Brasil
Solange Dos Anjos Azevedo / Edna Dantas Araujo Varidel
2003.CSC.1.305
Eles mataram
O Brasil ainda tem samba no pé e, quando quer, faz bonito com a bola. Mas o mito
do brasileiro cordial foi estilhaçado pelas balas da realidade. A imagem mais fiel da nação
hoje é um jovem brasileiro de cara fechada e arma na mão. O país é campeão mundial de
homicídios em números absolutos, segundo a Organização Mundial da Saúde. Se for
considerada a taxa por 100 mil habitantes, ocupa o terceiro lugar no planeta. Só perde para
a Colômbia, devastada pela guerrilha há 30 anos, e para El Salvador, que amargou uma
guerra civil. Mais de 45 mil pessoas perdem a vida por tudo e por nada nas ruas da nação a
cada ano. Uma a cada 12 minutos. Metade dos assassinatos é cometida por cidadãos sem
antecedentes, de ficha limpa. Gente que, se não tivesse uma arma na mão, não mataria.
O Brasil é um país armado. E bem armado. São 8 milhões de armas de fogo — 5
milhões registradas e 3 milhões ilegais. Elas são responsáveis por 90% dos homicídios. Nos
próximos dias, deverá ser votado o Estatuto do Desarmamento na Câmara. O grande
avanço do estatuto aprovado no Senado era tornar crime inafiançável o porte ilegal de
armas, com penas que variavam de dois a 12 anos de prisão. Hoje, o sujeito paga uma
fiança e volta para as ruas. O texto previa também um referendo popular em 2005 para
decidir a proibição do comércio de armas no país. Mas, desde julho, quando foi apreciado
no Senado, o projeto vem sofrendo ataques recorrentes dos lobistas que defendem os
interesses dos produtores de armamentos, na tentativa de desfigurar o texto e reduzir as
restrições ao porte de armas.
Resta saber se, ao final, os deputados vão se sensibilizar com os argumentos das
indústrias de armamentos — juntas, as doações da Taurus e da CBC à campanha eleitoral
de 2002 somaram mais de R$ 1 milhão. Ou ouvir o clamor da população. No dia 14, um
domingo, 40 mil pessoas ignoraram a chuva para exigir um país sem armas na orla de
Copacabana, no Rio de Janeiro.
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A maioria das armas usadas pelos criminosos no país é produto nacional. Em geral,
elas são exportadas de forma legal e retornam ao Brasil, via Paraguai, no mercado paralelo.
Entre as cinco maiores do mundo, a indústria bélica brasileira fatura cerca de R$ 350
milhões por ano. Por dia, a violência custa ao país perto disso: R$ 300 milhões. O cálculo
inclui gastos com aparato de segurança, sistema judiciário e carcerário, perdas humanas e
materiais, além de assistência médica e hospitalar. "É o equivalente ao orçamento anual do
Fundo Nacional de Segurança Pública. E um valor superior ao envolvido na reforma
previdenciária que tanto mobilizou os governos", afirma o coronel José Vicente da Silva
Filho, pesquisador do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.
Com 3% da população mundial, o Brasil concentra até 13% dos homicídios. Cerca
de 90% deles ocorrem em áreas urbanas. Apenas 27 cidades de grande porte concentram
metade dos assassinatos. O custo da violência nas três maiores capitais brasileiras — São
Paulo, Rio e Belo Horizonte — corresponde a 5% do Produto Interno Bruto de cada uma
delas, segundo estudo do Ministério da Justiça. Os recursos somados chegam a R$ 13
bilhões por ano.
Em busca dessa realidade macabra, a relatora da Organização das Nações Unidas
(ONU) para Execuções Sumárias, Asma Jahangir, desembarcou no Brasil na terça-feira.
Até 8 de outubro, ela vai percorrer o país para elaborar um relatório sobre a situação da
violência brasileira, que será divulgado para o mundo. Ela recebeu o documento Execuções
Sumárias no Brasil, divulgado um dia antes pela ONG Centro de Justiça Global, no qual
são descritos 349 casos de extermínio praticados desde 1997. O relatório aponta o
envolvimento de policiais e outros agentes do Estado em crimes de tortura e assassinatos
em 24 dos 27 Estados do país.
O Brasil que a relatora da ONU vai descobrir é o resultado de uma combinação
explosiva de problemas econômicos e sociais: desigualdade de renda, acesso fácil a armas
de fogo, narcotráfico, urbanização desordenada, desestruturação familiar e impunidade.
Muitos países exibem uma ou duas dessas mazelas. Poucos, como o Brasil, têm todos esses
ingredientes no mesmo caldeirão. O número de corpos cravados de balas nos cemitérios
supera, inclusive, o de vítimas de acidentes de trânsito.
Pode piorar. O país assiste a um fenômeno sociológico novo: o surgimento de uma
geração que, diferentemente dos pais, já nasceu sob o signo da violência. Os jovens que
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assumem os postos do narcotráfico e comandam quadrilhas de assaltantes cresceram sob o
domínio de outra lei, aquela que encara a morte como uma solução natural para quem, por
qualquer motivo, incomoda. Para levar um tiro, basta uma cara feia. Ou o dono da arma
acordar de mau humor. O que o Brasil perdeu foi a interdição.
Estima-se que 70% dos assassinatos são cometidos por motivos fúteis. Na periferia
das grandes cidades, abater um semelhante tornou-se uma ação socialmente tolerável. Mais
do que isso: é justificada dentro da lógica dominante. "As pessoas estão sendo treinadas
para matar", alerta Guaracy Mingardi, pesquisador do Instituto Latino-Americano das
Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud). "A partir
do momento em que alguém mata uma pessoa, rompe uma barreira. Exterminar uma, duas
ou três já não faz mais diferença", explica o criminólogo ä Túlio Kahn. "O homicida fica
estigmatizado. Dificilmente volta para o mercado formal de trabalho, muda o rol de
amizades."
São jovens como Luiz Vieira, que cometeu o primeiro dos dois assassinatos aos 17
anos. "Abandonei a escola na 6a série porque comecei a fumar maconha e curtir baladas nas
quebradas. Quando percebi, era um moleque superpopular e comandava uma boca-defumo", contou a Época, na prisão. "Fui obrigado a matar o primeiro. Eu estava comprando
drogas para revender quando chegou a polícia. Alguém entregou alguém. Tive de dar cabo
dele. O mundo do crime é assim. Ninguém pode pisar na bola. Quando a lei do silêncio é
quebrada, tem de haver punição."
Os bolsões de miséria que emergiram ao sul do Brasil depois de duas décadas de
migração e urbanização desordenada hoje são bombas-relógio. Só nos últimos 20 anos,
mais de 20 milhões de pessoas se mudaram para as áreas metropolitanas. "Crianças criadas
em bairros violentos, que já viram vários cadáveres nas ruas, crescem com uma tendência
maior à violência do que os pais delas, que vieram de outros lugares, com uma cultura
diferente", afirma Mingardi.
No livro On Killing (Sobre Matar), o americano Dave Grossman, tenente-coronel
das Forças Armadas dos Estados Unidos, afirma que só os animais têm o instinto de matar.
Os homens só matam quando são treinados para isso. Tirar a vida de um semelhante é um
tabu incorporado pela humanidade, uma barreira de difícil transposição. Na guerra, os
soldados precisam ter a resistência ética quebrada para conseguir aniquilar outro ser
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humano. É algo parecido com isso que acontece quando uma criança nasce num local em
que matar é um modo aceitável de solucionar uma desavença ou se livrar de alguém que
atrapalha. É o freio moral que deixa de existir. Esse é o grande perigo: nem sequer há
alguma relutância a ser vencida.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizado no
presídio da Papuda, em Brasília, mostrou que a desestruturação familiar é decisiva como
fator de violência. Os assassinos apresentaram o menor índice de mães vivas. E o maior
porcentual delas trabalhando fora de casa. Empurradas para as ruas, as crianças são
educadas por um código de conduta segundo o qual só os covardes levam desaforos para
casa. Matar é demonstração de força. E uma forma de fazer justiça às avessas. "Matar é o
meu ganha-pão. Acertei sete tiros na cara do dono de um sítio que cobrava pedágio na rua.
Mas, se alguém me oferecer matar mulher, criança ou idoso, eu apago essa pessoa porque é
covardia", resume P.S.L., de 32 anos e 13 vítimas, matador de aluguel por profissão.
"Um matador de aluguel não tem nenhum distúrbio mental, tem um ä distúrbio de
valores sociais", diz o psiquiatra forense Miguel Chalub, professor da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. "O valor social base de nossa sociedade é que não se pode matar uma
pessoa, a não ser em situações excepcionais, como a legítima defesa. No sistema de valores
desses matadores, matar uma pessoa não é errado, é um fato possível na vida social, uma
maneira de ganhar a vida como outra qualquer."
Menos de 10% dos assassinatos acontecem em locais em que o poder aquisitivo é
alto. A desigualdade de renda acaba sendo um anabolizante da violência para quem tem
escassas chances de mobilidade social. "É um Volvo passando ao lado de quem não tem
nem saneamento", compara o sociólogo Renato Sérgio de Lima, especialista em violência.
Em 20 anos, A taxa de homicídios cresceu 230% em São Paulo e no Rio de janeiro.
Não é apenas a criminalidade que aumentou no Brasil, mas também a gravidade dos delitos.
E a crueldade com que são cometidos. "Apenas a questão social não explica os requintes de
crueldade. Alguma coisa faz o homicida se sentir Deus ao ter o poder de vida e morte", diz
a psicanalista Miriam Chnaiderman, que prepara um documentário sobre o tema chamado
Arma na Mão. "A crueldade, quase sempre, é movida por vingança ou sentimento de
inveja", aponta Chalub. "Não tem a ver com loucura. As pessoas normais é que são assim.
Têm inveja, despeito e revolta."
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Um imaginário inteiro que inspirou Chico Buarque a compor odes à malandragem e
canções como " O Meu Guri" desvaneceu-se nas curvas ascendentes das estatísticas. Os
trombadinhas fazem parte do passado num país em que garotos como R.B. começaram a
matar com 12 anos e chegam aos 23 com cinco mortes na consciência.
Entre dezembro de 2000 e julho de 2003, o número de internos na Fundação
Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), em São Paulo, cresceu 53%. No mesmo
período, a quantidade de infratores cumprindo medida socioeducativa por tentativa de
homicídio, homicídio e latrocínio aumentou 85,5%. Adolescentes entre 12 e 15 anos
representavam 11% do total. Hoje somam cerca de 20%.
Nos redutos dominados pelo tráfico, como nas favelas do Rio, a maioria dos
moradores é de cidadãos honestos, trabalhadores, que travam uma luta diária de resistência
com a bandidagem que domina pela força das armas. Fazem enormes sacrifícios para
manter os filhos na escola e, ao final, descobrem que terminar o ensino médio não é
suficiente para assegurar emprego, muito menos progresso na vida. Numa idade em que o
grupo de amigos tem mais influência que a família, eles têm de competir com as ofertas
tentadoras do tráfico, que garantem poder e dinheiro fácil, mas vida curta. Como convencer
um adolescente bombardeado pelos apelos do consumo que é melhor trabalhar o dia inteiro
para ganhar salário mínimo no fim do mês que desfilar de carro, roupa de grife e ganhar R$
150 por semana, inicial de um olheiro no tráfico? "Temos de disputar com o tráfico menino
a menino", diz Luiz Eduardo Soares, secretário nacional de Segurança Pública. "Precisamos
oferecer a essas crianças que estão morrendo tão cedo as mesmas vantagens que o tráfico
oferece, só que com sinal invertido. Ou seja: se no tráfico eles têm acesso a dinheiro, poder,
reconhecimento e valorização, do outro lado vão ter renda, reconhecimento e valorização,
no sentido positivo."
Se na periferia se mata por um desentendimento no jogo de cartas, a classe média
extravasa a agressividade matando gente em rachas de carro ou brigas no trânsito, botando
fogo em índios e mendigos, assassinando pai e mãe ou exterminando namorada. A
probabilidade de ser morto durante um assalto é menor do que numa briga pessoal. Com
um revólver na cintura ou debaixo do banco do carro e algumas doses de álcool ou droga na
cabeça, qualquer um pode perder a razão e se meter a valente. Esse é o risco do revólver ao
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alcance da mão. Até 1979, um em cada quatro homicídios era cometido com armas de fogo.
Hoje, essa relação é de três assassinatos para cada quatro.
Foi assim, num ataque de fúria de um pai de família armado, que morreu em julho o
ator e diretor de teatro Carlos Alberto Formaglio Oliveira, aos 34 anos, na Baixada
Fluminense. Ele viajava ao lado do amigo Gustavo Ernesto Almeida. Um caminhão que
estava na frente do Fiesta que Almeida dirigia freou bruscamente. Ele conseguiu evitar a
colisão, mas outro carro, que vinha atrás, acabou batendo na traseira do Fiesta. Mesmo com
a família no automóvel, o motorista enfurecido disparou contra o ator, que morreu com um
tiro na cabeça. O assassino fugiu. Carlos Alberto tinha acabado de dar uma aula. Ensinava
jovens carentes a interpretar.
O ciúme ainda mata — e muito — no Brasil. As estatísticas mostram que a maioria
das mulheres é assassinada dentro de casa. E o principal algoz é o próprio marido ou
companheiro. Ou o ex, que não se conforma com o fim do romance. Em 1o de setembro, o
estudante de Direito Higor Catirsi, de 22 anos, chocou o país ao descarregar um revólver
contra a ex-namorada Camila Duarte, de 22 anos, dentro de um shopping na Zona Norte da
capital paulista. Higor não se conformou com o fim do relacionamento. Depois de
assassiná-la, suicidou-se. Duas jovens vidas desperdiçadas.
Dois dias antes, na tarde de 30 de agosto, o ex-gerente-financeiro da Kellog’s
Antonio Gissi Tomaz assassinou a antiga namorada em Santa Bárbara d’Oeste, cidade do
interior paulista. Sandra Cristina de Souza, de 24 anos, foi aniquilada com três tiros porque
não quis reatar o romance. Em 40 anos de vida, Tomaz teve apenas duas mulheres.
Assassinou ambas.
Em abril de 2000, ele havia cravado uma bala na cabeça da esposa, Valquíria Alves
da Rocha, em Campo Limpo, bairro da Zona Sul de São Paulo. Os filhos do casal dormiam
no quarto ao lado. Segundo os irmãos de Valquíria, Tomaz era um homem ciumento e
violento. Testemunhas revelaram à Justiça que ela apanhava do marido. O casal vivia em
crise, com acusações mútuas de traição. Sandra, a segunda mulher, morreu porque a Justiça
considerou que Tomaz não representava uma ameaça à sociedade. Ele respondia pelo
primeiro crime em liberdade. Fez a segunda vítima três dias antes da data marcada para o
julgamento.
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A impunidade é uma das manchas mais vergonhosas do Brasil. E um dos fatores
que colaboram para produzir a chacina diária no país. Segundo o Ministério Público do Rio
de Janeiro, apenas 1% dos homicídios chega a ser esclarecido pela polícia. Apesar de as
cadeias estarem abarrotadas, a média nacional de prisão de homicidas não chega a 10%.
Pelo menos 70% dos casos são arquivados pela precariedade da investigação. Sem contar
que muitas "confissões" são obtidas por tortura nas delegacias, desqualificadas mais tarde
nos julgamentos. "A impunidade é um dos combustíveis que alimentam a violência", diz o
coronel José Vicente. "A certeza de que a pessoa pode matar e não vai acontecer nada."
Nos Estados Unidos, o único país rico com alta taxa de homicídios, exatamente pela
facilidade de obtenção de armas, 70% dos casos são solucionados e os assassinos presos.
A violência assalta os redutos da classe média e seus crimes ganham mais espaço na
mídia, mas o matador e a vítima, no Brasil, têm a mesma cara: homem, jovem e pobre. "O
perfil mais freqüente do assassino é igual ao da vítima", afirma o sociólogo Gláucio Ary
Dillon Soares, há dez anos estudando a violência no Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro (Iuperj), da Universidade Candido Mendes. "É homem, jovem, pobre, mata
por motivo fútil, usualmente com arma de fogo, em geral com revólver calibre 38, durante
o fim de semana."
Este é o DNA social que transformou o Brasil no campeão mundial de assassinatos.
Filhos sem pai, mães trabalhando duro fora de casa, escola deficiente, escassas perspectivas
de mobilidade social e o código das ruas por formação. Tudo isso num cenário de barracos
confinados, quase um campo de concentração. Se antes ser jogador de futebol era uma
chance de mudar de vida — e de bairro —, hoje até os campinhos desapareceram da
paisagem urbana.
Quando a família, a escola e o Estado falham, a sociedade paga a conta. Quando se
arranca a humanidade do homem, a vida não vale nada. Nem a do matador, nem a da
vítima. Quando, somado a isso, é possível comprar na esquina um revólver calibre 38 por
menos de R$ 100, é o país que está ferido de morte.
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R.B., 23 anos
Matou o primeiro aos 12 anos. Depois foram mais quatro
Matei cinco pessoas. Parei de estudar na 4a série e escolhi essa vida porque tinha
vontade de ser igual a meu pai. Ouvia dizer que ele era ladrão. Minha mãe me educou
direitinho. Nunca me faltou nada. Ela me internou porque eu era viciado em crack. Fugi do
abrigo e fui morar na rua. Lá aconteceu o primeiro homicídio, por causa de uma namorada,
a Leninha. Eu tinha 12 anos. Matei um menino de rua porque ele jogou um monte de cola
no cabelo dela. Ele era muito folgado, batia nas crianças menores. Dei cinco tiros de 32.
Quem é ladrão tem um ritmo diferente na mente, resolve as coisas assim. Tinha 14 anos
quando matei pela segunda vez. Um parceiro pegou umas armas emprestadas e não
devolveu no dia combinado. Perdeu um revólver e não pagou. Depois que a gente mata o
primeiro fica mais fácil matar outros. O terceiro também foi devido a uma treta. Eu roubava
na quebrada e lá tinha um ladrão muito folgado. O maluquinho gostava de tomar as minhas
coisas: relógio, bicicleta... Foi cena rápida. Eu e um amigo sentamos o dedo. O certo é
ladrão respeitar ladrão. Não é pelo pão. É pela atitude.
Um tempo depois fui para a Febem, por causa de um latrocínio. Tinha 15 anos. Eu e
outro cara abordamos um homem num farol. A nossa intenção era levar só o carro. Só que,
na hora que mandamos o cara descer, ele tentou pegar a arma do meu amigo. O Romualdo
deu só um tiro. O rosto da vítima ficou gravado na minha cabeça. Depois fiquei quase um
ano na rua morando com a minha ex-mulher e a minha filha na Vila Brasilândia. Tava
trabalhando. Mas fazia umas paradas porque tinha de colocar as coisas dentro de casa. Um
dia eu tô numa viela e chega a minha mulher. Ela fez um show porque uma amiga tava lá
comigo, fumando crack. Disse que ia me deixar. Expliquei que não tinha nada a ver. Mas
que, se ela não tava acreditando, eu ia provar. Naquela noite peguei uma faca na cozinha e
chamei um colega. Dei umas dez facadas na garganta da minha amiga. Peguei uma pedra e
joguei na cabeça dela. Meu colega queimou o corpo. Quando o crime aconteceu eu tinha 18
anos. Nunca tive essa natureza de querer fazer mal para os outros por qualquer motivo. Na
hora a consciência não pesa porque a gente pensa que tem um motivo. Mas uma vez o
espírito da minha amiga apareceu no meu sonho no meio de uma fumaça. Já vi muita gente
morta. Mas não sou um cara frio. Três dos caras que matei mereceram morrer, ou porque
eram ladrões, ou porque deram mancada. Mas no caso da minha amiga e do rapaz do
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latrocínio me arrependo. Eram inocentes. Não tenho medo de morrer, não. Acho que vou
ter vida longa. Mudei para a cela dos evangélicos pra buscar um refrigério para minha
alma.
Rogério Schwarz, 22 anos
Estudante de Direito, matou a noiva por ciúme
Em menos de 20 segundos acabei com a vida da minha noiva e a minha. Foi um ato
de desespero, por ciúme. Estou arrependido. Lembro-me disso todos os dias, todas as
noites. Não consigo dormir. Sonho com a Amanda. Sempre a vejo no local onde ocorreu o
crime. Sentada num canto, com a mesma roupa: calça jeans e blusa azul. Como se ela não
acreditasse que aquilo pudesse ter acontecido. Ela foi minha única namorada. Ficamos
cinco anos juntos. Tínhamos nossa casa, nosso carro, uma loja de roupas. Até que
começamos a brigar muito. Qualquer coisinha era motivo para discussão. Estava no 3o ano
de Direito e resolvi trabalhar no escritório de advocacia do meu pai. Não acreditei quando
um amigo me contou que a Amanda estava se relacionando com outra pessoa. Nos
afastamos ainda mais. Mas não definitivamente. Quando descobri que aquilo era verdade,
que ela tinha outro, entrei em desespero. Sofri durante um mês. Estávamos de casamento
marcado. Foi uma tortura psicológica. Minhas notas na faculdade caíram. Não tinha cabeça
para mais nada. Só pensava nela. Não sabia o que fazer. Ela não era só a minha noiva, era
minha amiga, companheira, era o ar que eu respirava. Eu precisava dela. Era obcecado. Até
hoje não consigo entender por que fiz aquilo. No dia 21 de novembro de 2001, por volta
das 16 horas, saí para buscar tinta para uma reforma. Guardava uma arma na loja. Como
não conhecia as pessoas que trabalhavam ali, resolvi deixá-la no carro. Foi quando
encontrei a Amanda. Começamos a discutir. Nos ofendemos. Perdi a cabeça. Fui até o carro
e peguei o revólver. Um Schmidt, calibre 38. Fiz quatro disparos contra a Amanda e saí
sem rumo, no meu carro. Minha vida não tinha mais sentido. Tentei me suicidar, dei um
tiro no meu peito. Mas não consegui morrer. Queria ir junto com ela. Ela teve uma parada
cardíaca no caminho do hospital. Morreu uma hora depois. A partir daquele momento não
vivi mais. Sofro de síndrome do pânico. Tomo antidepressivos. Nada me conforta. Não
tenho paz. Ainda a amo.
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P.S.L., 32 anos
Matador de aluguel, fez 13 vítimas e está solto
Matei 13 pessoas. A primeira porque quis atrasar um assalto e as outras 12 por
encomenda. O que o dinheiro mandar, vou buscar. Nunca usei tóxico, mas entrei no crime
vendendo droga porque a situação em casa apertou. Tem o ditado que diz: depois que vai o
primeiro, vai um monte. Um cara tava num bar e me viu assaltando na rua. Veio com um
taco de bilhar pra cima. Eu tinha 17 anos. Dei um tiro só, certeiro. Não senti pena. Tudo o
que fiz foi consciente. O primeiro convite para matar foi em 1995. Comentei num barzinho
que tava desempregado e que ia começar a matar pra ganhar dinheiro. Um traficante me
ofereceu R$ 5 mil pra apagar um cara que devia R$ 200 pra ele. Fiquei meio assim. Mas
pensei: se o cara gosta de roubar e matar pra comprar droga, então ele tem de achar alguém
pra mandar ele pro saco. Aí começou a aparecer empresário, gente importante. Fui preso
por roubo e batizado pelo PCC na Casa de Detenção (penitenciária de São Paulo). Quando
saí da condicional, há um ano, caíram outras condenações, mais de 100 anos. Matar é o
meu ganha-pão. Joguei sete tiros na cara do dono de um sítio que cobrava pedágio na rua.
Mas se alguém me oferecer matar mulher, criança ou idoso, eu apago essa pessoa. É
covardia. Matei o concorrente de um traficante por R$ 60 mil. Se for empresário ou
famoso, por menos de R$ 100 mil a gente não faz. Se for vagabundo ou nóia, por R$ 500
vai. Teve um cara que morreu porque ficou devendo R$ 5 pra um traficante. Já matei um
que contratou a gente pra apagar um cara. Ele disse que a vítima devia dinheiro pra ele.
Mas era mentira. Outro foi um policial que tinha levado muito dinheiro da gente. Em Mato
Grosso, apaguei um cara que mandou cocaína misturada para São Paulo. O pó devia ter
vindo puro. Outra vítima foi um cara que entrou para a diretoria de uma empresa de ônibus.
Quem pagou foi um cara do partido de oposição. O outro foi o dono de uma boate no
Centro de São Paulo. Quando ouvi a voz dele e vi a sombra atrás do olho mágico, coloquei
o revólver e dei. Também apagamos um perueiro que tava tomando as linhas de pais de
família. Prefiro usar pistola calibre 40 porque o impulso é mais leve. Já ganhei muito. Mas
não tenho nada. Gosto de comprar roupa de marca. O meu filho mais velho estuda em
escola particular. Só de me lembrar dos meus três filhos dá vontade de chorar (mostra as
fotos das crianças e do avô que carrega na carteira). Minha mulher não sabe que eu sou
matador. Acha que eu vendo roupa do Paraguai. Se passa alguma matéria na televisão, falo
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para os meus filhos não dar atenção porque é sobre gente que não presta. Sei que só tenho
dois destinos: a cadeia ou a morte. Prefiro a morte porque pra cadeia não volto mais. Tenho
sangue-frio. Mas muita fé em Deus. Vou à igreja evangélica. Acho que Deus quer livrar o
pecador. O certinho não precisa.
César Cavalcanti, 29 anos
Comerciante, ele matou em legítima defesa
Era uma quinta-feira, 22h40. Estava na frente da minha casa. Minha namorada
desceu do carro para pegar uma chave e me avisou que dois caras vinham naquela direção.
Um encostou e puxou a arma. Só que a minha estava no banco, pronta. Na hora que ele
anunciou o assalto, levou um susto. Foram momentos dramáticos para a minha namorada.
Ela se agachou atrás do pneu para se proteger. Podia ter morrido. Foi fogo à vontade. O
primeiro que eu acertei correu uns 50 metros e caiu. O outro foi atingido nas costas, mas
fugiu. Acho que as pessoas não devem reagir nem andar armadas. A maioria das armas que
estão com os bandidos passou pelas mãos de cidadãos de bem, que não sabem usá-las em
situações de emergência. Só usei porque fui policial por dois anos, conheço minhas
emoções e reações. Sabia que a posição era favorável para mim. Há seis anos sou
proprietário de posto de gasolina. Como fui vítima de tentativa de roubo, o promotor não
ofereceu denúncia. Não me arrependo de ter matado. Eram bandidos. Mas aquela quintafeira mudou a minha vida. Tive de sair do bairro onde eu nasci. Em geral, o ladrão não se
vinga de quem vai oferecer resistência. Ele não é herói. Vai na covardia. Atinge a gente
ferindo quem está próximo: pai, mãe, filhos. Toda a minha família foi castigada. Tivemos
de vender tudo e ir embora do bairro. O ladrão morava a 500 metros da minha casa, mas
não me conhecia porque era novo na área. Fiquei sabendo que ele queria me pegar dois dias
depois da ocorrência. Os amigos dele fizeram o acerto no velório do que morreu. Eram 12
caras. Eu estava no shopping com minha namorada e meu filho quando meu pai ligou.
Implorou para que eu não voltasse para casa porque queriam me matar. Mas eu não podia
deixar minha família sozinha. Uma viatura da polícia ficou na frente da minha casa. Os
bandidos passavam devagar pela rua, olhavam para dentro. Quatro carros ficaram
circulando por ali a noite inteira para me intimidar. Como quem diz: não adianta você
dormir que a gente está aqui. No domingo, às 8 horas da manhã, saímos com escolta. Tinha
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até grampo em nosso telefone. É humilhante ter de fugir de casa por causa de bandido. O
bairro é perigoso. Mas eu nasci lá. O meu pai também. O meu avô foi o primeiro policial a
ir para aquele bairro. Meu pai foi comandante da área na década de 80. Eu também
trabalhei ali. Nós tínhamos raízes que foram cortadas na marra. Soube que, pouco antes de
tentarem me assaltar, os caras tinham matado cinco ou seis pessoas numa chacina, inclusive
uma mulher grávida. A polícia já tinha problemas com aquele grupo. Eles davam rajadas de
metralhadoras 3 horas da tarde dentro da favela. Nós ainda saímos e compramos casa num
outro lugar. E quem não tem condições?
Marcelo de Andrade, 36 anos
Serial killer, ele matou 13 meninos
Estou aqui no manicômio porque errei lá fora. Infringi a lei. Quando eu morava com
o meu pai e minha madrasta, fugi de casa. Nesse tempo eu tinha uns 10 anos de idade. Na
rua, eu ficava me prostituindo. Fiz isso até os 20 anos. Ganhava muito dinheiro. Por isso
estou preso. Teve também 13 rapazinhos. Eu fazia sexo com eles. Eram só meninos, mas eu
não sou homossexual. Sou evangélico. Isso aconteceu no passado. Eu estava muito doido
da cabeça. Escolhia os meninos que eu achava mais bonitos. Tinham as pernas lisinhas. O
rosto e o corpo bonitos. Para convencê-los a me acompanhar, eu oferecia dinheiro e eles
aceitavam. Eram meninos de classe pobre. Algum tempo antes disso, eu estava caminhando
na Lapa, no centro do Rio, e encontrei um garoto de uns 14 anos. Um travesti. Ele me
chamou para ir a um hotel. No intervalo de duas horas, eu transei muito com ele, dei beijo
na boca e no final paguei R$ 50. Nunca mais consegui encontrar esse menino. Isso me
despertou ainda mais o desejo por garotos novos. Como não achei outro como ele, acabei
obrigando alguns meninos a fazer o mesmo, só que à força. Eu sempre os levava para um
lugar deserto. O sadismo tinha subido à minha cabeça. Aí eu acabei matando alguns deles.
Uns 13. Eu não me recordo bem do rosto deles. O primeiro garoto que peguei foi em
Niterói. Só sei que o nome dele era Anderson. Ofereci um dinheiro a ele. Disse que era para
me ajudar a acender umas velas para São Jorge. Levei-o para um lugar deserto. Chegando
lá, fiz sexo à força. Depois que eu gozei nele, o matei asfixiado e fui embora. Asfixiei com
a camisa dele. Voltei ao local onde tinha deixado o garoto mais umas três vezes para saber
se alguém já tinha descoberto alguma coisa. Ninguém nunca desconfiou de nada. Teve um
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garoto em Itaboraí que me deu um prazer sexual de fazer sadismo. No final cortei o
pescoço dele com um facão. Tirei a cabeça dele fora. Não sei por que fiz isso. Só passava
pela minha cabeça fazer sexo. Acho que eu matava porque estava endemoniado. Naquela
época eu freqüentava terreiro de macumba. Eu sentei com uma entidade chamada Rainha
Maria Padilha das Sete Catacumbas do Cemitério e os espíritos falavam para mim que
gostavam de sangue de criança. Eu tirei sangue das crianças, mas não foi para despacho,
não. Eu me tornava amigo dos meninos. Pagava até lanche para eles no McDonald’s. Hoje
eu estou arrependido mesmo. A juíza disse que eu vou passar o resto da vida na cadeia. Eu
estou pedindo a Deus para iluminar o meu caminho. Um agente penitenciário que
trabalhava no manicômio falou que, caso eu consiga a minha liberdade, é melhor eu fazer
uma cirurgia plástica para que ninguém tente me matar. Eu quero viver na rua, direito. Eu
quero uma mulher para mim, para tirar essa doença da minha cabeça. Não quero fazer mais
sexo nem com homem nem com menino. Eu tomo remédio para a cabeça. Se eu ganhasse
minha liberdade, eu não ia freqüentar baile funk nem pagode.
Lourenço Martins, 54 anos
Coronel da PM, mata a serviço do Estado
Meu primeiro combate foi em 1974. Fui batizado numa troca de tiros. Tinha 25 anos
e apenas quatro meses de polícia. Eu estava sentado próximo à janela e vi quando uns
assaltantes executaram o guarda de um banco que ficava vizinho ao Batalhão. Descemos e
houve uma troca de tiros. Dois bandidos morreram na hora, logo no primeiro confronto,
quando ficamos cara a cara com eles. O aspirante que estava ao meu lado caiu atingido por
uma bala na perna. Quando reagrupamos, partimos para cima deles e acabamos pegando
todos. Deu um branco na minha cabeça. Eu nunca esperei presenciar um quadro daqueles.
Quando tudo acabou me deu uma tremedeira. Parei para pensar que o tiro que atingiu o
meu colega poderia ter me acertado, eu poderia ter morrido. Com o decorrer do tempo fui
me acostumando com sangue, com as coisas trágicas. A tremedeira passou. É a mesma
coisa do médico. Quando ele entra numa cirurgia, tem de ser frio. No dia-a-dia de um
policial esse tipo de coisa se repete. E não é só a minha vida que está em risco. Tem a vida
de outras pessoas. Em 1984, estava num cerco a uma favela. O Silvio Maldição (um
bandido da época) estava com uma 9 milímetros na mão, quando um policial entrou no
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beco para rendê-lo. Eu, que estava numa laje logo acima, armado com uma 12, vi quando o
bandido levantou o cão da arma. Atirei nele antes. Atirei para que um policial meu não
morresse. Acertei a cabeça do bandido. Se mirasse no corpo, ele ainda poderia reagir.
Procuro não me lembrar quantas pessoas já matei ou vi morrer. Eram pessoas que deveriam
estar progredindo e que acabaram escolhendo o lado ruim. Mas o fato de estar dentro deste
cotidiano da vida me fez ser uma pessoa muito fria na minha maneira de trabalhar. O
policial militar tem de estar sempre atento, percebendo o que se passa nos 360 graus a sua
volta. É policial 24 horas por dia. Há dois meses, decidi liberar meu motorista e fui para
casa sozinho. Percebi que estava sendo seguido por três carros. Eram seis homens. Um dos
carros me fechou e um dos bandidos saiu com uma arma na mão. Atirei de dentro do carro,
pelo vidro. Ele caiu. Matei outros três e os outros dois fugiram. Ou eu os acertava ou eles
me acertavam. Nunca feri uma criança, nunca baleei pessoas que nada tinham a ver com
um crime. Para eu chegar a atirar em alguém é porque essa pessoa está atirando em mim.
Não existe o prazer de matar, e sim a consciência do certo e do errado. Há muito tempo
deixei a emoção de lado. Vivo pela razão. Para viver melhor, eu choro muito, corro e
pratico esporte. É a minha forma de extravasar (nesse momento ele chora). É duro a gente
perder um companheiro que passa dez, 15 anos do seu lado. Eu vivo para a polícia. Adoro o
que faço. Para não machucar ninguém que amo, optei por nunca casar. Também não tenho
filhos. Não quero jamais colocar em risco alguém que more comigo. Quem fez o juramento
de defender com a vida a vida dos outros fui eu.
Luiz Vieira, 25 anos
Ex-traficante, assassinou duas pessoas
Matei duas pessoas e me arrependo muito. Saí do Paraná com 4 anos e vim com a
minha família para Sorocaba, no interior de São Paulo. Abandonei a escola na 6a série.
Conheci um pessoal das quebradas e passei a curtir baladas. Achei legal o ritmo e a
filosofia de vida deles: ganhar dinheiro fácil, ter poder. Quando percebi, estava envolvido
no crime. Comandava uma boca-de-fumo. Um dia estava comprando drogas de um cara
para revender. Tinha 17 anos. Na hora da transação, a polícia chegou. Alguém entregou
alguém. Eu consegui fugir. Ele fez um acerto e foi liberado. Como eu tinha apresentado o
cara, fiquei "pedido" e tive de dar cabo dele. Caso contrário, eu seria cobrado. Até hoje me
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lembro do rosto dele. Infelizmente, o mundo do crime é assim. Ninguém pode pisar na
bola. Quando a lei do silêncio é quebrada, tem de haver punição. Passei oito meses na
Febem. Saí da cidade com a minha esposa porque queria mudar de vida. Um dia fui a uma
casa de prostitutas com um cara que conheci. Ele e outro sujeito queriam ficar com a
mesma mulher. Bêbados, eles se agrediram fisicamente. Uns 20 dias depois, meu amigo
disse que a gente precisava trocar uma idéia com o cara, senão ele poderia matá-lo. Dentro
do ônibus, ele me entregou um 38. Resisti, mas peguei o revólver e coloquei na cintura.
Chegamos ao sítio e a esposa da vítima nos atendeu. A filhinha mais nova deles tinha 17
dias. Quando a gente estava desistindo e já ia embora, ele vinha guiando um trator.
Reconheceu o meu parceiro e começou a disparar. Senti o primeiro impacto na perna.
Naquela hora, não pensei duas vezes. Atirei também. Ele morreu. Eu tinha levado um
segundo tiro no antebraço. O meu amigo fugiu. Andei uns 15 quilômetros a pé. Quando
cheguei à cidade mais próxima, estava começando a clarear. Encontrei uma casinha
humilde, onde me deram roupa limpa. Peguei uma carona num caminhão de leite. Depois
peguei um ônibus. Estava fraco porque tinha perdido muito sangue. Então pedi um copo de
pinga num bar. Aquilo tirou a minha dor, como um remédio. Por causa do tiro, minha coxa
tava grossa. A outra bala entrou pelo antebraço, quebrou a omoplata e se alojou no meio
das costas. Estava com o lado direito praticamente inutilizado. Não aceitei ir para o hospital
porque teria de explicar a razão dos tiros. Tinha 18 anos, estava me recuperando só com
remédios caseiros: óleo de copaíba, pólvora e fogo. Um mês depois do tiroteio fui pego.
Três dos meus quatro filhos nasceram depois que fui preso. Tentei o suicídio. Pensei em
terminar o casamento porque não sei quando vou embora. Estou infeliz, perdendo os
melhores anos da minha vida. Só percebi isso depois que caí no sistema penitenciário,
quando já estava com o corpo todo tatuado. Por causa desse maldito crime a minha vida
virou um inferno.
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Eles mataram