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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 12 • maio 2014
Edição Especial • Homenageado
F E R N A N D O
T A R A L L O
SEMÂNTICA NOMINAL E TIPO DE PREPOSIÇÃO:
RELEVÂNCIA PARA O USO DO LOCATIVO À ESQUERDA DO
SINTAGMA PREPOSICIONAL LOCATIVO
Elaine Marques Thomé Viegas (UFRJ)1
[email protected]
RESUMO: Análise de construções locativas do tipo locativo + sintagma preposicional locativo em
amostras de fala culta da cidade do Rio de Janeiro, em um estudo de tendência. Inicialmente, a pesquisa
verifica variáveis tanto estruturais quanto sociais. Os resultados apontam que apenas as variáveis
estruturais são relevantes, sendo que duas delas, nas quais este trabalho se detém, são pertinentes nas duas
décadas estudadas: caracterização do nome contido no SPLOC e tipo de preposição introdutora do
SPLOC. Destacam-se, respectivamente em cada tipo de variável,o fator topônimo, na década de 70, e o
espaço fechado 1, na década de 90, e a preposição em, nos dois momentos estudados. Outros resultados
apontam que, na década de 90, todas as ocorrências de SPLOC com o termo casa e locativo à esquerda
não possuem marca morfológica. Na mesma década, atua um número maior de condicionamentos, o que
indicaria que, de uma década para a outra, houve uma ampliação no uso do locativo à esquerda. Os
locativos aqui e lá, respectivamente representantes dos dois extremos em relação à proximidade ou ao
distanciamento do locutor, mostram maior frequência. Esse resultado parece dever-se uma maior precisão
e imprecisão semânticas das duas formas.
PALAVRAS-CHAVE: locativo; sintagma preposicional locativo; semântica nominal; preposição; fala
culta.
ABSTRACT: This trend study analysed locative constructions of the type locative + locative
prepositional syntagm (SPLOC) in samples of standard Portuguese spoken in Rio de Janeiro City. The
study began by examining both structural and social variables. The results indicated that only the
structural variables were significant and that two of them were relevant in both decades studied. These,
which were considered in depth, are the characterisation of the name contained in the SPLOC and the
type of preposition introducing the SPLOC. Notable, in relation to each variable type, were, respectively,
the toponym factor, in the 1970s, and the closed space 1, in the 1990s, and the preposition em [in] in both
periods studied. Other results indicated that, in the 1990s, no occurrences of SPLOC with the term casa
and locative to the left had morphological markers. In the same decade, a greater number of conditioning
factors were acting, which would indicate, from one decade to the other, a broadening in use of the
locative to the left. The locatives aqui [here] and lá [there] – representing, respectively, the two extremes
of proximity to, or distance from, the speaker – appear more frequently. This finding seems to stem from
the two terms’ respective greater and lesser semantic precision.
KEYWORDS: locative; locative prepositional syntagm; nominal semantics; preposition; standard
speech.
Introdução
1
Bolsista de Pós-Doutorado do CNPq.
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Este trabalho trata do uso do locativo à esquerda do sintagma preposicional
locativo, doravante SPLOC, em construções como em (1), na fala culta do Rio de
Janeiro, em um estudo em tempo real de curta duração. Para tal, reúnem-se duas teorias
linguísticas, uma de estudo da mudança linguística (Weinreich, Labov e Herzog, 1968)
e outra de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1995, 2000 e 2001). Como corpora, são
utilizadas entrevistas com locutores de nível universitário do Projeto Norma Linguística
Urbana Culta (NURC-RJ), disponíveis em www.letras.ufrj.br/nurc-rj.
(1) DOC. e o que... o que você tem no café da manhã?
LOC. café da manhã tem... eh... presunto... queijo... eh... suco de laranja...só
isso...
DOC. almoço...
LOC. no almoço? bem... AQUI [na Faculdade de Letras] é uma variação
tremenda... hoje... por exemplo... foi... filé de frango... com maionese...arroz...
feijão e salada... [Inquérito 014-Amostra Complementar-Faixa 2-Masculino]
Em um primeiro momento, apresentam-se as duas teorias utilizadas na pesquisa.
Em seguida, apresentam-se os corpora, a metodologia de análise e as variáveis,
estruturais e sociais verificadas. Na terceira seção, são apresentados, primeiramente, os
resultados gerais e, em seguida, é feito um recorte, apresentando-se, em subseções,
somente as variáveis selecionadas como relevantes: caracterização do nome contido no
SPLOC e tipo de preposição introdutora do SPLOC. Finalmente, as conclusões.
1.Fundamentação teórica-metodológica
1.1.A teoria de estudo da mudança linguística
Em meados do século XX, Weinreich, Labov e Herzog, no texto Empirical
Foundations for a Theory of Language Change (1968), estabelecem as bases empíricas
da teoria da mudança e apontam as possibilidades de observar a variação e a mudança
linguística em curso e de determinar suas possíveis motivações externas e internas.
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A presença de variabilidade e heterogeneidade seriam aspectos necessários para
que a mudança ocorresse, embora a observação dos dois aspectos não implique,
necessariamente, mudança.
Há variação quando formas variantes - formas linguísticas alternativas de dizer
uma mesma coisa - competem em um mesmo contexto. Essas formas podem competir
durante um curto período de tempo ou até por séculos. A mudança linguística só ocorre
quando há o desaparecimento ou a substituição de uma dessas variantes. Segundo os
autores, os problemas a serem investigados em um processo variável são os da: (i)
restrição; (ii) transição; (iii) encaixamento; (iv) implementação e (v) avaliação. O
primeiro, diz respeito às condições que restringem uma determinada mudança
linguística; o segundo trata do percurso entre dois estágios de uma língua; o terceiro
entende que as mudanças linguísticas devem ser observadas dentro do sistema
linguístico e social; o quarto, refere-se à compreensão de como a implementação da
mudança ocorre em determinada língua, em tempo e lugar específicos; e o último,
corresponde à análise que o falante faz acerca de uma determinada variante.
Labov (1972) estabelece dois tipos de mudança: (i) a mudança aparente, quando
se observa a mudança através da distribuição de uso de um determinado fenômeno por
faixas etárias, ainda que dentro de um mesmo período de tempo e (2) a mudança em
tempo real, quando se observa a comunidade de fala através do tempo, não só no tempo.
Correlações constantes e significativas entre a variável idade e alguma variável
linguística impõem ao pesquisador duas possibilidades: ou ele está diante de uma
mudança em progresso na língua, ou de uma variação estável, em que os indivíduos
mudam seu comportamento linguístico de acordo com sua faixa etária. Por esse motivo,
embora uma análise dinâmica de uma sincronia aponte movimentos no sistema, não
pode ser tomada, sozinha, como uma análise conclusiva. Distinguir entre distribuições
etárias indicativas de mudança ou de gradação etária constitui um problema cuja
solução requer a associação de evidências fornecidas por estudos em tempo real. Esse
tipo de estudo, complementa o de tempo aparente e permite distinguir aspectos que
perpassam a trajetória linguística da comunidade e do indivíduo. Para a realização do
estudo em tempo real de curta duração, Labov considera conveniente comparar o
comportamento do indivíduo e da comunidade em um espaço de tempo de mais ou
menos vinte anos, o que equivaleria à distância de uma geração.
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Em 1994, o mesmo autor diferencia o (i) estudo de painel (panelstudy), em que
se compara a fala dos mesmos indivíduos em dois ou mais momentos discretos de
tempo, do (ii) estudo de tendência (trendstudy), em que se comparam comunidades de
fala, em dois ou mais momentos discretos de tempo. O primeiro tipo de estudo permite
observar se e como o indivíduo muda seu comportamento no decorrer do tempo e o
segundo permite observar se e o que muda na comunidade no período de tempo
observado.
A associação do que é observado em diferentes pontos do tempo em relação ao
indivíduo e em relação à comunidade possibilitaria quatro padrões distintos, conforme
Tabela 1.
Padrões
Indivíduo
Comunidade
Estabilidade
Estável
Estável
Gradação etária
Instável
Estável
Mudança geracional
Estável
Instável
Mudança na comunidade
Instável
Instável
Tabela 1. Padrões de mudança no indivíduo e na comunidade.
(Fonte: Labov, 1984: 83)
1.2.A teoria linguística
Em trabalho desenvolvido por Thomé Viegas (2008), com base em Avelar
(2006), cujo objetivo era o de comprovar o esvaziamento semântico da preposição de,
em relações de adjunção adnominal, a autora registrou ocorrência de locativos
antepostos ao SPLOC, como no exemplo (2):
(2) meu marido gostou mais de chácara... você acorda a hora que quer... você
fica mais... mais... liberto de horário né... já quando a gente fica LÁ [na cidade]
onde eles... têm a casa deles... tem a padaria... fazem muito zoeira... e... tem que
acordar de madrugada pra fazer pão... aquela coisa... então... agen/geralmente
você não tem... um sossego mas... LÁ [na chácara]... você não escuta nem... só
escuta um passarinho cantando... eh... eh... acordando com o galo... [Inquérito
020-Amostra Complementar-Faixa etária 2-Feminino]
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A partir de generalizações intuitivas, levanta-se a hipótese da presença daquele
locativo estar relacionado à existência de elemento morfológico [+definido] no
sintagma preposicional. Os exemplos de (3) indicam que a agramaticalidade das
sentenças em (b) não se deve à presença ou ausência do locativo à esquerda do SPLOC,
mas à ausência de um determinante no sintagma preposicional.
(3) a. Pedro está Ø/AQUI [no/neste/num parque].
Eu botei a televisão Ø/AÍ [no/nesse/num quarto].
O síndico colocou câmera Ø/LÁ [no/naquele/num prédio].
b. *Pedro está Ø/AQUI [em parque].
*Eu botei a televisão Ø/AÍ [em quarto].
*O síndico colocou câmera Ø/LÁ [em prédio].
A análise de SPLOCs sem determinantes e com determinantes definidos dá
indícios de uma possível relação entre a anteposição dos locativos e a definitude. Nos
exemplos em (4), observa-se que as construções ou são agramaticais (*) ou são de
gramaticalidade duvidosa ((*)). Nos exemplos em (5), a anteposição do locativo ao
SPLOC não modifica tal condição. Já nos exemplos em (6), o acréscimo de artigo
definido ou de pronome demonstrativo à preposição em nos exemplos de (4) e (5) torna,
indiscutivelmente, todos os exemplos gramaticais. A gramaticalidade permanece
independentemente da presença de locativo, quando respeitadas as correspondências
entre este e o demonstrativo.
(4) a. *Ø [Em colégio] aqueles alunos lideram a confusão.
*Os papéis Ø [em pasta] precisam de carimbo.
b.(*)O Pedro se machucou Ø [em parquinho].
( )
* O maquinista fica Ø [em trem].
(5) a. *AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em colégio] aqueles alunos lideram a confusão.
*Os papéis AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em pasta] precisam de carimbo.
b.(*)O Pedro se machucou AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em parquinho].
( )
* O maquinista fica AQUI/AÍ/ALI/LÁ [em trem].
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(6) a. (×AQUI/AÍ/ALI/LÁ) [No/Neste/Nesse/Naquele colégio] aqueles alunos
lideram a confusão.
Os papéis (×AQUI/AÍ/ALI/LÁ) [na/nesta/nessa/naquela pasta] precisam
de carimbo.
b. O Pedro se machucou (×AQUI/AÍ/ALI/LÁ) [no/neste/nesse/naquele
parquinho].
O maquinista fica (×AQUI/AÍ/ALI/LÁ) [no/neste/nesse/naquele trem].
Quanto à questão gramaticalidade/agramaticalidade nos casos de preposições
locativas diferentes de em, parece haver uma incompatibilidade entre algumas delas e os
advérbios locativos, independente do determinante, conforme exemplos de (7) e (8).
Nos casos de anteposição do advérbio locativo e posposição dos determinantes em
relação às preposições locativas, as únicas construções cuja gramaticalidade não é
discutível parecem ser as estabelecidas com o auxílio das preposições de, em e para
(pra), como se observa em (a) de (7), ao contrário do observado em (b) de (7), com a
preposição a. O comportamento da preposição de observado nos exemplos (a) de (8),
em que as preposições intermedeiam determinante e locativo, não é semelhante aos
casos das preposições em, para (pra) e a em (b), em que as construções são
agramaticais.
(7) a. aqui do/no/pro, aí do/no/pro, lá do/no/pro, aqui deste/neste/pra este, aí
desse/nesse/aí pra esse, lá daquele/naquele/praquele
b.(*)aqui/aí/lá ao, *aqui a este; *aí a esse; *lá a aquele/àquele
(8) a. o daqui, o daí, o de lá, este daqui, esse daí, aquele de lá
b. *o naqui/naí/em lá, *o praqui/praí/pra lá, *o a aqui/a aí/ a lá, *este
naqui/praqui/a aqui; *esse naí/praí/a aí; *aquele em lá/pra lá, a lá
A gramaticalidade das construções em que há preposição de, como em (a) de (8)
pode dever-se ao fato de ela possuir conteúdo semântico menos preciso, em relação à
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em, para (pra) e a, exemplos de (8b), não alterando a relação dos elementos como se
exemplifica em (9).
(9) a. Este móvel aqui é de madeira.
Este móvel daqui é de madeira.
Este daqui é de madeira.
b. Esse carro aí está com defeito.
Esse carro daí está com defeito.
Esse daí está com defeito.
Assim,após a análise desenvolvida nesta seção, a hipótese que se estabelece é a
de que o elemento definido com determinante no SPLOC favoreceria o uso do locativo.
2.Corpora, metodologia e variáveis
Para a realização do estudo de tendência, são examinadas amostras de fala de 22
informantes, todos distribuídos em três faixas etárias, de 25 a 3 5 anos (faixa 1), de 36 a
55 anos (faixa 2) e de 56 anos em diante (faixa 3), pelos gêneros masculino e feminino e
pelas décadas de 70 e de 90, esta também chamada de Amostra Complementar (AC). As
amostras estão disponibilizadas em www.letras.ufrj.br/nurc-rj.
Estudo de tendência
Faixas
Amostra 70
Amostra 90
Etárias Masculino Feminino Masculino Feminino
1
096
133
013
003
Entrevistas
164
011
023
012
2
052
002
014
020
233
140
017
019
3
071
373
018
027
347
028
Tabela 2. Identificação dos falantes do estudo de tendência
Na análise, são considerados os SPLOCs realizados pelos locutores,
independentemente da presença ou ausência do locativo. Em um trecho como o de (10),
por exemplo, são analisados os quatro SPLOCs, destacados entre colchetes.
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(10) eu tinha horror àquele troço... sabe... negócio de ler diário oficial todo dia...
e andar Ø [no fórum]... um calor danado AQUI [no Rio de Janeiro] e a gente de
paletó e gravata... suando em bicas... deixando o sapato marcado Ø [no asfalto]...
isso não... isso não... isso não é mentira não... às vezes fazia tanto calor que a
gente ficava com o sapato marcado LÁ [no asfalto]... eh... então eu agüentei isso
até mil novecentos e setenta e oito... [018-AC-FE3-M]2
Quanto à possibilidade de inserção do locativo à esquerda do SPLOC quando
aquele não foi efetivamente realizado, observou-se que, na verdade, existe sempre a
possibilidade, pelo menos, de o locativo lá poder ser inserido na maioria desses
contextos, como é possível observar no exemplo (11), provavelmente devido a sua
fluidez semântica, característica essa também compartilhada por ali: “... as duas formas
convergem para a indicação de um ponto distanciado dos interlocutores do evento de
fala, anulando-se a diferença entre elas” (PAIVA, 2003: 138). Assim, considerou-se
que seria possível inserir um locativo à esquerda de todo SPLOC e o que poderia variar,
seria o grau de (im)precisão semântica do locativo.
(11) agora eu já vi no... já Ø (× LÁ) [no meu trabalho] eu me lembro eu tinha
uma colega que... desde cedo ela ara obrigada a deixar o filho ou com babá... ou
até o... quando... o filho um pouco mais crescido às vezes ele vinha Ø (× LÁ)
[do colégio] ficava sozinho Ø (× LÁ) [no apartamento] era uma... era uma
necessidade... eu acho que quando há essa necessidade não não vejo outra
maneira de... de resolver o problema senão através de... de babá realmente...
minha nora por exemplo essa Ø (× LÁ) [de São Paulo] tá ainda licenciada mas...
vai ter que trabalhar na na outra... segunda-feira... da semana que vem... e vai ter
que deixar o filho com a babá né? [071-70-FE 3-M]
O fenômeno da variação linguística pressupõe a existência de formas
linguísticas alternantes, as chamadas variantes, que poderiam estar correlacionadas ao
fenômeno variável analisado, a denominada variável dependente. O emprego do termo
2
Em cada exemplo, seguem o número do inquérito, o tipo de amostra (Década de 70 (70) e Amostra
Complementar (AC)), faixa etária (FE 1, FE 2 ou FE 3) e gênero (Feminino (F) ou Masculino (M)).
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dependente deve-se ao fato de o uso das variantes não ser aleatório, mas induzido por
grupos de fatores, ou variáveis independentes, de natureza estrutural ou social, que
consistem nos parâmetros reguladores dos fenômenos variáveis, exercendo pressão
positiva ou negativa sobre o emprego das formas variantes.
A variável dependente é caracterização da margem esquerda do SPLOC e suas
variantes são presença de locativo × ausência de locativo. São oito variáveis estruturais
e seis sociais: 1. tipo de locativo presente à esquerda do SPLOC; 2. caracterização
semântica do nome contido no SPLOC; 3. função sintática do SPLOC; 4. tipo de verbo;
5. (in)definitude morfológica do SPLOC; 6. (in)definitude morfológica do sintagma
determinado pelo SPLOC; 7. preposição introdutora do SPLOC; 8. efeito de definitude
e especificidade do termo contido no SPLOC; 9. tema do inquérito,10 e 11. gênero e
faixa etária do locutor; 12. tipo de amostra;13 e 14. número e origem do inquérito.
3.Análise do resultados
Para a análise sociolinguística quantitativa laboviana, foi utilizada a ferramenta
metodológica Goldvarb X (SANKOFF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2005), que
corresponde à versão para Windows do VARBRUL (PINTZUK, 1988).
No estudo de tendência, verificou-se que o grupo referente ao Tema poderia ser
retirado da análise, uma vez que há uma distribuição irregular e um mesmo tema pode
corresponder a inquéritos de diferentes faixas etárias e gênero, vindo a causar
sobreposições e comprometer o resultado. Não haveria condições de determinar
inequivocamente se o que motiva o uso do locativo é realmente o tema ou se é uma
característica do locutor do inquérito.
Após a retirada de fatores categóricos e a realização de várias rodadas com o
objetivo de refinar a análise dos dados, foram consideradas significativas as cinco
variáveis expostas na Figura 1.
Variáveis selecionadas no estudo de tendência
Caracterização do nome contido no SPLOC
Função sintática do SPLOC
Tipo de verbo
(In)definitude morfológica do SPLOC
Preposição introdutora do SPLOC
Figura 1. Variáveis selecionadas em rodada conjunta
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Em sequência à seleção das variáveis supracitadas, foram observadas,
separadamente, as amostras de 70 e de 90 (AC) para verificar a atuação dos grupos de
fatores em cada uma delas.
Variáveis selecionadas na década de 70
Caracterização do nome contido no SPLOC
(In)definitude morfológica do SPLOC
Preposição introdutora do SPLOC
Figura 2. Fatores relevantes na década de 70
Variáveis selecionadas na década de 90
Caracterização do nome contido no SPLOC
Função sintática do SPLOC
Tipo de verbo
Preposição introdutora do SPLOC
Efeito de definitude e de especificidade do termo contido no SPLOC
Figura 3. Fatores relevantes na década de 90
A análise das Figuras de 1 a 3 mostra que somente as variáveis estruturais são
relevantes para o uso do locativo à esquerda do SPLOC. A comparação das Figuras 2 e
3 mostra que as variáveis caracterização semântica do nome contido no SPLOC e
preposição introdutora do SPLOC são selecionadas nas duas épocas, sendo que aquela
é a primeira a ser escolhida em cada uma das épocas, o que evidencia a importância da
mesma para o fenômeno. O maior número de condicionamentos selecionados em 90
parece indicar que nessa década houve uma ampliação do uso do locativo em relação à
década de 70.
A frequência geral de uso do locativo é de 10% (162/1669) e não é a mesma
para todos os locativos. Pode-se dizer que, no período de 20 anos que separam as duas
amostras, o percentual de uso do locativo quase dobrou, conforme Tabela 3.
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Presença de
Lá
Aqui
Ali
Total
%
locativo
Oco
%
Oco
%
Oco
%
Década de 70
18
32%
32
57%
6
11%
56/811
7%
Década de 90
59
56%
41
39%
6
6%
106/858
12%
Total
77
48%
73
45%
12
7%
162/1669 10%
Tabela 3. Distribuição da frequência de locativo à esquerda, nas décadas de 70 e de 90
As formas que apresentam maior frequência são os que representam os dois
extremos em relação ao locutor e à distância, aqui ([+locutor/-distante]) e lá ([locutor/+distante]), respectivamente em 70 e em 90, inclusive com valores percentuais
aproximados. A frequência de aqui pode dever-se ao fato de terem sido registrados no
falante e, portanto, de fazer referência a primeira pessoa do discurso, enquanto o lá
permitiria sua inserção em variados contextos, devido a sua maior imprecisão
semântica, em oposição aos outros locativos.
(12) Bom, é um, um, um bairro onde você encontra de um tudo, com toda
facilidade, muito comércio, o comércio me... melhor estar AQUI [em Copacabana],
todas as casas da cidade, as grandes casas acabaram transferindo pra cá [140-70-FE 2-F]
(13) se eu sair daqui em cinco minutinhos estourando uns dez minutos... eu
estou na escola... se o trânsito estiver bom... e teve uma sexta-feira que eu saí daqui com
qua/mais de... duas horas quase pra chegar LÁ [no Campinho]... foi o dia pior que
houve muita... muita retenção em Cascadura... [020-AC-FE 2-F]
Devido
à
relevância
para
o
fenômeno
estudado,
serão
analisadas
detalhadamente, em seções distintas, apenas as variáveis caracterização semântica do
nome contido no SPLOC e preposição introdutora do SPLOC.
3.1.A caracterização semântica do nome contido no SPLOC
A hipótese para o estabelecimento da variável caracterização semântica do
nome contido no SPLOC é a de que termos locativos topônimos favoreceriam o uso do
locativo à esquerda do SPLOC pelo fato de serem entendidos como nomes únicos
(Lyons, 1999) e poderem, eventualmente, receber artigo definido.
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Para a análise, é estabelecida uma escala que varia do termo locativo stricto
sensu, representado pelos topônimos, ao locativo abstrato, termo originalmente não
locativo, mas que, no contexto, adquire nuance locativa. A classificação distingue-se
em:
a) Topônimos (Top.). Nomes próprios de lugares. Aqui se incluem nomes de
ruas, de pontos turísticos e de estabelecimentos comerciais.
b) Partes do corpo. Termos que denominam partes do corpo humano, como
perna, boca, pé. Referem-se a um local específico em relação a uma área maior.
c) Espaço fechado 1 (E. F. 1). Termos que se referem à local de moradia como
casa, apartamento, edifício, sobrado, dentre outros, ou de permanência, como hotel.
d) Espaço fechado 2 (E. F. 2). Termos que se referem a locais fechados como
cinema, teatro, loja, açougue, hospital, padaria, supermercado, igreja, dentre outros.
e) Espaço de outra natureza (Outra nat.). Termos menos específicos como rua
(sem determinação do nome da mesma), chão, lugar, quarteirão, vila, bairro, país,
praia, mundo, cidade, campo, parque, quintal, entre outros.
f) Lugar/meio. Termos em que se confundem as noções de espaço e de meio,
como avião, trem, carro, navio, ônibus, dentre outros.
g) Lugar/matéria. Termos em que se confundem as noções de espaço e de
matéria, como pasta, travessa, jornal, mesa, dentre outros.
h) Locativo abstrato. Termos preposicionados que adquirem nuance locativa no
contexto em que estão inseridos.
Seguem as Tabelas 4 e 5 com os resultados, tanto da década de 70, quanto da de
90.
Caracterização do nome
Década de 70
contido no SPLOC
Oco/Total
%
PR
Top.
39/326
12%
.66
E. F. 1
8/117
7%
.52
E. F. 2
4/124
3%
.30
Outra nat.
5/149
3%
.30
Total
56/716
8%
Tabela 4. O locativo e a caracterização no nome contido no SPLOC,
na década de 70
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Caracterização do nome
Década de 90
contido no SPLOC
Oco/Total
%
PR
Top.
54/368
15%
.59
E. F. 1
32/93
34%
.74
E. F. 2
2/111
2%
.15
Outra nat.
18/203
9%
.44
Total
106/775
14%
Tabela 5. O locativo e a caracterização no nome contido no SPLOC,
na década de 90
Na Figura 4, é possível visualizar melhor a distribuição do percentual de uso, em
relação a cada um dos fatores nas duas décadas. Ela evidencia um aumento significativo
de uso do locativo à esquerda no intervalo de 20 anos, no que diz respeito ao
denominado espaço fechado 1.
Figura 4. Distribuição do percentual de uso do locativo, de acordo com o
tipo de termo locativo contido no SPLOC, de uma década para a outra
Nos SPLOCs analisados nas duas amostras, não houve ocorrências de locativo à
esquerda de preposição quando o termo é partes do corpo, lugar/meio, lugar/matéria e
locativo abstrato, o que resultou, consequentemente, na retirada desses fatores para a
obtenção do peso relativo -- valor indicativo de maior ou menor peso com relação à
aplicação da regra. Os fatores topônimo e espaço fechado 1 são os que apresentam o
peso relativo maior, nas duas décadas, o que confirma a importância dos dois contextos
para o uso do locativo. O resultado da década de 70 validaria a hipótese de que os
topônimos, por serem entendidos como nomes únicos e receberem artigo definido,
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contribuiriam para a presença de um localizador à esquerda do SP em que estão
inseridos. Na década de 90, todas as 32ocorrências da categoria espaço fechado 1 foram
com o termo casa introduzido pela preposição em. Desse total, apenas uma ocorrência,
exemplo (14), possui elemento definido no SPLOC. Além disso, o termo ainda é
seguido de um pronome possessivo de terceira pessoa, deixando claro que a casa não é
do falante.
(14) eu fiquei oito meses na Argentina porque eu tinha uma tia... aquela...aquela
pseudo-portuguesa casou-se com um argentino e foi morar lá... e eu sempre ia...
sempre ia LÁ [na casa dela] até ela morrer né... até ela morrer não... até o plano
real né... [018-AC-FE 2-M]
Esses dados parecem apontar para uma relação entre o uso do locativo com o
termo casa e a ausência de elemento definidor. É como se o locativo fizesse o papel
geralmente atribuído ao determinante definido de se referir a algo específico e
particular,independentemente da proximidade em relação ao falante especificada pelo
locativo, como se observa em (15) e (16).
(15) em casa também os pais já eram assim pessoas... simples... e não...
uhn...valorizavam nada assim material... né... e nós andávamos vestidas... uhn/na
maior simplicidade e ninguém fazia questão... dede moda... de salão...é/quer
dizer que nós nunca gastamos... nessas coisas não é...éh/éh/éh/éh/então comida
não... comida era farta... a família toda... ia almoçar... LÁ [em casa]... né com
papai e mamãe... iam os/os filhos casados vinham... isso já... não na meninice
mais tarde... [019-AC-FE2-F]
(15a) a família toda... ia almoçar... Ø [na casa]... né compapai e mamãe... iam
os/os filhos casados vinham... isso já... não na meninice mais tarde...
(15b) a família toda... ia almoçar... Ø [em minha casa]... né com papai e
mamãe... iam os/os filhos casados vinham... isso já... não na meninice mais
tarde...
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(15c) a família toda... ia almoçar... Ø [na minha casa]... né com papai e mamãe...
iam os/os filhos casados vinham... isso já... não na meninice mais tarde...
(16) Então, toda hora tinha alguém oferecendo alguma coisa diferente ao meu
pai. E eu me recordo quando se colocou LÁ [em casa], foi a primeira máquina
de lavar que eu vi,foi a primeira geladeira que eu vi. É, a geladeira tinha uma
bola em cima,não sei porque, eu tenho a impressão que a serpentina, ou o motor,
ou o compressor era em cima, era esquisito mesmo. [028-AC-FE3-M]
(16a) Então, toda hora tinha alguém oferecendo alguma coisa diferente ao meu
pai. E eu me recordo quando se colocou Ø [na casa], foi a primeira máquina de
lavar que eu vi, foi a primeira geladeira que eu vi.
(16b) Então, toda hora tinha alguém oferecendo alguma coisa diferente ao meu
pai. E eu me recordo quando se colocou Ø [em minha casa], foi a primeira
máquina de lavar que eu vi, foi a primeira geladeira que eu vi.
(16c) Então, toda hora tinha alguém oferecendo alguma coisa diferente ao meu
pai. E eu me recordo quando se colocou Ø [na minha casa], foi a primeira
máquina de lavar que eu vi, foi a primeira geladeira que eu vi.
Na década de 70, destaca-se o fator topônimo, com uma diferença significativa
de .14 em relação à espaço fechado 1, fator com segundo maior peso relativo. Já em 90,
a relevância dos fatores se inverte, pois espaço fechado 1, com PR .74 é maior que
topônimo, cujo PR é .59. A diferença entre os pesos relativos dos primeiro e segundo
fatores mais significativos, selecionados tanto em 70 quanto em 90, praticamente se
mantém. De uma década para outra, fica mais nítida ainda a relevância do fator espaço
fechado 1, demonstrando um aumento do uso do locativo nesse contexto.
a)Topônimo
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(17) LOC. [...] agora fora de de Botafogo morei... em outros lugares mais
afastados...
DOC. no Rio mesmo?
LOC. no Rio sempre... salvo na infância que era AQUI [na Gávea] eh...quando
pequenininha depois... já fui pra Lagoa e... e depois sempreBotafogo... [133-70FE1-F]
b) Espaço Fechado 1
(18) nós tivemos a... de uma família de grande de... de grande nome... vamos
dizer assim... porque nós temos o nome... eh... mas financeiramente era um
fracasso... todos nós tivemos que trabalhar muito cedo... e LÁ [em casa] éramos
sete... eram...fomos nove e nos criamos sete... agora imagina um só ganhando...
[373-70-FE3-F]
3.2.Tipo de preposição introdutora do SPLOC
O objetivo da variável tipo de preposição introdutora do SPLOC é verificar se a
preposição que introduz o SPLOC é fator favorecedor do uso do locativo à esquerda do
SP. Classifica-se em em, de, para e a. De acordo com o que foi desenvolvido na seção
1.2,em e de seriam as preposições que possibilitariam o uso do locativo. A primeira, por
ser preposição essencialmente locativa e a segunda por ser a menos marcada
semanticamente e poder, em muitos casos, alternar com em (Thomé Viegas, 2008).
A preposição em parece ser a que mais propicia o uso do locativo à esquerda,
nas duas décadas, inclusive com pesos relativos próximos,respectivamente .60 e .57, o
que fica evidenciado nas Tabelas 6 e 7. O resultado confirma a hipótese definida
anteriormente, relativa ao fato de ser essa preposição a que apresenta valorl ocativo
prototípico.
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Década de 70
Tipo de preposição
introdutora do SPLOC
Oco/Total
%
PR
Em
49/552
9%
.60
De
5/129
4%
.37
Para
1/59
2%
.25
A
1/57
2%
.19
Total
56/797
7%
Tabela 6. O locativo e a preposição introdutora do SPLOC,
na década de 70
Tipo de preposição
Década de 90
introdutora do SPLOC
Oco/Total
%
PR
Em
100/623
16%
.57
De
3/86
3%
.21
Para
2/73
3%
.32
A
0/56
Total
105/782
13%
Tabela 7. O locativo e a preposição introdutora do SPLOC,
na década de 90
A Figura 5 mostra a distribuição das preposições pelas décadas: o uso do
locativo àesquerda da preposição em cresce, no intervalo que separa as duas amostras.
Figura 5. Distribuição do percentual de uso da preposição
introdutora do SPLOC, nas décadas de 70 e de 90
Quanto à preposição de, que também teria um papel importante para o
comportamento do locativo, por possuir características específicas (cf. seção 1.2), há
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uma estabilidade em relação ao uso, assim como o percentual de uso da preposição
para, que praticamente se mantém, de uma década para outra.
a)Preposição em
(19) o meu avô foi um dos fundadores de Belo Horizonte... [...] agora a comida
tem mais legume... tem mais verdura... tem muito mais carne... que LÁ [nonorte]
a gente comia camarão... né... às vezes comia até lagosta... né... tinha um preço
barato... né... peixe... peixe é uma delícia... né... já AQUI [em Minas] não...
come a carne muito gostosa... lingüiça... outro dia mesmo eu comi tutu com
torresmo couve... couve mineira né e e lingüiça... às vezes vem feijão de
tropeiro... você conhece feijão de tropeiro? [011-70-FE 1-F]
b) Preposição de
(20) nós tivemos a nossa lua-de-mel... nesse apartamento onde nós íamos morar
mesmo né?... um amigo... um amigo nosso que já tinha carro naquela época que
também não era uma coisa muito comum... ter carro... ele tinha um
chevroletzinho... não sei de que ano trinta e pouco sei lá... e... então ele nos
trouxe... de carro LÁ [da Tijuca] pro Flamengo e tal... ainda são meus
compadres até... até hoje são... são muito nossos amigos... [071-70-FE 3-M]
c) Preposição para
(21) não não... os fins de semana... eu geralmente tenho um hobby... todo mundo
tem... o meu talvez seja mais sadio... porque a minha distração é o
esporte...então... eu dedico praticamente o fim de semana meu... a uma espécie e
de higiene mental... eu pratico... pratico não... corro atrás de uma bola...durante
uns noventa minutos e isso nós vamos geralmente com um grupo de colegas...
pra fora ou LÁ [pra uma residência nossa] em Petrópolis... onde nós temos um
campo... ou então pra clubes mesmo... há em Nogueira...esses clubes
campestres... então nós vamos lá... bater uma pelada [052-70-FE 2-M]
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Na década de 90, não houve ocorrência da preposição a e, ao contrário do
esperado, observou-se locativo antecedendo essa mesma preposição, na década de 70,
como no exemplo (22).
d) Preposição a
(22) Não existe teatro na Tijuca. No entanto aqui há inúmeras casas. Então eles
vêm de lá pra cá, vêm pro banho de mar, vêm pra jantar, vêm pra almoçar, vêm
pra lanchar, vêm pra fazer compras! Apesar de que já há muita casa boa na
Tijuca agora, mas o pessoal prefere ainda vir AQUI [a Copacabana]. Eu acho
que Copacabana representa mais o que há de mais moderno, de mais novo e o
pessoal prefere vir pra cá, foi o que eu notei, desde que eu cheguei aqui. [14070-FE 2-F]
Conclusões
À luz do quadro teórico-metodológico da sociolinguística variacionista
laboviana, em um estudo do tipo tendência (LABOV, 1994),este trabalho apresenta
variáveis
estruturais
apontadas
pela
ferramenta
Goldvarb
X
(SANKOFF,
TAGLIAMONTE e SMITH, (2005)) que atuam no uso do locativo anteposto ao
sintagma preposicional locativo, conforme Figuras de 1 a 3. Embora apresente uma
ideia geral desse tipo de variável atuante no fenômeno, o trabalho faz um recorte e se
aprofunda apenas nas variáveis estruturais pertinentes às duas décadas estudadas, 70 e
90: caracterização do nome contido no SPLOC e tipo de preposição introdutora do
SPLOC.
A análise dos dados apontam que, (i) quanto à variável caracterização
semântica do nome contido no SPLOC, destacam-se os tipos de locativo topônimo, em
70, e espaço fechado 1, em 90 e (ii) quanto à variável preposição introdutora do
SPLOC, destaca-se em, nos dois períodos temporais
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O resultado, em relação à variável caracterização semântica do nome contido
no SPLOC, na década de 70, vai ao encontro da hipótese de que os topônimos, por
poderem ser entendidos como nomes únicos e receberem artigo definido (LYONS,
1999), seriam favorecedores de um localizador à esquerda do SPLOC.
O fato de os resultados, nas duas décadas, terem comprovado que a preposição
em é a que introduz preferencialmente o sintagma preposicional locativo confirma a
hipótese de que essa preposição licenciaria o uso do locativo à esquerda por ser a
preposição locativa prototípica.
Na década de 90, todas as ocorrências de SPLOC com o termo casa e locativo à
esquerda não possuem marca morfológica. Nesse tipo de construção, o locativo parece
fazer o papel do determinante definido de referir-se a algo específico ou particular.
A Figura 3 mostra que, na década de 90, atua um número maior de
condicionamentos, parecendo indicar que de uma década para a outra houve uma
ampliação no uso do locativo à esquerda.
A Tabela 3 mostra a maior frequência dos locativos aqui e lá, representantes dos
dois extremos em relação à proximidade ou ao distanciamento do locutor. Esse
resultado parece dever-se, respectivamente, a uma maior precisão e imprecisão
semânticas dessas formas.
Ao contrário do esperado (cf. subseção 1.2), os dados mostram que é possível
haver SPLOC introduzido pela preposição a e antecedido por locativo.
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Recebido Para Publicação em 16 de abril de 2014.
Aprovado Para Publicação em 5 de maio de 2014.
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semântica nominal e tipo de preposição