Estratégias de A2/AD no caso da Rússia e do Mar Negro Lauren Machado1 Resumo: A expansão OTAN e seus objetivos de mover a Defesa Nacional Antimíssil (NMD) às proximidades da Rússia e de suas águas adjacentes ensejou uma resposta deste país. Neste sentido, a nova doutrina militar russa (2014) explicita entre as principais ameaças externas à Rússia a NMD. Tendo em vista essa ameaça, os russos propõe-se a desenvolver recursos, simétricos e assimétricos, destacando-se os mísseis antiaéreos e anti-navio. Tomados em seu conjunto, estes sistemas, acrescidos de outros recursos, entre os quais pode-se destacar a guerra centrada em redes, podem ser dedicados à negar acesso (anti-access) e área (area denial). O principal objetivo deste trabalho é o de verificar se, e em que medida, a abordagem utilizada para análise dos mares do Sul e Leste da China se aplica para o Mar Negro. Para tanto, o conceito de A2/AD, utilizado para a análise das capacidades chinesas é inferido à Rússia. Espera-se que, ao fim, esta análise das capacidades militares da Rússia e dos EUA possa servir de indicativo ao padrão de relacionamento (se cooperação ou confronto) entre as partes. Palavras-chave: Rússia, Escudo Antimíssil, A2/AD, Mar Negro. Introdução A expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em conjunto com a instalação de um Escudo Antimísseis em território europeu representa uma ameaça direta à segurança do Estado russo. Isso porque, desde o final dos anos 1990, a OTAN não apenas amplia seu escopo para Leste, mas concomitantemente move sua infraestrutura militar para a proximidade das fronteiras russas. A atual conjuntura expõe as aguas adjacentes à Rússia, leia-se Mar Negro, permeadas pela Defesa Antimíssil deposta na Europa, mais especificamente na Romênia e na Turquia. Diante disso, a Rússia intenta minimizar os efeitos negativos de tal constrangimento causado pelas políticas dos Estados Unidos da América (EUA) e da OTAN através do desenvolvimento de recursos militares simétricos e assimétricos, os quais são postos como dedicados à negar acesso e área (A2/AD). O presente artigo se propõe a verificar a validade do conceito A2/AD, utilizado por Andrew Krepinevich para análise das capacidades chinesas de negação de acesso e área, para o caso da Rússia. Pretende-se, portanto, constatar se, e em que medida, a abordagem utilizada para análise dos mares do Sul e Leste da China se aplica também para o estudo do Mar Negro. Em suma, trata-se de discutir a segurança russa contemporânea através da análise das capacidades militares desse país e 1 Titula Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI) – UFRGS. Graduada em Relações Internacionais pela Faculdade América Latina (FAL). [email protected]. CAPES. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 dos EUA, vislumbrando atingir, ao final, uma resposta indicativa ao padrão de relacionamento futuro, se cooperação ou confronto, entre ambos os atores. O trabalho está estruturado em duas principais seções. Inicialmente, aborda-se a questão do equilíbrio e da polaridade internacional, sua relação com a Defesa Nacional Antimíssil e suas implicações para a Rússia. Ao mesmo tempo, é apresentada a Abordagem Adaptativa em Fases Europeia (EPAA), demonstrando a depoisição de parte do Escudo no Mar Negro. Posteriormente, a segunda seção trata sobre a caracterização do conceito de A2/AD e a descrição dos respectivos armamentos e sistemas que definem tal estratégia. A partir da análise feita por Krepinevich para a China, é estabelecido um paralelo com a Rússia, através da ponderação sobre suas capacidades de negação de acesso e área. Relaciona-se, desse modo, o caso do Mar do Sul e Leste da China para a perspectiva do Mar Negro. Por fim, apresentam-se considerações sobre em que medida as estratégias A2/AD importam para o Estado russo. 1. O Escudo Antimísseis em território europeu e as implicações para o equilíbrio internacional Conforme Ávila, Martins e Cepik (2009, p. 50) a polaridade do Sistema Internacional no período da Guerra Fria foi definida especialmente por dois aspectos: “[a] posse de armamentos termonucleares e [...] [a] capacidade de segundo ataque retaliatório com mísseis balísticos intercontinentais (lançados de terra ou submarinos) e bombardeiros de longo alcance”. É razoável assumir que, embora a dissolução da URSS guarde relação estreita com a impossibilidade do bloco em atender tanto ao imperativo da paridade convencional, como estratégica com os Estados Unidos da América (EUA), não significa que a dissuasão tenha deixado de existir nesse período (ÁVILA; MARTINS; CEPIK, 2009, p. 50). Nesse sentido, a capacidade de segundo ataque seria então responsável pelo equilíbrio internacional, já que, manteria as vulnerabilidades recíprocas dos atores (ÁVILA; MARTINS; CEPIK, 2009, p. 51). Ainda na tela da Guerra Fria, o desenvolvimento da microeletrônica permitiu aos EUA lançarem a Iniciativa Estratégica de Defesa (1983) 2, processo antecessor da atual Defesa Nacional Antimíssil (1999)3 (PICCOLLI, 2012, p. 14; MARTINS; CEPIK, 2014, p. 20). A NMD, por sua vez, trata-se da deposição de um sistema de Defesa Antimíssil que detenha a capacidade de proteger 2 3 SDI, do inglês Strategic Defense Initiative. NDM, do inglês National Missile Defense. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 a extensão territorial estadunidense contra mísseis balísticos (PUBLIC LAW 106-38, 1999). Atualizada em 1999, a NMD suprimiu qualquer ressalva legal em 2002, já que antes, o avanço de sistemas antibalísticos intercontinentais era circunscrito pelo Tratado ABM4 (PICCOLLI, 2012, p. 25; MARTINS; CEPIK, 2014, p. 20). Concomitantemente, incluso no projeto da NMD está a iniciativa de ampliação desta para o território europeu, que surgiu em 20015, sob o argumento de que a possível detenção de armamentos nucleares por parte Irã representaria uma ameaça à Europa 6 (PICCOLLI, 2012, p. 26). Sob essa perspectiva, é possível considerar tanto a renúncia do Tratado ABM por parte dos EUA, quanto a própria existência do Escudo Antimíssil na Europa como atos que corroboram a negação da possibilidade de destruição mútua assegurada; por conseguinte, a anulação das vulnerabilidades recíprocas responsáveis pela manutenção do equilíbrio internacional (PICCOLLI, 2012, p. 26). É sob essa conjuntura que a Rússia demonstra apreensão quanto aos propósitos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da NMD. A nova doutrina militar russa (2014) explicita a preocupação do país frente à expansão da OTAN; tanto no que diz respeito à adesão de Estados próximos a Rússia à Organização, quanto sobre a movimentação da infraestrutura militar do bloco para a proximidade das fronteiras e águas adjacentes russas, fazendo clara referência ao Escudo Antimíssil (RUSSIA, 2014, online). A despeito disso, a deposição do escudo antimísseis na Europa seguiu com a proposição de instalar “[...] dez bases com sítios de mísseis para interceptação [...] na Polônia e um radar fixo na República Tcheca. Barcos equipados com estações de defesa de mísseis balísticos (cruzador Monterey equipado com radar da classe Aegis) seriam ancorados [...] na Espanha. Além de outro radar transportável, 4 O Tratado Antimísseis Balísticos (ABM) foi celebrado em 1972, e previa, no que diz respeito aos ABMs, sua limitação a um máximo de cem mísseis antibalísticos tanto para os EUA quanto para a URSS (MARTINS; CEPIK, 2014, p. 20). O Tratado foi renunciado pelos EUA em 2001. 5 O Sistema de Defesa Antimíssil funciona em camadas que permitem diversas oportunidades de destruição dos mísseis e de suas ogivas antes que o alvo seja atingido. O sistema inclui: sensores em rede, radares baseados em terra e no mar, mísseis interceptadores também baseados em terra e no mar, e uma rede de comando, controle, gerenciamento de batalha e comunicações que conecta os sensores aos misseis interceptores. A tecnologia antimíssil prevê a contenção de mísseis de todos alcances (curto, médio, intermediário e longo) (MDA, 2013, p. 1). 6 Conforme já posto por Kassianova (2005, p.103) e Piccolli (2012, p. 27), o míssil iraniano Shahab-3 não teria capacidade para atingir a Europa, com exceção da Turquia e de alguns Estados do Leste Europeu. Por essa razão, os russos acreditam que o Escudo seria uma tentativa de minar sua dissuasão nuclear (GRUSHKO, 2008, p. 31). Ademais, o recente acordo realizado com o Irã, o qual concordou em limitar seu programa nuclear em troca do afrouxamento das sanções econômicas ao país, retira o sentido do estabelecimento de um escudo antimísseis (LAVROV:NO NEED..., 2013), já que, caso o acordo com os iranianos se concretize, a razão para a edificação da defesa antimíssil não mais se aplicará. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 em um terceiro sítio não definido, mas próximo ao Irã” (PICCOLLI, 2012, p. 29). Contudo, em 20097, o projeto para a Europa modificou-se para a Abordagem Adaptativa em Fases Europeia (BDMRR, 2010, p. 24) 8 e inseriu-se no contexto da OTAN. As duas principais adaptações da EPAA seriam a substituição da defesa antimíssil em terra pelo sistema Aegis, embarcado em cruzadores da Classe Ticonderoga e destroiers da Classe Arleigh Burke 9 e, além disso, os custos do projeto seriam então divididos com os europeus 10 (PICCOLLI, 2012, p. 29; BDMRR, 2010, p. 24). Ainda, a EPAA é dividida em quatro fases principais para a deposição total do Escudo europeu. A primeira fase, já completa desde 2011, previu a implantação de um cruzador Monterey no Mar Mediterrâneo, 29 navios equipados com o sistema Aegis, 113 mísseis SM-3 IA e 12 mísseis SM-3 IB, além de um radar AN/TPY-2 assentado na Turquia. Essa fase permite a destruição de mísseis de curto e médio alcance. A segunda fase, prevista para ser concluída neste ano, conta com a instalação do sistema Aegis na base de Deveselu, na Romênia11, além de mais navios e mísseis Aegis, assim como a integração de novas versões de sensores. Por sua vez, a fase três, pretendida para 2018, calcula mais uma base, similar à de Deveselu, agora na Polônia. Ao mesmo tempo, essa etapa prevê a modernização de mísseis, para a nova versão SM-3 IIA, mais rápida e potente12, além de novas plataformas de sensores, como a Tracking Space System (PTSS) e a Airborne Infrared (ABIR). A quarta fase, na qual o míssil SM-3 IIB13 seria implantado na base da Polônia, foi cancelada em março de 2013 (COLLINA, 2013, p. 2-4; DOD, 2010, p.24; SANKARAN, 2015, p. ix). A figura abaixo demonstra a deposição e a proximidade da EPAA à Rússia. 7 A mudança no cenário político estadunidense, com a eleição do Partido Democrata em 2008, ensejou também modificações no projeto da NMD. 8 EPAA, do inglês European Phased Adaptive Approach. 9 Essa alteração permite que nos navios os mísseis sejam mais facilmente rastreados pelos sistemas russos. 10 Para as defesas antimísseis regionais, a MDA desenvolveu um alcance de capacidades nas fases terminal e intermediária baseadas em terra e mar para conter mísseis balísticos de curto alcance (até 1000 km ou menos). As capacidades de defesa de curto alcance do Escudo consiste nos mísseis: Patriot (PAC-3 – responsável pela detecção, controle e engajamento de mísseis de balísticos de curto alcance, mísseis de cruzeiro e aeronaves), THAAD (capaz de interceptar mísseis dentro e fora da atmosfera) e Aegis BDM/SM-2 e SM-3 IA. Para o alcance médio (até 3.000 km), o THAAD e o Aegis BDM cumprem também essa função. Ainda, em 2011 um Aegis ABM foi capaz de interceptar um míssil de alcance intermediário. Quanto aos radares do Escudo, um exemplo é o AN/TPY-2, um radar de alta resolução, da banda X (DOD, 2011, p. 5-6). 11 A base na Romênia conta com um radar terrestre Aegis SPY-1 e 24 mísseis SM-3, assim como pretende-se, em 2018, para a base na Polônia. 12 Esse avanço permitirá melhor capacidade de abater mísseis de alcance intermediário e, permitirá limitadamente a contenção de mísseis balísticos intercontinentais. 13 Esse míssil permitiria interceptar mísseis balísticos intercontinentais. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 Figura 1: EPAA e a proximidade com a Rússia Fonte: NESNERA, 2012. Isso posto, diante dessa ameaça que refere-se à anulação de suas capacidades de segundo ataque estratégico14, infere-se a necessidade de estabelecer alternativas afim de assegurar as vulnerabilidades recíprocas e o equilíbrio internacional. Neste sentido, a região do Mar Negro apresenta-se enquanto importante via, haja vista a centralidade em termos de linhas marítimas de comunicação (SLOCs15) que representa à Moscou. Assegurar a influência sobre o Mar Negro significa aqui garantir a manutenção das vulnerabilidades recíprocas, as quais não vislumbradas via capacidades estratégicas, nos levam a inferência do conceito de A2/AD (anti-access / área denial)16 enquanto fiador para tal. 14 Piccolli (2012, p. 40) sugere uma alternativa ao Escudo Antimísseis europeu, qual seja: assegurar a capacidade de segundo ataque através de submarinos da classe Borei e mísseis Bulava, sendo necessário o domínio da microeletrônica adjunto à propulsão de combustível solido. Além disso, o Ártico seria visto agora como uma nova zona de lançamento, além de Vladivostok, que seria frágil ao sistema antimíssil japonês, ou dos mísseis na porção europeia da Rússia, vulneráveis aos misseis antiaéreos localizados na Polônia. Contudo, importa ressaltar que o submarino Borei e os mísseis Bulava ainda não se encontram plenamente desenvolvidos e em operação. 15 Do inglês, Sea Lines of Comunication. De acordo com a definição de Peele (1997), as SLOCs dizem respeito às rotas marítimas nas quais circulam o transito marítimo, sejam esses fluxos de navios comerciais, logísticos, ou de guerra. 16 Ao longo do texto, o termo A2/AD também será referido enquanto negação de acesso e negação de área. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 2. Estratégia de negação de acesso e área: do Mar do Leste e Sul da China ao Mar Negro A caracterização do A2/AD é feita por Andrew Krepinevich, membro do Centro de Avaliações Estratégicas e Orçamentais (CSBA), e agrupa sob uma mesma denominação meios simétricos e assimétricos de capacidades militares. Krepinevich (2010, vii) descreve os EUA como uma potência com projeção de poder mundial, que tem seus objetivos de acesso global sob ameaça do desenvolvimento de capacidades de negação de acesso e área por parte da China 17. O autor descreve as capacidades A2 como aquelas que visam impedir que o inimigo adentre determinada área operacional, tendo como alvo principal as forças aéreas e marítimas, a partir dos armamentos de longa distância. Já as operações AD servem, não para barrar, mas sim para limitar a capacidade de forças inimigas em um teatro operacional, referindo-se aos armamentos de curto alcance (Ibidem, 2010, p.9-10). Logo, mísseis balísticos anti-navio (ASBM), armas antissatélite (ASAT), aviação anti-navio de longo alcance e submarinos - nucleares e convencionais - cumpririam o papel das forças de negação de acesso (A2). Por sua vez, os mísseis cruzadores anti-navio, as minas, os mísseis superfície-ar (SAMs), o sistema de munições inteligentes J-DAM18, os mísseis balísticos de teatro, e a artilharia costeira desempenhariam operações de negação de área (AD) (KREPINEVICH, 2010, p. 10-15; TANGREDI, 2013, online). Nesse sentido, a rede A2/AD tem como finalidade tornar proibitivas as operações de projeção de poder dos EUA no Pacífico Ocidental, ao mesmo tempo em que cria condições para o estabelecimento de uma área de influência exclusivamente chinesa (KREPINEVICH, 2010, p. 25). Ainda, estas armas e métodos denominadas pela China enquanto shashoujian19, possuem a capacidade de dissuadir um adversário superior, ou serem empregadas com a finalidade de paralisar as forças inimigas no início de um conflito. O autor vai além e infere que as estratégias de A2/AD podem servir também para retardar as forças de projeção de poder adversárias, mantê-las fora do alcance efetivo do território chinês, ou para derrotá-las uma vez que logrem adentrar tal espaço territorial (KREPINEVICH, 2010, p.14-15). 17 O autor também analisa em seu relatório as capacidades A2/AD do Irã, as quais não serão especificadas no presente artigo, já que importa para esse trabalho o caso chinês e sua similaridade com a Rússia. 18 Do inglês, Joint Direct Attack Munition. 19 Shashoujian é o termo chinês utilizado para denominar suas estratégias militares, as quais seriam de negação de acesso e área. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 Passa-se então a uma breve análise dos armamentos citados por Krepinevich enquanto ferramentas utillitárias ao desenvolvimento das capacidades A2/AD chinesas. O autor menciona o incremento de radares OTH20, de sistemas anti-satélite e de armas cibernéticas sofisticadas. Também, aponta a deposição de mísseis balísticos de curto e médio alcance, assim como a modernização da aviação de longo alcance, os quais ameaçariam o acesso norte-americano às bases avançadas na Ásia. Ao mesmo tempo, aponta mísseis de cruzeiro anti-navio, como o Kh-31A Mod 2, além dos submarinos da classe Kilo, e dos mísseis terra-ar (SAMs), como o S-300PMU2 – sendo os três de origem tecnológica russa (KREPINEVICH, 2010, p 16-24). Haja vista a já pautada supressão das capacidades de segundo ataque estratégico russo por conta da deposição da NMD, Moscou propõe-se, no mesmo sentido que Pequim, a desenvolver uma palheta de recursos, simétricos e assimétricos. Esses seriam indicativos do uso da estratégia A2/AD para manutenção de sua influência e capacidade de gerenciamento de crises, plausíveis de utilização na região do Mar Negro21. Deste modo, importa verificar se, e em que medida, a abordagem utilizada por Krepinevich para análise dos mares do Leste e do Sul da China se aplica para o caso do Mar Negro. Partiremos então, para a apreciação de alguns atributos A2/AD da Rússia. O 3M-54, por exemplo, cumpre papel de míssil anti-navio (KOOP, 2012, online), enquanto o Kh-35U, se apresenta como a versão lançada a jato de um míssil anti-navio subsônico (Тактическое..., 2015, online). Outro desses recursos seria a aviação anti-navio, representada pelo bombardeiro estratégico Tupolev-160 (Blackjack). Desenvolvido ainda pela União Soviética, mas com recente programa de modernização que adicionou um novo radar e aviônica avançada ao Tu160. As primeiras unidades foram entregues em 2008 à força aérea russa, embora alguns problemas no projeto permitam sua conclusão apenas em 2020 (IISS, 2014, p. 185; JENNINGS, 2014, online). Além disso, o radar terrestre OTH Kontainer (GRAU 29B6) é capaz de monitorar mísseis inimigos em fase de lançamento. Em 2013 uma estação do radar foi ativada no Distrito Militar Ocidental e uma segunda deverá adquirir status operacional em 2018, no Distrito Militar Oriental (CEPIK; MARTINS, 2014, p. 33) Ainda, o submarino SSBN da classe Borei entrou em operação em 2013 e tem capacidade para 16 mísseis SLBM Bulava (IISS, 2014, p. 180). Concomitantemente, a Rússia lançou o 20 Do inglês, Over the Horizon. O radar além do horizonte tem um potente computador acoplado capaz de emitir e receber o sinal refletido pela ionosfera, conseguindo acompanhar a curvatura da terra 21 Importa aqui o entendimento que tais capacidades militares simétricas e assimétricas estão sendo desenvolvidas em um escopo de planejamento militar amplo. Nesse sentido, alguns recursos estão alocados na região do Mar Negro, outros podem ser direcionados para essa região e, outros ainda, estão em fase de desenvolvimento tecnológico e testes. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 Novorossiysk, um dos seis submarinos stealth elétricos à diesel que serão destinados à frota do Mar Negro (NOVO SUBMARINO..., 2013). Também, o submarino SSK Paltus (Kilo) representa um desses artifícios (Ibidem, p. 182), ao mesmo tempo em que as aeronaves Il-20RT e Il-38 cumprem o papel da guerra anti-submarino (IISS, 2014, p. 185). Ademais, o submarino de quarta geração da classe Lada tem sistema de propulsão de ar independente (AIP), assim como sua versão de exportação ainda em desenvolvimento, a classe Amur (CDBME, 2015, online). Por sua vez, o P-800 Oniks (Yakont), míssil cruzador anti-navio, tem velocidade supersônica que permite evitar a detecção e o rastreamento do míssil, mas, que não lhe garante imunidade frente aos sistemas de defesa área, haja visto que a taxa de kill depende da quantidade de mísseis lançados para tal (Yahont..., 2012, online). Do mesmo modo, uma nova geração de sistema SAM (míssil superfície-ar), o S-500, sendo uma de suas funções interceptar mísseis balísticos intercontinentais, está prevista para entrar em operação em 2018 (IISS, 2014, p. 163). Sobre o Sistema Aéreo de Alerta e Controle (AWACS), a Rússia detém a aeronave A-50, que possui um radar (AESA) de vigilância capaz de interceptar missões ar-ar ou ar-terra (IISS, 2014, p. 186). Para 2016, está sendo desenvolvido o AWACS A-100 que contará com um novo sistema de radar e antenas de matriz ativa faseada, que permitem detectar e rastrear alvos aéreos e terrestres com mais precisão (A-100.., 2014, online). Também, o míssil balístico de teatro (TBM) 9K720 Iskander (SS26 Stone) cumpre função de interceptar alvos na dinâmica de guerra (IISS, 2014, p. 161). Concomitante à essas capacidades, importa mencionar o papel da guerra centrada em redes (network centric warfare). A NCW se refere à obtenção de poder através de vantagens informacionais enquanto elemento central na guerra. Conforme Alberts, Garstka e Stein (2000, p.2) “Em sua essência, a NCW traduz a superioridade de informação em poder de combate através de uma eficaz ligação entre as […] entidades no campo de batalha”. Em suma, a NCW não se refere exclusivamente à tecnologia, mas sim à uma resposta militar dada à Era da Informação (ALBERTS; GARSTKA; STEIN, 2000, p.88). O entendimento do conceito de NCW assenta-se na ideia de que o êxito militar não depende do elemento quantitativo de armamentos, mas sim da superioridade tecnológica; a NCW implica em unidades militares espalhadas em amplas extensões e pontos de comando distantes, que encontram-se, no entanto, ligadas à uma única rede de comunicação (RUSSIAN TANKS..., 2015, online)”. Um exemplo da aplicação do conceito de NCW para Moscou é o desenvolvimento de um sistema russo de guerra eletrônica de última geração, que entrará em testes em breve, munido com I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 equipamentos para operações centradas em rede. Esse sistema tem como objetivo suprimir as comunicações do inimigo em uma extensa faixa de frequências, abrangendo inclusive canais de comunicação via satélite (RUSSIA DEVELOPING..., 2015, online). Além disso, outra amostra disso é o complexo de radiação de micro-ondas móvel, projetado para supressão de drones inimigos com um alcance de até 10 km, que consiste em um oscilador, uma antena e um sistema de controle e monitoramento de transmissão, disposto sobre a base do sistema de mísseis anti-aéreos Buk (RUSSIA‟S NEW.., 2015, online). Tomados em seu conjunto, os sistemas acima descritos, acrescidos da guerra centrada em redes podem ser denominados como atribuições à negar acesso e área. É possível inferir, a partir da apreciação acima, que as características de negação de acesso e área estão presentes nas capacidades militares russas. Mais do que isso, o país conta com sistemas e armamentos que podem, em conjunto, resultar em uma rede A2/AD significativa. Do mesmo modo, é preciso considerar que a Rússia é responsável pelo desenvolvimento e entrega de diversas armas e sistemas que estão presentes e são utilizados como instrumentos de A2/AD especialmente por parte da China (TANGREDI, 2013, online). Tangredi (2013, online) afirma que Moscou detém capacidades de negação de acesso e área respeitáveis e, os recentes desenvolvimentos no que tange às inovações militares 22 por parte dos russos indicam que o país deve incrementar suas forças de A2/AD. Por essas razões, é possível inferir que a caracterização de negação de acesso e área feita por Andrew Krepinevich para análise dos mares do Sul e Leste chinês seja igualmente válida para o caso da Rússia e do Mar Negro. Para os russos o Mar Negro, como já citado, figura como fiador de linhas marítimas de comunicação estratégicas, representa uma via de acesso aos mares quentes (ligação com o Mediterrâneo), e, sobretudo, impacta na manutenção da área de influência de Moscou. Na medida em que a trama A2/AD tornar proibitivo o acesso e neutralizar eventuais operações dos EUA no Mar Negro, vislumbram-se as seguintes implicações para a Rússia: i) a garantia de suas SLOCs, assim como seu acesso ao Mediterrâneo; ii) a proteção da fronteira sul, que dá acesso à região militar-industrial do país; iii) a continuidade dessa região enquanto esfera de influência russa, já que o acesso à ela seria negado aos demais países; iv) sendo as áreas de influência um atributo da multipolaridade, seriam garantidas as vulnerabilidades recíprocas, o que 22 Aqui cabe relembrar os acima citados bombardeiro estratégico Tupolev-160 (Blackjack), o radar terrestre OTH Kontainer (GRAU 29B6) e o sistema o S-500, como exemplos de tais ações russas. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 atenuaria, juntamente com as medidas militares russas de alternativas à EPAA, os efeitos da deposição do Escudo Antimísseis em território europeu. Assim sendo, aufere-se a centralidade que a estratégia A2/AD possui em termos de segurança internacional para a Rússia. Considerações Finais Para ampla compreensão da estratégia russa, iniciou-se com o entendimento da capacidade de segundo ataque estratégico enquanto garantia das vulnerabilidades recíprocas e do equilíbrio internacional. Em seguida, buscou-se compreeender e o papel do Escudo Antimísseis em minar essa resposta russa, excluindo a possibilidade de destruição mútua assegurada na relação entre Rússia e EUA. Ressaltou-se que o Escudo Antimísseis na Europa já encontra-se com a primeira fase completa, e a segunda a ser concluída nesse ano, o que insere, através da Romênia e da Turquia, o Mar Negro na questão. Diante essa ameaça, percebeu-se que a Rússia vem desenvolvendo suas capacidades militares, as quais demonstram características significativas da estratégia de negação de acesso e área. A partir da problematização do desafio norte-americano em manter seu acesso à regiões como o Mar do Sul e do Leste chinês, Krepinevich demonstra as estratégias de A2/AD. O conceito de negação de acesso e área admite recursos simétricos e assimétricos, exemplos disso seriam os mísseis anti-navio e anti-aéreos. Partindo da análise das capacidades chinesas estabeleceu-se um paralelo com a Rússia e com o Mar Negro. Ao mesmo tempo, destacou-se a centralidade das estratégias A2/AD para a segurança russa que, ao fim e ao cabo, seriam meio de manutenção da área de influência russa. Ao assegurar tal esfera de influência, as capacidades A2/AD permitiriam a manutençao das vulnerabilidades recíprocas e, juntamente com os invenstimentos russos em alternativas à EPAA – submarino Borei e míssil Bulava – atenuariam o papel da Defesa Antimíssil para a Rússia. Ao mesmo tempo, conclue-se que, diante da deposição do Escudo europeu na Romênia e Turquia, definindo o Mar Negro como território de abrangência da NMD, aliado à recente retomada da Crimeia ao território russo, é plausível considerar que a disputa entre Rússia e EUA se torne mais intensa nessa região. Ações como a alocação de SAMs e mísseis de cruzeiro capazes de cobrir, respectivamente, cerca de 40% e quase a totalidade do Mar Negro por parte da Rússia (OTAN DENUNCIA..., 2015), assim como a contrapartida norte-americana de enviar um destroier da classe I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 Arleigh Burke para exercícios no Mar Negro (DESTROYER DA..., 2015) corroboram para indicar a militarização e, portanto, o confronto como padrão de relacionamento entre russos e norteamericanos nessa região. Referências bibliográficas ALBERTS, David; GARSTKA, John e STEIN, Frederick. Network Centric Warfare: Developing and Leveraging Information Superiority. Washington, D.C.: National Defense University Press, 2000. AVILA, Fabrício Schiavo; MARTINS, José Miguel; CEPIK, Marco. 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