecionada para passar através de ABC, uma região
diferente de MN era iluminada, sendo que a cor vermelha havia, novamente apresentado,
depois de passar pelos dois prismas, o menor desvio e a violeta o maior.
Por este experimento, ficam evidentes dois aspectos. O primeiro deles diz respeito à
impossibilidade de o prisma criar as cores do espectro. Se assim o fosse, a refração no
segundo prisma não manteria a mesma cor e, sim, apresentaria (criaria) outras. O segundo, diz
respeito à existência de comportamentos distintos para raios luminosos que atravessam
prismas. O primeiro raio, que correspondia à luz solar branca, é separado em várias cores ao
passar por ABC. Já aquele resultante da passagem pelos anteparos, não apresenta nenhuma
separação ao emergir de de.
Diante desses fatos, Newton afirma que a luz solar consiste em uma mistura de todas
as cores que aparecem no espectro projetado no anteparo, sendo que cada uma delas é apenas
separada (e não criada) pelo prisma, devido às suas diferentes refrangibilidades. Dessa
maneira, estaria comprovada a proposição 2: “a luz do Sol consiste em raios com diferentes
refrangibilidades”.
139
[...] E vi pela variação daqueles lugares [na parede] que a luz, tendendo para aquela
extremidade da imagem em direção à qual a refração do primeiro prisma foi feita,
sofreu no segundo prisma uma refração consideravelmente maior que a luz tendendo
para a outra extremidade. E assim a verdadeira causa do comprimento da imagem
foi detectada não ser outra, senão que a luz consiste em raios diferentemente
refrangíveis que, sem qualquer diferença em suas incidências, foram, de acordo com
seus graus de refrangibilidade, transmitidos em direção a diversas partes da parede.
(SILVA; MARTINS, 1996, p. 318)
Por essas palavras de Newton, não nos parece “difícil” compreender a idéia da
existência de raios com refrangibilidades diferentes, como sendo a explicação para a imagem
alongada produzida. O que, a princípio, não parece claro, é a comprovação da afirmação de que
a luz solar é composta por esses raios, isto é, a idéia de que essas cores já existiriam na luz
branca antes mesmo de ela sofrer a primeira refração; fato que efetivamente demonstraria a
proposição 2. E na verdade, o estudo das idéias envolvidas e das críticas recebidas, nos mostra
que essa conclusão não foi tão direta assim: exigiu argumentos teóricos e epistemológicos.
No que diz respeito aos livros didáticos, percebe-se, mais uma vez, que o experimento
6, considerado como o experimentum crucis, é mencionado apenas por dois deles. Na
verdade, apenas o experimento 3 aparece com freqüência nesses materiais. E, ao meu
entender, os alunos são forçados a acreditar que Newton construiu toda a teoria da
composição da luz branca com base em apenas um experimento.
7.2.4.1 O experimentum crucis e a argumentação utilizada por Newton
Para compreendermos os aspectos subjacentes à argumentação de Newton, é
importante mencionar alguns pontos de sua teoria sobre as cores, construídos até então.
Como já havia sido demonstrado nos experimentos anteriores, os raios de cores
diferentes apresentavam refrangibilidades distintas. De acordo com as definições apresentadas
no início de Ótica, isso já permitiria classificar a luz solar como uma luz heterogênea ou
composta.
Com efeito, Newton apresenta uma distinção entre luz homogênea ou simples e
heterogênea ou composta. “Denomino luz simples, homogênea e similar a luz cujos raios são
todos igualmente refratáveis; e denomino luz composta, heterogênea e dissimilar a luz que
tem alguns raios mais refratáveis que outros.” (NEWTON, 2002, p. 41).
Dessa maneira, pela realização do experimento 3 da parte I, já seria possível classificar
a luz solar como composta, uma vez que aceitando-se a definição, a classificação seguiria
dessa própria definição, bastando para isso a realização de um único experimento.
140
Ao que tudo indica, essa é a maneira simplista com o autor do livro didático H parece
lidar com a questão da decomposição da luz branca, já que basta a realização do experimento
3 para comprová-la. Ao que tudo indica, o autor assume a definição de Newton (mas não
deixa isso claro aos alunos), aborda o experimento 3 e afirma que Newton conclui, através
dele, que a luz solar é composta pelas cores evidenciadas após a passagem pelo prisma. No
entanto, não foi bem assim que a questão foi abordada, nem mesmo pelo próprio Newton. Ao
contrário, muitas críticas foram feitas e algumas outras verificações experimentais precisavam
ser testadas para validar essa afirmação, visto que ainda existiam, dentre outras, a
possibilidade de estas cores não estarem anteriormente no feixe de luz solar e, sim, terem sido
produzidas ou transformadas durante a refração através do prisma. Quem poderia garantir
ainda, que essas cores visualizadas no anteparo não originariam novas cores e assim
sucessivamente?
Todas essas questões precisavam ser investigadas e Newton se encarregou disto.
Depois de definir as luzes em homogêneas ou compostas, Newton prossegue com as
definições em sua Ótica, afirmando que cada tipo de luz (simples ou composta) apresentaria
uma determinada cor. Vale recordar que as cores (conforme definição apresentada por
Newton no artigo de 1672) eram interpretadas como propriedades inatas da luz e não como
qualidades decorrentes dos processos de reflexão e refração. Assim, “Denomino cores
primárias, homogêneas e simples as cores das luzes homogêneas; e denomino cores
heterogêneas e compostas as cores das luzes heterogêneas.” (NEWTON, 2002, p. 41).
Para Newton, as cores primárias corresponderiam às projetadas no anteparo após a
passagem da luz pelo prisma e eram “Vermelho, Amarelo, Verde, Azul, Púrpura-violeta,
Laranja, Índigo e uma variedade indefinida de gradações intermediárias.” (SILVA;
MARTINS, 1996, p. 322).
Ainda em relação às cores, Newton afirmava que uma mesma sensação de
determinada cor poderia ser provocada tanto por uma cor primária, quanto por uma cor
composta. A sensação produzida pelo Laranja, por exemplo, poderia ser provocada tanto pela
cor primária Laranja, quanto por uma cor composta, resultante da mistura de Vermelho e
Amarelo.
O olho humano, entretanto, é incapaz de distinguir se essa sensação foi originada por
um ou outro tipo de cor. A única maneira que dispõe o homem para fazer tal distinção é,
segundo o cientista, por meio da realização de experimentos e, em especial, de experimentos
com prismas.
141
[...] uma mistura de vermelho e amarelo homogêneos compõe um laranja igual na
aparência da cor àquele laranja que na série das cores prismáticas não misturadas
está entre elas [vermelho e amarelo]; mas a luz de um laranja é homogênea em
relação a refrangibilidade, e aquela outra é heterogênea, e a cor de um, se vista
através de um prisma, permanece imutável e a do outro é mudada e resolvida em
suas cores componentes vermelho e amarelo. (SILVA, 1996, p. 65).
E é exatamente nesse momento, que se evidencia a importância do experimento 6.
Todo o aparato construído permite a comprovação da existência das cores primárias, pois foi
possível separar um feixe estreito de luz e não provocar a alteração (separação) de sua cor
pela passagem através de um prisma. Isso significou que todos os raios desse feixe
selecionado apresentavam a mesma refrangibilidade e que, portanto, a luz era homogênea e a
sua cor primária.
Modificando o posicionamento do primeiro prisma ABC, Newton conseguiu
selecionar feixes diferentes e mostrou que cada um deles correspondia a uma cor primária (já
que não eram provocadas alterações pela passagem através do prisma) com refrangibilidade
também diferente.
Assim, além de comprovar e evidenciar a existência das cores primárias, o
experimento 6 contribuiu também para reforçar a relação entre cor e refrangibilidade e ainda
para mostrar que as cores primárias não são criadas pelo prisma. No entanto, a questão da
imutabilidade dessas cores ainda permanecia obscura, bem como a idéia da composição da luz
branca, isto é, a certeza de que as cores primárias estariam nessa luz antes mesmo que ela
sofresse a primeira refração e, portanto, não teriam sido produzidas no experimento.
Tentando encontrar respostas, Newton realiza novos experimentos. Alguns deles
procuravam testar a mutabilidade das cores primárias oriundas da refração da luz solar através
do prisma. No entanto, nenhum dos experimentos obteve êxito nesse sentido, indicando para
Newton que as cores primárias, de fato, não poderiam mais ser decompostas.
[...] Quando qualquer tipo de raios foi bem separado daqueles de outros tipos, ele
depois reteve obstinadamente a sua cor, apesar de meus maiores esforços para mudála. Refratei-o com prismas e refleti-o com corpos que na luz do dia eram de outras
cores. Interceptei-o com filmes coloridos de ar entre duas placas de vidro
comprimidas; transmiti-o através de meios coloridos e através de meios irradiados
com outros tipos de raios, e limitei-o de várias formas; e contudo nunca pude
produzir qualquer nova cor dele. (SILVA; MARTINS, 1996, p. 321).
Em um outro experimento, ele utiliza um quarto escuro, na janela do qual faz um
orifício F para permitir a passagem da luz solar. Próximo a esse orifício, é colocado um
prisma ABC e depois, a uma certa distância, uma lente convergente PT e um papel branco DE,
para servir como anteparo (FIG. 17).
142
Figura 17 – Representação esquemática do experimento de Newton usado para
combinar as cores
Fonte: NEWTON, 2002, p. 110.
O prisma e a lente deveriam ficar móveis e o anteparo branco deveria ser movido para
frente e para trás, perpendicularmente à direção do feixe. Fazendo isso, Newton verificou que
quando este papel era posicionado exatamente no foco da lente, as cores primárias oriundas
do prisma eram convertidas novamente em branco, indicando que a mistura dessas cores
produzia uma luz branca. Por outro lado, quando o anteparo era trazido para frente e para trás
do foco, era possível ver
[...] como as cores gradualmente se reúnem e desaparecem em brancura, e após
terem se cruzado umas com as outras naquele lugar onde se compõe a brancura, são
novamente dissipadas e separadas, e em uma ordem invertida mantêm as mesmas
cores que tinham antes de entrarem em composição. (SILVA; MARTINS, 1996, p.
324).
Em uma variação desse experimento, Newton modificou o posicionamento do papel,
girando-o ao redor de um eixo paralelo ao prisma e fazendo-o ficar inclinado em relação à luz,
como nos mostram as posições de e δε (FIG. 17). Nessas posições, a mesma luz aparecia
amarela e vermelha numa inclinação, e azul na outra.
[...] Aqui uma mesma parte da luz num mesmo lugar, de acordo com as várias
inclinações do papel, aparecia num caso branca, noutro amarela ou vermelha, num
terceiro azul, enquanto o limite de luz e sombra e as refrações do prisma em todos
esses casos permaneciam os mesmos. (NEWTON, 2002, p. 111).
A explicação para o fato de o papel aparecer colorido em de e δε , é fornecida pelo
próprio Newton:
O papel na posição de, estando mais oblíquo aos raios mais refrangíveis do que aos
menos refrangíveis, é mais fortemente iluminado pelos últimos do que pelos
primeiros e, portanto, os raios menos refrangíveis são predominantes na luz refletida
no anteparo. E, onde quer que sejam predominantes em qualquer luz, eles a tingem
de vermelho ou amarelo [...]. (NEWTON, 2002, p. 111).
143
Quando o papel está na posição δε , ocorre o mesmo para com os raios mais
refrangíveis responsáveis pelas cores azul e violeta.
Assim, com esta nova sequência, Newton consegue evidenciar outros dois pontos
chaves. O primeiro deles seria que mudanças nas cores poderiam ser efetuadas sem que fosse
preciso provocar alterações na refração. Bastava, para isso, alterar a proporção com que cada
uma delas era combinada. O outro, dizia respeito, como já mencionado a seguir, à
possibilidade de obter a luz branca por meio da combinação das cores primárias.
Vale a pena mencionar que resultado semelhante para a composição da luz também foi
obtido quando Newton utilizou, no lugar da lente, dois prismas colocados em posições
contrárias (FIG. 18). As cores, inicialmente separadas pelo primeiro prisma foram novamente
combinadas e compostas no segundo. Os livros didáticos E e F são os únicos a mencionar tal
experiência.
Figura 18 – A composição da luz branca, agora utilizando dois prismas
Fonte: LUZ; ALVARENGA, 2005, p. 207.
De tudo o que já foi exposto, temos resumidamente que a passagem da luz solar
através de um prisma origina um espectro colorido. Cada uma dessas cores, ditas primárias,
apresenta uma refrangibilidade diferente (razão pela qual são refratadas de modo
diferenciado), não sofre qualquer tipo de modificação ao ser novamente refratada, refletida
e/ou transmitida por outros meios sendo, portanto, considerada imutável. Por outro lado,
quando combinadas, essas cores originam uma luz branca que, aparentemente, se mostra igual
à solar.
E é exatamente esta última observação que se torna um dos entraves finais à
verdadeira comprovação da proposição 2. Pelos experimentos até então realizados, não era
possível concluir que a luz solar antes da refração fosse exatamente igual à luz branca obtida
por meio da composição das cores primárias. O que se sabia é que, depois de refratada, cada
cor primária se mantinha imutável. No entanto, nada poderia garantir que a primeira refração
não tivesse alterado as propriedades da luz solar. Tinha-se certeza apenas de que o prisma não
144
criava as cores do espectro. Ele apenas as separava. Entretanto, imaginava-se que, talvez, o
meio tivesse produzido modificações no feixe que permaneciam inalteradas nas refrações
subseqüentes.
Newton já havia se deparado com essa idéia, conhecida como teoria da modificação,
em algumas de suas discussões com Hooke. E para que ele pudesse, de fato, concluir a sua
proposição, precisava invalidar essa teoria. O problema é que isso não poderia mais ser feito
por experimentos, uma vez que nenhum deles até então realizados tinha sido conclusivo com
relação a este aspecto.
Newton optou, portanto, em utilizar um argumento epistemológico, baseado na sua
maneira peculiar de conceber a natureza, o universo e a maneira de se investigá-lo. Este
argumento, está de acordo com as regras I e II do método newtoniano, discutidas no capítulo
anterior e tornadas evidentes quando da publicação de seu Principia em 1687:
a) Regra I: “Não devemos admitir mais causas para as coisas naturais do que as que
são tanto verdadeiras como suficientes para explicar as suas aparências.” (REALE;
ANTISERI, 2007, p. 296).
b) Regra II: “Por isso, tanto quanto possível, aos mesmos efeitos devemos atribuir as
mesmas causas.” (REALE; ANTISERI, 2007, p. 296).
Sendo assim, embasando-se nos princípios da simplicidade e da uniformidade da
natureza, Newton afirma que a luz solar branca e a luz branca resultante da composição das
cores primárias deveriam ser as mesmas. Na verdade, ele não via motivo para introduzir uma
distinção entre os dois tipos de luz branca, visto que ambas apresentavam as mesmas
propriedades em todos os experimentos. “Eu não vejo razão para suspeitar que os mesmos
Phenomena possam ter outras causas ao ar livre.” (SILVA, 1996, p. 89).
A utilização desse argumento epistemológico de Newton é conhecida, pelos
pesquisadores da história da ciência, como Navalha de Occam. Na verdade, este termo é
empregado desde a filosofia medieval e expressa um princípio comum que afirma que a
explicação e as teorias mais simples são as corretas e que, portanto, é desnecessário
multiplicar qualquer tipo de explicação ou hipótese.
Assim, se a luz solar e a luz branca obtida da composição de cores primárias eram
iguais, então a proposição 2 estava finalmente demonstrada isto é, “a luz do Sol consiste em
raios com diferentes refrangibilidades”.
145
7.3 Algumas considerações
Pela análise da argumentação e de alguns pontos da sequência lógica desenvolvida por
Newton para comprovar a proposição de que “a luz do Sol consiste em raios com diferentes
refrangibilidades”, fica evidente que este não foi um trabalho resultante de uma simples
observação da refração da luz através de um prisma.
Ao contrário, o caminho percorrido por Newton exigiu a realização de uma série de
experimentos e, mais importante do que isso, o emprego de uma complexa e coerente
argumentação teórica e epistemológica.
No entanto, conforme discutido ao longo de todo o capítulo, os livros didáticos,
quando mencionam influências históricas no episódio da decomposição da luz, optam pela
apresentação apenas do experimento 3 ou no máximo pela colocação de algumas
considerações a respeito do experimento 6 e se eximem da inserção dessa argumentação
epistemológica, ou de partes dela. Tal escolha parece ser feita com base na aceitação da
diferenciação entre luz composta e luz simples estabelecida por Newton em suas definições
do livro Ótica.
Uma leitura atenta do artigo publicado em 1672 e do próprio livro Ótica, mostra que o
caminho seguido pelo cientista não foi tão simples assim. Vários experimentos precisaram ser
realizados, bases teóricas (diferenciação entre cores simples e compostas) precisaram ser
desenvolvidas e argumentos epistemológicos, condizentes com a maneira newtoniana de
pensar e conceber o universo (muitos dos quais resultantes de um processo de construção e
para o qual contribuíram o contexto histórico e filosófico) foram empregados para que a
proposição pudesse ser comprovada. Assim, o procedimento adotado por Newton, que não
apenas emprega experimentos, mas faz uso de teoria e outros argumentos, não pode ser
classificado como empirista – indutivista e nem tampouco ensinado como tal.
Infelizmente, o que se observa nesses materiais é exatamente uma disseminação dessa
idéia que, certamente, favorece o desenvolvimento da pseudo-história e de uma idéia
equivocada sobre ciência, que passa a ser considerada como um “conjunto de verdades
dogmáticas resultantes da observação pura e divorciada do contexto social; como uma
atividade superior e, como tal, praticada somente por seres intelectualmente superiores.”
(SILVA et al., 2008, p. 500).
Nesse processo, os alunos são praticamente “forçados” a aceitar e acreditar que foi
assim mesmo que as coisas aconteceram, já que tudo parece ser resultado de uma mente
brilhante e também do acaso: Newton coloca o prisma de qualquer modo diante da luz solar e
146
conclui, como se fosse óbvio e muito fácil, que as cores que aparecem após a refração são, na
verdade, elementos constituintes da luz solar branca, e que elas sofreram desvios diferentes
em razão de uma diferença de refrangibilidade.
No sentido de modificar essa visão distorcida da comprovação da proposição 2
divulgada pelos livros didáticos e ainda mostrar aos alunos que as descobertas não acontecem
por acaso, nem como conseqüência de um momento de pura inspiração dos cientistas, mas
como resultado de um lento processo de construção, para o qual contribuem os estudos feitos
anteriormente, o momento histórico vivido à época e, principalmente, a filosofia que embasa
o modo de pensar, raciocinar e lidar com o objeto do conhecimento dos cientistas,
apresentamos a seqüência didática a seguir (veja Apêndice A).
Na verdade, ela foi desenvolvida com base em todas as discussões teóricas realizadas
ao longo desse trabalho e utiliza o estudo da argumentação apresentada por Newton, ao
comprovar a proposição 2, como meio de se destruir a imagem do cientista gênio e mostrar
como as descobertas estão, na verdade, impregnadas de elementos condizentes com o
momento histórico e filosófico vigentes.
De uma maneira geral, esta seqüencia encontra-se organizada em cinco atividades
didáticas, dirigidas aos alunos do segundo ano do ensino médio, e devem ser conduzidas após
as explicações referentes ao fenômeno da refração da luz branca e como meio de se
contextualizar o estudo do fenômeno da dispersão.
Na atividade 1 dessa seqüencia, é solicitado aos alunos que reproduzam uma
experiência da dispersão da luz branca por meio da utilização de um prisma, ou pelo emprego
de outro aparato experimental equivalente. Pretende-se fazer com que os discentes tenham um
contato mais próximo (ao menos qualitativo) do fenômeno, para que percebam a simplicidade
do mesmo. Simplicidade esta que se relaciona à parte operacional da descoberta, à quantidade
de material utilizado, às montagens empregadas, etc; e não à seqüência argumentativa
empregada pelo cientista para desenvolver a sua teoria.
Na atividade 2, são iniciadas as discussões a respeito do processo de produção do
conhecimento científico e do papel atribuído ao cientista. Para tanto, deverá ser apresentado, à
classe, um documentário intitulado de “Mentes Brilhantes”, através do qua verificar-se-á a
visão que os alunos têm de importantes cientistas (como Galileu Galilei e Isaac Newton) e dos
fatores que contribuíram para que tais personagens da ciência pudessem descobrir e
estabelecer novas leis e teorias científicas.
As atividades 3 e 4, por sua vez, têm como foco principal o estudo e a reflexão de
textos que abordam sobre as principais transformações ocorridas no período da Revolução
147
Científica e ainda a seqüencia lógica desenvolvida por Newton para concluir que a luz branca
é uma mistura de cores com diferentes refrangibilidades. De modo geral, objetiva-se, com
estas atividades:
a) desconstruir a imagem dos cientistas como gênios ou seres iluminados e dotados de
uma inteligência suprema, para a construir uma visão mais humana, que coloque o
cientista como um ser social, isto é, como um ser que pertence a uma certa
sociedade e que, portanto, exprime determinados valores, crenças e uma
mentalidade condizente com a época e o período vigente;
b) evidenciar o caráter não casual do experimento da dispersão, (com a discussão a
respeito da posição de desvio mínimo e do conhecimento prévio de Newton acerca
do formato da imagem a ser obtido); o emprego de vários experimentos (e não
somente um, como relatado na maioria dos materiais didáticos) e a utilização de
argumentos epistemológicos, baseados nas regras do filosofar newtoniano, para se
concluir, de fato, que a luz branca é uma mistura de cores com diferentes
refrangibilidades.
Por fim, mas não menos importante, foram propostas algumas pequenas experiências
(atividade 5) para que os alunos possam verificar o fenômeno da composição da luz branca,
que também foi empregado por Newton no decorrer do desenvolvimento lógico de seu
raciocínio.
148
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de pensada e elaborada a seqüencia didática, deu-se continuidade ao trabalho,
com a aplicação da mesma junto a um grupo de alunos. É importante ressaltar que esta
aplicação não teve, em momento algum, a pretensão de funcionar como um instrumento
estatístico para coleta de dados. Serviu, principalmente, como meio de se testar o produto e
verificar se a idéia central pretendida conseguia ser, de fato, transmitida aos discentes.
Como houve certa dificuldade para fazer contatos com as escolas de ensino médio e
conseguir junto aos professores de Física a liberação de pelo menos duas aulas para que uma
parte do produto pudesse ser aplicada, optou-se por fazê-la junto aos alunos do terceiro
período de Licenciatura em Física, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Como futuros professores dessa disciplina, seria interessante verificar as suas concepções a
respeito do processo de construção do conhecimento científico, e do papel desempenhado
pelos contextos histórico e filosófico vigentes em uma determinada época.
Com o auxílio da professora Lídia Ribeiro de Oliveira, orientadora dessa dissertação e
professora de “Filosofia: antropologia e ética” nessa turma, foi possível utilizar duas aulas
(100 minutos) para a realização das atividades.
No entanto, como toda a seqüência está prevista para ser desenvolvida em torno de dez
aulas (são cinco atividades – veja capítulo anterior), foi necessário realizar uma adaptação e
selecionar apenas uma parte para ser trabalhada. Optou-se pelo estudo e discussão dos textos,
o que corresponde às atividades 3 e 4 da seqüencia (veja Apêndice A).
Assim sendo, os alunos receberam, com antecedência de alguns dias e via correio
eletrônico, o material para que fizessem uma leitura prévia e, portanto, pudessem participar de
maneira mais efetiva.
O texto que se segue faz, portanto, uma análise qualitativa dos principais fatos
observados no decorrer da aplicação do material. Para preservar a identidade dos alunos, eles
foram identificados com algarismos romanos: aluno I, aluno II, etc.
8.1 O desenvolvimento da atividade: algumas considerações
No dia marcado, estavam presentes 17 alunos e a atividade foi conduzida em três
momentos distintos.
Inicialmente, me apresentei a eles e comentei a respeito da minha dissertação,
procurando justificar a escolha do tema, a opção pelo trabalho com a ótica e o enfoque no
149
experimento da dispersão da luz branca de Newton. Nessa conversa inicial, também foram
ressaltadas as inserções inúteis das pseudo-histórias e dos relatos mitificados sobre os
cientistas nos materiais e livros didáticos utilizados pelos alunos e os impactos que tais
abordagens podem causar, uma vez que esses mesmos alunos, ao internalizarem concepções
errôneas a respeito da construção do conhecimento científico, passam a transmiti-las a
terceiros, agravando ainda mais o quadro. Por fim, e como meio de se evitar situações como
estas, destaquei a importância de se inserir a História e a Filosofia da Ciência no ensino, mas
com uma conotação completamente diferente das conhecidas pseudo-histórias. Uma História
e Filosofia da Ciência que coloca o conhecimento como algo que não apenas transcorre no
tempo mas, principalmente, dele decorre.
Dito isto, expliquei aos discentes que os textos que haviam recebido (todos eles
estavam com o material) constituíam apenas uma parte da seqüencia didática pensada e,
sucintamente, relatei quais seriam as demais atividades. Nesse momento, algo curioso me
chamou a atenção. Um dos alunos mencionou ser interessante, de fato, iniciar a seqüencia
didática com uma atividade experimental envolvendo um prisma, já que ele mesmo nunca
havia tido a oportunidade de ver e nem manusear este instrumento.
Além disso, no decorrer dessa apresentação, comecei a perceber, pelas intervenções de
alguns dos alunos e até mesmo pela fisionomia um pouco desconfiada com que me
acompanhavam, que eles não tinham muito claro em mente o que significava dizer que a
produção do conhecimento científico sofre influências dos contextos histórico e filosófico
vigentes. Pareceram-me estar muito presos unicamente à ideia do esforço pessoal do cientista,
de seus estudos, de suas experimentações, etc. sem, contudo, perceberem que a opção por um
ou outro tipo de experimento, por uma ou outra linha de raciocínio, por um ou outro
embasamento teórico estão, na verdade, vinculadas ao momento histórico e à mentalidade da
época vivida. Um deles chegou a acreditar que eu estivesse desconsiderando todo o esforço
pessoal do cientista no processo de desenvolvimento e elaboração de uma teoria científica e
foi preciso reforçar que todos esses fatores por ele relacionados eram, de fato, legítimos mas
que, além deles, outros também contribuíam e interferiam no processo de produção do
conhecimento científico. E que seriam exatamente estes últimos, o objeto de estudo dessa
dissertação.
Uma vez concluída essa introdução, mostrei aos alunos a parte inicial do documentário
“Mentes Brilhantes” (que constitui a segunda atividade da seqüencia didática) para que
pudessem ter uma noção do teor de informação que é veiculada nesse material. As descrições
e as caracterizações feitas acerca dos quatro cientistas (Galileu Galilei, Isaac Newton, Albert
150
Einstein e Stephen Hawking) e do conhecimento por eles produzido, conduzem à idéia de
que, de fato, todos tinham mentes brilhantes que lhes permitiram desenvolver raciocínios
matemáticos extremos para a época e descobrir todas as revolucionárias teorias. Quase nada
(apenas a perseguição sofrida por Galileu Galilei no período da Inquisição) a respeito das
contribuições Históricas e Filosóficas a é mencionado.
Encerrado esse momento inicial de apresentações e contextualizações a respeito do
meu objetivo com esta dissertação, solicitei aos alunos que se dividissem em cinco grupos
para que pudéssemos iniciar, de fato, as atividades com textos.
Optei por utilizar a elaboração e a apresentação de painéis como instrumento
verificador da leitura. Sendo assim, a cada grupo foi entregue uma folha de papel pardo,
canetinha hidrocor, giz de cera e um conjunto de questões (veja Apêndice B – Atividades 3 e
4 das orientações ao professor) para que pudessem, tendo por base a leitura realizada, discutir
e refletir a respeito das indagações feitas. Com esse material, cada grupo deveria construir um
painel, registrando palavras, frases, imagens e ideais importantes e relacionadas com o que
estavam discutindo. Depois de aproximadamente 30 minutos, iniciaram-se as apresentações.
Ao primeiro grupo coube uma reflexão sobre três cientistas importantes do período da
Revolução Científica: Copérnico, Kepler e Galileu Galilei. As questões elaboradas
pretendiam fazer com que os alunos percebessem os reais motivos que teriam levado
Copérnico a propor a sua teoria heliocêntrica e ainda a explicação para que a matemática se
destacasse como principal ferramenta de análise e desenvolvimento de grande parte das
teorias.
O segundo grupo, por sua vez, encarregou-se de discutir sobre as principais
modificações verificadas no pensamento do homem moderno em virtude das transformações
de ordem política, econômica, social e cultural ocorridas na Europa, bem como a coexistência
de duas correntes filosóficas distintas: o aristotelismo e o neoplatonismo.
A maneira como todas estas transformações influenciaram o modo de pensar de
Newton (as regras do filosofar newtoniano), constituiu o foco de discussão do terceiro grupo.
Os integrantes demonstraram ter compreendido de modo satisfatório as duas primeiras regras
(o que é muito importante, visto que serão elementos decisivos na conclusão final de Newton
a respeito do fenômeno da dispersão da luz branca), mas encontraram dificuldade para
expressar a regra III, sobre a existência das qualidades universais nos corpos. Foi preciso
intervir para ajudá-los a construir o raciocínio.
Ao quarto grupo, foi solicitada uma discussão a respeito dos conhecimentos prévios de
Newton quando da realização do experimento com o prisma. Os alunos demonstraram
151
facilidade para perceber que o posicionamento desse instrumento frente à luz solar não
aconteceu de modo aleatório (posição de desvio mínimo), e que estando assim colocado, a
imagem fornecida pelo prisma deveria, segundo demonstrações matemáticas, ser circular.
O último grupo se dedicou à análise da seqüencia de experimentos realizados por
Newton para afirmar, efetivamente, que a luz branca é uma mistura de raios com diferentes
refrangibilidades.
Durante a apresentação de todos os grupos, foi preciso fazer intervenções para ajudálos a conduzir o raciocínio. Alguns deles encontraram dificuldade para responder às questões
de modo mais direto, e se prenderam a temas de menor relevância para o contexto do
trabalho. Evidencia-se, dessa maneira, a importância da participação do professor em
atividades como estas, como norteador do processo e responsável por conduzir a discussão,
evitando que o objetivo central do trabalho se perca. Para tanto, é preciso que o docente não
só conheça previamente os objetivos pretendidos com este trabalho mas, também, reflita e
repense a sua prática em sala de aula, a fim de evitar as inserções de casos, lendas, afirmações
ou descrições não condizentes com a idéia de que o conhecimento científico e a sua produção
sejam produtos da relação existencial entre o homem e o meio em que vive.
Finalizadas as apresentações, entreguei a cada aluno um instrumento de avaliação do
meu trabalho e do tema da dissertação (Apêndice C). Como a aula já se aproximava do
término, solicitei que respondessem em casa e entregassem, na aula seguinte, à professora
Lídia.
De todos os comentários, discussões, questionamentos e reflexões feitas, um aspecto
se tornou muito evidente. O da surpresa dos discentes frente à idéia que lhes estava sendo
apresentada: a produção do conhecimento científico está vinculada aos contextos históricos e
filosóficos vigentes em uma determinada época. “interessante; apesar de não ter pensado
sobre esse tema, fui surpreendida.” (Aluno I).
Tive a nítida sensação de que tudo ali era novo para eles, de que jamais haviam
refletido sobre os aspectos subjacentes à produção do conhecimento científico e sobre o real
papel do cientista nesse contexto. Cientista esse que deve ser percebido não como um ser
genial e de avental branco, confinado em um laboratório e iluminado por Deus mas, sim,
como um ser humano, com dificuldades, habilidades, incertezas e conflitos, condizentes com
a época em que vive. “Compreender o contexto histórico que envolve o processo de criação
do conhecimento científico foi magnífico.” (Aluno IV).
Sendo assim, acredito que as discussões originadas a partir das leituras dos textos e
das apresentações dos painéis, ainda que rápidas, foram de sobremaneira significativas.
152
Serviram para esta turma, como um elemento desencadeador de reflexões e questionamentos
acerca não apenas da produção do conhecimento científico mas, também, da maneira como
eles, enquanto futuros professores de Física, desejam se posicionar frente a esta temática.
Fica claro que a ciência não surgiu do nada, que teorias pré-estabelecidas, momento
histórico e o tempo que os cientistas tiveram na época foi de grande contribuição
para chegar nas teorias que hoje estudamos. (Aluno II).
Muda a velha forma de pensar que os grandes cientistas são semi-deuses ou que as
idéias surgem a partir do nada. O aluno percebe que também é capaz de desenvolver
estudos e contribuir para a história através de dedicação e muito estudo. (Aluno III).
Este estudo se apresenta como uma forma inovadora de ensinar. Então poderá trazer
um interesse maior na aprendizagem da física. Pois buscar o conhecimento de forma
verdadeira do acontecimento dos fenômenos físicos, baseado no contexto vivido
pelos cientistas. (Aluno VI).
Se planejado desde o início do ano, o trabalho com a seqüencia didática pode ocorrer
de modo mais profícuo, possibilitando reflexões mais profundas e significativas.
De qualquer maneira, um primeiro passo no sentido de promover modificações no
modo de se compreender a produção do conhecimento científico e as questões a ela
subjacentes, foi dado.
Sabemos que mudanças de comportamento e de padrões já enraizados e estabelecidos
ao longo de uma vida (escolar, inclusive) são difíceis de serem efetuadas. No entanto, a
utilização da História e da Filosofia da Ciência com o enfoque sugerido nesse trabalho (e
completamente distante das chamadas pseudo-histórias comumente divulgadas nos materiais
didáticos) pode sim contribuir para lançar as bases dessas transformações. Transformações
estas que não se restringem apenas ao campo da ciência, mas que se refletem no modo como o
indivíduo (aluno e professor) se percebe enquanto ser, integrante de uma sociedade, que se
estabelece em um determinado contexto histórico.
Com efeito, compreender a produção do conhecimento científico como um processo
resultante da interação entre o homem e o meio no qual ele vive, e não como fruto apenas da
mente brilhante de um gênio, cujo dom de pensar foi concebido dos céus, vai muito além das
práticas estabelecidas dentro dos muros da escola. Essa compreensão nos liberta de um
sentimento de inferioridade e de incapacidade frente à possibilidade de realização e
construção, e nos coloca como seres atuantes e ativos participantes do processo de produção
das idéias. Idéias estas que, conforme nos afirma Pinto (1979), se caracterizam por serem
perecíveis, mas nunca inúteis.
153
A ideia, ao perder a validade, por força da própria transformação da realidade, que
suscita, condiciona o surgimento de outra, transmuta-se nesta, e de alguma forma
nela se conserva, e assim a sua caducidade equivale ao mesmo tempo à sua
perenidade. (PINTO, 1979, p. 90).
Esta é, no meu entender, a contribuição social pretendida com esse trabalho. Fazer os
alunos perceberem que, assim como Isaac Newton e todos os demais personagens do período
da conhecida Revolução Científica, eles também estão inseridos em um momento histórico
específico, do qual recebem influências e para o qual contribuem.
154
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159
APÊNDICE A – Produto Final – Material do aluno
Experimentum Crucis
de
Newton:
contribuições da história e filosofia da ciência
MATERIAL DO ALUNO
160
Caro(a) aluno(a),
Você tem em mãos um material que o(a) auxiliará a compreender o fenômeno da
dispersão da luz branca, estudado por Isaac Newton.
Nele, existem cinco atividades que deverão ser desenvolvidas de acordo com as
orientações de seu (sua) professor(a) e que auxiliarão você a compreender, dentre outras
coisas, como ocorre, de fato, a produção do conhecimento científico e o estabelecimento das
teorias e das leis atualmente estudadas.
Você verá que, muito mais do que a mente brilhante do cientista, existem vários outros
fatores que ajudam e influenciam nesse processo de construção do conhecimento, muitos
deles determinados por aspectos históricos e filosóficos da época vigente.
Esperamos que você retire, de cada uma dessas atividades, subsídios e elementos para
compreender e pensar o cientista como um ser social, cuja criação científica não pode ser
meramente reduzida a um problema lógico, visto que é o resultado de um complexo processo
histórico, caracterizado pela interação do homem com o meio no qual ele está inserido.
Um bom trabalho e um ótimo estudo!
Os autores
161
Experimentum Crucis de Newton: contribuições da história e filosofia da ciência
MATERIAL DO ALUNO
Atividade 1 – Verificando a dispersão da luz branca por um prisma
Introdução
A refração da luz está relacionada a uma série de outros fenômenos evidenciados na
natureza e com os quais nos deparamos em nosso cotidiano.
Figura 1 – Refração da luz
a) Pincel parece quebrado
Fonte: Refração ..., 2011.
b) Arco-íris
Fonte: Arco-íris ..., 2011.
c) Brilho de um diamante
Fonte: Diamante ..., 2011.
Com o intuito de se reproduzir e verificar um desses fenômenos, vamos realizar a
experiência a seguir. Para tanto, vocês deverão dividir-se em grupos e, utilizando o prisma
triangular eqüilátero de vidro (ou de acrílico) fornecido, realizar os seguintes passos e
responder ao que se segue.
Procedimento:
Para a execução da atividade, é aconselhável que você esteja em um ambiente fechado,
uma sala, por exemplo, no qual entre luz solar direta (pela fresta de uma janela ou de uma
porta). Para a obtenção de um melhor resultado é aconselhável ainda que este local esteja
escuro ou na penumbra. Além disso, as paredes e/ou o teto podem funcionar como anteparos.
Se a iluminação natural do Sol estiver prejudicada no dia da realização do
experimento, ou caso seja difícil encontrar um ambiente iluminado diretamente pela luz solar,
você poderá utilizar uma fonte de luz branca, tal qual uma lanterna, em substituição.
Inicialmente, identifique os vértices A,B,C,a,b,c mostrados ao lado, no prisma que você
tem em mãos. Em seguida, segure o prisma e aponte-o para o feixe luminoso, de modo que os
raios solares incidam perpendicularmente sobre as faces laterais (abAB, acAC, ou bcBC) desse
sólido geométrico. Gire o prisma, vagarosamente, em torno de seu eixo (reta paralela às arestas
Aa, Bb e Cc, que passa pelo meio do prisma), até obter alguma imagem projetada.
162
Figura 2 – Posicionando o prisma para a realização da atividade
Fonte NEWTON, 2002, p. 52.
Uma vez encontrada essa imagem, continue girando o prisma até que ela tenha a sua
melhor definição. Em seguida, faça o que se pede.
a) Registre o que foi observado.
b) Qual o formato da imagem encontrada? Circular? Alongado? Girando o prisma em
torno de seu eixo, que modificações são percebidas na imagem projetada?
c) Como o fenômeno da refração da luz está presente na experiência realizada?
d) Coloque-se na condição de um cientista e pesquisador. A que conclusão você
chegaria a partir da experiência realizada?
e) Depois de realizada a atividade, você considera ser este um experimento mais
complexo, ou mais simples? Em que sentido? Explique sua resposta?
Algumas considerações
O fenômeno observado nessa atividade é conhecido como a dispersão ou
decomposição da luz branca e, segundo historiadores da ciência, teria sido observado pela
primeira vez pelo estadista e filósofo romano Lucius Annaeus Sêneca (4 a.C - 65 d.C), nas
margens de alguns vidros.
Depois dele, outros estudiosos como Renè Descartes (1637-1638) e Robert Boyle
(1664) também teriam se dedicado à realização de experiências similares com globos de vidro
cheios de água e em prismas de vidro, numa tentativa de explicar o que era observado. No
entanto, atribui-se a Issac Newton (1642-1727) a correta interpretação do fenômeno.
Além de se dedicar à análise dos movimentos e das forças envolvidas, Newton
também se preocupou em estudar os fenômenos relacionados com a luz. De seus estudos e
anotações, resultaram vários artigos científicos (publicados na revista Philosophical
Transactions, de Londres) e um livro, intitulado Ótica e publicado em 1704. E é exatamente
163
nesses materiais, que vamos encontrar a explicação dada por Newton para o fenômeno por
você observado.
Na verdade, a seqüência de passos por você executada, foi também realizada por
Newton, conforme descrito em Ótica.
Numa sala bem escura coloquei em um orifício circular de
1
3
de polegada de diâmetro que fiz na folha da
janela um prisma de vidro por onde o feixe da luz solar que entrasse pelo orifício pudesse ser refratado para cima
em direção à parede oposta da sala, formando ali uma imagem [...] Nessa experiência e nas seguintes o eixo do
prisma (isto é, a reta que, passando pelo meio do prisma de uma extremidade à outra) era perpendicular aos raios
incidentes. Ao redor desse eixo girei o prisma lentamente e via a luz refratada na parede [...]. (NEWTON, 2002,
p.54-55)
Figura 3 – Newton posiciona um prisma de vidro diante de um orifício circular feito em uma
janela
Fonte: Newton ..., 2010.
f) Levando em consideração a descrição do posicionamento do prisma feita por Newton, e as
observações realizadas por você ao trabalhar com este sólido geométrico, você acredita que a
conclusão a que Newton chega (que será explicada depois), foi facilmente formulada? Em
caso afirmativo, explique por que. Em caso negativo, que outros fatores teriam contribuído
para que Newton formulasse a sua conclusão, a partir do observado?
164
Atividade 2 – Mentes Brilhantes
Introdução
Conforme veremos adiante, a explicação para o fenômeno da dispersão da luz foi fruto
de um processo de construções, contradições e experimentações, para o qual contribuíram a
maneira de Newton de pensar e compreender o universo e a natureza.
Assim, antes de nos dedicarmos à análise específica das conclusões formuladas por
Newton, precisamos ter em mente que ele é um dos personagens de um poderoso movimento
de transformação das idéias, que abrange os anos de 1440 a 1690, e que é conhecido como o
período da “Revolução Científica.” Através desse movimento, todo um sistema de
pressupostos herdados da Idade Média (em especial os pressupostos Aristotélicos) é
questionado, demolido e substituído por um sistema completamente novo.
Isso significa que algumas idéias, os pressupostos filosóficos e o modo de pensar de
Newton são herdados desse período.
O documentário “Mentes Brilhantes”, que você assistirá agora, retrata alguns aspectos
e descobertas desse período e, em especial, de dois grandes cientistas e pensadores que
viveram entre os séculos XVI e XVIII: Galileu Galilei e Isaac Newton.
Figura 4 – Galileu Galilei
Figura 5 – Isaac Newton (1642-1727) e a representação da
(1564-1642})
lenda da maçã
Fonte: HAWKING, 2005, p. 50.
Fonte: HAWKING, 2005, p. 146, 151.
Assista-o atentamente, e procure encontrar respostas para as seguintes questões,
referentes a cada um dos cientistas:
165
Parte I: Sobre GALILEU GALILEI
a) Quais as descobertas e as leis científicas atribuídas a ele, no documentário?
b) A Matemática exerceu alguma influência no pensamento e na vida de Galileu? E a
experimentação? Em caso afirmativo, como se verificaram estas influências?
c) Que acontecimentos históricos e científicos mencionados no documentário, contribuem
para compor o contexto histórico e filosófico da época em que viveu Galileu?
d) É possível afirmar que Galileu se baseou em estudos anteriores ao propor a teoria
heliocêntrica? Em caso afirmativo, de qual cientista eram estes estudos?
e) Após assistir ao documentário, como você caracterizaria e descreveria o cientista Galileu
Galilei?
Parte II: Sobre ISAAC NEWTON
f) Quais as descobertas e as leis científicas atribuídas a ele, no documentário?
g) A Matemática exerceu alguma influência no pensamento e na vida de Newton? Em caso
afirmativo, como se verificou esta influência?
h) Que fatores, de acordo com o documentário, permitiram a Newton formular a lei da
gravidade?
i) Após assistir ao documentário, como você caracterizaria e descreveria o cientista Isaac
Newton?
Parte III: Refletindo mais um pouco
Com base nas informações fornecidas no vídeo e em seus conhecimentos, REDIJA um
pequeno texto explicitando os fatores e as situações que você considera serem importantes e
decisivos no processo de descoberta e elaboração de uma nova lei ou teoria científica, por um
cientista. Procure responder e exemplificar, nesse texto, à seguinte questão: Que fatores
contribuem para que uma descoberta científica seja feita?
166
Atividade 3 – A influência do contexto histórico nas descobertas científicas: o
período da Revolução Científica
Fonte: DOCUMENTÁRIO MENTES BRILHANTES
Galileu Galilei, Isaac Newton, Albert Einstein e Stephen Hawking...
...cada um deles concebeu uma visão nova e radical do cosmos.
... são desajustados e rebeldes arrogantes.
... tiveram vidas tumultuosas, cheias de grandes triunfos e falhanços que os tornaram humildes.
...são pessoas que desprezaram a sabedoria convencional e ousaram desafiar.
...possuíam uma espécie de demônio em seu interior, que não os deixavam fazer mais nada.
Quem eram estes rebeldes brilhantes? Que segredos em suas mentes lhes permitiram
pensar o impensável e revelar a beleza e a estranheza do universo?
Acima, estão reproduzidos alguns trechos extraídos da introdução do documentário
“Mentes Brilhantes”. Será, realmente, que todos estes cientistas desafiaram a sabedoria
convencional? As teorias e as novas visões do cosmo por eles defendidas foram, de fato, fruto
de mentes brilhantes, impulsionadas por um demônio interior? Não poderiam ter existido outros
fatores? Quais seriam?
As respostas a todas essas questões podem ser encontradas quando analisamos, de um
modo um pouco mais detalhado, a realidade histórica e as características de um período
conhecido como Revolução Científica.
167
Introdução
De uma maneira geral, a Revolução Científica é considerada pelos historiadores da ciência
como um poderoso movimento de transformação das idéias, através do qual todo o sistema de
pressupostos herdado da Idade Média (em especial os pressupostos Aristotélicos) é questionado,
demolido e substituído por um sistema completamente novo.
Didaticamente, pode ser dividida em três fases específicas: a fase do Renascimento, de 1440 a
1540, a fase das Guerras de Religião, de 1540 a 1650 (segunda metade do século XVI e primeira
metade do século XVII); e a fase da Restauração, de 1650 a 1690 (segunda metade do século XVII).
Em cada uma delas, uma série de acontecimentos sociais, políticos, econômicos e religiosos
contribuíram de modo significativo para que matemáticos, físicos, biólogos, químicos, médicos,
filósofos e astrônomos formulassem novas teorias explicativas acerca do funcionamento do universo,
da posição do homem dentro desse cosmo, dos processos de construção da ciência, das relações entre
o homem e a ciência e entre a ciência e a fé religiosa.
No entanto, antes de nos aprofundarmos nas características específicas de cada uma dessas
fases, é importante compreendermos quais transformações de ordem política, econômica e social
serviram como fundamento e embasamento para esse período das revoluções científicas.
Texto I – A primeira fase da revolução
mercado, caracterizada pela existência de sobras
científica: a fase do renascimento (1440 – 1540)
podiam ser vendidas. Além disso, os camponeses
foram se libertando da lavoura de subsistência,
1.1) Antecedentes históricos
passando a se ocupar em outras atividades
A partir do ano 1000, a realidade de toda
a Europa Ocidental começa a se modificar.
O
fim das
invasões bárbaras
econômicas não vinculadas diretamente à terra,
como o artesanato e o comércio.
faz,
Diante desse quadro, a Europa assiste, a
inicialmente, ressurgir um clima de segurança e
partir do século X, a uma reocupação das cidades
estabilidade internas. A redução da mortalidade
(que haviam sido abandonadas no período das
proporciona um aumento da taxa de natalidade e,
invasões bárbaras) e a uma intensificação do
consequentemente, uma elevação do crescimento
processo de urbanização, principalmente com a
populacional. Novas técnicas de produção,
fundação de novas cidades e com a atração de
principalmente com o emprego de instrumentos
mercadores e aventureiros (servos que fugiam
feitos de ferro são introduzidas para atender a
dos feudos; apanhadores de safras itinerantes;
essa maior demanda, favorecendo o aumento da
soldados profissionais; filhos de nobres que não
produção agrícola.
tinham esperança de herdar patrimônio; ferreiros
Aos poucos, a produção auto-suficiente
de castelo; carpinteiros e seleiros que buscavam
da época feudal passou a ser substituída por uma
melhor mercado para o seu artesanato) para estes
nova forma de produção, a produção para o
centros urbanos.
168
Figura 7 – Diversas lojas: um alfaiate, um boticário e um
barneiro atestam a vida movimentada de um cidade
medieval.
Figura 8 - As rotas comerciais da Baixa Idade Média
Fonte: MUELLER, Conrad G.; RUDOLPH, Mae. 1970, p. 35.
Aliado a todo esse processo tem-se,
ainda, o início do movimento das Cruzadas que,
inicialmente sob o apelo religioso de libertar a
Terra Santa dos chamados infiéis, proporcionou o
enfraquecimento dos senhores feudais e o
fortalecimento da classe dos comerciantes e,
principalmente, libertou o Mar Mediterrâneo do
domínio muçulmano, permitindo o renascimento
do comércio entre a Europa Ocidental e a Europa
Oriental.
Comércio este que, inicialmente, era
realizado segundo duas frentes: o comércio de
especiarias vindas do oriente, ao sul da Europa, e
o comércio de produtos de clima frio, nas regiões
próximas ao Mar do Norte e Báltico. (FIG.8)
Fonte: CARNEIRO, 2007. p. 15.
Pouco a pouco, essas duas frentes de
comércio marítimo foram sendo interligadas por
rotas comerciais terrestres, proporcionando o
encontro de mercadores e o aparecimento das
chamadas feiras que, com o tempo, passam a ter
funcionamento regular, nas mesmas regiões, com
a duração de algumas semanas.
Tem-se, assim, o estabelecimento de um
círculo vicioso: o crescimento do comércio
provocando a formação de novas cidades e a
formação de novas cidades provocando a
intensificação do comércio e o crescimento do
número de mercadores e de comerciantes.
À medida que o comércio internacional
se
desenvolveu,
intitulada
de
uma
nova
burguesia
classe
social,
(constituída
principalmente pelos comerciantes) e novas
169
Figura 10 – Os assaltos a caravanas eram uma prática
comum na cidade medieval
relações de trabalho surgiram nessas cidades.
As
renascimento
transformações
provocadas
comercial
pelo
determinaram
o
aparecimento de um novo ideal de vida,
fundamentado na valorização do luxo e do
conforto. Essa nova mentalidade justificou a
preocupação
do
burguês
de
trabalhar
intensamente, aumentar cada vez mais seus
negócios e seus lucros, para enriquecer.
Figura 9 - Pintura a óleo. Um casal de burgueses conta
dinheiro que passou a ter muito valor nesta época
Fonte: História Viva. 2009, ano VII, nº 78, p.52.
Para isso, aliou-se ao rei, pois entendia
que somente teria condições para se desenvolver
se fosse implantada uma estrutura política
centralizada que protegesse os caminhos e os
Fonte: VICENS VIVES, Jaime. 1951, imagem 506.
A mudança do padrão de riqueza, de terra
produtos, emitisse uma moeda ampla e geral e
para dinheiro, fortaleceu os comerciantes e
eliminasse as barreiras alfandegárias entre as
enfraqueceu os senhores feudais, que possuíam
propriedades.
Os burgueses tinham poder econômico
terras.
Por outro lado, a burguesia que se
para financiar tais mudanças e valeram-se da
fortalecia com o desenvolvimento comercial não
experiência política do rei, dando-lhe dinheiro
estava
das
para que pudesse formar um grande exército
a
profissional e contratar funcionários que os
descentralização era desfavorável ao comércio. A
ajudassem na administração, na fiscalização e na
existência de uma diversidade de tributos,
aplicação da justiça. Em troca, a burguesia
moedas, pesos e medidas, leis e mesmo línguas,
esperava obter apoio para o comércio com o
variando de feudo para feudo, dificultava a
estabelecimento
expansão da economia mercantil. As caravanas
pedágios, impostos, alfândegas, pesos e medidas
precisavam ser protegidas contra os assaltos
unificados para todo o território nacional.
constantes, ocorridos contra elas. Assim, a
Esperava, também, títulos e postos importantes
burguesia desejava eliminar os obstáculos que
no Estado.
dificultavam o comércio e diminuíam seus lucros.
O
satisfeita
estruturas
com
feudais
e
a
permanência
entendia
que
poder
de
barreiras,
nacional
do
leis,
rei,
justiça,
assim
170
denominado, se estendia sobre toda a nação, ou
por uma nova realidade cultural. Com efeito, a
seja, sobre um povo com mesma língua, religião,
burguesia, rica e dinâmica, interessava-se em
usos, costumes e história. A cada povo
adquirir cultura, saber ler e escrever; isto é, tinha
correspondia um país, isto é, uma determinada
valores bem diferentes daqueles da Igreja
região geográfica sobre a qual se assentava uma
medieval, pois o burguês valorizava o dinheiro e os
nação. E é exatamente nessa base cultural e
prazeres que ele podia comprar, os bens materiais, a
geográfica, que se organizou um governo
vida na Terra. Nessa nova maneira de ver o mundo,
nacional, isto é, um Estado Nacional.
a vida e o homem, não sobrava lugar muito
Todos os Estados Nacionais tinham seu
governo centralizado, com uma burocracia
destacado para as preocupações com o céu, o
inferno, a salvação, a pobreza e o sofrimento.
Embora
própria (funcionários públicos). Tinham também
aceitando
devotadamente
a
um exército único, comandado pelo rei e fiel a
existência de Deus, ela partilhava uma série de
ele; uma moeda padronizada, emitida pelo
atitudes intelectuais do mundo pagão. Interessava-
governo; uma Assembléia Popular, convocada
se pela estética, via a utilidade do conhecimento da
anualmente entre os vários segmentos da
história e estava convencida de que o dever
sociedade (nobreza, clero e povo), para auxiliar o
primordial do homem era desfrutar sua vida.
Como conseqüência dessa nova postura
rei na elaboração das leis; um conjunto de
impostos pagos ao rei e um mesmo código de
do
homem
diante
da
vida,
tem-se
o
leis, ao qual toda a população deveria obedecer.
desenvolvimento do humanismo, isto é, da
Entretanto, não podemos pensar que o
glorificação do humano e do natural, em oposição
soberano do Estado Nacional tivesse uma soma
ao divino e ao extraterreno, cuja expressão
muito grande de poderes. Havia três forças atuantes
máxima se encontra no Renascimento Cultural.
que limitavam o poder real. A aliança da burguesia
Em
linhas
gerais,
o
Renascimento
com o rei, que obrigava o soberano a beneficiar
Cultural (1300-1650) foi uma transformação
economicamente essa classe, governando de
cultural que a Europa sofreu a partir do impacto
acordo com os seus interesses; a Assembléia
do renascimento do comércio e da formação da
Popular, que opinava sobre a elaboração das leis a
burguesia e que resultou em um notável acervo
serem aplicadas no Estado Nacional e, finalmente,
nos campos da arte, da literatura, da ciência, da
a Igreja Católica, que detinha, ainda, enormes
filosofia, da política, da educação e da religião,
poderes políticos concentrados nas mãos do Papa, o
além de incorporar, à mentalidade do mundo
qual interferia nos assuntos internos dos Estados e
moderno, novos ideais, como:
cobrava impostos à revelia do rei (poder
• o humanismo, isto é, a valorização do Homem
supranacional da Igreja).
e das realizações humanas acima de todas as
Por fim, vale a pena ressaltar que, em
decorrência
de
todas
essas
transformações
econômicas, sociais e políticas, percebe-se também
uma alteração na mentalidade da época, traduzida
coisas. Todas as obras renascentistas inspiramse em realizações humanas e foram feitas para
benefício e glória dos Homens.
171
Na
valorização
figura
é
11,
por
evidenciada
exemplo,
por
meio
essa
Figura 12 – O duplo retrato dos jovens pretende evidenciar
dois estados da alma humana diante da experiência do amor
da
representação de um interior burguês. No interior
de um quarto, um casal dá-se as mãos
solenemente, enquanto a luz diurna entra pela
janela e revela os detalhes desse ambiente. O
ponto máximo, no entanto, está no espelho
circular sobre a parede do fundo, cuja superfície
curva reflete tanto a cena que vemos, quanto o
Fonte: GIORGIONE OU TIZIANO, 2009 p.53
que se passa diante do casal. Já na figura 12, o
humanismo se faz presente pelo retrato fiel de
• o classicismo, isto é, a valorização da
dois homens, em situações distintas. Na verdade,
cultura clássica greco-romana, que
trata-se de um retrato de dois estados da alma
serviu
humana, diante da experiência do amor. No
renascentistas.
de
modelo
aos
artistas
primeiro plano, o jovem, envolto em penumbra,
apóia a cabeça sobre a mão, posição do
Devido à escassez de material, a ligação
tal
entre o Renascimento e a Antiguidade Clássica
justamente nesses anos. A laranja selvagem,
devia ser construída não somente a partir do que
agridoce, que ele segura, é o emblema dessa
restara daquele período, mas principalmente a
experiência.
luz,
partir de um imaginário do antigo que a nova
contracena um outro jovem, com semblante
época havia fabricado. Dessa maneira, as
assertivo e risonho, representando outra faceta da
esculturas provenientes da Antiguidade passaram
dimensão amorosa.
a representar para os artistas renascentistas, o
melancólico
que
Ao
se
configura
fundo,
envolto
como
em
modelo e o caminho natural de perfeição a ser
Figura 11- O retrato do casal Arnolfini é uma das pinturas
que demonstram a valorização do homem, com a
representação de um interior burguês
perseguido.
Quando observamos as esculturas romanas
antigas (FIG. 13 e FIG. 14) e as renascentistas
(FIG. 15), essa característica se torna evidente.
Sem as devidas legendas, é muito difícil dizer
qual escultura é a antiga e qual é a renascentista,
tamanha a similaridade entre elas.
Fonte: JAN VAN EYCK, O casal Arnolfini. 2009 p.24)
172
Figura 13 – Estátua romana
• o naturalismo, isto é, a valorização da
natureza, dos fenômenos naturais, das
coisas que cercam o Homem. A
valorização da natureza é um reflexo da
valorização do Homem, pois ele vive na
natureza, que merece ser estudada,
conhecida
e
dominada
em
seu
benefício. O naturalismo renascentista é
manifesto nas obras artísticas e no
grande desenvolvimento científico que
ocorreu no período.
Na figuras a seguir, o naturalismo se
evidencia pela preocupação em retratar uma
Fonte: PRAXÍTELES, p.62
paisagem
natural
pura,
com
detalhes
da
vegetação e até mesmo da tempestade que se
aproxima (FIG. 16); e ainda pelo grande interesse
Figura 14 - Estátua romana Figura 15 – Estátua renascentista.
Repare como é semelhante à
escultura romana da figura 13.
em conhecer as formas, as composições e o
funcionamento
das
diversas
engrenagens
existentes na natureza. Leonardo Da Vinci é um
dos personagens renascentistas que se destaca
nessa área. Impulsionado por um espírito
científico, ele se dedica a observar e desenhar
plantas, a estudar a anatomia humana e animal, e
a projetar máquinas (FIG. 17).
Figura 16 – Expressão viva do naturalismo renascentista
Fonte: MICHELANGELO, 2009. p.34
Fonte: GIORGIONE, 2009 p.48
173
Figura 17 – Estudos de anatomia de Leonardo da Vinci.
Uma das manifestações mais específicas do naturalismo
renascentista.
Fonte: TIZIANO. 2009 p.54
• racionalismo, ou seja, a valorização das
possibilidades ilimitadas da razão humana
Fonte: LEONARDO DA VINCI, 2009. p.80
em atingir a verdade nas áreas científicas e
religiosas.
• individualismo e o antropocentrismo, que é
a colocação do homem como o centro de
Em oposição à aceitação confirmada das
todos os fenômenos importantes da cultura,
“verdades” e da realidade impostas pela Igreja,
ao lado das realizações humanas que estão
na primeira fase da Idade Média, tem-se, com o
acima de todas as coisas.
período renascentista, uma valorização extrema
do raciocínio lógico e das possibilidades da razão
Este é um traço marcante em todas as obras
humana
em
conhecer
os
mais
diversos
renascentistas. A maior parte delas inspiram-se em
fenômenos da natureza. Generaliza-se, então,
feitos humanos e foram concretizadas para
nesse momento, o costume de observar os
benefício e glória dos homens. A grande
fenômenos
quantidade de retratos humanos pintados é uma
racionalmente e relacionando-os com fenômenos
confirmação dessa característica. (FIG. 18)
já conhecidos. O resultado de tudo isso, foi o
Figura 18 – Retratos de pessoas da época renascentista.
Expressão do individualismo
da
natureza,
explicando-os
desenvolvimento das ciências em geral e o
estabelecimento
de
um
fértil
período
de
descobertas científicas, conforme veremos a
seguir.
Fonte: GIOVANNIBELLINI. 2009 p.55.
174
Figura 19 – A valorização da capacidade humana de estudar
e compreender o que acontece ao seu redor é retratada nessa
imagem, pintada no teto de um palácio de Florença
Figura 20 – Na concepção antiga, os objetos se tornavam
visíveis porque eram atingidos por partículas emitidas de
nossos olhos, em uma clara tendência de colocar o homem
em papel de destaque
Fonte: MÁXIMO; ALVARENGA, 1997, p.707.
Sendo o homem colocado nessa posição
de destaque, seria natural que o local no qual ele
vivesse
também
desfrutasse
de
posição
privilegiada no cosmos. A Terra, portanto, era
vista como uma coisa vasta e sólida sendo então
Fonte: GIORGIO VASARI, 2009 p.42
colocada em repouso no centro do universo, com o
1.2) Principais descobertas
Sol e o céu estrelado, considerado uma esfera leve
e etérea, se movendo suavemente em torno dela.
Com
O conjunto de transformações descritas
o
início
das
transformações
acima não ficou restrito ao campo da política, da
relatadas no item anterior, toda essa concepção
economia, da sociedade e da cultura. Na verdade,
de mundo e de Homem, capaz de se relacionar
se refletiu na maneira de pensar do homem dessa
com
época que, sendo um ser que vive em sociedade,
conhecimento,
acaba por incorporar novas idéias, atitudes e
questionada, ampliada e modificada.
pensamentos acerca das coisas que o rodeiam.
a
natureza
e
começa
de
a
produzir
ser
algum
contestada,
O grande motor propulsor de toda essa
Antes de todas essas modificações pelas
transformação foi, certamente, a publicação, em
quais a Europa passou, a tendência do homem
1543, do De Revolutionibus orbium celestium, de
medieval era de se colocar em uma posição mais
Nicolau Copérnico (FIG.21-a).
importante e significante, sendo que a própria
natureza física e todo o mundo da natureza
Nessa obra, o astrônomo defende as
seguintes teses:
existiriam para o seu benefício. Dessa maneira,
1) o mundo deve ser esférico;
quando o homem observava um objeto distante,
2) a Terra deve ser esférica;
por exemplo, algo partia de seus olhos para o
3) com a água, a Terra forma uma única
objeto, e não do objeto para seus olhos (FIG. 20).
A chuva caía porque beneficiava as culturas dos
homens.
esfera;
4) o movimento dos corpos celestes é
uniforme, circular e perpétuo ou então
composto de movimentos circulares;
175
5) a Terra se move em um círculo orbital
Copérnico a propor essa nova e revolucionária
em torno de seu centro, girando também
teoria? Que fatores contribuíram para isto? Teria
sobre o seu eixo;
sido ele iluminado por Deus para propor tamanha
6) comparados com a dimensão da Terra, é
mudança no cosmo?
A resposta a essas perguntas pode ser
enorme a vastidão dos céus;
7) a Terra, assim como os demais planetas,
gira ao redor do Sol (FIG.21-b)
Figura 21-a: Nicolau
Copérnico (1473-1543),
astrônomo polonês que
revolucionou o mundo
ao afirmar que o Sol era
o centro do universo.
Figura 21-b:
Representação do sistema
de Copérnico. O Sol ao
centro, “sentado no trono
real”, e os demais
planetas girando ao seu
redor, em órbitas
circulares
encontrada no ambiente intelectual e histórico
vivenciado pelo astrônomo, àquela época.
Conforme
mencionado anteriormente,
vivia-se a época da Renascença, da revolução
comercial, da ascensão da burguesia, das viagens
ultramarinas e das descobertas de continentes
desconhecidos
e
civilizações
ainda
não
estudadas. Os limites do conhecimento humano,
de uma hora para outra, se tornavam pequenos e
insuficientes perante a constante ampliação de
seus horizontes. Locais distantes do continente
europeu mostravam-se densamente povoados e
instigavam indagações a respeito da certeza de a
Fonte: HAWKING, 2005, p. 12 e p.26.
Europa ser o centro de importância do universo.
Nesse burburinho de idéias e concepções
Para a grande maioria dos historiadores
novas, algumas das quais estranhas e radicais,
da ciência, a teoria copernicana subverteu o
não é difícil para Copérnico sugerir que uma
mundo. Não por apresentar idéias unicamente
nova mudança, talvez até maior do que as que
inovadoras e diferentes. Na verdade, Copérnico
outrora haviam ocorrido, devesse ser executada:
mantém alguns aspectos do velho mundo,
o deslocamento do centro astronômico da Terra
principalmente a idéia de que a forma perfeita é a
para o Sol.
esférica e o movimento perfeito e natural é o
Paralelamente
a
isso,
tem-se
a
circular. O que, de fato, torna a sua teoria
contribuição de alguns fatos relacionados à
revolucionária, é exatamente a coragem de mudar
própria
de caminho, de paradigma e, consequentemente,
momento, buscavam-se métodos capazes de
de impor ao mundo das idéias uma nova tradição
transformar equações complexas (quadráticas -
de pensamento. Tirando a Terra do centro do
x 4 e cúbicas - x 3 ) em equações equivalentes e
universo, Copérnico também retira o homem de
sua posição privilegiada no cosmos e coloca em
cheque questões referentes ao relacionamento do
Homem com o universo e com Deus.
Que razões, no entanto, teriam levado
história
da
matemática.
Naquele
mais simples. No entanto, até então, a geometria
sempre estivera muito ligada à álgebra, sendo que
a maneira empregada para a resolução de tais
equações utilizava argumentos e representações
geométricas.
Algumas
equações
lineares
e
176
Figura 23 – Copérnico e a representação de seu sistema
heliocêntrico
quadráticas, por exemplo, eram resolvidas por
construções geométricas. Nesse sentido, a busca
por equações mais simples significava, em
termos geométricos, à redução de figuras
complexas a figuras mais simples (triângulos ou
círculos simples) que fossem equivalentes à
combinação mais elaborada substituída.
Lembrando que a astronomia, àquela
época, era vista como um ramo da geometria, não
foi difícil para Copérnico levar essa idéia da
redução de figuras mais complexas a figuras mais
simples, também para esta área do conhecimento.
O
astrônomo
descobre
e
prova,
matematicamente, que a complexa representação
Fonte 23 a: HAWKING, 2005. p. 12.
Fonte 23-b: FUNDAMENTOS DA HISTÓRIA DA
ASTRONOMIA, 2011
Fonte 23–c: FUNDAMENTOS DA HISTÓRIA DA
ASTRONOMIA, 2011
geométrica do sistema de Ptolomeu (com
Por fim, mas não menos importante, tem-
epiciclos, e deferentes) poderia ser reduzida a
se a influência e o choque de duas correntes
uma representação mais simples se o ponto de
filosóficas: o aristotelismo e o neoplatonismo. A
referência astronômico fosse transferido da Terra
primeira
para o Sol.
matemática e colocava a natureza como algo
minimizava
a
importância
da
fundamentalmente qualitativo, que deveria ser
Figura 22 – Representação do sistema de Ptolomeu. A Terra
ao centro e os demais planetas girando ao seu redor em
pequenos círculos (epiciclos) cujos centros se movem ao
redor da Terra, formado círculos maiores (deferentes)
explorada e interpretada por meio da lógica e não
por meio da matemática. A segunda, por sua vez,
que
vinha
ressurgindo
na
Europa
como
conseqüência do Renascimento e que sofria forte
influência dos pitagóricos, colocava o universo (e
a
natureza)
como
algo
fundamentalmente
geométrico e, por conseguinte, dotado de uma
harmonia
simples,
bela
e
estritamente
matemática. A Terra, na condição de corpo
pertencente
a
esse
universo,
era
também
fundamentalmente matemática em sua estrutura,
Fonte:
FUNDAMENTOS
ASTRONOMIA, 2011.
DA
HISTÓRIA
DA
o que legitimava a busca por uma interpretação
geométrica mais simples para os fatos.
Sendo
Copérnico
um
seguidor
do
neoplatonismo, fica evidente e completamente
justificada a sua escolha por este novo centro do
universo.
177
Verifica-se, dessa maneira, que não foi a
mente brilhante de Copérnico a única responsável
pela proposição de sua nova teoria. Uma série de
fatores externos, a maioria deles relacionados ao
contexto histórico, contribuíram e impulsionaram
a sua “descoberta”.
178
Texto 2 – A segunda fase da revolução
dentro do próprio clero.
científica: a fase das guerras de religião (1540
Figura 24 – A venda de indulgências era uma prática comum
realizada pela Igreja Católica
– 1650)
2.1)
Antecedentes históricos
A fase das Guerras de Religião, que se
estende de 1540 a 1650, é considerada como o
momento no qual começam a se sentir os
primeiros
resultados
das
transformações
Fonte: VENDA DE INDULGÊNCIAS, 2009.
ocorridas no período anterior. É marcada,
historicamente, pelas Guerras de Religião, isto é,
Sendo assim, quando se verifica o
por conflitos com contornos claramente políticos
renascimento do comércio e, junto com ele, o
e sociais, mas exteriorizados na forma de
surgimento da burguesia, se intensificam os
divergências religiosas, principalmente entre
atritos com a Igreja, uma vez que ela pregava a
católicos e protestantes.
Doutrina do Justo Preço, considerando o lucro
Na verdade, antes do início da fase do
um pecado e condenando ao inferno qualquer
renascimento, isto é, ainda no período de apogeu
homem que praticasse atividades lucrativas.
do feudalismo, a Igreja Católica era considerada
Além disso, a centralização política iniciada com
a instituição mais importante. O papa era tido
a aliança rei-burguesia, contribui para intensificar
como “o rei dos reis” e o seu poder não era
a desavença com a Igreja, já que os soberanos
rivalizado
O
perceberam que a consolidação do seu poder
patrimônio econômico da igreja era também
somente poderia, de fato, ser efetivada, mediante
enorme, com grandes extensões de terras férteis e
a eliminação da influência do papado.
por
nenhum
senhor
feudal.
riquezas sob a forma de obras de arte, ouro e
Foi nesse contexto que, em 1517, o
pedras preciosas. Além de deter o monopólio da
monge alemão Martinho Lutero publicou as suas
leitura e da escrita, a Igreja conservava uma
95 teses contra a venda de indulgências e a
língua própria, o latim, que era falado pelo clero
situação geral da Igreja. A resposta não demorou
em toda a Europa e considerado a língua culta
a chegar, sendo o monge excomungado da
por excelência. Diante desse quadro, a Igreja
instituição religiosa romana. Tal fato foi o
Católica, a partir do século XI, passa a ser
estopim para o início de uma série de revoltas
procurada por um contingente cada vez maior de
generalizadas da população alemã (príncipes,
pessoas
poucos,
nobres, burgueses e camponeses), conhecido
começaram a ser responsáveis por uma série de
como Reforma Protestante, que serviu ainda de
abusos e escândalos que denegriram o seu ideal
exemplo para outros questionamentos em locais
religioso.
diferentes (Calvino, em Genebra
sem
vocação
Eram
que,
comuns
as
aos
vendas
de
indulgências, de relíquias de santos (ossos,
roupas, etc) e o comércio de cargos vantajosos
VIII, na Inglaterra).
e Henrique
179
Figura 25 – Martinho Lutero
2.2)
Grandes descobertas
Três anos após a morte de Copérnico,
isto é, em 1546, tem-se o nascimento do
dinamarquês Tycho Brahe (1546- 1601) que,
sobretudo, destaca-se por ser um virtuoso
Fonte: CARNEIRO, Eduardo de Araújo; 2007.
observador
astronômico.
Diferentemente
da
A Igreja Romana não tardou a sentir o
prática comum de observação dos planetas
impacto do protestantismo e a perceber a
apenas quando em posições ou configurações
necessidade de ela mesmo se reformar, para fazer
favoráveis, Brahe desenvolveu e introduziu a
frente ao enorme impulso modificador que havia
prática de observá-los, a olho nu, enquanto se
retirado do seu controle aproximadamente a
moviam nos céus. Para tanto, construiu e
metade da Europa Ocidental.
desenvolveu
Surgem, então, a Contra-Reforma e a
Reforma Católica, que foram colocadas em
prática ao mesmo tempo. Dentre algumas
equipamentos
e
instrumentos
maiores e mais estáveis, com os quais obteve
medidas e resultados com alto nível de precisão.
Figura 26 – O astrônomo dinamarquês Tycho Brahe
medidas adotadas pela Contra-Reforma como
meio de se conter os avanços do protestantismo,
tem-se a organização e a fundação de ordens
religiosas (como a Companhia de Jesus) que
buscavam
um
profundo
revigoramento
da
espiritualidade e uma renovação do sentimento
religioso através de uma vida voltada para uma
Fonte: HAWKING, 2005. P. 100
maior e mais perfeita comunicação com Deus; e a
reorganização do Tribunal do Santo Ofício da
Figura 27 - Representação de Tycho Brahe trabalhando em
seu notável observatório, construído em 1576
Inquisição, que atuava na Europa, principalmente
na Espanha e em Portugal, desde a Idade Média,
julgando e punindo aqueles que fossem suspeitos
de heresia.
De um modo geral, as conseqüências
mais significativas da Reforma protestante para o
futuro da Europa e do mundo ocidental foram,
sem dúvida, a redução do poder do papa e o
conseqüente aumento do poder dos reis; e o
Fonte: BERGAMINI, 1970 p. 27.
abandono da doutrina do “justo preço”, que
permitiu à burguesia realizar as suas atividades
lucrativas sem quaisquer restrições.
No que diz respeito à aceitação dos
modelos astronômicos até então propostos, Brahe
180
é categórico ao afirmar: nem um, nem outro.
Para aquelas pessoas que não estavam
Percebe a exagerada complexidade do modelo
satisfeitas com o modelo de Ptolomeu, mas que
ptoleimaco e apregoa ser supérfluo recorrer a tão
também não tinham coragem e tampouco
numerosos epiciclos, mas também não aceita a
desejavam entrar em um confronto direto com a
idéia heliocêntrica de Copérnico. Na verdade,
Igreja Católica (haja visto o poder que tal
tentando evitar críticas e acusações de ordem
instituição ainda exercia sobre o pensamento da
teológica, principalmente em um momento
época), o modelo de Tycho Brahe passou a ser a
histórico marcado por contestações e guerras
escolha certa. Ele mantinha, tal como afirmara
religiosas, Brahe propõe a adoção de um outro
Ptolomeu, a Terra imóvel e no centro do universo
modelo (o modelo tychônico). Por ele, a Terra
era mantida imóvel e no centro do universo. Ao
seu redor, estariam girando o Sol, a Lua e as
estrelas fixas. O Sol, por sua vez, estaria no
centro do movimento de rotação dos demais
planetas (FIG.28).
Figura 28 – O sistema Tychônico
mas, em contrapartida, ao colocar os demais
planetas girando ao redor do Sol, acabava com a
necessidade
da
inclusão
dos
epiciclos
e
deferentes e, portanto, obtinha um sistema mais
simples, como apregoava Copérnico.
Em linhas gerais, o modelo de Tycho
Brahe mantinha as vantagens matemáticas do de
Copérnico, ao mesmo tempo em que evitava as
críticas de ordem religiosa. De uma certa
maneira, pode-se dizer este modelo também
proporcionou
transformação
das
idéias
astronômicas, uma vez que negou o sistema de
Ptolomeu, ao afirmar que a Terra não era o centro
das revoluções de todos os planetas.
Fonte: HAWKING, 2005, p.136
Foi somente no final do século XVI,
quase 50 anos após a morte de Copérnico, que o
Figura 28 - Identificação dos corpos integrantes ao sistema
tychônico
jovem astrônomo e matemático Johannes Kepler
(1571- 1630) retomou os estudos até então feitos,
inclusive os de Brahe, se transformando no
primeiro grande defensor da teoria heliocêntrica.
Figura 29 - O astrônomo alemão Johannes Kepler
Fonte: Tycho Brahe, 2009.
Fonte: HAWKING, 2005. p. 98.
181
Mas que fatores explicariam a sua opção
pelo copernicismo?
Novamente,
supersticiosos à sua ânsia matemática de
encontrar fórmulas precisas que pudessem ser
sido
confirmadas pelos dados, Kepler partiu da
um contexto histórico e
cogitação de que se o sistema de Copérnico era
filosófico semelhante ao experimentado por
verdadeiro, então deveriam existir muitas outras
Copérnico.
harmonias matemáticas no universo a serem
influenciado por
o
fato
de
ter
Aos vinte e dois anos, Kepler havia
abandonado a teologia e a idéia de seguir a
descobertas e que serviriam para confirmação do
copernicismo.
carreira eclesiástica. Apesar de ter origem
Com isso em mente e com base no estudo
protestante, Kepler não via fundamentos e razões
e na análise dos dados já disponíveis (alguns
para as lutas que se agravavam entre católicos e
deles obtidos ainda por Tycho Brahe), dedicou-se
protestantes, já que entendia que Deus havia feito
intensamente a procurar, determinar e formular
os homens nascerem livres para gozarem dessa
leis matemáticas que melhor explicassem o
liberdade, inclusive evangélica. Sendo assim,
funcionamento do universo, bem como as
resolve aceitar o convite para ensinar matemática
relações entre os corpos celestes. Desses estudos,
e, desde então, passa a se dedicar intensamente a
destacam-se:
estes estudos.
• a publicação, em 1596, do Mysterium
Nesse contexto, o pano de fundo
Cosmographicum,
através
do
qual
ele
neoplatônico, que justificava em grande parte o
assegura que o número de planetas, bem
desenvolvimento da matemática da época e cujas
como a dimensão de suas órbitas poderiam
idéias já haviam sido incorporadas ao modelo
ser
astronômico
a
matemáticas entre estas últimas e os cinco
convicção e a simpatia do jovem astrônomo e se
sólidos platônicos existentes (cubo, tetraedro,
transformou na fundamentação filosófica de todo
dodecaedro, icosaedro e ortoedro).
o seu pensamento.
outras palavras, as distâncias entre as órbitas
de
Copérnico,
conquistou
explicados
por
meio
de
relações
Em
Aliado a essa concepção, tem-se ainda
de cada um dos seis planetas guardariam
como razão para aceitar o copernicismo o fato de
certa semelhança com as distâncias que
ao Sol ser reservada uma posição central, de
seriam obtidas caso as esferas hipotéticas de
destaque, atitude que ia ao encontro das ânsias de
cada planeta fossem inscritas e circunscritas
Kepler. Apesar de ser um dos fundadores da
pelos sólidos platônicos.
ciência
moderna,
Kepler
cultivava
certos
pensamentos místicos e supersticiosos, com
especial destaque para a exaltação e valorização
do Sol. De acordo com o astrônomo, o Sol seria o
olho do mundo, o responsável por iluminar,
aquecer e mover todos os corpos do universo.
Combinando-se
os
elementos
182
Figura 30 - Modelo de Kepler relacionando as distâncias
orbitais dos seis planetas às distâncias obtidas pela inscrição
e circunscrição aos sólidos platônicos
permitiriam uma melhor adequação dos
dados matemáticos obtidos até então, com a
teoria.
Figura 31 – Representação da conhecida 1ª Lei de Kepler: os
planetas descrevem órbitas elípticas em torno do Sol, sendo
que este astro ocupa um dos focos dessa elipse
Fonte: HAWKING, 2005, p.104
Fonte: LEIS de Kepler, 2011.
• a descoberta e a divulgação
das três leis
matemáticas que regiam o movimento dos
corpos em torno do Sol. Diferentemente do
que se possa pensar, tais leis não tinham
especial importância para Kepler, visto que
eram
consideradas
algumas
dentre
apenas
as
como
diversas
mais
relações
matemáticas por ele obtidas, quando se
considerava válido e verdadeiro o modelo de
Copérnico. Em contraste com o que se
observa nos trabalhos científicos posteriores,
não há grandes preocupações com as
utilidades futuras dessas descobertas. O
objetivo central era encontrar as harmonias
matemáticas no modelo de Copérnico. No
entanto, tais leis e em especial a primeira, são
de fundamental importância no curso do
desenvolvimento do pensamento científico,
visto que significaram a ruptura com algumas
idéias herdadas do aristotelismo, já que o
movimento circular (considerado como a
expressão
da
perfeição)
deixa
de
ser
considerado. Em seu lugar, os planetas
descreveriam órbitas elípticas ao redor do Sol
(FIG.31), uma vez que estas trajetórias
Analisando
a
teoria
kepleriana
e,
principalmente, a maneira através da qual o
astrônomo encontra as suas verdades, podem-se
identificar algumas peculiaridades da filosofia
subjacente ao procedimento científico adotado
por Kepler.
Primeiramente, ele estabelece uma nova
concepção de causalidade para os fatos. Tal
concepção
estava
centrada
na
harmonia
matemática dos mesmos. Sendo assim, os fatos
observados comportavam-se daquela maneira,
porque obedeciam a uma harmonia matemática
que outrora fora estabelecida por Deus. Como
exemplo, pode-se citar a causa apresentada para o
fato de existirem seis planetas: os cinco sólidos
regulares são inseridos entre as esferas desses
planetas e, portanto, só poderiam existir seis
planetas.
Em segundo lugar, certamente como
conseqüência dessa nova noção de causalidade,
tem-se uma modificação na idéia de hipótese
científica. Se a causa de qualquer fato observado
está fundamentada na harmonia matemática,
então qualquer tentativa de explicação desse fato,
183
por meio do levantamento de hipóteses, deve
Figura 32 – O astrônomo italiano Galileu Galilei (15641642)
conter, obrigatoriamente, um enunciado referente
a esta harmonia matemática, isto é, um enunciado
que revele a conexão matemática e racional
daquilo observado. Caso contrário, a hipótese em
questão não poderá ser considerada verdadeira.
Além disso, essa hipótese deve ser passível de
verificação exata no mundo observado.
Por fim, tem-se a elaboração de uma
nova doutrina do conhecimento, que estabelece
Fonte: HAWKING, 2005, p.50.
que o conhecimento certo e verdadeiro do
universo e dos fenômenos que nele se observam é
Fortemente influenciado pelas condições
aquele que pode ser traduzido, expresso e
ambientais gerais vivenciadas na época, e
evidenciado em quantidades. A quantidade passa,
também pelos resultados obtidos diretamente de
então,
característica
suas próprias realizações e pesquisas, Galileu
fundamental ou a qualidade primária de todas as
também foi um adepto e defensor convicto do
coisas,
sistema de Copérnico.
a
ser
sendo
considerada
a
única
a
capaz
de
ser
verdadeiramente conhecida pelo pensamento
A atribuição de movimento à Terra,
humano. Todas as demais qualidades mutáveis e
impulsionou-lhe a estudar mais cuidadosa,
superficiais não são reais e, portanto, não existem
minuciosa e matematicamente, os movimentos de
de maneira tão verdadeira.
pequenas partes da Terra e também dos corpos
De modo geral, pode-se afirmar que essas
nela existentes, permitindo-lhe a descoberta das
modificações nas concepções de causalidade,
causas de alguns fenômenos naturais (como o da
hipótese científica, realidade e conhecimento são
queda livre), que não poderiam ser explicados
as contribuições filosóficas mais importantes de
com base no modelo ptoleimaco até então aceito.
Kepler e que, conforme veremos posteriormente,
A construção e a utilização do telescópio (FIG.33
servirão como base sólida e fértil para o
e 34) também foram fatores decisivos para a
desenvolvimento dos estudos científicos de
descoberta:
Newton.
• de que a superfície da lua não é lisa e polida
Finalizando esse período de grandes
mas cheia de imperfeições, montanhas,
descobertas da segunda fase da revolução
crateras e sinuosidades, tal como a superfície
científica
da Terra. Esta constatação é de extrema
contribuições
têm-se
do
as
importantíssimas
astrônomo
italiano
e
importância, visto que derruba a necessidade
contemporâneo de Kepler, Galileu Galilei (1564
de qualquer distinção entre corpos celestes e
– 1642).
terrestres, que era um dos pilares da teoria
aristotélica-ptolemaica;
184
• da existência de quatro satélites girando ao
Figura 33 – O telescópio de Galileu
redor de Júpiter, um evento de tremendas
conseqüências para os simpatizantes do
geocentrismo, que acreditavam que todos os
corpos celestes se moviam exclusivamente ao
redor da Terra. Na verdade, este fato
proporcionou a Galileu uma visão, no céu, de
modelo em escala reduzida do sistema de
Fonte: TELESCÓPIO DE GALILEU, 2009.
Copérnico;
• das manchas solares que, diferentemente do
Figura 34 – Galileu mostra o seu telescópio para autoridades
que sustentava a concepção aristotélica,
comprovaram que o Sol também sofre
alterações e mutações;
• das fases de Vênus que, em particular
semelhança
com
as
fases
da
Lua,
evidenciaram que todos os planetas recebem
luz solar e, portanto, são corpos de natureza
escura.
Fonte: HAWKING, 2005, p.88
Todas essas constatações contribuíram
definitivamente para jogar por terra a teoria
Assim como acontecera a Copérnico e a
geocêntrica, fortalecendo a visão heliocêntrica do
Kepler percebe-se, também em Galileu, a forte
universo.
afirmam
influência das idéias filosóficas neoplatônicas
historiadores da ciência, ao levar o telescópio
que versam, como já mencionado anteriormente,
para dentro da ciência e utilizá-lo como
sobre a existência de um universo e de uma
instrumento
dos
natureza fundamentalmente geométrica e, por
sentidos, Galileu supera todo um conjunto de
conseguinte, dotada de uma harmonia simples,
paradigmas
bela e estritamente matemática.
Além
disso,
científico
e
segundo
potencializador
obstáculos
epistemológicos
(existiam na época arraigados preconceitos na
Em Galileu, esta idéia de uma natureza
ciência acadêmica com relação ao emprego de
simples e ordenada, que age segundo leis
lentes, já que supunha-se enganarem os olhos)
imutáveis,
que dificultavam o avanço de pesquisas e a
matemáticos e geométricos é ainda atribuída à
confirmação
este
existência de um Deus que atua tal qual um
instrumento em um “elemento decisivo do saber”
inventor mecânico e geômetra, criando os átomos
de
teorias e
transforma
fundamentadas
em
princípios
e permitindo que uma sucessão de movimentos
(junções
e
matemáticas,
separações)
expliquem
com
os
características
mais
fenômenos observados na natureza.
diversos
185
A
diferença,
no
entanto,
entre
que devem se dar na realidade. Estes dois
conhecimento de Deus e o dos homens estaria no
elementos, no método galileano, se integram e se
fato de o primeiro ser completo e imediato, e o
corrigem
segundo parcial e lento, exigindo esforços para
demonstração podem surgir experiências sensatas
ser verdadeiramente apreendido.
e vice-versa. Vale ressaltar ainda que dentro das
mutuamente,
visto
que
de
uma
É exatamente essa base religiosa que
experiências sensatas podem-se encontrar os
permitiu a Galileu afirmar que as passagens
experimentos exeqüíveis e os experimentos
controversas
inexeqüíveis,
das
Escrituras, cujas diversas
também
ditos
experimentos
interpretações evidenciam a dificuldade dos
mentais. Estes últimos, que são aqueles que
teólogos em conceber certezas, precisariam ser
deveriam ser realizados em condições nas quais
explicadas à luz da ciência. As discussões em
não podem ocorrer (desprezando-se a resistência
torno de um fenômeno natural deveriam,
do ar, por exemplo), se tornaram uma marca do
portanto,
raciocínio de Galileu, que os empregou sempre
iniciar-se
por
experiências
e
demonstrações e, não, pela autoridade das
como um método de
Escrituras.
Aristóteles.
crítica às idéias de
Nesse contexto, na filosofia de Galileu,
E é exatamente pela aplicação desse
assim como na de Kepler, as demonstrações
método que Galileu consegue não apenas
matemáticas adquirem papel de destaque, sendo
explicar os fenômenos naturais como, também, se
consideradas um meio efetivo para se desvendar
sente encorajado a publicar o seu livro Diálogo
os mistérios da natureza. Um outro meio válido
sobre os dois máximos sistemas do mundo,
nesse processo de descoberta e explicações dos
ptoleimaco e copernicano, fato que ocorre no ano
fenômenos naturais é, para o astrônomo, o das
de 1632. Escrito em italiano e não em latim (já
observações e experimentações. Não é à toa que
que isto era uma maneira de facilitar a difusão
Galileu passa a ser considerado o pai do método
das idéias, uma vez que somente a Igreja Católica
experimental. Ele desenvolve, com base nos
detinha o monopólio da escrita e da leitura em
princípios
latim) e organizado na forma de diálogo entre
acima,
um
método
de
análise,
observação e explicação da natureza.
três personagens (Simplício, representante da
De um modo geral, este método baseia a
filosofia aristotélica; Salviati, cientista defensor
ciência na experiência, sendo constituído de dois
da teoria copernicana e, certamente, a figura
elementos principais: as “experiências sensatas” e
representativa do próprio Galileu e Sagredo,
as “demonstrações necessárias”. As primeiras são
representante do povo, aberto para a novidade,
as experiências efetuadas através de nossos
mas que deseja conhecer as razões de ambas as
sentidos,
das observações,
partes), este tratado se configura como uma obra
especialmente as feitas com os nossos olhos. As
de crítica e combate à filosofia aristotélica e
segundas, por sua vez, são as argumentações nas
apresenta ao mundo uma nova maneira de pensar.
isto é, através
quais, partindo-se de uma hipótese, se deduzem
rigorosa e matematicamente as conseqüências,
186
Figura 35 – Página de título de Diálogo sobre os Dois
Máximos Sistemas do Mundo. Os três interlocutores de
Galileu, da esquerda para a direita, são: Sagredo, Simplício e
Salviati
áreas, subverteram a imagem do próprio ser
humano e do mundo que o cerca. A expansão do
mundo burguês e o desenvolvimento da física,
que encontra na matemática a sua forma de
expressão, se apresentam como as características
principais de uma realidade em transformação.
Nesse contexto, a atividade filosófica
aparece com um novo propósito: ela se desdobra
como reflexão, cujo pando de fundo é a
existência dessa ciência.
Com efeito, a revolução científica, ao
Fonte: ORSI, Carlos; 2011.
quebrar os alicerces do aristotelismo provoca, nos
novos pensadores, o receio de se enganar
Como já era de se esperar, a reação da
novamente. A procura de evitar o erro, faz surgir
Igreja Católica foi imediata. Galileu, que já havia
a principal indagação do pensamento moderno: a
tido as suas publicações proibidas pelo Santo
questão do método, que se traduz tanto pelo
Ofício da Inquisição, é agora obrigado a abjurar
conhecimento do ser, quanto no problema do
as suas teses e, em seguida, condenado à prisão
conhecimento (teoria do conhecimento).
perpétua. Inicialmente, é conduzido a uma prisão
Até então, os filósofos não colocavam
domiciliar, sob a guarda de um de seus ex-alunos.
em dúvida a realidade do mundo. Agora, na
Diz-se que foi exatamente nesse período (após
Idade Moderna, o pólo de atenção é invertido,
1632) que ele retomou os seus estudos, iniciando
com o deslocamento da questão do conhecimento
a
escrita
do
Discursos
e
demonstrações
matemáticas sobre duas novas ciências, onde
para o sujeito.
Filosoficamente,
sabe-se
que
o
ressalta as suas descobertas na área da física,
conhecimento decorre da idéia que o sujeito tem
instituindo um marco na história da ciência. A
de determinado objeto. Mas surge agora, uma
publicação de tal livro só ocorre em 1638 (quatro
nova questão: qual é o critério de certeza de que
anos antes da morte de Galileu), na Holanda,
dispõe o homem, para saber se o seu pensamento
aonde haviam chegado clandestinamente, visto
concorda com o objeto? Em outras palavras,
que as obras de Galileu ainda estavam proibidas,
como fazer para ter certeza de que aquilo que
pelo Índex da Igreja Católica.
penso corresponde, de fato, à realidade?
As soluções apresentadas dão origem à
2.3)
O pensamento filosófico à época da
duas correntes filosóficas, o empirismo e o
revolução científica
racionalismo, cujos maiores representantes são,
respectivamente, o filósofo inglês Francis Bacon,
Conforme visto anteriormente, todas as
transformações descritas nas mais diferentes
e o francês René Descartes.
187
produzidas precipitadamente e a partir de poucos
2.3.1) Francis Bacon (1561-1626)
e
Considerado
o
“filósofo
da
época
industrial” (uma vez que viveu na Inglaterra no
período
caracterizado
pela
passagem
do
catolicismo ao protestantismo e por uma rápida
expansão do setor industrial), Bacon dedicou
grande parte do seu tempo a refletir sobre o
conhecimento e sobre a melhor maneira de
colocá-lo a serviço do homem. Para ele, a ciência
deveria dar frutos na prática, isto é, o
conhecimento por ela produzido deveria ser
capaz de promover melhorias nas técnicas e nas
condições da vida humana.
Nesse sentido, e para que o conhecimento
cumpra a sua finalidade de se colocar a serviço
do homem, Bacon se esforçou por estabelecer um
método que permitisse uma compreensão mais
correta dos fenômenos e das verdades a eles
subjacentes. Esse método, que se revela na obra
Novum Organum (Novo Órgão), era constituído
de duas etapas.
Figura 36 – O filósofo inglês Francis Bacon (1561 – 1626)
insuficientes
exemplos,
nem
sequer
se
aproximam da realidade. De uma maneira
didática, Bacon diz existirem quatro tipos de
ídolos:
• os ídolos da tribo, ou seja, as falhas inerentes
a todo ser humano e decorrentes de
interpretações equivocadas tanto de seus
sentidos quanto de seu intelecto;
• os ídolos da caverna, da gruta particular de
cada um e que, portanto, estão relacionados
aos erros cometidos em decorrência da
individualidade de cada estudioso, isto é, da
sua história de vida, do seu ambiente, de sua
formação, dos seus hábitos, dos seus
objetivos ao iniciar determinado estudo;
• os
ídolos
do
foro,
isto
é,
as
falhas
provenientes dos contatos recíprocos entre os
seres
humanos
e
que,
portanto,
são
decorrentes da linguagem que usamos e da
comunicação estabelecida;
• os ídolos do teatro que correspondem às
distorções
introduzidas
no
pensamento
advindas da aceitação de falsas teorias,
axiomas ou sistemas filosóficos.
Uma vez libertado o intelecto humano de
todos estes ídolos, Bacon afirma ser o momento
de o homem encaminhar-se para o verdadeiro
estudo da natureza por meio de um método por
ele proposto e intitulado de método da indução.
Tal método funciona como um procedimento de
pesquisa composto por duas partes. A primeira
Fonte: BACON, 2011.
Inicialmente, a mente humana deveria ser
libertada dos ídolos, isto é, das falsas impressões
que invadiram o intelecto e que, em geral,
consiste em extrair e fazer surgir os axiomas da
experiência, e a segunda em deduzir e derivar
novos experimentos dos axiomas.
Nesse sentido, deve-se construir uma
rede de investigações e um rico conjunto de
188
técnicas experimentais, capazes de permitirem a
Figura 37 – O filósofo francês René Descartes, representante
do racionalismo
realização de um grande número de experiências
ordenadas. Se, no entanto, durante a pesquisa de
uma determinada natureza, o intelecto humano se
encontrar em dúvida e inseguro quanto uma ou
outra decisão, Bacon sugere seja realizado o
chamado “experimentum crucis”, isto é, aquele
capaz de efetivamente permitir a confirmação de
Fonte: HALS, 2007.
uma teoria e a eliminação de outra.
Em síntese, esse método baconiano que
O filósofo só interrompe a sua cadeia de
busca a eliminação da mente humana das falsas
dúvidas diante do seu próprio ser que duvida. Se
idéias (os ídolos) e que incentiva a investigação e
ele duvida, pensa; se pensa, existe. “Penso, logo
a realização de experimentos exercerá influência
existo”.
histórica e decisiva sobre aqueles que seriam os
A existência do pensamento humano é,
seus seguidores e continuadores, com especial
dessa maneira, estabelecida como a primeira
destaque para Isaac Newton.
verdade indubitável
conseqüência
2.3.2) René Descartes (1596 -1650)
disso,
para
Descartes.
tem-se
um
Como
segundo
princípio, também verdadeiro: o da existência de
Deus. Com efeito, o pensamento que temos do
Inserido
nesse
contexto
de
“objeto” Deus, é o de um ser perfeito. No
transformações que assolaram o pensamento
entanto, pela primeira verdade, se ele é perfeito,
europeu no decorrer do movimento da Revolução
deve ter a perfeição da existência, senão lhe
Científica, René Descartes se preocupa com o
faltaria algo para ser perfeito. Por tanto, Deus
problema do conhecimento.
existe.
De um modo geral, o filósofo tem como
Assim, a existência do pensamento
ponto de partida a busca de uma verdade primeira
humano e a existência de Deus são as duas
que não possa ser colocada em dúvida. Por isso,
verdades ou princípios inicialmente estabelecidos
converte
Começa
e dos quais deriva toda a filosofia de Descartes.
duvidando de tudo, das afirmações do senso
Partindo da idéia de que pensa, e só com as suas
comum, dos argumentos da autoridade, das
próprias forças, Descartes acredita ser possível
percepções proporcionadas pelos sentidos, da
descobrir todas as verdades possíveis.
a
dúvida
em
método.
realidade do mundo exterior, etc.
Se a dúvida foi o ponto de partida para
que Descartes estabelecesse esses dois princípios,
o método de raciocínio por ele empregado nesse
processo foi o matemático. Isso não significa
aplicar a matemática no conhecimento do mundo,
mas usar o tipo de conhecimento que lhe é
189
peculiar, inteiramente dominado pela inteligência
e baseado na ordem e na medida, para estabelecer
as cadeias de razões.
A ênfase na dúvida e a aplicação do
método matemático de raciocínio traduzem,
portanto, a maneira pela qual a razão é capaz de
chegar a verdades claras e distintas evitando-se,
assim, os erros.
190
Texto 3 – A terceira fase da revolução
detinham nos Estados Nacionais. À medida que
científica: a fase da restauração (1650 -1690)
os monarcas aumentavam os seus poderes, a
participação do povo no governo ia diminuindo,
até que os Parlamentos chegaram a desaparecer
3.1) Antecedentes históricos
quase totalmente, e as leis se tornaram atribuição
A fase da Restauração, que se estende de
exclusiva dos soberanos.
1650 a 1690, é considerada como um período de
A partir daí, a centralização que existia
compromissos e transformações no campo da
no Estado Nacional foi se tornando excessiva até
política.
pelo
que se hipertrofiou. A essa hipertrofia do poder
estabelecimento do Absolutismo como a nova
real é dado o nome de absolutismo, ou seja, o
estrutura
absolutismo
É
marcada,
historicamente,
político-administrativa
européia,
é
uma
estrutura
político-
resultante de todo o processo de modificação
administrativa na qual todos os poderes são
econômica, política, social e ideológica que teve
exercidos indiscriminadamente pelos reis, muito
início em fins da Idade Média.
além do poder existente nos Estados Nacionais.
textos
O absolutismo criou um novo tipo de
anteriores, o período de transição da Idade Média
Estado, o Estado Moderno, denominação dada a
para a Idade Moderna, foi marcado por um
todos os Estados Nacionais que se tornaram
movimento gradual de centralização do poder nas
absolutistas.
Como
já
mencionado
nos
mãos dos reis, que culminou com a formação dos
Estados
Nacionais.
No
entanto,
nessas
Como se evidenciou, a origem do
absolutismo
pode
ser
buscada
nos
instituições políticas, o poder do rei era limitado.
acontecimentos que marcaram o fim da Idade
A aliança com a burguesia, o forte poder político
Média. Entretanto, antes de tudo, o absolutismo
exercido pela Igreja e ainda a existência de
foi uma evolução natural da estrutura política
assembléias populares, restringiam o poder real.
européia e não uma imposição de reis despóticos.
Com o início da Reforma Protestante,
Numa época de grande instabilidade em que a
entretanto, muitos reis, para se verem livres da
ordem e a segurança são desejadas, o absolutismo
interferência
religiões
foi desejado pelo povo, pregado nas igrejas,
protestantes como religiões oficiais de seus
pretendido pela burguesia e teorizado por
Estados, o que lhes reforçou o poder.
pensadores.
da
Também
Igreja,
o
adotaram
expansionismo
marítimo
europeu, que aumentou a riqueza dos reis, e a
colonização da América, que consolidou o poder
internacional dos Estados, contribuíram para que
o
poder
dos
reis
fosse
aumentando
gradativamente até que eles passaram a controlar
todas as atribuições que existiam dentro do
Estado, muito além dos poderes que eles
191
Figura 38 – O absolutismo encontra na figura do rei, a sua
grande representação
Figura 39 – Isaac Newton é visto pelos historiadores da
ciência, como o homem que levou a revolução científica ao
seu termo
Fonte: HAWKING, 2005, p. 146.
Em termos filosóficos, vimos que a
Fonte: BUTLER, 2009, p. 9.
Revolução
Científica
proporcionou
o
aparecimento de duas correntes filosóficas: o
3.2) A revolução científica e a maneira de
pensar de Newton
racionalismo (de Descartes) e o empirismo (de
Francis Bacon). Estas correntes influenciarão
toda a produção do conhecimento científico da
Conforme descrito no capítulo anterior,
o período da Revolução Científica (que se
Idade Moderna e, portanto, servirão como base e
fundamentação para o método de Newton.
estende do final do século XV ao início do século
XVII) caracteriza-se por um conjunto de intensas
modificações e transformações no modo de
Mas quais seriam então, as características
desse método newtoniano de observação e
análise da natureza?
pensar e na maneira de conceber a produção do
conhecimento científico e a relação homemnatureza. Todas essas modificações foram,
gradualmente,
marcando
épocas
distintas,
influenciando filósofos e preparando o cenário
para que o inglês Isaac Newton (1642 – 1727) e
todos os demais cientistas dos séculos seguintes
Por ser Newton o herdeiro natural das
duas correntes filosóficas mais eminentes àquela
época (a empírica e experimental, e a dedutiva e
matemática), o seu método de análise e
interpretação dos fenômenos apresenta dois
aspectos bem fortes e definidos: um matemático e
outro experimental.
tivessem condições de formular e estabelecer
novas teorias a respeito dos fenômenos da
natureza. Na verdade, Newton é tido pelos
historiadores da ciência, como o homem que
levou a revolução científica ao seu termo.
Assim como Copérnico, Kepler, Galileu
e
Descartes,
Newton
também
atribuiu
à
matemática um papel de grande significação. Já
pelo próprio título dado ao seu famoso livro “O
Principia” (Princípios matemáticos da filosofia
natural), fica evidente a sua constante esperança
192
de que todos os fenômenos naturais pudessem,
maneiras específicas de raciocínio, que traduzem
por fim, ser explicados por meio de argumentos e
toda uma visão peculiar sobre a natureza, a
demonstrações
matemáticas.
estrutura do universo, o modo como se deve
diferentemente
de
seus
No
entanto,
antecessores
que
investigar e, mais ainda, o que se deve procurar.
acreditavam que todos os segredos do mundo
Conhecidas
como
podiam ser completamente desvendados pelos
newtoniana,
métodos matemáticos, Newton afirmava que
seguinte maneira:
podem
as
regras
ser
da
filosofia
caracterizadas
da
[...] o mundo é o que é; enquanto leis
matemáticas
exatas
puderem
ser
nele
descobertas, ótimo; de outra forma, nós teremos
de buscar a expansão da nossa matemática, ou
contentarmo-nos com algum outro método.
Regra I: “Não devemos admitir mais causas para
as coisas naturais do que as que são tanto
verdadeiras como suficientes para explicar as
suas aparências.” (REALE ; ANTISERI, 2007,
p.296).
(BURTT, 1983, p.171).
Figura 40 – O Principia de Newton, publicado em 1687, é
constituído de três livros. Nos dois primeiros, ele apresenta
os princípios básicos do movimento. No terceiro, ele aplica
esses princípios ao movimento dos planetas, cometas, Lua e
às marés
Em outras palavras, essa regra traduz a
idéia de que, na natureza, os eventos e os
fenômenos são, em sua essência, simples. Dessa
maneira, não há necessidade de se formular
hipóteses complexas para explicá-los.
Como uma consequência direta dessa
premissa, tem-se exatamente a regra II do
filosofar newtoniano, a saber:
Regra II: “Por isso, tanto quanto possível, aos
Fonte: HAWKING, 2005, p. 156.
mesmos efeitos devemos atribuir as mesmas
causas” (REALE ; ANTISERI, 2007, p.296).
E este outro método, ao qual ele se
refere, é o empírico ou experimental. Em Ótica:
Na verdade, essa regra traduz a idéia da
um tratado das reflexões, refrações, inflexões e
uniformidade da natureza e permite a análise de
cores da luz (1704), por exemplo, a utilização de
fenômenos similares em locais e situações
tal recurso se mostra evidente. Escrito na forma
diferentes. Sendo assim, a compreensão de como
de definições, axiomas, proposições e teoremas,
a luz se reflete, por exemplo, na superfície da
este livro tem, nas palavras do próprio autor, as
Terra, permite que sejam feitas considerações a
demonstrações desses teoremas e proposições
respeito de seu comportamento na superfície dos
baseadas em demonstrações por experiências.
outros planetas. De modo análogo, pode-se
Além desse viés matemático-empírico de
demonstrações
de
fenômenos,
o
método
estabelecido por Newton também sugere regras e
estudar a questão da respiração no homem e nos
animais, ou ainda a queda de pedras na Europa e
na América.
193
A terceira regra também pode ser entendida
raciocínio com a característica matemática-
como parte do princípio da uniformidade e
experimental do método, é possível identificar,
apregoa que:
três etapas principais no método de Newton.
A primeira corresponde à simplificação dos
Regra III: “As qualidades dos corpos que
fenômenos pela realização de experimentos, de
não admitem aumento nem diminuição de grau
modo que se possa apreender e compreender que
e que se descobre pertencerem a todos os
características variam quantitativamente e de que
corpos no interior do âmbito dos nossos
experimentos
devem
ser
forma ocorre essa variação. Os conceitos
consideradas
fundamentais de refringência e de massa (para a
qualidades universais de todos os corpos.”
Física), assim como alguns princípios básicos da
(REALE ; ANTISERI, 2007, p.296).
refração, do movimento e das forças foram todos
Segundo Newton, como só é possível
assim obtidos.
conhecer as qualidades dos corpos através dos
Em um segundo momento, deve-se proceder à
experimentos, devem ser consideradas universais
elaboração matemática de tais proposições,
todas aquelas qualidades que se revelarem
geralmente com o auxílio do cálculo, até que se
concordantes em todos os experimentos e que
consigam estabelecer relações matemáticas entre
ainda não puderem ser diminuídas nem retiradas.
elas.
a
Por fim, mas não menos importante,
impenetrabilidade, o movimento e a inércia
devem ser realizados experimentos exatos mais
constituem,
aprofundados para:
Nesse
sentido,
a
para
extensão,
Newton,
a
as
dureza,
qualidades
universais ou fundamentais dos objetos.
Por fim, na sua regra final, Newton
•
verificar a aplicabilidade das deduções;
•
reduzir as deduções iniciais e particulares a
deduções mais gerais;
estabelece aquele que entende ser o único método
válido
para
alcançar
e
fundamentar
as
•
detectar a presença e determinar o valor de
quaisquer
proposições da ciência: o método indutivo.
causas adicionais (tais como as
forças, na mecânica) que possam passar por
Regra
IV:
“Na
filosofia
experimental,
as
proposições inferidas por indução geral dos
fenômenos
estritamente
devem
ser
verdadeiras
consideradas
ou
como
como
muito
próximas da verdade, apesar das hipóteses
contrárias que possam ser imaginadas, até quando
se verifiquem outros fenômenos, pelos quais se
tornem mais exatas ou então sejam submetidas a
exceções. (REALE ;ANTISERI, 2007, p.298)
Reunindo todas essas quatro regras de
um tratamento quantitativo;
•
sugerir, nos casos em que não se consegue
determinar uma explicação plausível para as
causas adicionais dos fenômenos, uma
expansão do aparato matemático.
Verifica-se, portanto, que no início e no
fim de toda etapa científica importante devem,
segundo Newton, ocorrer experimentações. Isso
porque este procedimento permite, não apenas a
descoberta das características que possam ser
expressas em linguagem matemática como,
194
também, a aplicação dessas relações descobertas
fenômenos. Segundo ele, Deus está na origem
a determinadas situações mais simples que
das coisas: fez o universo, o homem, e formou a
possibilitarão, por meio da indução matemática
matéria de que são constituídos os corpos. Além
(regra IV do filosofar de Newton), a previsão de
disso, Deus colocou todas as coisas em ordem e
seus efeitos em casos mais complexos. Trata-se,
em movimento e é o responsável por corrigir as
exatamente, do que Newton intitula de método da
suas possíveis perturbações e por manter todas as
análise e síntese.
coisas funcionando, em harmonia. A ordem do
É importante ressaltar ainda que, no
mundo, portanto, evidencia a existência desse ser
decorrer de todas essas etapas, e em especial nas
inteligente e poderoso que está na origem de
experimentais, Newton descarta a possibilidade
todos os fenômenos.
de levantar hipóteses. Em princípio, pode parecer
A verdadeira compreensão do método de
estranho que, em se tratando de experimentos,
Newton, no entanto, vai muito além do mero
não sejam elaboradas hipóteses. No entanto, por
estabelecimento da ordem correta para o emprego
hipótese, Newton compreende tudo aquilo que
da matemática ou das experimentações no
não
dos
processo de análise de um fenômeno. Na
fenômenos e, dessa maneira, exclui de seu
verdade, passa pela certeza de que Newton, na
método, toda e qualquer elaboração de hipóteses.
condição de um ser que estabelece relações com
As
particulares
o meio, se apóia na realidade e na ciência e na
deveriam, segundo ele, ser deduzidas dos
filosofia de seu tempo para fazer uso da
fenômenos
matemática e também para elaborar e realizar as
pode
ser
afirmações
deduzido
e
diretamente
proposições
através
das
observações
e
experimentações e, em seguida, tornadas gerais
pelo método da indução.
Pelo que foi descrito anteriormente,
percebe-se que o método de análise e síntese
desenvolvido por Newton procura estabelecer
explicações científicas satisfatórias para os
fenômenos
naturais
em
termos
de
como
acontecem, que grandezas estão envolvidas e
quais as relações matemáticas entre elas. As
questões referentes às origens ou às causas de
cada um desses fenômenos, no entanto, que não
podem ser extraídas diretamente das observações
e dos experimentos, não são exploradas por este
método da análise e síntese.
Na
argumentos
conseguir
verdade,
Newton
filosóficos
explorar
e
utiliza-se
teológicos
algumas
causas
de
para
dos
experimentações de que necessita.
195
Atividade 4 – O raciocínio de Newton frente
importante mencionar que antes mesmo de
ao fenômeno da dispersão da luz branca.
explicar o fenômeno da dispersão, Newton (com
base em seus trabalhos e em de outros cientistas)
a
já havia definido alguns termos e estabelecido
explicação dada por Newton para o fenômeno da
alguns axiomas relacionados à ótica, que
dispersão da luz branca (evidenciado na atividade
serviram de embasamento teórico para a sua
1) foi elaborada a partir de uma simples
teoria. Dentre eles, vale destacar a definição para
observação da passagem da luz através do
cor de uma luz
Algumas
pessoas
acreditam
que
prisma. No entanto, uma leitura mais atenta de
seus artigos publicados (em 1672) e do seu livro
Ótica (1704), nos revela que o caminho seguido
foi bem diferente: na tentativa de elucidar o
fenômeno, Newton realizou uma série de outros
experimentos e empregou argumentos teóricos,
baseados em suas idéias filosóficas a respeito do
universo e da natureza, conforme veremos a
Cores não são qualificações da luz derivadas de
refrações ou reflexões dos corpos naturais (como
é geralmente acreditado) mas propriedades
originais e inatas que são diferentes nos diversos
raios;
e a idéia de que
Raios com cores distintas apresentavam
graus de refringência também diferentes ou, seja,
seguir.
que cada raio com cor diferente, se refratava de
Texto I -
Fatos e experimentos que
antecederam a explicação da dispersão da luz
branca.
modo diferente.
Na
verdade,
essa
proposição
foi
formulada a partir de experimentações efetuadas
com prismas.
Para
a
correta
compreensão
dos
Em uma delas, Newton pegou um pedaço
argumentos utilizados por Newton na explicação
retangular de papel cartão preto, de lados
do fenômeno, é preciso ter em mente que todos
paralelos, e traçou uma reta perpendicular
os experimentos realizados e que toda a
(paralela ao lado de menor comprimento),
seqüência e o encadeamento lógico empregados
dividindo-o em duas partes iguais DHGF e FGEJ.
não ocorrem para Newton como em um passe de
Feito isso, pintou uniformemente uma das partes
mágica. Ao contrário, são elementos de um
com uma cor azul intensa (DFGH) e a outra com
processo de construção do conhecimento, para o
uma cor vermelha (FGEJ), também intensa. Em
qual contribuem os estudos feitos por outros
seguida, em um quarto escuro, deixou que a luz
cientistas e o avanço científico atingido até o
solar passasse pela janela e atingisse o cartão
momento.
colorido, que estava sendo por ele observado
através de um prisma. Repare que os lados
A) A relação entre cor e refração
maiores (DJ e HE) do cartão foram posicionados
paralelamente às arestas (aA, bB, cC) do prisma.
Diante das considerações anteriores, é
196
Figura 41 – Newton estuda as cores do cartão
(DE) para δε , tendo agora a parte azul (δγ )
mais abaixo do que a vermelha ( φε ). (FIG. 42)
Com base nessa observação, Newton
afirmou que as luzes que apresentam cores
diferentes, são também diferentes em graus de
refrangibilidade.3
Mas, por que será que Newton chegou a
essa conclusão?
Pela montagem do experimento, tem-se
Fonte: NEWTON, 2002.
que a luz solar atinge o cartão, sendo por ele
Figura 42 - Newton e a experiência com o cartão
refletida. Nesse processo, apenas as cores azul e
vermelha (que estão no cartão), são enviadas ao
prisma. Ao atravessar esse sólido, os raios
luminosos sofrem duas refrações: na passagem
do ar para o prisma e, deste, para o ar novamente.
O observador (no caso o próprio Newton) recebe,
então, os raios luminosos oriundos dessas
refrações e percebe uma imagem do objeto
iluminado (cartão).
Modificando-se o posicionamento do
Fonte: NEWTON, 2002.
prisma (para cima ou para baixo), verifica-se que
toda a imagem do cartão também é deslocada,
Agindo dessa maneira, Newton permitia
que a luz solar, ao atingir o papel, fosse refletida
e enviada diretamente para o prisma e, deste, para
o seu olho. Girando o prisma em torno de seu
eixo (que é uma reta imaginária que passa pelo
meio do prisma, sendo paralela às arestas aA, bB,
cC), o cientista observou que o papel visto
através do prisma parecia ter as suas cores
mas não de uma mesma maneira. A parte pintada
de
azul,
que
corresponde
à
imagem
proporcionada pelo raio luminoso que atingiu a
região azul do cartão e tem, portanto, cor azul,
apresenta-se sempre com um maior desvio (para
cima ou para baixo) do que a vermelha. Essa
diferença nos desvios é explicada por Newton,
como resultante de diferenças nas refrações. O
separadas. Quando o movimento rotacional era
para cima, todo o papel se deslocava para cima
(posição de), sendo que a metade azul atingia
uma posição mais elevada (dg) do que a
vermelha (fe). Por outro lado, quando a rotação
era
efetuada
para
baixo,
o
papel
cartão
novamente era deslocado de sua posição inicial
3
O termo refrangibilidade é empregado por Newton
para indicar uma propriedade específica dos raios
luminosos: aqueles mais refrangíveis são os que
apresentam um maior desvio na refração. Em
contrapartida, o termo refringência é empregado
em referência a uma propriedade das substâncias
transparentes. Isso significa que uma substância
mais refringente, é aquela que produz um maior
desvio dos raios luminosos.
197
Figura 43 – A refração da luz
raio luminoso azul (oriundo da parte pintada de
azul do cartão) sofre sempre uma maior refração
(para cima ou para baixo) do que o raio luminoso
vermelho e, por esta razão, Newton concluiu que
luzes com cores diferentes irão sempre apresentar
diferentes comportamentos ao serem refratadas,
ou seja, terão diferentes graus de refringência (ou
Fonte: SÓ FÌSICA, 2009
diferentes graus de refrangibilidade).
Essa idéia, que é anterior às discussões
senθ1
= cons tan te .
senθ 2
propriamente relacionadas ao fenômeno da
dispersão é extremamente importante, já que toda
a argumentação estará nela baseada.
Dessa maneira, com base nessa lei,
Newton mostra que existia uma única posição
para o prisma, conhecida como posição de desvio
B) A posição de desvio mínimo do prisma e a
sua importância
mínimo, na qual o desvio sofrido pelo raio
refratado era mínimo, ou seja, uma posição na
qual o ângulo de desvio, isto é, o ângulo formado
Outra questão que está intimamente
relacionada às experiências realizadas com
prismas e que evidencia a utilização de um
conhecimento
prévio
por
Newton
(tanto
matemático quanto da própria ótica), diz respeito
ao posicionamento do sólido, frente ao feixe
luminoso. Ao contrário do que se possa pensar,
pelo raio incidente e pelo raio emergente, era
mínimo. Na figura 44, por exemplo, este ângulo
está representado por δ e indica o quanto o raio
incidente PQ foi desviado de sua posição original
(linha tracejada).
Figura 44: Identificação dos ângulos com que um raio incide
e emerge de um prisma, quando ele se encontra na posição
de desvio mínimo
Newton não segurou o prisma em uma posição
qualquer. Ele utilizou uma posição específica,
cujas características já lhe eram familiares e
conhecidas.
Na verdade, como Newton era um
profundo estudioso das idéias de Descartes a
respeito da refração, passa a utilizar a lei de
Fonte: SILVA, 1996, p.12.
Snell-Descartes em suas demonstrações. Por ela,
tem-se que o seno do ângulo de incidência
(θ1 ) está para o seno do ângulo de refração
(θ 2 ) em uma certa razão muito precisa ou muito
aproximada, isto é,
Mas qual seria então, a importância de se
colocar o prisma, durante a execução do
experimento, na posição de desvio mínimo?
É
que,
segundo
as
demonstrações
matemáticas de Newton, era possível prever o
formato da imagem do sol, quando o prisma
198
estivesse nessa posição. Com efeito, seja EG
Dessa maneira, antes mesmo de realizar o
(FIG. 45) a janela na qual é feito um orifício F,
experimento, e com base apenas nas evidências
ABC uma seção transversal do prisma, XY o sol,
fornecidas pelas teorias da matemática e da ótica,
MN o papel colocado na parede e sobre o qual o
Newton já tinha uma noção do que iria verificar.
espectro é projetado, PT a própria imagem cujos
lados v e w são retilíneos e paralelos e cujas
Como encontrar a posição de desvio
extremidades P e T são semicirculares. Considere
mínimo
ainda que XLJT e YKHP sejam dois raios: o
Em seu livro Ótica (1704), Newton nos
ensina a encontrar a posição de desvio
mínimo para o prisma, executando
rotações em torno de seu eixo.
primeiro tem origem na região superior do sol e
vai até a parte mais baixa da imagem, e o outro se
origina da região inferior do sol e vai até a parte
mais alta da imagem.
Pela lei de Snell-Descartes, Newton afirma
que as refrações nos dois lados do prisma são
iguais. Isso significa que a refração do raio que
atinge K é igual à do que incide em L, da mesma
maneira que o raio em H sofre uma refração igual
à do raio que chega em J. Dessa maneira, a
seqüência de refrações KH sofrida pelo raio
.....Ao redor do eixo girei o prisma
lentamente e vi a luz refratada na parede
(ou seja, a imagem colorida do sol)
primeiro descer, depois subir. Entre a
subida e a descida, quando a imagem
parecia estacionária, detive o prisma e
fixei-o naquela posição, para que não se
movesse mais. Pois nessa posição
tínhamos um desvio mínimo do raio
refratado.
Figura 46: Newton realiza o experimento da
dispersão da luz branca
YKHP, é a mesma que a seqüência LJ, sofrida por
XLJT. Conseqüentemente, os dois raios têm,
entre eles, a mesma inclinação (ângulo) antes e
depois de serem refratados (inclinação esta que
corresponde ao diâmetro do sol) e, portanto, o
comprimento da imagem PT deveria ser igual à
largura vw, o que corresponderia a uma imagem
projetada no formato circular, semelhante ao sol.
Figura 45: Detalhe da imagem oblonga obtida após a
refração
Fonte: BIOGRAFIA de Isaac Newton, 2011.
C) Um resultado inesperado
Munido dessas informações a respeito do
posicionamento adequado do prisma e das
características da imagem a ser encontrada,
Fonte: NEWTON, 2002, p.57
Newton realiza então o experimento.
199
Figura 47 - Representação esquemática do experimento de
Newton
teórica e a observação experimental, Newton
sugere algumas modificações: ao invés de
afirmar que os raios K e L, H e J (veja figura 45)
sofriam os mesmos desvios, ele propõe que eles
teriam sofrido desvios diferentes, e usa esse fato
para justificar o aparecimento de uma imagem
alongada.
Além disso, como tal imagem era
Fonte: NEWTON, 2002.
vermelha na extremidade menos refratada T,
Em uma sala bem escura coloquei em
um orifício circular de 1/3 de polegada de
diâmetro que fiz na folha da janela um prisma
de vidro (na posição de desvio mínimo) por
onde o feixe da luz solar que entrasse pelo
orifício pudesse ser refratado para cima em
direção à parede oposta da sala, formando ali
uma imagem colorida do sol. (FIG.47)
violeta na extremidade mais refratada P e verde
amarelado e azul nos espaços intermediários
(FIG.49), Newton ainda conclui que os raios de
coloração violeta, que se dirigiram para a
extremidade superior P da imagem, sofreram o
maior desvio e, portanto, foram mais refratáveis
do que os outros que seguiram para a
No entanto, contrariando as expectativas
previstas pela teoria, a imagem obtida do sol não
tinha
um
formato
circular.
Ao
contrário,
extremidade inferior T.
Figura 49 - Identificação das cores obtidas na imagem
oblonga
caracterizava-se por ser alongada e ter os lados
nitidamente delimitados.
A imagem era oblonga e não circular,
e terminada por dois lados retilíneos e
paralelos e duas extremidades semicirculares.
Tinha os lados nitidamente delimitados, mas
suas extremidades o eram muito confusa e
indistintamente, pois a luz ali diminuía e
desaparecia gradualmente.
Figura 48 - Imagem oblonga encontrada
Fonte: ESPECTRO, 2011.
Dessa maneira, com essa experiência,
fica apenas reafirmado um resultado que Newton
já havia obtido em experimentos anteriores: que
raios com cores diferentes, apresentavam graus
de refrangibilidade também diferentes.
Restava ainda, no entanto, explicar a
origem desses raios com cores diferentes.
A
abertura do orifício na janela, a distância em que
o anteparo havia sido posicionado, a espessura do
vidro da janela, e o próprio material do prisma,
Fonte: IMAGEM oblonga, 2011. Disponível em. 2012
não poderiam ter gerado essa imagem colorida e
oblonga do sol?
Diante dessa contradição entre a previsão
200
Texto I – Refletindo sobre o texto
1) De acordo com as informações fornecidas no texto, você diria que o experimento
realizado por Newton foi casual, isto é, aconteceu sem nenhum conhecimento
prévio?
2) Que evidências confirmam ou contradizem essa idéia? Explique sua resposta.
3) O que é a posição de desvio mínimo do prisma, e qual a sua importância dentro do
experimento?
4) Qual foi o fato inesperado para Newton quando da realização do experimento? Por
que?
Texto II - Compreendendo o fenômeno
observado
Figura 50 - Representação esquemática do experimento
realizado por Newton utilizando dois prismas em
posições cruzadas
Com o intuito de verificar se alguma
das influências externas citadas anteriormente
poderia ser apontada como a responsável pelo
Fonte: NEWTON, 2002, p.60
aparecimento dos raios com cores diferentes,
Pelo
Newton repete o experimento alterando o
posicionamento
cruzado
dos
tamanho do orifício da janela, a distância entre
prismas, Newton esperava que o formato
o anteparo e o prisma e, principalmente,
oblongo fosse agora substituído por uma
utilizando
materiais
mancha quadrada. Com efeito, se a imagem PT
diferentes. E em todas essas tentativas, obtém
fosse dividida em cinco partes menores, PQK,
os mesmo resultados: uma imagem oblonga e
KQRL,
não circular do Sol.
acreditava-se que cada uma delas fosse
prismas
Decide
então
feitos
de
verificar
o
que
aconteceria se mais de um prisma fosse
LRSM,
MSVN,
NVT,
(FIG.50)
dilatada em uma direção transversal (já que os
prismas
estavam
assim
posicionados)
utilizado no experimento. Para tanto, coloca
originando, respectivamente, as regiões p π qk,
outro prisma (DH) logo depois do primeiro
kqrl, lrsm, msvn e nvt τ e provocando, dessa
(ABC) em uma posição cruzada, de modo que
maneira, o aparecimento de uma mancha
pudesse refratar novamente o feixe de luz que
quadrada t π p τ .
chegava até ele, vindo do primeiro prisma
(FIG. 50).
No entanto, como a própria figura 50
evidencia, a imagem finalmente projetada pt
não se alarga pela refração no segundo prisma.
201
a
raio incidente passar por um primeiro prisma
extremidade superior p mais transladada que a
ABC e produzir um espectro colorido sobre um
extremidade inferior t, indicando que a luz
anteparo DE (uma das tábuas finas) (FIG.52).
violeta que aí se observa se refrata, novamente,
Como há, nesse anteparo, um furo central,
mais que luz vermelha, encontrada em t. Além
apenas a parte do espectro colorido que incidir
disso, os lados que em PT eram paralelos,
nessa região conseguirá passar e atingir o
retilíneos
permanecem
segundo anteparo de. O orifício dessa tábua
exatamente dessa forma em pt, só que agora
restringirá, portanto, a passagem do raio que,
oblíquos em relação à posição inicial.
conseguindo finalmente atravessar o orifício,
Ela
apenas
e
fica
mais
bem
oblíqua,
definidos,
com
Por este experimento, fica então
incidirá sobre um segundo prisma abc, aí
ratificado o fato de que raios com cores
colocado. Saindo desse prisma, o raio será
diferentes
finalmente conduzido a um anteparo MN.
apresentam
refrangibilidades
diferentes, sendo que o mais refrangível ao
Figura 52 - Identificação dos elementos utilizados no
experimentum crucis
atravessar um prisma, demonstra essa mesma
propriedade ao passar pelos demais.
Ainda na tentativa de encontrar uma
explicação para o aparecimento dos raios com
cores diferentes, Newton organiza um novo
Fonte: Fonte: NEWTON, 2002, p.67
experimento, no qual utiliza dois prismas e
duas tábuas finas, no centro das quais são
Nessa montagem é importante ressaltar
feitos orifícios menores que o da janela, para
que os três anteparos DE, de e MN e o segundo
permitir a passagem da luz. Esse experimento
prisma abc estão fixos, não podendo sofrer
é conhecido como o experimentum crucis
quaisquer translações ou rotações. Apenas o
(experiência crucial), uma vez permitirá a
prisma ABC podia ser girado em torno de seu
Newton estabelecer propriedades importantes a
eixo, para permitir a Newton a seleção da parte
respeito das cores dos raios de luz.
do espectro que incidirá sobre DE.
Figura 51 - Representação esquemática do experimentum
crucis de Newton
Alterando o posicionamento de ABC,
Newton percebe que, para qualquer situação, o
segundo prisma não modificava a cor do feixe
que chegava até ele, isto é, não provocava um
nova separação mas, sim, apenas uma mancha
em MN da cor selecionada.
Fonte: NEWTON, 2002, p.66
Com essa montagem, Newton faz o
202
Figura 53 - Representação esquemática do experimentum
crucis. A cor violeta não é alterada ao passar pelo
segundo prisma
Além disso, cada um desses tipos de
luz
apresentaria
uma
propriedade
inata
conhecida como cor. As luzes simples, por
exemplo, teriam cores primárias (que, para
Newton, corresponderiam às projetadas no
anteparo após a passagem da luz pelo primeiro
prisma e eram Vermelho, Amarelo, Verde,
Azul, Púrpura-violeta, Laranja, Índigo e uma
variedade
indefinida
de
gradações
Fonte: GONÇALVES, 2002, p.262.
intermediárias) e as luzes heterogêneas teriam
Tal
constatação
evidencia
dois
cores compostas.
aspectos. O primeiro deles diz respeito à
Isso significa que, pelo experimentum
impossibilidade de o prisma criar as cores do
crucis, o feixe de luz solar que atinge o
espectro. Se assim o fosse, a refração no
primeiro prisma pode ser classificado como
segundo prisma não manteria a mesma cor e,
uma luz heterogênea ou composta (já que
sim, apresentaria (criaria) outras. O segundo,
apresenta raios diferentemente refratáveis) e a
diz respeito à existência de comportamentos
sua coloração branca, pode ser vista como uma
distintos para raios luminosos que atravessam
cor composta. Já o feixe luminoso que atinge o
prismas. O primeiro raio, que correspondia à
segundo prisma, é uma luz homogênea, de cor
luz solar branca, é separado em várias cores ao
primária, visto que apenas uma cor é
passar por ABC. Já aquele resultante da
encontrada; o que indica, portanto, a presença
passagem pelos anteparos, não apresenta
de um raio luminoso com mesmo grau de
nenhuma separação ao emergir de de.
refrangibilidade.
À medida que Newton modifica o
A teoria das cores de Newton: alguns
posicionamento do primeiro prisma ABC, ele
princípios básicos
consegue selecionar feixes diferentes para
incidir sobre o segundo dispositivo óptico.
Esse comportamento diferenciado dos
Para cada uma das cores Vermelho, Amarelo,
raios evidenciado pelo experimentum crucis,
Verde, Azul, Púrpura-violeta, Laranja, Índigo,
permite a Newton desenvolver uma teoria a
entretanto, o resultado obtido é sempre o
respeito
mesmo: o feixe que emerge do segundo
dessas
cores.
Inicialmente,
ele
estabelece a existência de dois tipos diferentes
prisma, apresenta apenas uma cor.
de luzes: a luz homogênea ou simples, e a luz
Sendo assim, fica evidenciada a
heterogênea ou composta. A primeira seria
existência das cores primárias e comprovado o
constituída por raios igualmente refratáveis e, a
fato de que elas não são criadas pelo prisma.
No entanto, para Newton, ainda
segunda, pelos raios com diferentes graus de
refrangibilidade.
restava
uma
questão
que
precisava
ser
203
elucidada: a certeza de que as cores primárias
das cores primárias. No entanto, para que a sua
estariam presentes na luz branca antes mesmo
afirmação de que “a luz branca é composta por
que ela sofresse a primeira refração e que,
cores
portanto, não teriam sido produzidas no
refrangibilidades” pudesse ser efetivamente
experimento. Se ele conseguisse efetivamente
proferida, restava uma grande questão: mostrar
mostrar que essas cores já estavam presentes
que as “duas” luzes brancas (a solar incidente
na luz branca antes mesmo da realização do
sobre o primeiro prisma e a emergente do
experimento, então ele poderia afirmar ser a
segundo)
luz branca composta por cores primárias com
propriedades.
primárias
com
apresentavam
diferentes
as
mesmas
diferentes graus de refrangibilidade, que
O problema é que, pela realização de
apenas se separariam (dispersão) quando
experimentos, Newton não conseguia obter
postas a atravessar um prisma.
informações
conclusivas
a
respeito
das
características dessas luzes brancas.
Para resolver esse entrave, o cientista
A contribuição do fenômeno da composição
opta
da luz branca
então
por
utilizar
um
argumento
epistemológico (e não experimental), baseado
últimas
na sua maneira peculiar de conceber a
outro
natureza, o universo e a maneira de se
experimento. Em um quarto escuro, ele faz um
investigá-lo. Este argumento está de acordo
orifício F na janela para permitir a passagem
com as seguintes regras do método newtoniano
da luz solar. Próximo a esse orifício, é
de raciocinar:
colocado um prisma e, logo depois, um outro
• Regra I: “Não devemos admitir mais causas
prisma em posição invertida (FIG. 54) e um
para as coisas naturais do que as que são
papel branco DE, para servir como anteparo.
tanto verdadeiras como suficientes para
Figura 54 - A composição da luz pela associação de dois
prismas
explicar as suas aparências.” (REALE e
Tentando
respostas,
encontrar
Newton
realiza
essas
um
ANTISERI, 2007, p.296).
• Regra II: “Por isso, tanto quanto possível,
aos mesmos efeitos devemos atribuir as
Fonte: LUZ, 2005, p.207.
mesmas causas” (REALE e ANTISERI,
2007, p.296).
Ao passar pelo primeiro prisma, a luz
branca heterogênea é decomposta nas cores
Sendo
assim,
embasando-se
nos
primárias. Estas, por sua vez, ao atravessarem
princípios da simplicidade e da uniformidade
o segundo prisma são combinadas e produzem,
da natureza, Newton afirma que a luz solar
no anteparo, uma luz branca.
branca e a luz branca resultante da composição
Newton mostra então que uma luz
das cores primárias deveriam ser as mesmas.
branca poderia ser produzida pela combinação
Na verdade, ele não via motivo para introduzir
204
uma distinção entre os dois tipos de luz branca,
conforme
já
afirmado
anteriormente,
visto que ambas estavam envolvidas em um
fenômeno da dispersão da luz branca.
mesmo fenômeno.
Dessa maneira, se a luz solar e a luz
obtida diretamente da composição das cores
primárias eram iguais, então poder-se-ia
finalmente afirmar que a luz solar branca é
uma composição de cores com diferentes
refrangibilidades que, ao atravessarem um
prisma, sofrem diferentes desvios sendo,
portanto, separadas. E essa separação constitui,
Texto II – Refletindo sobre o texto
1) Quais são as evidências obtidas por Newton com a realização do experimentum
crucis?
2) A experiência da composição da luz branca permitiu a Newton concluir que a luz
branca é uma mistura de cores com diferentes refrangibilidades? Por quê?
3) Que tipo de argumento Newton utiliza para, finalmente, concluir que a luz branca
é uma mistura de cores com diferentes refrangibilidades? Explique-o.
o
205
Atividade 5 – Verificando a composição da luz branca
Conforme mencionado no texto II da atividade anterior, o experimento da composição
da luz branca realizado por Newton, permitiu a ele afirmar que as cores primárias já existiam,
de fato, na luz branca, contribuindo para a afirmação final, mediante a utilização de
argumentos epistemológicos, de que a luz branca era, na verdade, uma mistura de cores com
diferentes refrangibilidades.
Nessa atividade 5, vamos mostrar como podemos, de fato, obter a luz branca,
mediante a composição de luzes com cores diferentes. Para tanto, serão apresentadas 2
experiências simples que poderão ser realizadas de acordo com as orientações dadas e com
base nas informações fornecidas abaixo.
Um pouco de teoria
Nas experiências a seguir, será importante estabelecer uma diferença entre mistura de
cor de luz e mistura de cor de pigmento.
Figura 55 – As diferentes misturas de cores. À esquerda, tem-se a mistura de cores de luz, e à
direita vemos a mistura de cores de pigmento
Fonte: Arquivo pessoal
Fonte: NOURSE, 1969, p. 154.
Com efeito, conforme a definição dada pelo próprio Newton (veja texto I da atividade
4) a cor de uma luz é uma propriedade original e inata do raio de luz, não sendo o resultado de
modificações decorrentes das reflexões ou refrações.
206
Por outro lado, a cor de um pigmento, que também pode ser traduzida como a cor de
um objeto, é o resultado da interação da luz com certas substâncias orgânicas e inorgânicas,
conhecidas como pigmentos da tinta.
Estas sustâncias, assim como todos os demais objetos coloridos que nos rodeiam, ao
serem atingidos pela luz branca refletem determinadas cores e absorvem outras. É o que
denominamos de processo de mistura de cores por subtração. O pigmento amarelo (FIG.
56), por exemplo, não reflete apenas o amarelo mas, também, vermelho e verde, absorvendo
as demais. O ciano, por sua vez, reflete verde, azul e violeta e absorve as outras.
Figura 56 – A cor de cada pigmento de tinta é determinada pela cor da luz refletida pelas
partículas orgânicas e inorgânicas existentes nesse pigmento
Fonte: GRAVINA, 2002, p. 273.
Um vez refletidos, esses raios luminosos podem se misturar (mistura de cor de luz),
em um processo agora denominado de mistura de cores de luz por adição, e originar novas
cores.
A mistura de luzes e a de pigmentos resulta, portanto, em dois processos bem
distintos. Enquanto o primeiro é uma superposição apenas entre as luzes no olho e, portanto,
um processo aditivo (pois as cores se somam), o segundo é uma interação seletiva entre luz e
matéria e, portanto, subtrativo.
Por isso é que os seus resultados são tão diferentes. Misturando luzes de cor amarelo e
azul, por exemplo, obtém-se a cor branca. Se forem pigmentos amarelo e azul, a cor
encontrada será verde. (É provável que você já tenha verificado este fato utilizando lápis de
cor ou canetas do tipo hidrocor).
Vale a pena ressaltar que os resultados obtidos na interação cor-luz x cor-pigmento
nem sempre são satisfatórios, porque em geral os pigmentos utilizados são impuros e as fontes
de luz colorida são, na verdade, luz branca que atravessa um determinado filtro.
Nas experiências a seguir, você terá a oportunidade de verificar esses dois processos
de mistura de cores.
207
Experiência 1 – Compondo outras cores
Nessa experiência, você poderá verificar o fenômeno da composição da luz branca
estudado por Newton.
No entanto, ao invés de obter o branco pela mistura de todas as cores que emergem de
um prisma e logo em seguida são recombinadas em um novo prisma em posição invertida,
você será capaz de conseguir o mesmo efeito utilizando apenas três cores (vermelho, verde e
azul) e uma montagem experimental um pouco diferente. Na verdade, sabe-se que
combinações de quantidades diferentes de cada uma dessas três cores são capazes de originar
todas as demais cores visíveis ao ser humano. Por esta razão, o verde, o vermelho e o azul são
conhecidos, como luzes de cores primárias.
Sendo assim, neste experimento, será preciso construir um “canhão de luzes
primárias” ou utilizar um conjunto de três luminárias, conforme descrito abaixo.
• Objetivo da atividade:
 Obter a luz branca a partir da composição das cores primárias: vermelho, verde e azul;
 Explorar as combinações das cores de luz para encontrar as cores secundárias;
 Compreender o que acontece na determinação das cores dos objetos.
•
MATERIAIS UTILIZADOS
Para o canhão de luzes primárias
 Uma caixa de madeira com aproximadamente 40 cm x 25 cm x 20 cm;
 Lâmpadas coloridas e iguais, nas tonalidades azul, vermelho e verde. (Para a realização
dessa experiência, foram utilizadas lâmpadas fluorescentes, de 15W);
 3 bocais para lâmpadas;
 Uma placa de madeira de aproximadamente 15 cm x 15 cm;
 1 plugue comum;
 6 m de fio secção 1mm²;
 Fita isolante;
 Um pedaço de papel cartão preto de aproximadamente 67 cm x 47 cm;
 Uma mesa para apoio
 Anteparo (cartolina branca ou uma parede branca);
 Retângulos de papel cartão nas cores branca, vermelha, azul, verde, amarela e preta.
208
Para a versão das luminárias
 Três luminárias iguais (de preferência com pé);
 Lâmpadas coloridas e iguais, nas tonalidades azul, vermelho e verde. (Para a realização
dessa experiência, foram utilizadas lâmpadas fluorescentes, de 15W);
 Papel cartão preto;
 Régua de tomadas ou um benjamim, para permitir a conexão das três luminárias, caso não
existam várias tomadas próximas.
 Elásticos (gominhas) de escritório
 Uma mesa para apoio
 Anteparo (cartolina branca ou uma parede branca);
 Retângulos de Papel cartão nas cores branca, vermelha, azul, verde, amarela e preta.
•
MONTAGEM
Do canhão de luz
Inicialmente, monte o circuito (figura 57) elétrico conforme o esquema ao lado. Para
cada lâmpada existirá um interruptor, a fim de que possam ser ligadas e desligadas
alternadamente.
Em seguida, fixe os três bocais na placa de madeira de 15 cm x 15 cm, de modo a
formarem um triângulo (figura 58).
Figura 57 – Circuito elétrico da caixa
Fonte: GREF, 1991, p.68.
209
Essa placa, por sua vez, deve ser afixada no interior da caixa de madeira, sendo que os
interruptores devem ser aí também posicionados. (Esse procedimento não é essencial para a
realização da atividade. Apenas facilita o transporte e o manuseio do equipamento).
Figura 58 – Posicionamento das lâmpadas dentro da caixa
Fonte: Arquivo Pessoal
Feito isso, posicione a caixa conforme mostra a figura 59 e enrole o papel cartão, de
maneira a construir um cilindro de aproximadamente 40 cm de altura e revestido,
internamente, com a cor preta (FIG. 60). Com este cilindro, envolva a placa que contém as
lâmpadas.
Figura 59
Figura 60
Fonte: Arquivo Pessoal
Fonte: Arquivo Pessoal
Por fim, coloque a caixa sobre a mesa e aponte o cilindro de papel para o anteparo
branco ou para a parede. O canhão de luz estará pronto para ser usado.
Da versão das luminárias
Coloque as lâmpadas nas luminárias e posicione-as sobre a mesa, próximas a uma
parede branca, que servirá como anteparo. Com a cartolina preta, faça cilindros de
aproximadamente 20 cm de altura e fixe-os, com a ajuda dos elásticos de escritórios, nos
bocais das luminárias. Estes cilindros ajudarão a direcionar o feixe de luz.
Energize cada uma dessas luminárias (mantendo o interruptor na posição desligado). A
fim de melhorar o efeito desejado, distribua as luminárias uma ao lado da outra ao longo de
210
uma cunha esférica, de modo que os feixes emergentes da cada uma delas se concentrem em
uma determinada região da parede (anteparo).
•
PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
Parte I – Compondo outras cores
A atividade tem início com todas as lâmpadas apagadas e deve ser realizada em um
ambiente escuro.
Em um primeiro momento, ligue, de duas em duas, as lâmpadas, fazendo com que as
luzes de cada uma delas se sobreponham.
1) O que você observa? Registre sua resposta.
Em seguida, ligue as três lâmpadas e as mantenha acessas.
2) O que acontece?
As colorações obtidas pela mistura de duas cores primárias são as chamadas cores
secundárias. Na estrela ao lado (FIG. 61), a mistura de duas cores primárias origina a cor
secundária posicionada entre elas.
Figura 61 – Cores secundárias
Fonte: GREF, 1991.
3) De posse dessas informações, complete a tabela a seguir:
Tabela 1 - Resultados para a composição das cores primárias
Cor
Cor
Cor
Cor
Verde
+
Azul
+
-
=
Verde
+
Vermelho
+
-
=
Azul
+
Vermelho
+
Verde
=
Fonte: GREF, 1991.
4) Esta experiência se assemelha, em algum aspecto, à experiência da composição da luz
realizada por Newton e descrita na atividade 4? O que a diferencia?
211
Parte II – Estudando as cores dos objetos
Para que você compreenda como são obtidas as cores dos objetos, vamos iluminar
(utilizando o canhão de luzes ou as luminárias), alternadamente, cada um dos seis retângulos
de papel cartão com as luzes vermelha, verde, azul e branca.
Suponha, por exemplo, que o cartão vermelho seja o primeiro escolhido. Acenda a luz
vermelha e o ilumine com ela. Anote a cor encontrada. Apague a luz vermelha e ilumine-o
com a azul e depois com a verde. Por fim, ilumine-o com a luz branca, isto é, acenda todas as
luzes primárias. Anote os resultados obtidos. Repita este procedimento com cada um dos 5
cartões restantes, complete a tabela abaixo e responda ao que se pede.
Cor do cartão quando observado com luz
Cartão
branca
vermelha
azul
Verde
vermelho
branco
verde
azul
amarelo
preto
5) Os dois processos de mistura de cores (por adição e subtração) estão presentes nessa
experiência? Em caso afirmativo, identifique os momentos em que eles ocorrem.
6) O que acontece com o cartão de cor branca, quando iluminado por cada uma das cores
primárias, separadamente? O que isso significa?
7) E o cartão da cor preta? Que modificações são percebidas quando ele é iluminado pelas
cores primárias? E pela branca?
8) Considerando que o pigmento amarelo reflete as cores verde, vermelho e amarelo, por que
enxergamos apenas a coloração amarela?
Experiência 2 – O disco de Newton
Nessa experiência será verificada a composição da luz branca, utilizando um outro
aparato experimental, diferente do empregado pelo Newton.
212
Para a construção desse aparato, você precisará ter em mãos os materiais relacionados
abaixo.
•
MATERIAIS
 Furadeira manual;
 Adaptador do disco de polimento de uma furadeira (figura 62);
Figura 62 - Adaptador o disco da furadeira
Fonte: ADAPTADOR ..., 2011.
 Folha de papel ofício branca;
 Papel cartão bem grosso (ou um Lp antigo, cujo furo central permita a fixação na
furadeira);
 Giz de cera, caneta hidrocor ou tinta guache nas cores vermelho, verde, azul escuro, azul
claro (anil), amarelo, laranja e violeta (roxo).
 Compasso;
 Régua;
 Lápis;
 Transferidor;
 Cola.
•
PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
Com o auxílio do compasso e da régua, desenhe uma circunferência de
aproximadamente 20 cm de diâmetro. Em seguida, trace o diâmetro dessa circunferência e, a
partir dessa linha e utilizando o transferidor, divida a circunferência em 21 setores circulares
de aproximadamente 17° cada.
213
Figura 63 - O disco de Newton
Fonte: SEARA da ciência..., 2011.
Pinte os sete primeiros setores com as cores vermelho, laranja, amarelo, verde, azul
escuro, anil (azul claro) e violeta e, depois, repita a sequência nessa mesma ordem, até que
todos os setores tenham sido preenchidos.
Cole o disco colorido em um círculo de papel cartão bem grosso. Se preferir, pode-se
utilizar um pedaço circular de uma caixa de papelão.
Feito isso, coloque o disco de Newton na furadeira utilizando o adaptador para os
discos de polimento dessa ferramenta, e ligue-a.
1) O que você observa?
2) Por que a coloração encontrada é um pouco diferente da desejada?
3) A invenção do disco de Newton é atribuída, em alguns materiais didáticos, ao próprio
físico Isaac Newton. Com base no estudo feito na atividade 4 da sequência de
experimentos desenvolvidos por este cientista, você concordaria com essa afirmação?
Justifique?
4) Em que aspectos esta experiência de aproxima daquela realiza por Newton para obter a
composição da luz branca? Em que aspectos se difere?
214
REFERÊNCIAS
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&feira=93&subpg=cat&cat_id=76&item_prim_sol=620>. Acesso em: 05 fev. 2012.
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06/great-english-philosopher-sir-francis.html>. Acesso em: 04 fev. 2012.
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newton_exp.jpg>. Acesso em: 04 fev. 2012.
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1983. 267 p.
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Paulo: Duetto Editorial. 2009 (Coleção especial grandes temas: Cavaleiros; n. 26).
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protestante: diálogos e duetos. Disponível em: <http://www.duplipensar.net/images/religiao/
martinho-lutero-01.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2011.
CARNEIRO, R. D. História. Belo Horizonte: Lastro Editora Ltda, 2007. (Coleção Soma, 1ª
série ensino médio: v.1).
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AAAAAAAA8/x4kpk8MeDd0/s200/CZ_brilliant.jpg>. Acesso em: 12 dez. 2011.
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GIORGIO VASARI. Cosimo estuda a conquista de Siena (1553-1555) com as Alegorias da
Vigilância e da Paciência. Florença, Palazzo della Signoria. In: ARTE em crise na Europa das
cortes. São Paulo: Duetto Editorial, 2009. (Coleção o tempo do renascimento; v. 5).
GIORGIONE OU TIZIANO. Duplo retrato Ludovisi. Óleo sobre tela, 1502-1509. Roma,
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GIOVANNIBELLINI. Jovem em sua toilete, 1515.Viena, Kunsthistorisches Institut. In: A
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215
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Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 273-274, ago. 2002.
GRUPO DE REELABORAÇÃO DO ENSINO DE FÍSICA. Física 2: física térmica/óptica.
São Paulo: Edusp, 1991.
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216
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Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, p. 313-327, dez. 1996.
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TYCHO BRAHE. 2009. Artículos de La historia de La ciência. Disponível em: <http://blog
.educastur.es/logos/category/historia-de-la-ciencia/page/2/>. Acesso em: 18 set. 2009.
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reforma/imagens/venda_indulgencias.JPG>. Acesso em: 12 dez. 2011.
VICENS VIVES, Jaime. Mil lecciones de la historia. Barcelona: Insituto Gallach de Libreria
y Ediciones, 1951. v. 2.
217
APÊNDICE B – Produto Final – Orientações ao professor
Experimentum Crucis
de
Newton:
contribuições da história e filosofia da ciência
Orientações ao professor
218
Caro colega,
Você tem em mãos uma sequência de atividades didáticas (são 5, no total) que
objetiva discutir as idéias, os experimentos e as argumentações utilizadas por Newton para
comprovar a proposição 2 da parte I de seu livro I de Ótica (1704), que afirma que “a luz do
sol consiste em raios com diferentes refrangibilidades”.
Na verdade, este é um experimento muito relatado e comentado nos livros didáticos de
Física (principalmente no momento da discussão a respeito da dispersão da luz branca), sendo
raros os compêndios que não fazem menção, ainda que por meio de desenhos, dessa
descoberta. O problema, entretanto, é que tais relatos são extremamente simples e diretos e
conduzem o aluno à falsa impressão de que o prisma foi colocado em qualquer posição e de
qualquer maneira frente à luz solar. Além disso, fazem o aluno acreditar que as conclusões a
respeito da composição da luz branca foram facilmente obtidas a partir, apenas, das
observações realizadas.
Um estudo mais preciso e cuidadoso da História e Filosofia da Ciência e,
principalmente do artigo publicado por Newton em 1672, na Philosophical Transactions, e de
seu livro Ótica (1704), nos revelam que não foi sempre assim. Detalhes específicos em
relação ao posicionamento do prisma e a utilização de argumentos epistemológicos, e não
apenas experimentais, precisaram ser empregados para que Newton pudesse formular a sua
teoria a respeito das cores. Detalhes estes, por sua vez, que ficam completamente omitidos,
apagados e distanciados do ensino desse conteúdo e que, portanto, conduzem a uma falsa
idéia da ciência e da produção de seu conhecimento.
Sendo assim, esta sequência de atividades tem como objetivo, em um primeiro
momento, mostrar aos alunos que o raciocínio e a argumentação empregados por Isaac
Newton (1642-1727) para explicar o fenômeno da dispersão da luz branca não foram tão
“simples” quanto desejam evidenciar alguns materiais didáticos. Na verdade, constituem o
resultado de um lento processo de desenvolvimento do pensamento científico, para o qual
contribuíram de modo significativo o contexto histórico e filosófico vigentes antes e durante a
própria existência de Newton.
Além disso, pretende-se também construir junto aos alunos, uma visão mais humana
do cientista (em especial de Isaac Newton) e desmitificar a idéia de que são seres geniais, que
desenvolvem idéias mirabolantes em momentos de puro “insight”. De modo mais específico,
busca-se desenvolver nos discentes a compreensão de que Newton não formulou a teoria da
decomposição da luz branca a partir de uma simples observação (estimulada talvez por uma
219
mera idéia repentina) mas, sim, como conseqüência de todo um processo de construção
histórica e filosófica do pensamento científico.
Nesse contexto, essas atividades se dirigem aos alunos do segundo ano do ensino
médio e devem ser conduzidas após as explicações referentes ao fenômeno da refração da luz
branca e como meio de se contextualizar o estudo do fenômeno da dispersão da luz branca.
Para a sua completa realização, serão necessárias em torno de 10 aulas.
A opção pela sequência didática justifica-se por ser esta uma estratégia de ensino com
um caráter claramente processual e que, portanto, se aproxima da visão histórica, processual,
complexa e humana da produção do conhecimento, que embasa todo esse trabalho. Conforme
nos afirma Zabala (1998), tais sequências
[...] são um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a
realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim
conhecidos tanto pelos professores quanto pelos alunos. (ZABALA, 1998, p.18)
Você, professor, receberá, portanto, dois materiais. No primeiro deles, identificado
como “material do aluno”, estão relacionadas, de fato e na ordem a serem desenvolvidas, as
atividades didáticas propostas aos discentes. Todos os textos a serem consultados,
experimentos a serem realizados e questões a serem respondidas, são descritos e
contextualizados no decorrer desse material que, como o próprio nome indica, deverá ser
entregue aos alunos.
Acompanhando cada uma dessas atividades, você receberá ainda um guia que o
auxiliará na condução, execução e avaliação dessas atividades. Esteja à vontade para fazer
modificações e adequações, conforme a realidade de seu trabalho.
Esperamos, sinceramente, contribuir para despertar nos jovens uma visão mais realista
e humana da ciência, bem como da produção de seu conhecimento e contamos com o seu
apoio.
Bom trabalho!
Os autores.
220
Experimentum Crucis de Newton: contribuições da história e filosofia da ciência
GUIA DO PROFESSOR
Atividade 1 – Verificando a dispersão da luz branca por um prisma
Objetivo
Esta atividade objetiva, em um primeiro momento, fazer com que os alunos
reproduzam a experiência da dispersão da luz branca realizada por Newton para, assim,
constatarem a simplicidade do experimento. Simplicidade esta que se relaciona à parte
operacional da descoberta, à quantidade de material utilizado, às montagens empregadas, etc;
e não à seqüência argumentativa empregada pelo cientista para desenvolver a sua teoria.
Número de aulas necessárias: 1 aula
Procedimento
Esta atividade 1 deve ser desenvolvida logo após o estudo da refração da luz e, mais
precisamente, como elemento problematizador para o estudo da dispersão da luz branca.
Divididos em grupo, os alunos deverão reproduzir a experiência realizada por Newton
da dispersão da luz branca.
Com este intuito, será necessário fornecer a eles:
•
um prisma triangular eqüilátero de vidro ou de acrílico (que pode ser comprado em
lojas especializadas de material para laboratório);
•
uma fonte luminosa (que podem ser os próprios raios solares ou, até mesmo, uma
lanterna de luz branca);
•
um anteparo (que pode ser uma folha de cartolina branca, ou a parede ou o teto do
local onde se realiza a atividade).
Para a realização da atividade, é aconselhável os discentes estejam em um ambiente
fechado, uma sala, por exemplo, no qual entre luz solar direta (pela fresta de uma janela ou de
uma porta). Para a obtenção de um melhor resultado é aconselhável ainda que este local esteja
escuro ou na penumbra.
Se a iluminação natural do Sol estiver prejudicada no dia da realização do
experimento, ou caso seja difícil encontrar um ambiente iluminado diretamente pela luz solar,
221
os alunos poderão utilizar uma fonte de luz branca, tal qual uma lanterna, em substituição.
Seguindo as orientações fornecidas no roteiro, os alunos deverão obter a dispersão da
luz branca e, em seguida, responder às questões propostas (veja atividade 1 do material do
aluno).
Seria interessante que essas respostas fossem registradas pelos alunos e entregues ao
professor no término da atividade, para que seja possível verificar, a posteriori, se a visão
inicial que os alunos tem a respeito do cientista (explicitada na resposta do item d) sofre
alterações no decorrer da atividade.
Dependendo do número de alunos em sala e da dinâmica e do relacionamento
estabelecido entre professor-aluno, o docente pode, se assim preferir, utilizar o roteiro de
questões do material do aluno para provocar uma discussão das idéias ali existentes. Deve,
nesse sentido, estar atento às respostas dadas para as questões d, e, e f, uma vez que delas será
traçada a imagem que os discentes têm do cientista e da maneira como ele produz
conhecimento.
Comentários
1) Caso você, professor, não disponha de um prisma de vidro ou acrílico, ou mesmo
deseje verificar o fenômeno de outra maneira, poderá realizar essa atividade utilizando um
aparato experimental diferente. Para tanto, você precisará de:
a) uma dobradiça comum (que pode ser adquirida em uma loja de ferragens ou de
material de construção);
b) fita adesiva ou fita isolante opaca;
c) uma tira de espelho de uns 15 x 20 mm de largura (que pode ser obtida de graça em
um vidraceiro.
Sobre a dobradiça comum, cole, com a ajuda da fita isolante, a tira de espelho.
Figura 1
Fonte: AXT, 1990, p. 1.
222
Em seguida, coloque o conjunto dobradiça-espelho no interior de um recipiente de
paredes não muito altas (uma bacia, por exemplo), contendo água. A posição do espelho em
relação à luz solar é importante para a execução do experimento, e pode ser ajustada,
variando-se a abertura da dobradiça (ângulo α ), até que o espectro solar apareça projetado
sobre a parede ou o teto da sala.
Figura 2
Fonte: AXT, 1990, p. 2.
Além das questões já abordadas no material do aluno, você ainda poderá pedir aos
discentes que discutam que elemento, neste novo aparato, faz o papel de prisma, e por quais
razões ele funciona como tal.
2) Espera-se que os discentes sejam capazes de perceber que o experimento da
dispersão da luz branca realizado por Newton, em termos de materiais utilizados, de
montagens instrumentais, etc; não é nada complexo. Ao contrário, ele prima por ser bastante
simples e de fácil reprodução. Além disso, com a reflexão proposta no item d do roteiro dos
alunos, pretende-se que eles sejam despertados ainda para a figura do cientista Isaac Newton,
já como um elemento articulador e preparatório para as próximas atividades dessa seqüência
didática.
223
Atividade 2 – Mentes Brilhantes
Uma vez que os discentes iniciaram uma reflexão a respeito da figura de Isaac
Newton, ao realizar o seu experimento da decomposição da luz branca, será o momento de
colocá-los em contato com uma visão constantemente divulgada e repetida pela mídia e por
diversos indivíduos, em diferentes áreas do conhecimento. Esta visão enaltece a figura do
cientista como um ser dotado de uma mente super desenvolvida, com habilidades extremas
para a dedução e a explicação matemática e coloca, exatamente nesses fatos, a justificativa
para algumas das descobertas científicas até então realizadas.
Na verdade, a atividade 2, “Mentes Brilhantes” (descrita a seguir), foi desenvolvida
para funcionar como um elemento problematizador e desencadeador das reflexões acerca do
processo de produção do conhecimento científico e dos fatores a ele implícitos.
Seu principal objetivo é verificar a visão que os alunos têm de importantes cientistas
(como Galileu Galilei e Isaac Newton) e dos fatores que contribuíram para que tais
personagens da ciência pudessem descobrir e estabelecer novas leis e teorias científicas.
Para tanto, deve ser conduzida pelo professor que, depois de explicar aos alunos o que
acontecerá nessa atividade (as informações contidas na própria introdução do material do
aluno podem ser utilizadas para esse fim), solicita-lhes que façam uma leitura prévia das
questões existentes nas partes I e II do material, cujas respostas deverão ser embasadas pelas
informações contidas no documentário.
Em seguida, o docente apresenta o trecho do documentário “Mentes Brilhantes”, sobre
Galileu Galilei e Isaac Newton. No total, serão necessários 25 minutos para a exibição
completa dessa parte do vídeo. Vale ressaltar que o documentário ainda aborda o contexto e
as questões referentes a Albert Einstein e Stephen Hawking. No entanto, como o personagem
principal dessa sequência didática é Isaac Newton, não é necessário prosseguir com o vídeo.
Feito isso, o professor deve iniciar uma discussão com a turma, procurando fazer com
que reflitam sobre as informações veiculadas no filme e respondam (pode ser oralmente) às
questões propostas sobre Galileu Galilei e Isaac Newton. Nessa discussão, deve-se destacar a
influência que a matemática exerceu na vida e no pensamento dos dois cientistas (existe uma
razão para isso, como veremos adiante), assim como o fato de cada um deles ter sido
influenciado, ou não, por descobertas anteriores.
Na verdade, pelo documentário, tem-se uma pequena descrição do contexto histórico e
filosófico vigente à época de Galileu (período da Inquisição), com a menção até da descoberta
anterior de Copérnico (Teoria Heliocêntrica). Já de Newton, nada é evidenciado em relação a
224
esse contexto histórico. Ao contrário, o documentário reforça constantemente o caráter genial
do cientista, dando a entender que as suas descobertas em relação às leis do movimento,
foram o resultado apenas de sua mente brilhante. As influências e os estudos realizados por
cientistas anteriores a Newton, inclusive Galileu, ficam relegadas a um papel de ínfima
notoriedade.
Para finalizar o processo, o docente deve solicitar aos alunos que redijam o parágrafo
pedido na parte III – “Refletindo mais um pouco”. Caso não haja tempo hábil para a
realização da atividade em sala, deve-se-lhe atribuir o caráter de atividade “Para Casa”.
Número de aulas necessárias: 1 aula
Material necessário:
•
Documentário “Mentes Brilhantes” (uma cópia do mesmo encontra-se nos anexos
deste trabalho).
•
Aparelho de projeção multimídia e/ou dvd player
•
Apostila Experimentum Crucis de Newton: contribuições da história e filosofia da
ciência - Material do aluno
Comentário:
No decorrer do documentário, várias são as vezes nas quais são destacadas as
inspirações e as idéias brilhantes de Galileu Galilei e de Isaaac Newton, ao proporem as suas
descobertas. Muito pouco é discutido a respeito do contexto histórico e filosófico vigente à
época e das influências que eles exerceram sobre cada uma dessas descobertas. Além disso,
partindo do pressuposto de que a imagem do cientista é, em diversas situações, confundida
com a de um gênio iluminado, que “recebe” a inspiração para a resolução do problema sobre
o qual se debruça a algum tempo, espera-se que as respostas dos alunos à parte III desta
atividade primem exatamente por destacar o lado da personalidade e da genialidade desses
cientistas, sem que se faça alguma menção ao contexto histórico vigente em cada época.
225
Atividade 3 – A influência do contexto histórico nas descobertas científicas: o período da
Revolução Científica
Uma vez coletadas as concepções dos alunos sobre os cientistas e o seu trabalho de
produção do conhecimento científico, será iniciada uma nova etapa da sequência didática (e
explicitada nas atividades a seguir), cujo objetivo principal será a desconstrução dessa
imagem dos cientistas como gênios ou seres iluminados e dotados de uma inteligência
suprema, para a construção de uma visão mais humana, que coloque o cientista como um ser
social, isto é, como um ser que pertence a uma certa sociedade e que, portanto, exprime
determinados valores, crenças e uma mentalidade condizente com a época e o período
vigente.
Dessa maneira, para dar continuidade à atividade 2, o professor deve explicitar à turma
que os dois cientistas abordados no vídeo são, na verdade, personagens de um período de
transformações de idéias e mentalidades, intitulado de Revolução Científica e que, para que
eles possam
compreender melhor a importância de todos esses acontecimentos, será
necessário a compreensão do que, de fato, aconteceu nesse período.
Como trata-se de um período muito extenso da história da ciência, as informações
foram organizadas em três textos, cada um deles referente a uma fase específica da revolução
científica. Nestes textos, procura-se, inicialmente, evidenciar os acontecimentos históricos
mais relevantes do período, bem como as transformações provocadas na mentalidade e no
pensamento da época. Em seguida, inseridos nesse conjunto de transformações, são
relacionados alguns cientistas, suas maneiras de pensar e conceber a ciência e algumas de suas
principais descobertas, sempre ressaltando a influência do contexto histórico e filosófico em
cada um desses aspectos.
O estudo desses textos é de fundamental importância para que os alunos compreendam
que o raciocínio empregado por Newton para explicar o fenômeno da dispersão da luz branca
(que será abordado na atividade 4) é, na verdade, o resultado de uma maneira peculiar de
pensar desse cientista, que foi elaborada e construída com base nas influencias históricas e
filosóficas da época em que ele viveu.
Objetivo: Fazer os alunos compreenderem que Galileu Galilei e Isaac Newton, assim como
os demais personagens da revolução científica são, na verdade, participantes de um poderoso
movimento de transformação das idéias, através do qual todo o sistema de pressupostos
herdado da Idade Média (em especial os pressupostos Aristotélicos) é questionado, demolido
226
e substituído por um sistema completamente novo.
Número de aulas necessárias: de 2 a 3 aulas, sendo a última delas destinada à apresentação
dos trabalhos desenvolvidos por cada grupo.
Material necessário: Os três textos que constituem a Atividade 3, e que se encontram no
material do aluno.
Procedimento: O desenvolvimento da atividade 3 pressupõe o estudo de cada um dos três
textos inseridos no material do aluno. Isso pode ser feito de diversas maneiras, conforme
sugestões a seguir. A opção por uma ou outra deverá ser feita pelo docente considerando-se as
diversas variáveis que interferem no processo de ensino-aprendizagem: o número de alunos
em sala, a facilidade de comunicação entre o professor e a turma, o tipo de relação
estabelecida entre eles, a disponibilidade de tempo e espaço, a possibilidade de se trabalhar
com colegas de outras áreas do conhecimento (artes, história, português), a disposição para
permitir, estimular e orientar o trabalho em grupo dos discentes, etc.
Algumas propostas
Como meio de se efetivar a apresentação e socialização das informações contidas nos
três textos da atividade 3, o professor pode sugerir e incentivar o trabalho em grupo dos
alunos.
Para tanto, deverá dividi-los em três grupos (cada um responsável pela leitura e
apresentação de um texto) e orientá-los, durante uma aula, para que realizem a leitura de cada
texto, retirando as informações mais relevantes quanto aos antecedentes históricos (que
constituem, na verdade, uma contextualização do momento histórico e filosófico vigente) e
quanto aos avanços registrados no campo da ciência. Nesse momento, pode-se também
trabalhar em conjunto com o professor de história, para que ele auxilie na correta
compreensão dos fatos históricos evidenciados nos materiais. Com o intuito de facilitar e
orientar essa leitura, o professor poderá, ainda, entregar a cada grupo as questões a seguir.
227
Experimentum crucis de Newton
Contribuições da História e Filosofia da Ciência
GRUPO 1
Textos de referência: Primeira e segunda fases da Revolução Científica até o item 2.2 –
Principais descobertas (inclusive).
Objetivo da leitura: Identificar os aspectos inovadores das teorias propostas por alguns
cientistas desse período, com destaque especial para as influências que receberam.
Questões para reflexão
• Discuta a seguinte afirmativa: “A teoria de Copérnico subverteu o mundo”.
• Explicite as razões que teriam conduzido Copérnico a propor a sua revolucionária teoria.
• Comente a influência do neoplatonismo no pensamento de Kepler.
•
De modo bem simplificado, mencione as principais contribuições filosóficas de Johannes
Kepler.
• Como se percebe a influência do neoplatonismo em Galileu Galilei?
228
Experimentum crucis de Newton
Contribuições da História e Filosofia da Ciência
GRUPO 2
Textos de referência: A segunda fase da Revolução Científica, item 2.3 – O pensamento
filosófico à época da Revolução Científica
Objetivo da leitura: Identificar as modificações ocorridas no pensamento do homem
moderno e o papel das atividades filosóficas no decorrer desse período.
Questões para reflexão
• Qual o novo propósito da atividade filosófica do pensamento moderno?
•
Quais as correntes filosóficas (e os seus principais representantes) que se destacam nesse
momento? Diferencie-as.
229
Experimentum crucis de Newton
Contribuições da História e Filosofia da Ciência
GRUPO 3
Textos de referência: A terceira fase da Revolução Científica – a fase da restauração.
Objetivo da leitura: Caracterizar a maneira de pensar de Newton e identificar como as
transformações ocorridas no período da Revolução Científica influenciaram o modo de
raciocinar newtoniano.
Questões para reflexão
•
Evidencie quais são os dois aspectos mais significativos da maneira de pensar newtoniana
que foram herdados das modificações e transformações ocorridas no decorrer da
Revolução Científica.
• Explique de maneira sucinta as regras do filosofar de Newton.
•
Com o seu método de análise e síntese, Newton procura respostas científicas para os
fenômenos em termos do “COMO”? De que maneira ele explica as causas de alguns
fenômenos?
230
Uma vez feito isso, os alunos deverão optar pela melhor forma de apresentação das
informações (com especial destaque para aquelas que respondam ao material anterior)
contidas no texto que lhes compete. Para tanto, poderão escolher uma das sugestões
apresentadas a seguir.
Sugestão 1: Documentário jornalístico
De posse das informações relevantes do texto, os alunos podem elaborar uma
sequência jornalística, tal qual um “Globo Repórter” para apresentar o tema. Em casa, ou em
qualquer outro ambiente que julgarem adequado, podem proceder à gravação de um vídeo
(vídeo caseiro) no qual, um apresentador relata os fatos marcantes com apresentação de
imagens, entrevistas, depoimentos, debates etc. de pessoas relacionadas aos acontecimentos. É
claro que tudo isso seria uma dramatização realizada pelos alunos, que poderiam se
caracterizar de acordo com os personagens históricos envolvidos no contexto. Esse vídeo
pode ser editado, com a colocação de uma trilha sonora, de imagens significativas e até
mesmo de comerciais.
Sugestão 2: Painel de imagens
Uma vez determinadas as informações relevantes no texto, os alunos poderão levantar
imagens significativas e em conexão com os momentos históricos e filosóficos vividos e
elaborar um grande painel (que pode ser feito de papel pardo) de imagens. Desenhos feitos à
mão e frases ou palavras soltas e recortadas de jornais, revistas, etc. também poderão ajudar a
compor o material.
Assim, no dia combinado para as apresentações, o grupo apresentaria os fatos
marcantes por meio das imagens selecionadas e relacionadas no painel.
Sugestão 3: Dramatização
O grupo que desejar pode proceder à apresentação dos fatos marcantes por meio de
uma dramatização a ser realizada em sala de aula, no auditório da escola, ou em outro espaço
escolar que os alunos acharem conveniente.
Nessa dramatização, pode-se contar, por exemplo, com um narrador que conduza o
raciocínio e a sequência lógica dos fatos, enquanto os demais se passam pelos cientistas e
personagens marcantes da época.
231
Para garantir a sistematização e o registro das escolhas feitas por cada um dos grupos,
pode-se solicitar a entrega, em uma data previamente combinada, de uma espécie de roteiro
das atividades a serem desenvolvidas. Nesse material, os alunos deverão explicitar e registrar
não apenas os fatos históricos a serem abordados, mas também a sequência, o encadeamento
lógico, a forma de apresentação (documentário, painel, etc) e os materiais e recursos
necessários para tal. Devem, também, registrar a divisão de tarefas feitas entre os integrantes
do grupo, com uma breve descrição do papel de cada um.
De posse desse material, o professor pode ainda ajudar e orientar os grupos a focarem
os aspectos de fato mais importantes de cada texto.
Comentários:
Em relação ao texto 1, é muito importante reforçar que as transformações de ordem,
econômica, política, social, etc. vêem acompanhadas de modificações do pensamento e da
mentalidade. O exemplo claro disso, evidenciado no texto, está relacionado a Copérnico e à
idéia do deslocamento astronômico do centro do universo da Terra para o Sol. Ainda no que
diz respeito a este texto 1, é necessário que se reforce a contribuição de fatos relacionados ao
desenvolvimento da matemática, e ao desenvolvimento das duas correntes filosóficas
(aristotelismo e neoplatonismo) uma vez que a influência matemática é constantemente
mencionada no documentário, além de ser, como veremos nos textos seguintes, uma das
características do método de Newton.
No texto 2, tais aspectos também devem ser ressaltados em Tycho Brahe, Kepler e
Galileu. A questão filosófica resultante de todas essas transformações, também merece
especial atenção, principalmente com o estabelecimento do problema do conhecimento e com
o aparecimento do racionalismo de Descartes e do empirismo de Francis Bacon.
Por fim, no texto 3, a tônica deve recair sobre a maneira de pensar de Newton e as
regras do seu filosofar, sempre lembrando de fazer referência às influências anteriores. A
regra I (da simplicidade da natureza), e o emprego de argumentos filosóficos e teológicos são
características da maneira de pensar de Newton que precisam ser ressaltadas, visto que
constituirão parte da argumentação empregada na análise do fenômeno da dispersão da luz
branca.
232
Atividade 4 – O raciocínio de Newton frente o fenômeno da dispersão da luz branca.
Dando continuidade às atividades desenvolvidas, passamos ao momento crucial deste
trabalho: a análise das observações e conclusões realmente proferidas por Newton ao abordar
o fenômeno observado com a passagem da luz através do prisma.
No material do aluno, essas informações, retiradas do livro Ótica (1704), estão
reunidas em dois textos que precisam ser explorados. Neles, procura-se evidenciar o caráter
não casual do experimento, (com a discussão a respeito da posição de desvio mínimo e do
conhecimento prévio de Newton acerca do formato da imagem a ser obtido); o emprego de
vários experimentos (e não somente um, como relatado na maioria dos materiais didáticos) e a
utilização de argumentos epistemológicos, baseados nas regras do filosofar newtoniano, para
se concluir, de fato, que a luz branca é uma mistura de cores com diferentes refrangibilidades.
O estudo desses textos é, portanto, de fundamental importância para que os alunos
compreendam, de fato, que a explicação dada por Newton não nasceu de um momento de
insight desse cientista e que, nem tampouco, o posicionamento do prisma frente à luz solar foi
fruto do acaso.
Objetivos:
•
Fazer os alunos compreenderem que a realização do experimento da dispersão da luz
branca por Newton não aconteceu por acaso e que, nem tampouco, a explicação dada por
ele foi fruto de um insight;
•
Evidenciar a argumentação empregada por Newton ao conduzir a sequência de
experimentos;
•
Ressaltar a utilização de argumentos epistemológicos e baseados nas regras do filosofar
newtoniano, na explicação do fenômeno observado.
Número de aulas necessárias: 3 aulas
Material necessário:
Os dois textos existentes no material do aluno, que relatam a sequência lógica e a
argumentação desenvolvida por Newton ao demonstrar que a luz branca é uma mistura de
cores com diferentes refrangibilidades.
233
Procedimento:
O desenvolvimento da atividade 4 pressupõe o estudo dos textos e das informações
contidas no material do aluno. Como são dados novos e de extrema relevância no contexto
das atividades, sugerimos que o professor tenha uma intervenção maior durante o processo
que pode ser executado em três aulas.
Nas duas primeiras aulas, ele pode solicitar aos alunos que, divididos em grupo, leiam
e discutam os textos I (na aula 1) e II ( na aula II) e apresentem, por escrito, as respostas às
questões referentes a cada uma dessas partes. Nesse momento, ao professor caberá a
orientação e o auxílio a cada uma dos grupos, no correto entendimento dos fatos e
acontecimentos.
Novamente, poderá contar com o auxílio das seguintes questões para facilitar a leitura
e a discussão das idéias mais relevantes para se atingir o objetivo deste trabalho.
234
Experimentum crucis de Newton
Contribuições da História e Filosofia da Ciência
GRUPO 4
Textos de referência: O raciocínio de Newton frente ao fenômeno da dispersão da luz
branca – Parte I.
Objetivo da leitura: Identificar o conjunto de ideias e teorias que Newton conhecia antes da
realização do seu experimento com o prisma.
Questões para reflexão
•
Comente a seguinte afirmativa: “O experimento da dispersão da luz branca através de um
prisma não teve caráter casual. Há evidências de um conhecimento prévio.”
•
A previsão teórica e os resultados experimentais nem sempre se confirmam após a
realização de um experimento. Como isso se evidencia na situação estudada por Newton?
235
Experimentum crucis de Newton
Contribuições da História e Filosofia da Ciência
GRUPO 5
Textos de referência: O raciocínio de Newton frente ao fenômeno da dispersão da luz
branca – Parte II.
Objetivo da leitura: Compreender a seqüencia de experimentos realizados por Newton, bem
como a argumentação por ele empregada para concluir que a luz branca é uma mistura de
cores com diferentes refrangibilidades.
Questões para reflexão
•
A imagem posicionada no canto superior esquerdo dessa folha, comumente apresentada
nos materiais e livros didáticos de Física, sugere que a conclusão de que a luz branca é
uma mistura de cores com diferentes refrangibilidades foi fácil e prontamente formulada
após a simples observação do fenômeno. A partir da leitura da parte II, qual o
posicionamento do grupo a respeito dessa visão?
•
Com base no estudo feito, que fatores, segundo a opinião do grupo, contribuem para que
uma nova descoberta científica seja feita?
236
Na última aula, será o momento de o professor fazer um fechamento, com base nas
respostas obtidas nas aulas anteriores. Se achar necessário, poderá ser realizada uma síntese
dos fatos, com a apresentação em lâminas de retroprojetor ou em slides, dos experimentos
desenvolvidos e da argumentação empregada por Newton, para estabelecer a afirmação de a
luz branca é uma mistura de raios com diferentes refrangibilidades.
Novamente, é de extrema importância que fique claro aos alunos que a explicação
dada por Newton não nasceu de um momento de insight desse cientista e, nem tampouco, o
posicionamento do prisma frente à luz solar foi fruto do acaso. Nesse sentido, reforçar a
influência da posição de desvio mínimo; o formato da imagem obtido, a necessidade da
realização de vários experimentos e o emprego de argumentos epistemológicos, constituem a
principal linha de raciocínio a ser perseguida durante a execução da atividade.
237
Atividade 5 – Verificando a composição da luz branca
Uma vez compreendida a sequência lógica e a argumentação utilizada por Newton
para explicar o fenômeno da dispersão da luz branca, passaremos a nos dedicar ao fenômeno
da composição evidenciado, na atividade 4, pela passagem da luz solar através de dois
prismas colocados em posições invertidas.
Para tanto, serão apresentadas aos alunos duas atividades práticas nas quais eles
poderão verificar essa composição através de outras montagens experimentais: “Compondo
outras cores” e “O disco de Newton”.
Em cada uma delas, será necessário que os alunos tenham conhecimento da diferença
entre mistura de cores por adição e por subtração e ainda do processo de reflexão que envolve
o estabelecimento das cores dos objetos. Essas informações serão, portanto, fornecidas na
parte teórica que antecede a experimental do material do aluno.
Objetivos
• Verificar a composição da luz branca por processos diferentes;
• Compreender a diferença entre mistura de cores por adição e por subtração.
Número de aulas necessárias: 2 aulas (sendo uma para orientação do trabalho e outra para a
apresentação do mesmo).
Material necessário
Os roteiros dos experimentos que estão disponíveis no material do aluno e todos os
objetos lá relacionados.
Procedimentos
Como já mencionado, esta atividade é composta de duas experiências que deverão ser
executadas pelos discentes com base nos roteiros fornecidos no material do aluno.
Inicialmente, o professor deverá fornecer (na aula de orientação do trabalho) os
subsídios teóricos para o desenvolvimento das atividades, através da leitura e discussão do
texto “Um pouco de teoria” ou, se preferir, por meio de uma breve exposição do tema.
238
Em seguida, para facilitar o processo, a turma poderá ser dividida em grupos, sendo
que cada um deles se responsabilizará pela execução de uma atividade experimental. Como a
experiência 1 tem duas partes, pode-se considerar a execução de três experimentos.
Como a primeira delas necessita de um ambiente escurecido para a obtenção um
melhor resultado (o que talvez seja difícil de conseguir na escola), pode-se sugerir aos alunos
que construam o aparato experimental e façam vídeos da apresentação do experimento.
Assim, em uma data combinada, todos os grupos assistiriam aos trabalhos dos demais.
Caso contrário, o professor pode sugerir à turma que apresente, em sala de aula
mesmo, as experiências desenvolvidas.
Agindo de uma maneira ou de outra, é preciso estabelecer com antecedência os
critérios da avaliação, deixando bem claro aos discentes o que deve ser comentado no vídeo
ou na apresentação. As respostas às questões propostas, bem como uma descrição do
experimento e de seus objetivos, podem sugerir um roteiro de assuntos a serem abordados
nesse momento.
239
REFERÊNCIAS
AXT, Roland. Dispersão da luz. Caderno Catarinense de ensino de Física, Florianópolis, v.
7, n. 3, p. 1-2, 1990.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Tradução de Ernani F. da F. Rosa.
Porto Alegre: Artmed, 1998. 224 p.
240
APÊNDICE C – Instrumento de avaliação entregue aos alunos após a realização da
atividade
Este instrumento tem por objetivo avaliar sua percepção sobre da metodologia apresentada.
Gostaria de contar com sua colaboração respondendo as perguntas abaixo. Não é necessário
se identificar. Antecipadamente, agradeço sua atenção.
Maria Fernanda Donnard Carneiro
1. Quais contribuições para o ensino da Física você identifica a partir do estudo
apresentado?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2. Qual a sua opinião a respeito do tema escolhido para o desenvolvimento dessa
dissertação?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3. Como você percebe a aplicação prática da seqüência didática apresentada? A partir
dela, surgem novas possibilidades para se pensar o ensino e estudo da Física?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4. A influência da história e da filosofia da ciência fica, de fato, evidente no decorrer da
seqüência didática? Justifique sua resposta apresentando aspectos observados na
apresentação que explicam sua percepção.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5. Quais os pontos negativos que você observou na seqüência didática apresentada?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
241
6. Quais os pontos positivos que você observou na seqüência didática apresentada?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
7. Registre abaixo suas sugestões de melhorias, contribuições e observações gerais que
gostaria de fazer.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Download

Maria Fernanda Donnard Carneiro