JAN / FEV / MAR 2015 • No 1 • ANO XXXIX boletim MAR 15.indd 1 20/03/2015 18:03:35 boletim MAR 15.indd 2 20/03/2015 18:03:35 Editorial E Tranquilidade, ética e dignidade m nome da Sociedade Brasileira de Reumatologia, o Boletim deseja a todos os associados um excelente ano de 2015. Esperamos que nós todos tenhamos sucesso e tranquilidade em um ano que desponta com possibilidades de agitação política, econômica e até mesmo social. Em meio a incertezas, numa sociedade cada vez mais hesitante, que todos tenhamos a possibilidade de manter nossa profissão com ética e dignidade. Sabemos da importante função social que temos em relação ao país. Reiteramos a intenção de o Boletim da SBR ser o principal meio de comunicação entre a sociedade e o associado. Assim, inauguramos a seção Balancete, que apresentará as movimentações financeiras da SBR. Destacamos também a participação nacional no encontro anual do American College of Rheuma- tology, mostrando mais uma vez a qualidade da produção científica nacional, além de reforçar a inserção brasileira na reumatologia internacional. Na seção Profissão Reumato, considerações sobre a importância da nutrição na prevenção e no tratamento das doenças reumáticas. Na coluna Em nossa memória, homenagens ao professor João Manuel Cardoso Martins e ao dr. Wagner Weidebach. A partir deste número, teremos também a Coluna Neubarth, um espaço para que o ex-presidente da SBR, Fernando Neubarth, agracie-nos com a força de sua literatura. As demais seções mantiveram suas características, trazendo as conhecidas e preciosas contribuições do dr. Seda, do dr. José Marques e do dr. Plínio. Boa leitura a todos e um ano repleto de realizações! SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA Diretoria Executiva da SBR – Biênio 2014-2016 Presidente César Emile Baaklini – SP Tesoureiro José Roberto Provenza – SP Secretário-geral José Eduardo Martinez –SP Vice-Tesoureiro Luiz Carlos Latorre – SP 1º Secretário Silvio Figueira Antonio – SP Diretor científico Paulo Louzada Jr. –SP 2º Secretário Washington Alves Bianchi – RJ Representante junto à Panlar Adil Muhib Samara – SP Antonio Carlos Ximenes – GO Fernando Neubarth – RS Maria Amazile Ferreira Toscano – SC Representante junto ao Ministério da Saúde Ana Patrícia de Paula – DF Mário Soares Ferreira – DF Representante junto à AMB Eduardo de Souza Meirelles – SP Gustavo de Paiva Costa – DF Ivone Minhoto Meinão - SP Av. Brig. Luís Antônio, 2.466, conjuntos 93 e 94 01402-000 – São Paulo - SP – Tel.: (11) 3289-7165 / 3266-3986 www.reumatologia.com.br @ [email protected] Coordenação editorial Edgard Torres dos Reis Neto Jornalista responsável Maria Teresa Marques Editores Tania Caroline Monteiro de Castro Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira Sandra Hiroko Watanabe Layout Sergio Brito Colaborador Plinio José do Amaral Impressão Sistema Gráfico SJS Tiragem: 2.000 exemplares BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 3 ÍNDICE Boletim da Sociedade Brasileira de Reumatologia 4 6 8 9 10 13 14 16 18 20 22 Notas ACR 2014 O melhor do Brasil Agenda – A charge do Plínio Profissão Reumato Reumato.com Rheuma & Ethos Em nossa memória Coluna Neubarth Coluna Seda Além da Reumatologia 3 20/03/2015 18:03:35 N ota s Novo manual aborda Reumatologia para residentes O Equipe que colaborou para a elaboração do manual. serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) lançou em dezembro de 2014 o “Manual de Reumatologia para Residentes”, coordenado pela professora titular em Reumatologia do Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal do Ceará (UFC), dra. Marta Maria das Chagas Medeiros. O manual é dirigido, principalmente, para residentes de Reumatologia, mas também para os de outras áreas clínicas e estudantes. O conteúdo da publicação foi baseado em evidências científicas e nas experiências dos preceptores do serviço de Reumatologia do HUWC da Faculdade de Medicina da UFC. O objetivo do manual é trazer as informações mais necessárias no dia a dia dos residentes, de maneira prática e direta. Essas informações, no entanto, devem ser utilizadas apenas como um guia na prática reumatológica, pois a decisão clínica diante de cada paciente específico passa pelo julgamento clínico judicioso e tratamento individualizado. Os capítulos são estruturados em abordagens dos pacientes com determinadas queixas (dor articular, monoartrite, poliartrite, dor na coluna, fenômeno de Raynaud, fraqueza, dor difusa, vasculite) e em assuntos muito importantes na prática dos residentes (exame físico musculoesquelético, laboratório em reumatologia, terapêutica medicamentosa em reumatologia, emergências reumatológicas, critérios classificatórios e métricas). Os colaboradores do manual foram: dra. Ana Paula de Menezes Cunha, dr. Carlos Ewerton Maia Rodrigues, dra. Fernanda Nogueira Holanda Ferreira Braga, dra. Ídila Montalverne Xavier de Oliveira, dr. José Gerardo Araújo Paiva, dr. Leonardo Ribeiro Sampaio, dra. Mailze Campos Bezerra, dra. Marta Maria das Chagas Medeiros, dra. Raquel Telles de Souza Quixadá e dra. Sheila Márcia de Araújo Fontenele. A impressão da publicação contou com total apoio financeiro da Sociedade Cearense de Reumatologia (SCR), gestão 2012-2014, cujo presidente foi dr. Eyorand Andrade. A SCR está enviando gradativamente exemplares para os serviços de Reumatologia do Brasil para serem distribuídos entre os seus residentes. Brasileira ganha concurso português de fotografia A psicóloga Vera Marques, esposa do reumatologista José Marques Filho, autora da foto “Angústia”, foi a vencedora do concurso Crônicas da Dor. Promovido pela Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas (LPCDR), em parceria com a Associação Nacional de Farmácias, a FNAC Portugal e o Metropolitano de Lisboa, o concurso objetivou revelar o outro lado da dor, convidando os participantes a dar sentido à diversidade de emoções, aos sentimentos e comportamentos que ganham força na presença da dor. A cerimônia de premiação ocorreu durante o XVII Fórum de Apoio ao Doente Reumático (11de outubro de 2014). O prêmio foi entregue a Vera Marques pelo dr. Augusto Faustino (reumatologista, presidente da LPCDR). Foto premiada clicou estátua de cemitério, de autor desconhecido. 4 boletim MAR 15.indd 4 BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:35 Prêmio de Incentivo em Ciências e Tecnologia para o SUS-2014 O estudo intitulado “Antinuclear antibodies: two-step detection strategy” ganhou o prêmio de Incentivo em Ciências e Tecnologia para o SUS2014, uma iniciativa da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/ MS), representada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit). O prêmio tem por objetivo reconhecer e premiar pesquisadores que desenvolvem projetos voltados para a área de ciência e tecnologia em saúde com potencial de incorporação pelo SUS. É um incentivo para estimular a produção científica direcionada às necessidades de saúde da população. A solenidade de premiação ocorreu em novembro de 2014, em Brasília. Os autores, vencedores do prêmio, são: dra. Maria Roseli Monteiro Callado, dra. Maria Nancy de Alencar Barroso, Vania Maria Alves, Maria Arenilda de Lima Abreu, dra. Lívia M. Mesquita Mororó Muniz e dr. José Rubens Costa Lima. Estudo: • Categoria: Trabalho científico publicado, recebendo Menção Honrosa • Periódico: Immunological Investigations, 43(1): 86-95, 2014. • Título: Antinuclear antibodies: two-step detection strategy • Trabalho realizado no Hospital Geral de Fortaleza - Ceará. • Aplicabilidade ao SUS Dra. Maria Roseli Callado, uma das autoras de trabalho premiado. A pesquisa de anticorpos antinucleares (ANA) por imunofluorescência indireta (IFI) em HEp-2 é o método de referência para ANA. Ensaios automatizados processam grandes volumes de amostras de maneira rápida, com menor custo e chance de erro humano, justificando o interesse nestas metodologias. BalaNcEtE A Sociedade Brasileira de Reumatologia divulga balancete - Gestão 2014/2016 - 28/02/2015 e Demonstrativo do Resultado do Exercício Gestão 2014/2016 (Valores em reais) Demonstrativo do Resultado do Exercício Gestão 2014/2016 Receitas 1.366.192,91 Anuidades 6.598,58 Financeiras 528.463,24 Patrocínios 92.500,00 Eventos Oficiais Despesas Administrativas 738.631,09 1.239.388,73 698.733,95 Atividades 314.173,83 Publicações 226.480,95 Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) 31/08/2014 ATIVO DISPONÍVEL Caixa 126.804,18 12.756.983,04 4.075,47 448,23 98.595,07 Investimentos ADM 8.555.222,51 7.956.140,11 Investimentos FAP 4.482.298,74 4.698.172,36 605.289,16 1.341.078,26 Anuidades 366.996,00 335.787,67 Adiantamentos – Regionais 104.120,00 258.777,50 Resultados – Eventos 134.173,16 746.513,09 843.221,28 843.221,28 843.221,28 843.221,28 CRÉDITOS IMOBILIZADO Imóveis – Sede SP PASSIVO 14.487.893,68 14.941.282,55 FORNECEDORES 20.457,82 0,00 OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS 17.763,38 19.555,29 Contribuições Saldos de salários RETENÇÕES TRIBUTÁRIAS Tributos PATRIMÔNIO LÍQUIDO Superávit BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 5 13.039.383,24 28/02/2015 14.941.282,55 1.413,76 Bancos – Conta movimento Patrimônio Social Acumulado Superávit 14.487.893,68 6.427,98 6.666,16 11.335,40 12.889,13 1.960,25 848,92 1.960,25 848,92 14.447.712,23 14.920.878,34 10.964.706,27 14.794.074,16 3.483.005,96 126.804,18 5 20/03/2015 18:03:36 d E s taq u E Brasileiros no ACR 2014 No período de 14 a 19 de novembro de 2014, foi realizado na cidade de Boston, EUA, o American College of Rheumatology Annual Meeting (Congresso Americano de Reumatologia). Trata-se do maior congresso da especialidade realizado atualmente e, para muitos, também o melhor. Temas de ciência básica, novos métodos diagnósticos e tratamentos foram destaque. Nem mesmo as temperaturas próximas de 0°C foram capazes de esfriar o ânimo dos reumatologistas brasileiros, que mais uma vez se sobressaíram com debates de alto nível em apresentações orais e na forma de pôster. Deliciem-se abaixo com os trabalhos apresentados! Parabéns a todos os pesquisadores brasileiros! Universidade de São Paulo / USP • Reduction of Ovarian Reserve in Adult Patients with Dermatomyositis. • Does Previous Corticosteroid Treatment Affect the Inflammatory Infiltrate Found in Polymyositis Muscle Biopsies? • Frequency and Risk Factors for Recurrent Falls in CommunityDwelling Elderly: A Population-Based Prospective Cohort Study in Brazil. The São Paulo Ageing & Health (SPAH) Study. • High Incidence of Non-Vertebral Osteoporotic Fracture and Hip Fracture in Brazilian Low-Income Community-Dwelling Elderly: A Population-Based Prospective Cohort Analysis from the São Paulo Ageing & Health (SPAH) Study. • Human Papilloma Virus and Chlamydia Trachomatis Infections in Rheumatoid Arthitis Under Anti-TNF Therapy. • Incidence and Risk Factors for Osteoporotic Vertebral Fracture in Low-Income Community-Dwelling Elderly: A Population-Based Prospective Cohort Study in Brazil. The São Paulo Ageing & Health (SPAH) Study. • Long-Term Evaluation of NT-Probnp Levels in Ankylosing Spondylitis Patients Under TNF Blockers: A Marker of Persistent Disease Activity? • Lower P1NP Serum Levels: a Predictive Marker of Bone Loss after One-Year Follow-up in premenopausal SLE Patients. • Serum Adipokines in Dermatomyositis: Correlation with Risk Factors Associated to Cardiovascular Diseases and Metabolic Syndrome. • Subclinical Right Ventricle Systolic Dysfunction By TwoDimensional Speckle-Tracking Echocardiography in ChildhoodOnset Systemic Lupus Erythematosus Patients. • Trabecular Bone Impairment Assessed By HR-pQCT in JuvenileOnset Systemic Lupus Erythematous with Vertebral Fractures. • Visceral Fat Measured By Dual-Energy X-Ray Absorptiometry Is Associated with Increased Risk of Non-Spine Fractures in Nonobese Elderly Women: a Population-Based Prospective Cohort Analysis from the São Paulo Ageing & Health (SPAH) Study. • A Randomized Double-Blind Placebo-Controlled Trial of Vitamin D Supplementation in Juvenile-Onset Systemic Lupus Erythematosus: Improvement in Disease Activity and Fatigue Scores. • Abatacept Related Infections: No Association with Gammaglobulin Reduction. Universidade Estadual de Campinas / Unicamp • Macrophage Activation Syndrome: A Severe and Frequent Manifestation of Acute Pancreatitis in Childhood-Onset Compared to Adult Systemic Lupus Erythematosus Patients. • Disease Phenotype Is Associated with TH1, TH2 and TH17 Cytokines in Childhood-Onset Systemic Lupus Erythematosus. • Metabolic Syndrome in Young Premenopausal Female Lupus Patients Is Mainly Influenced By Therapies. • Metabolic Syndrome Features Can Influenciate Cognitive Functions and Brain Lesions in Childhood-Onset Systemic Lupus Erythematosus. • Metabolic Syndrome, Adipocytokines and Inflammation in Sjögren’s Syndrome. • Overexpression of Ankyrin Repeat Domain Containing Protein 1 Gene (ANKRD1) in Polymyositis Muscle Biopsies Is Correlated to Hypoxia. • Positive HLA-B27 in Juvenile Spondyloarthritis Is Associated to Early Sacroiliitis and Progression to Ankylosing Spondylitis. • RANKL and OPG Gene Polymorphisms: Association with Vertebral Fractures and Bone Mineral Density in Premenopausal Systemic Lupus Erythematosus. 6 boletim MAR 15.indd 6 • Neurofilament H Is Associated with White Matter Lesions in Childhood-Onset Systemic Lupus Erythematosus. • Prevalence and Features of Metabolic Syndrome in Systemic Sclerosis. • Reduction of Cerebral and Corpus Callosum Volume in Systemic Sclerosis. a Volumetric Magnetic Resonance Imaging Study. • Sense of Smell, Anti-Ribosomal P Antibodies and Neuropsychiatric Manifestations in Systemic Lupus Erythematosus. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:36 • Serum Neuronal Biomarkers and Brain Atrophy in ChildhoodOnset Systemic Lupus Erythematosus. • Th1 and Th2 Cytokines Are Associated with Cerebral Atrophy in Systemic Lupus Erythematosus. Universidade Federal de São Paulo / Unifesp • Impact of Sleep Disorders in Quality of Life, Pain and Disease Activity Using Actigraphy and Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI)in Female with Systemic Lupus Ertyhematosus (SLE). • Resistance Training in Patients with Psoriatic Arthritis Improves Function, Disease Activity and Quality of Life. • Selective Consumption of C2 Component in HCV Patients. Santa Casa de São Paulo • Analysis of Vitamin D Receptor Gene Polymorphisms and Bone Mineral Density in a Population of Women with Rheumatoid Arthritis in Use of Steroid. Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Uerj • Angiogenic and Antiangiogenic Factors in Patients with Systemic Lupus Erythematosus. Estudos Multicênctricos com autores do Brasil • Plasma of Patients with Active Behçet´s Disease (BD) Increases Neutrophil Extracellular Trap Formation, Oxidative Metabolism and NADPH-Oxidase Expression in Normal and BD Neutrophils, and Carries Several Neutrophil Stimulating Factors. • IRF8 Gene Contributes to Disease Susceptibility and Interacts with NF-KB By Modulating Interferon Signature in Patients with Systemic Sclerosis. • Impact of Geographic Variation on the Risk of Digital Ulcers Development in Systemic Sclerosis: A Brazilian Multicenter Registry. • Key Roles for Mir-155 and Mir-21 in Progressive Lung Fibrosis Associated with Systemic Sclerosis (SSc-ILD). Romy Christmann1 • Mycophenolic Acid and Ribavirin Induces Cytoplasmic Autoimmunogenic Rods and Rings Structures in Vivo. • Nailfold Videocapillaroscopy in Healthy Children and Adolescents: Description of Patterns of Normality. Daniela Piotto1, Hippocampal Atrophy Is Associated with Anti-NR2 Antibodies in Patients with Systemic Lupus Erythematosus and Primary Sjögren’s Syndrome. • Humoral Immune Response to Pneumococcal Polysaccharide Vaccine in SLE Patients on Immunosuppressive Therapy: Assessment of Serotypes without Protective Antibody Levels. • HLA-DRB1*1101, Regulatory Variants of the MHC, and a Regulatory Region Near an Intergenic Long Noncoding RNA on Chromosome 1 Are Risk Factors for Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis. • Initial Benchmarking of the Quality of Medical Care of Childhood-Onset Systemic Lupus Erythematosus. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 7 • A Hybrid Conjoint Analysis Model Is Proposed As the Definition of Minimal, Moderate and Major Clinical Improvement in Juvenile Dermatomyositis Clinical Trials. • Single Hub and Access Point for Pediatric Rheumatology in Europe (SHARE): Evidence Based Recommendations for Diagnosis and Treatment of Juvenile Localized Scleroderma and Juvenile Systemic Sclerosis. • Antiphospholipid Syndrome Alliance for Clinical Trials and International Networking (APS ACTION) Clinical Database and Repository Initial Analysis.. • Attribution Protocol and Clinical Significance of Neuropsychiatric Manifestations in. • Clinical and Psychological Correlates of Sleep Difficulties in Patients with Spondyloarthropathies Compared to Patients with Rheumatoid Arthritis. • Discoid Lupus Onset and Decrease Risk of Renal Disease in Patients with Systemic Lupus Erythematosus: Data from a Large Latin American Cohort. • Dissecting the Heterogeneity of Macrophage Activation Syndrome. • Identification of “autoinflammatory interferonopathies”? A New Class of Autoinflammatory Conditions? • Impact of Depression on Clinical and Social Outcomes in Patients with Rheumatoid Arthritis: Comparative Study in Germany and Brazil. • A Multi-Center, Double-Blind, Randomized-Withdrawal Trial of Subcutaneous Golimumab in Pediatric Patients with Active Polyarticular Course Juvenile Idiopathic Arthritis Despite Methotrexate Therapy: Week 48 Results. • Denosumab Restores Cortical Bone Loss at the Distal Radius Associated with Aging and Reduces Wrist Fracture Risk: Analyses from the Cross-over Group in the Extension of the Denosumab Pivotal Fracture Trial. • Effects of Blisibimod, an Inhibitor of B Cell Activating Factor, on Patient Reported Outcomes and Disease Activity in Patients with Systemic Lupus Erythematosus. • Efficacy and Safety of Tofacitinib Following Inadequate Response to Nonbiologic DMARD or Biologic DMARD. • Impact of Anti-Drug Antibody on Efficacy and Safety over Week 24 in Both CT-P10 and Innovator Rituximab Treatment Groups. • Odanacatib Anti-Fracture Efficacy and Safety in Postmenopausal Women with Osteoporosis: Results from the Phase III Long-Term Odanacatib Fracture Trial. • Prediction of Remission and Low Disease Activity in DMARDRefractory Patients with RA Treated with Golimumab. • Percentage of Women Achieving Non-Osteoporotic BMD T-Scores at the Spine and Hip over 8 Years of Denosumab Treatment. • The Efficacy and Safety of Tocilizumab Subcutaneous Q2W and Following Escalation from Q2W to QW Therapy in Combination with Traditional Dmards in Patients with Moderate to Severe Rheumatoid Arthritis at 96 Weeks. 7 20/03/2015 18:03:37 o mElhor do Brasil Notícias das regionais ParaNá Eleita nova diretoria da SPR – gestão 2015/2017 N o dia 29 de novembro de 2014, a Sociedade Paranaense de Reumatologia realizou eleições para sua nova diretoria referente ao biênio 2015/2017. Na ocasião, foi eleita a chapa União pela Reumatologia composta por: • • • • • • Presidente: dr. Marco Antônio Araujo da Rocha Loures Vice-Presidente: dr. Fernando Augusto Chiuchetta Secretário Geral: dra. Madeleine Rose Luvison Gomes da Silva 1.a Secretária: dra. Lilia Moraes Benazzi Tesoureiro: dra. Marilia Gameiro Barreto Silva 1.º Tesoureiro: dr. Marcelo de Loyola e Silva Avelar Fonseca. • Comissão Científica Coordenador: dr. Valderílio Feijó Azevedo Membros: dra. Carolina de Souza Muller, dr. Paulo Roberto Donadio e dr. Antonio Carlos Monteiro Ribas. s a N ta c ata r i N a Quiz reumatológico ilustrou jornada catarinense D urante a Jornada Catarinense de Reumatologia 2014, a Sociedade Catarinense de Reumatologia (SCR) realizou um interessante evento denominado Reumatologistas na Berlinda. Trata-se de um quiz de questões sobre a reumatologia, elaborado e apresentado aos reumatologistas presentes para ser respondido, com premiação aos ganhadores. Para este ano, a sociedade catarinense prevê realizar cinco reuniões científicas, sua Jornada Catarinense de Reumatologia 2015 e uma jornada inédita de cardio-reumatologia, cuja data ainda não está confirmada. 8 boletim MAR 15.indd 8 Participantes da jornada de 2014 (esq. para dir.): dr. Ivânio Alves Pereira, dra. Mara Suzana Loreto Gomes de Pinho, dr. Gláucio Ricardo Werner de Castro, dr. Pedro Weingrill e dra. Rejane Leal Conceição da Costa Araújo. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:37 agENda EsPÍrito saNto www.reumatologia.com.br EVENTOS NACIONAIS 18/04/2015 - 20/04/2015 6º Bradoo - Congresso Brasileiro de Densitometria Osteoporose e Osteometabolismo Curitiba, PR Toma posse nova diretoria da Sores 23/04/2015 – 25/04/2015 Jornada Centro-Oeste de Reumatologia Goiânia, GO 30/04/2015 - 02/05/2015 XXI Encontro de Reumatologia Avançada São Paulo, SP 07/10/2015 - 10/10/2015 XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia Curitiba, PR EVENTOS INTERNACIONAIS 15/04/2015 até 17/04/2015 Primeiro curso de revisão em Reumatologia do PANLAR Colômbia A nova diretoria: dra Letícia, dra Aline, dr. Luiz Fellipe e dra Érica. 07/05/2015 - 08/05/2015 VIII Simpósio Internacional de Reumatologia e IV Congresso Panamericano de Espondiloartrites Venezuela No dia 2 de março de 2015, tomou posse a nova diretoria da Sociedade de Reumatologia do Espírito Santo (Sores). São membros do corpo diretivo os seguintes reumatologistas: • Presidente: dra. Aline Coelho Moreira da Fraga • Secretária: dra. Letícia Resende Brandão • Diretor-científico: dr. Luiz Fellipe Favoreto Genelhu • Tesoureira: dra. Érica Vieira Serrano Pará 10/06/2015 – 13/06/2015 The Annual European Congress of Rheumatology/Eular 2015 Roma, Itália 02/09/2015 até 06/09/2015 Lupus 2015 Viena, Áustria 06/11/2015 – 11/11/2015 ACR/ARHP Annual Meeting 2015 São Francisco, Califórnia, EUA A CHARGE DO PLÍNIO Aprovada a primeira residência em Reumatologia no Pará O Ministério da Educação (MEC) aprovou a primeira residência em reumatologia do Estado do Pará. As atividades da residência tiveram início em março de 2015, com uma vaga. Trata-se do primeiro Serviço de Residência em Reumatologia do Estado em 40 anos de existência da regional do Pará. A residência é coordenada pelo dr. Cezar Caldas, com participação do dr. Otavio Paz, da dra. Fabiola Brasil e da dra. Tayana Ribeiro. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 9 9 20/03/2015 18:03:38 P r o f i s s ã o r E u m ato Nutrição em reumatologia e Karin Sedó Sarkis* A reumatologia não se restringe ao osso e a nutrição voltada às doenças reumáticas não se limita ao estudo do metabolismo do cálcio e da vitamina D. “ Atualmente, com maior difusão e acesso dos meios de comunicação, há uma preocupação relevante em que se fazem necessários o bom senso e discernimento na informação obtida e em suas comprovações científicas” * Nutricionista doutora pela Faculdade de Saúde pública da USP em parceria com a Disciplina de Reumatologia da Unifesp. Contatos: www.aknutri.com.br ou 97572-3728 10 boletim MAR 15.indd 10 A o mencionar nutrição na área de reumatologia, grande parte das pessoas fazem associação com consumo de cálcio, vitamina D e osteoporose. Porém, a atuação do profissional de nutrição estende-se além desta esfera. Claro que oferta de cálcio e vitamina D, em quantidades adequadas, associadas a um estilo de vida saudável, contribui sobremaneira para prevenção de perda e manutenção da massa óssea. Porém, a reumatologia não se restringe ao osso e a nutrição voltada às doenças reumáticas não se limita ao estudo do metabolismo do cálcio e da vitamina D. Mesmo porque, atualmente são conhecidos outros fatores além dos nutricionais que influenciam a massa óssea. São várias as atribuições da nutrição. Auxiliar na adequação do peso corporal de uma maneira leve e prazerosa, corrigindo distúrbios de imagem corporal, muitas vezes um fator limitante para esses pacientes. Além disso, adequar a consistência alimentar, principalmente nos casos de pacientes com disfagia e outras doenças que possam levar a alteração na deglutição. A orientação na boa escolha dos alimentos é fundamental, levando-se em consideração também o sabor e a preferência do paciente. É de suma importância ainda a orientação acerca da possível interação dos efeitos dos inúmeros medicamentos muitas vezes administrados e suas possíveis interações com os alimentos (por exemplo, uso de anticoagulantes a alimentos ricos em vitamina K), assim como guiar o paciente de maneira adequada a optar por preparações que auxiliem na prevenção de doenças cardiovasculares, tais como aterosclerose e o diabetes mellitus, comorbidades cada vez mais prevalentes nas doenças reumáticas autoimunes. Restrições alimentares Vale ainda ressaltar que, como vivemos em um mundo com conteúdo de fácil acesso digital, cabe ao profissional também direcionar o paciente na busca por informações e fontes fidedignas. As restrições alimentares devem ser orientadas de acordo com o diagnóstico da doença apresentada. Por exemplo, na gota, doença que cursa com hiperuricemia e depósito de cristais de monourato de sódio nas articulações, faz-se necessária a orientação correta de quais alimentos realmente influenciam nos níveis de ácido úrico. Quebrar os tabus e tranquilizar o paciente faz parte da nossa área de atuação; enfim, o feijão não precisa ser excluído de sua alimentação e muito menos o tomate e o limão! BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:38 a envolve vários aspectos Diversos estudos têm tentado demonstrar efeitos de uma alimentação equilibrada no funcionamento do sistema imune com um efeito anti-inflamatório, auxiliando na prevenção da atividade e no controle de inúmeras doenças reumáticas, como espondilite anquilosante, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, artrite psoriásica, doença de Behçet, dentre outras. Quem já não ouviu dizer que o alimento “X” ou “Y” é um ótimo anti-inflamatório? Perfeito!?!?! Então todos poderão consumir e quanto mais consumirem mais efeito benéfico terão? Não podemos generalizar, pois ainda faltam evidências científicas concretas nestas situações. Não existe alimento milagroso. Nenhum alimento age de maneira isolada. Sempre se deve levar em consideração o perfil do paciente e os alimentos que apresentam maior poder dentro de um plano alimentar equilibrado; caso contrário, de nada adiantará. Dessa forma, o acompanhamento nutricional deverá se dar de modo individualizado e planejado. Atualmente, com maior difusão e acesso dos meios de comunicação, há uma preocupação relevante em que se fazem necessários o bom senso e discernimento na informação obtida e em suas comprovações científicas. Dietas da moda, como a sem glúten, sem lactose, dieta Dukan, dentre outras, na sua maioria, carecem de estudos científicos bem elaborados. Além de muitas vezes não serem nem um pouco saborosas, podem impactar de maneira BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 11 extremamente negativa nestes pacientes. Devem ser indicadas somente em casos específicos, em que sejam identificadas doenças que necessitem de uma dieta sem glúten e/ou sem lactose, por exemplo. Respeitar o paciente é fundamental! Conhecer seu estilo de vida, seus hábitos e suas preferências é imprescindível. As variedades de cores e a diversidade de sabores que os alimentos proporcionam, nas quantidades corretas, respeitando as necessidades calóricas e de porções nutricionais, podem ser a forma mais prazerosa no auxílio à prevenção e ao controle de doenças. O nutricionista é o profissional que pode estar ao seu lado nesse processo para lhe orientar. 11 20/03/2015 18:03:40 P r o f i s s ã o r E u m ato Por que me tornei reumatologista? Influência dos mestres pesou na decisão Nesta edição, o presidente e o tesoureiro da SBR, César Emile Baaklini e José Roberto Provenza, respectivamente, falam sobre os fatores que os levaram à escolha pela reumatologia. Interessante notar que ambos mencionam influência de preceptores e professores. César Emile Baaklini Presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia O meu interesse pela Reumatologia começou durante a minha graduação, quando iniciei meu contato com a Medicina Interna e me identifiquei com ela. Nessa época para mim o exercício da medicina só valeria a pena se fosse exercida nessa área. Na medida em que fui evoluindo no curso, observei que a especialidade que mais se aproximava da Medicina Interna era a Reumatologia. Assim, resolvi fazer residência de Clínica Médica, quando então durante esse período decidi me especializar em Reumatologia. Fiz meu estágio optativo no serviço de Reumatologia do professor Castor Cobra na Ortopedia da USP e após o término da residência fui estagiar nesse serviço. O estímulo para que eu seguisse esse caminho se deveu à influência de dois preceptores durante a residência: dr. Horácio Cesar Piazzo e dr. Ivan Carlquist, que nos estimulavam a estudar imunologia, fazendo reuniões semanais com o dr. Samuel Koperstich, um grande estudioso dessa área. Finalmente, após o término desse período, resolvi voltar para Marília minha cidade natal, onde iniciei minha atividade docente na Faculdade de Medicina de Marília, criando o serviço de Reumatologia. 12 boletim MAR 15.indd 12 “ “ Na medida em que fui evoluindo no curso, observei que a especialidade que mais se aproximava da Medicina Interna era a Reumatologia.” O desejo de aprofundar-se em uma determinada área está muito ligado à admiração que temos pelos nossos mestres.” César Emile Baaklini José Roberto Provenza José Roberto Provenza Tesoureiro da Sociedade Brasileira de Reumatologia Quando alguém me pergunta por que escolhi a reumatologia, confesso que fico meio confuso e demoro a responder. Acredito, em primeiro lugar, que quando estamos na graduação não temos muita noção de onde começa e onde termina uma determinada especialidade. Fixamos, na maioria das vezes, a nossa atenção principalmente na referência daqueles que nos ensinam. O desejo de aprofundar-se em uma determinada área está muito ligado à admiração que temos pelos nossos mestres. A empatia favorece muito o entendimento e a nossa escolha pela especialidade que iremos seguir. Desta forma, saímos daquela obrigação do saber para o prazer do conhecimento e da formação. Em 1978, tive a honra de conhecer dois especiais entusiastas da reumatologia: drs. Osmar Gross Schweller e Alvaro Pascoal Filho, afiadíssimos na didática e no comprometimento com a qualidade do ensino. Recordo que eram aulas que dispensavam os livros, tamanha a organização do conteúdo. Não dispensei a chance de prestar a prova de monitoria, na qual, aliás, por pouco não chego atrasado! Minha primeira grande sorte! Além das boas referências e dos bons exemplos que me influenciaram, queria muito compreender as dores que afetavam o aparelho osteoarticular, que não fossem somente as de origem traumática. Daí a vontade de entrar em uma área extremamente interessante, intrigante, mas sobretudo muito complexa onde poucos se aventuram: a imunologia. Minha segunda grande sorte foi ter sido aceito para cursar a especialidade na Unicamp, onde há um dos mais respeitados serviços de reumatologia do país. Aqui tive todo o suporte da minha formação com os profs. Samara, João Francisco, Lilian Costallat, Miranda, e muitos outros que me ajudaram durante todo este período. Por fim, fiz a escolha certa da especialidade e, melhor ainda, fui presenteado por poder fazer parte desta família especial que é a Reumatologia! BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:40 r E u m ato . c o m Convidamos os reumatologistas a acessarem o portal da SBR - http://www.reumatologia.com.br - , em que vários temas de interesse da área estão à disposição para consulta. Unifesp abre ambulatório de síndromes auto-inflamatórias Em 2015, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) iniciou, no setor de reumatologia pediátrica, as atividades de um ambulatório de investigação diagnóstica das síndromes auto-inflamatórias na infância e na adolescência. Após discussões dos casos em equipe, são oferecidos aos pacientes os melhores tratamentos disponíveis no momento. http://www.reumatologia.com.br/index.asp?Per fil=&Menu=DoencasOrientacoes&Pagina=notic ias/in_noticias_resultados.asp&IDNoticia=314 Guia de bolso para exames laboratoriais Sabe aquele livro enorme e de grande utilidade, com todos os testes de laboratório e suas indicações, interpretações e tudo mais? Pois é, já existe um desse na forma de aplicativo. É o Pocket Guide to Diagnostic Tests, do qual há uma versão gratuita, menor, e uma completa, que pode ser comprada por US$ 39.99. https://play.google.com/store/apps/ details?id=com.unbound.android.pg6el Atlas 3D de anatomia músculo-esquelética O Skeleton Essencial 3 é um aplicativo totalmente em 3D, o que significa que você pode facilmente manipular o esqueleto e os ossos individuais, bem como visualizá-los de forma isolada a partir de qualquer ângulo. Navegação simples e fácil, com interface intuitiva. Permite ainda criar e salvar visualizações personalizadas, além de possuir várias opções de busca e capacidade de compartilhar informações. O melhor de tudo, é gratuito. https://itunes.apple.com/us/app/essential-skeleton3/id623811668?mt=8 BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 13 13 20/03/2015 18:03:40 rhEuma & Ethos Professor João Manuel Cardoso Martins (1947-2014) MEDICINA E ARTE Homenagem da Comissão de Ética e Disciplina da Sociedade Brasileira de Reumatologia José Marques Filho Membro da Comissao de Ética da Sociedade Brasileira de Reumatologia e da Sociedade Paulista de Reumatologia. Introdução “O que temos a mostrar é o que vão ler. Um pouco de mim. Nas circunstâncias, foi o melhor que consegui fazer, atento às melhores intenções dos leitores. Sei, bem sei que o inferno está cheio de boas intenções, como dizia São Bernardo. Mas prefiro arder nas brasas da crítica a nada fazer. Sempre me propus desafios, e não seria no ocaso de uma existência que fugiria ao dever de contribuir para um modo de existir mais lógico e ético, baseado em provas e bom senso, a bússola da dúvida, primazia do pensamento, sem deixar de falar de flores raras”. Moral e ética “Se você é ético, e é o que desejamos, e vive num meio não ético, o preço a pagar será enorme, às vezes brutal. Por isso, os deveres (moral) têm que estar sendo sempre lembrados, por mais moralistas que pareçamos. E a ética sempre treinada, já que é ação, para que possa ser introjetada e se incorpore, faça parte de sua natureza. Muito bem, agora você quer saber se seu amigo, parceiro, ou que seja, é ético, certo? Lá vai. Verifique se muda sempre o seu discurso, isto é, se não há uma constância básica, um fio condutor, sem que isso signifique compromisso com o erro; se não diz uma coisa e faz outra; se confunde privilégios públicos ou institucionais com sua vida privada; e se não é omisso, ou seja, se aparece em crises”. Professor João Manuel Cardoso Martins: eloquente e serena sabedoria 14 boletim MAR 15.indd 14 Até quando? “A conversa e o toque são a base da medicina. Mais do que isso, são sua essência. Mas estamos perdendo essa arte. Em breve, estará em extinção, apesar dos apelos de praxe. Não? Então considere. Faça uma pesquisa, levando a sério a Medicina Baseada em Evidências, e depois de BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:40 ANOTAÇÕES NECESSÁRIAS (reflexões à guisa de provocações) “Toda mentalidade radical, por recusar a complexidade, é sempre pueril”. “Use o hábito e a razão como aliados. E coloque uma pitada de emoção”. computar os trabalhos disponíveis chegará à conclusão de que construir uma boa história clínica significa fazer, em média, 80% dos diagnósticos. Some à história clínica o exame físico e terá mais 10%. Noventa por cento de diagnóstico com conversa e toque. E não é força de expressão; são provas baseadas em trabalhos bem conduzidos comumente com clínicos gerais ingleses (general practitioners), à disposição de qualquer um que queira ser isento. Os 10% restantes dependem de tecnologia aplicada à prática médica, desde um exame bioquímico simples a uma imagem de alta definição. De última geração, naturalmente”. Seja tolerante e calmo “Para ser médico precisa-se de tolerância. Com os muitos chatos de corpo mole que só querem atestados e uma folgazinha para o nada. Folgados de todos os tipos, forjando encostos repetitivos e se insurgindo contra análises justas ou critérios impessoais. Tolerância com os alexitímicos e firmeza com os que têm ganhos secundários, para que descubram seus autoembustes. Tolerante com sua própria intolerância que pode demonstrar arrogância ou onipotência, podre fazeres de plenos poderes. Para ser médico é preciso ter calma. Não a calma amortalhada do silêncio dos inocentes, mas a quietude de quem raciocina e concentra o siso. Mesmo quando a entrevista suscita o riso. Para ser médico é preciso ser inteiro, mesmo quando fragmentado por dentro, quando a dor de seus amores ilude a isenção e a firmeza diante do risco cirúrgico. Para ser médico é preciso ser bom sujeito. Sem encolher o peito para inovar, tendo jeito para fazer o certo apesar dos reclamos dos pacientes, dos convênios ou do governo de plantão. Todos transitórios como a movediça ciência. Bom sujeito na arte múltipla e não evanescente”. “Espaços mais apropriados à reflexão dos médicos: hospital e necrotério”. Horror e encanto “Terá a medicina as certezas de D. Quixote? Não. É uma ciência de probabilidade, não cabendo a falta de dúvidas com o que, dizia o filósofo, começamos a pensar. Terá então a postura hamletiana da dúvida permanente o seu eixo evolutivo? Não; essa dúvida metafísica paralisa, não permite ação, o paciente não espera. Será então a ação do Fausto goethiano a chave do progresso médico, ao se vender pelo saber, poder e pela riqueza? Mera quimera, que pode de fato enriquecer, mas não constrói uma ação centrada nas necessidades e/ou possibilidades do paciente. Conquanto as conquistas técnicas da medicina continuam sendo mais arte que ciência. Não pode, pois, ser reduto do clínico, logo médico; ou do opero, logo reparo. Portanto, não é nada disso isoladamente e é tudo isso a um só tempo, no seu conjunto orgânico do fazer médico. Necessita de certezas, por mais transitórias que sejam, sem o que não há prática; precisa de dúvidas para continuar buscando novos horizontes em suas pesquisas. E usa o movimento da ação para conjugar as duas. Ensina o que sabe, pesquisa o que ainda desconhece, reavalia permanentemente tudo e age no que se supõe sensato à saúde individual e coletiva. É essencial que, ao termos as certezas quixotescas, as temperemos com as dúvidas do príncipe da Dinamarca, e que não sejamos possuídos pela ação como arma de guerra, querendo endireitar aquilo que, às vezes, é torto por natureza e que seria melhor não tocar. Essa falta de proporção ou arrogância científica, que não leva em consideração o fator humano, pode se voltar contra si própria, ser autodestrutiva, uma versão moderna da hybris da tragédia grega a fulminar seus praticantes”. “ Sei, bem sei que o inferno está cheio de boas intenções, como dizia São Bernardo. Mas prefiro arder nas brasas da crítica a nada fazer.” “ Para ser médico precisa-se de tolerância. Com os muitos chatos de corpo mole que só querem atestados e uma folgazinha para o nada.” Referência Martins JMC. Primeiras Impressões. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2013. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 15 “Somos imperfeitos, jamais conseguiremos adquirir toda a informação disponível. Isso deveria nos trazer certa humildade intelectual”. 15 20/03/2015 18:03:41 Em Nossa mEmória Professor João Manuel Cardoso Martins (1947-2014) Tributo em um princípio básico de astronomia F az frio em Boston. Congresso Americano de Reumatologia, 2014. A noite faminta afugenta o vibrante colorido de suas árvores, enquanto antigas luminárias revelam uma nostalgia pungente nas ladeiras de Beacon Hill. A notícia vem a galope, a tristeza desliza rápida em forma de mensagem na caixa de e-mail. Falecera, na madrugada daquela terça-feira, 18 de novembro, no Hospital Santa Cruz, em Curitiba, o amigo João Manuel Cardoso Martins. Ergo os olhos para o céu e ouço estrelas. Atropelam-me os versos de Olavo Bilac: “(...) E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite, enquanto a Via Láctea, como um pálio aberto, cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e entender estrelas”. João Manuel Cardoso Martins nasceu em 24 de junho de 1947 numa pequena vila em Portugal, tendo emigrado ainda menino para o Brasil no início dos anos 50. Filho de José e Maria do Carmo Martins que se radicaram em Londrina, norte do Paraná. Apesar das dificuldades inerentes à condição de emigrados, realizou o sonho de tornar-se médico, que o tempo comprovaria mais do que sonho – uma vocação. Formou-se em Curitiba em 1971 e logo passou a integrar o corpo docente da então Faculdade Católica, hoje PUCPR. 16 boletim MAR 15.indd 16 Médico, professor, especialista em Clínica Médica e Reumatologia, mas também poeta, escritor, João Manuel sempre foi o que eu defino um autêntico e verdadeiro humanista, sem medo de errar nessa afirmação. Desde cedo, ainda como estudante, já se fazia conhecer através de um jornal acadêmico, “O Crânio”, com um viés político num tempo de exceção. Mantinha uma preocupação de vivência e de transparência ética, que transmitiu de forma exemplar aos alunos e colegas cotidianamente e, nos últimos 12 anos através também de escritos, inicialmente numa coluna do Jornal do Conselho Regional de Medicina do Paraná, que foi tomando vulto até se transformar num encarte e finalmente numa revista, de riqueza ímpar, o Iátrico, pérolas de ensino médico e de vida. Uma obra linear e aparentemente despretensiosa, mas que guarda a grandiosidade de um tesouro da arte médica. Mais do que lições, provocações críticas que despertam sutis inquietações e o desejo de manter-se aprendiz. Rara sabedoria. Num de seus livros, Jaculatórias, sugestões para o dia a dia do médico, ele assim ensina já no prefácio: “Quem reflete a respeito de sua prática médica, sem medo de encarar inconveniências, tem melhores condições de avaliar o equilíbrio de seus direitos e deveres, verdadeiro apanágio da cidadania”. Falas sempre brilhantes Na primeira reunião de minha presidência, então na Sociedade de Reumatologia do Rio Grande do Sul, há bem mais de uma década, convidei-o para aquela que seria a fala inaugural do que eu entendia como importante para a sociedade. Propus-lhe um tema: “Por que tornei-me reumatologista”. E ele discorreu de forma absolutamente iluminada. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:41 Em 2008, ao despedir-me da presidência da SBR, no Congresso de Maceió, convidei-o para que juntos participássemos de uma mesa com outras duas pessoas que admiro: o psiquiatra e poeta Celso Gutfreind e a assistente social Maria José de Oliveira Benites. Falaríamos de influências das doenças reumáticas na infância, na idade avançada, na sexualidade. Ele de início disse que seria importante uma pauta, para logo depois me ligar e dizer: “Fernando, que nada de pauta; na hora vemos o que surge. É assim que acontecem os melhores encontros”. E ele estava certo, quem assistiu àquela mesa redonda não esquecerá jamais. Em 2010, ao presidir o Congresso de Porto Alegre, voltei a convidá-lo para repetirmos a experiência. Num domingo à noite me telefonou, contando que soubera por aqueles dias que estava com câncer e que, infelizmente, não poderia estar conosco. Foi de uma serenidade que ainda hoje me impressiona. Disse que enfrentaria da forma que fosse necessária a doença. E, mais uma vez, por tudo o que hoje sei e das vezes em que nos falamos, foi assim. Digno até o fim. João Manuel faleceu aos 67 anos. Deixa enlutados a esposa Maria Isabel da Fonseca Martins, quatro filhos – tanto a esposa quanto dois dos filhos também médicos – e netos. Além de uma legião de alunos, colegas-alunos, amigos-alunos, pois, de certa forma, foi professor de todos nós. Contou com o reconhecimento através de várias condecorações, do CRM do Paraná e do Conselho Federal de Medicina. Em outubro do ano passado, foi homenageado durante o III Congresso Brasileiro de Humanidades em Medicina, realizado na Bahia, com a comenda Moacyr Scliar de Medicina, Literatura e Artes. Considero um privilégio as oportunidades que tive de conviver com ele, raras, porém preciosas. Perdi um amigo. A Medicina e, em particular, a Reumatologia Brasileira perdeu um sábio. Era destes que trazia em si um dos princípios básicos da astronomia. O que ensina a diferenciar planetas, por vezes enormes, arrogantes, de estrelas, mesmo as aparentemente discretas. Elas, as estrelas, possuem luz própria, uma luz interior. Não necessitam de foco, de brilho externo e, em geral, fátuo. E mesmo muito depois de não estarem mais entre nós, permanecem em sua luz. “Ora direis ouvir estrelas...”. João Manuel amava a vida, o exercício de ensinar, a medicina em sua totalidade. E vai continuar nos ensinando. Basta ouvir o que na sua luz permanece. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 17 Wagner Weidebach (1961-2015) À s 21 horas do dia 15 de fevereiro de 2015, nos despedimos, inconsoláveis, de um grande médico, do querido amigo Wagner Felipe de Souza Weidebach, o Waguito. Após ter estudado em tradicionais escolas como o Externado Elvira Brandão e Colégio Bandeirantes, onde formou amizades cultivadas e consolidadas até os últimos dias de sua vida, formou-se médico na Faculdade de Medicina da USP- SP, em 1984, e fez Residência em Clínica Médica e Reumatologia. Obteve seu Mestrado em Imunologia Básica pela Faculdade de Medicina USP- SP, em 1992, e Doutorado pela mesma instituição, em 1999. Atuou brilhantemente no corpo médico do Hospital Sírio-Libanês e do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, onde fez parte da equipe da UTI, além de enriquecer e consolidar o serviço de Reumatologia em ambas as instituições. Foi médico com todas as letras maiúsculas. Dedicou-se ao estudo da medicina, da reumatologia, da imunologia, da religião, da história da humanidade e da filosofia. Waguito deixou dois filhos maravilhosos, Alexei e Nicolas, a esposa Heloisa, exímia e amada companheira, Professora de francês da USP-SP, grande amor da sua vida, com quem conviveu desde os 17 anos de idade até os findos 53 anos de vida. Exemplo de fé, determinação e resiliência, entregou-se aos cuidados de seu médico, da doença, da sua religião e do Pai. Pôde despedir-se de seus amigos e familiares, com integridade e doçura, confortando-os. Exaurido e consumido ao máximo pela doença que o acometeu, manteve seus lindos olhos verdes e brilhantes até o final, sensibilizando profundamente todos os que estiveram com ele. Manteve sua dignidade e integridade e via-se em seu rosto as marcas da batalha, mas, principalmente, a da resiliência. Resiliência. Amor. Fé. Respeito. Saudades, muitas saudades. 22/09/1961 a 15/02/2015. 17 20/03/2015 18:03:41 coluNa NEuBarth SAÚDE PÚBLICA uma nova onda Fernando Neubarth * O conceito de saúde pública é recente e pode ser compreendido por uma série de ondas. A primeira (1830-1900), estrutural, trata do fornecimento de água potável e saneamento; a segunda (1890-1950), biomédica, acompanha a ciência e a medicina moderna; a terceira (1940-1980), clínica, concebe o bem-estar e a quarta (1960 até o presente) intervém visando à longevidade e à compreensão dos fatores de risco e estilos de vida. Essas quatro ondas determinaram inegáveis melhorias. Contudo, com o aumento da expectativa de vida, avolumam-se as doenças crônicas. Elas, aliadas ao crescimento exponencial da população, às desigualdades sociais, à má distribuição de renda e ao descontrole de recursos com o esgotamento de fontes de energia, estimularam especialistas do Reino Unido a propor, em artigo publicado na conceituada revista The Lancet, uma nova onda baseada em escolhas e mudanças comportamentais. A quinta onda deve enfrentar os atuais desafios: a desigualdade, a perda da qualidade de vida pela maior prevalência de problemas psíquicos, a obesidade, o abuso de drogas – inclusive as ditas lícitas. Pede-se, assim, uma reflexão à sociedade. Necessita-se um contexto em que os comportamentos saudáveis sejam a norma, acompanhados de um esquema institucional e social compatível com essa forma de pensar. Exige-se um esforço positivo, global e de colaboração envolvendo todos os interessados. A ênfase dá-se em três mecanismos: a maximização do valor da saúde; a promoção de escolhas saudáveis como padrão; e a minimização de fatores que criam culturas e ambientes insalubres. Em casa, na rua, no trabalho e no lazer, em qualquer relação. Saúde não é responsabilidade apenas de profissionais da área e gestores. Há sinais e sintomas de enfermidade social; diagnóstico feito, o tratamento exige mudanças de comportamento. * Médico e escritor. Presidente da SBR, gestão 2006-2008 18 boletim MAR 15.indd 18 BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:42 Post Scriptum Hilton e Léa Seda: longa relação de amor e parceria. R Essencial é não só apontar os erros, as falhas, os desvios, mas saber valorizar o que realmente importa: a boa conduta, o comportamento adequado, o humanismo. Saúde pública: educação, cultura e ética. Que seja grande onda, não apenas marolinha. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 19 etorno ao Boletim convidado para esse espaço. Nele não poderia deixar de fazer uma referência especial a um colega que todos admiramos: o prof. Hilton Seda. Para além da Reumatologia, poeta, escritor, historiador, artista plástico. E agraciado por uma felicidade que poucos merecem: uma longa vivência ao lado de uma companhia especial, d. Léa. Ela certa vez me contou que, num caderno de apontamentos da juventude, copiara, apresentado pelo pai, o poema de um gaúcho, Alceu Wamosy (1895-1923): Duas Almas. Sabia-o de cor: “Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada, / entra, e, sob este teto encontrarás carinho: / Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho, / vives sozinha sempre, e nunca foste amada... / A neve anda a branquear, lividamente, a estrada, e a minha alcova tem a tepidez de um ninho. / Entra, ao menos até que as curvas do caminho / se banhem no esplendor nascente da alvorada. / E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa, / essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua; / podes partir de novo, ó nômade formosa! / Já não serei tão só, nem irás tão sozinha: / Há de ficar comigo uma saudade tua... / Hás de levar contigo uma saudade minha...” “A vida é sopro. Vale a intensidade. Raro é o encontro de almas. Mais raro quando duas almas sabem ao suave toque da seda pura”. 19 20/03/2015 18:03:43 coluNa sEda Aspectos curiosos e significativos na história da reumatologia grega Hilton Seda U Dedicado ao Dr. José Marques Filho ma das primeiras referências a problemas reumáticos encontradas na literatura está na Odisseia de Homero, o grande poeta épico grego que viveu no século VIII ou IX aC. Refere-se à cifose: “Então o herói egípcio, curvado pela idade e com muita coisa na mente, começou a falar...” Não foi exclusividade da antiga Grécia a íntima ligação entre Medicina e crenças religiosas, mas foi nesse país que se mostrou melhor caracterizada. Basta dizer que, nos séculos VI e V aC, a prática médica na Grécia só era exercida em hospitais-templos, conhecidos como Asklepeia, sendo os mais reputados o de Trikke (terra onde teria nascido Esculápio, ou seja Asclépio), que era o mais antigo; o de Sykion; o de Tithorea; e o de Epidaurus, o mais conhecido, o mais famoso, que inclusive tinha em Atenas, Cós, Cnidus, Megalopolis, Delos, Cyllene e Cechreai asklepeias a ele ligados. Também tinha importância o Asklepeion de Pergamum. Os sacerdotes desses templos eram os doutores. Há informações de que neles havia programas para tratamento das doenças reumáticas. Em Epidaurus foram descobertas, no fim do século XIX, duas grandes tábuas nas quais constam referências a curas de casos de reumatismo e de gota. Em seu tratado “Da doença sagrada” (século V aC?), contradizendo os sacerdotes dos templos, Hipócrates foi o primeiro a 20 boletim MAR 15.indd 20 contestar a afirmativa de que a doença era o resultado da “raiva dos deuses”. Na obra há uma crítica exacerbada aos falsos médicos e outros charlatães que recorriam a métodos assustadores para conquistar os doentes. Acentuava que a “doença sagrada” (referida como epilepsia a partir do século III aC) não teria nada de mais divino nem de mais sagrado que as outras. Essa crítica torna-se mais contundente pelo fato de que Hipócrates, que viveu nos séculos V e IV aC, fazia parte da família dos sacerdotes-médicos que serviam ao deus Asclépio (filho de Zeus) e se consideravam seus descendentes com a capacidade de transmitir a arte médica de geração em geração. O Pai da Medicina De início, o deus dos médicos era Apolo, o inventor da arte de curar e que afugentava todos os males. O culto de Asclépio como deus só começou no século VII aC. As obras atribuídas a Hipócrates (Corpus Hipocrático) formam um conjunto muito amplo. Por isto, é muito contestado que sejam de um só autor. O Pai da Medicina, como é considerado, distinguia a gota de outras formas de artrite. Atribuía a artrite à bile negra e à fleugma quando acumulada nas juntas: “Quando a doença da artrite explode, inflamação aguda e dor atacam as juntas do corpo... a doença é causada pela bile e fleugma (phlegm) quando se move para as juntas e se estabelecem nelas... e a doença torna- -se de curto prazo e aguda e não é fatal... ela aparece mais frequentemente nos jovens que nos idosos...” Sobre a gota disse: “Esta doença pode ser longa e dolorosa, mas não causa a morte.” Disse mais: “A gota é a mais violenta das doenças articulares e a mais longa e difícil de tratar; a doença é dada pela deterioração do sangue, mesmo nas pequenas veias, pela bile e fleugma”. “No caso daqueles que sofrem de gota: aqueles que são velhos e têm epiporomata em torno das juntas ou vivem mal ou são constipados, não podem, tanto quanto sei, melhorar pela humana arte”. Nos seus famosos aforismos, há referências sobre os reumatismos: “Eunucos não sofrem de artrite (úrica) e não ficam calvos” (VI 28); “Mulheres não sofrem de artrite (úrica) até após a menopausa”; “No ataque de gota, a inflamação cede em 40 dias” (VI 40); “Edema e dor nas juntas, sem ulceração, causada pela gota ou deslocamentos, podem, na maioria dos casos, ser aliviados através de grande quantidade de água gelada no local afetado, reduzindo assim o edema e acabando com a dor, desde que moderado grau de dormência diminua a dor” (X25); “Ataques de gota acontecem na primavera e outono” (X 155). Além da gota, Hipócrates também viu influência das estações em outras doenças reumáticas. No tratado “Dos ares, das águas, dos lugares” há uma instrução para que o médico periodeuta, ou seja, itinerante, estude, na cidade aonde chegar a exposição aos BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:43 ventos e ao sol, a qualidade das águas que lá se bebe e o clima da região durante todo o ano. O próprio Hipócrates foi um médico periodeuta, viajando pela Grécia Continental, pela Grécia do Norte e, principalmente, pela Tessália. Ele também descreveu a ciática, com o nome de ischiada, como sendo uma dor que afeta primeiro o quadril, depois a nádega, espalhando-se, finalmente, por toda a perna. Afirmou que se obtém alívio em um ataque através de massagem e banhos tépidos e quentes. Na Grécia atual, ainda se usa a denominação ischiada. Em seus trabalhos há referência à osteoartropatia hipertrófica originária de afecção pulmonar crônica e tuberculose. Descreveu a espondilite tuberculosa, séculos antes de Percivall Pott (1714-1788). No livro “A respeito das juntas”, capítulo 41, chama atenção para o fato de estes pacientes geralmente apresentarem nódulos duros e irreversíveis nos pulmões. Além da cifose do mal de Pott, também descreveu, acuradamente, a cifose dos idosos. Apesar de na época de Hipócrates não se fazer dissecção em cadáveres humanos, no livro ”Da natureza dos ossos”, há uma previsão, obtida na comparação com animais, do número de ossos do corpo humano: “Os ossos da mão são em número de vinte e sete; do pé, vinte e quatro; do pescoço até a grande vértebra, sete; das costas, cinco; da raque, vinte; da cabeça, com os dois olhos, oito; ao todo noventa, mais as unhas, cento e onze. No homem, os ossos, tanto quanto sabemos, são: vértebras, acima da clavícula, sete; vértebras das costelas, o mesmo que as costelas, doze; vértebras dos lados de fora, onde ficam os quadris e as costas, cinco”. Uma referência extraordinária à doença de Behçet, no terceiro livro das “Epidemias”, merece ser transcrita: “Houve outras febres, sobre as quais irei escrever. Muitas delas incluem ulceração e aftas na boca. Muitas delas incluem um fluxo na genitália, ulceração, edema interno e externo, edema nas glândulas, duradoura, oftalmia úmida, úlceras, dentro e fora das pestanas dos olhos que impedem seriamente a visão e que são conhecidas como ‘figs’. Úlceras também aparecem em outros pontos, particularmente na genitália. No verão, numerosos carbúnculos e outras condições sépticas aparecem. Grandes rashes e herpes externos também são observados em muitos casos.” A respeito da Doença de Behçet ainda há outra polêmica. Os gregos chamam-na de Doença de Adamantiades-Behçet. Isto pelo fato de o oftalmologista grego BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 boletim MAR 15.indd 21 Benediktos Adamantiades (1875-1962) ter apresentado na Sociedade Médica de Atenas, no dia 15 de novembro de 1930, um trabalho intitulado “Sobre um caso de irite recorrente com hipopion”, que se referia a um jovem de 20 anos, atendido no Hospital dos Refugiados, que sofrera de ulceração da tíbia, a seguir de iridociclite, ulceração do escroto e, posteriormente, da boca, hidrartrose do joelho, inflamação de gânglios linfáticos e outros sintomas. O trabalho foi publicado em 1930 no “Proceedings of Athens Medical Siociety” e, no ano seguinte, em “Annales d’Occulistique. Hulusi Behçet (1889-1948) apresentou seu artigo em 1937, na Dermatologische Wochenschrift. Uma coisa curiosa. Ainda que Hipócrates não tenha feito nenhuma menção a um quadro que possa ser interpretado como possível fibromialgia, ele deu importância ao sonho e ao sono, este atualmente muito valorizado nessa doença. No quarto livro do tratado ”Do regime” ele afirma que os sonhos antecipam, avisam quando as afecções estão presentes no corpo. Diz mais: os sinais que aparecem durante o sono serão de grande valia para aquele que souber julgá-los corretamente. Parece uma antecipação do trabalho pioneiro de Harley Moldofsky e colaboradores de 1975. Os gregos querem, com certa razão, que Hipócrates além de Pai da Medicina seja também considerado o Pai da Reumatologia. Referências 1 2 3 4 Castiglioni A: História da Medicina, vol. I, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1947. Salem J: Hipócrates – Conhecer, cuidar, amar. O Juramento e outros textos, Landy Editora, São Paulo, 2002. Rigatos G, Kappou-Rigatou I, Thouas V: The History of Greek Rheumatology, the Helenic Society of Rhgeumatology, Athens, 1987. Seda H: A Reumatologia no tempo de Hipócrates, Discórides e Galeno, in História da Reumatologia, Viana de Queiroz M, Seda H (Eds), Lisboa, 2006. 21 20/03/2015 18:03:44 além da r E u m ato lo g i a Arte da poesia já rendeu dois livros muito focada em meu estudo, minhas tarefas e obrigações como estudante, mas o período em Campinas abriu minha cabeça. Tudo era novo. E eu pensava, ‘Meu Deus, isso existe!’”. Sim, principalmente Adélia Prado existia. E nunca mais ele deixou de sentir fascínio pela arte da poesia, tanto que acabou criando suas próprias obras poéticas e não parou mais. Reumatologista pernambucano, Alzírton Freire é fascinado por ler e escrever poemas, sentimento que surgiu quando conheceu a obra de Adélia Prado P oesia. Arte livre, sem regras. Arte consoladora, apaixonante, emocional. É assim que o reumatologista pernambucano Alzírton Freire vê a paixão que o envolve há muitos anos. Ele é poeta, já publicou livros e ganhou prêmio com um de seus poemas. Há cerca de cinco anos, conta Alzírton, foi possível dedicar-se à poesia mais tranquilamente porque, após uma longa carreira na Medicina (iniciada em 1992 quando se formou na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco), ele hoje consegue trabalhar somente em seu consultório, onde permanece todos os dias das 8 às 14 horas. Mas faz muito mais tempo que a poesia entrou em sua vida. E Campinas, interior de São Paulo, tem muito a ver com isso. Alzírton conta que foi para a cidade fazer sua residência em Reumatologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1993. “Conheci muitas pessoas lá, particularmente uma jornalista que se tornou grande amiga minha e de minha esposa”, lembra. E um dos frutos dessa amizade foi um fato que até hoje ele considera crucial em sua vida: ouvir o nome “Adélia Prado” e tomar contato com sua obra. A amiga jornalista falou do quanto gostava das obras da poeta e algo dentro dele se acendeu. Ficou curioso, interessado. E, depois de ler muitos poemas de Adélia, ficou fascinado. A partir daí, lembra, foi Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Manoel de Barros, Mário Quintana, Fernando Pessoa... E todos viraram referência. “Eu era uma pessoa 22 boletim MAR 15.indd 22 Alzírton Freire: “Só escrevo quando o poema ‘quer’ ser escrito”. Quando Deus quiser Diante da folha em branco o desejo de escrever o poema mais bonito como se fosse possível domar a Beleza e fazer com ela o que se quer na hora que se quer O poema não sai não vai ser escrito e o projeto de ser poeta vai continuar guardado nas gavetas dos desejos não realizados Descobri que poeta cerebral não existe (Alzírton Freire) Sentimentos e conflitos Alzírton conta também que as sessões de psicoterapia que fez por alguns anos o ajudaram a entrar em contato consigo mesmo, permitindo-lhe perceber mais intensamente seus sentimentos e conflitos. “Comecei a lidar com minhas paixões, meus medos, minhas dúvidas e tive vontade de expressá-los”, lembra. Em seis meses, Alzírton produziu freneticamente e seus poemas acabaram virando um livro, A barata no hospício, lançado em 2013. E o que deu-lhe entusiasmo com a ideia de fazer o livro foi um prêmio que ele ganhou num concurso de médicos escritores, em Recife, onde vive, com o poema Quando Deus quiser. E Alzírton já lançou seu segundo livro, em fevereiro deste ano. Chama-se Apenas os copos estão cheios, e é nele que está o poema vencedor do concurso. “Os poemas dão uma liberdade muito grande para quem os escreve. Por exemplo, usar só letras minúsculas, criar neologismos”, diz ele. “Eu não escrevo exatamente quando eu quero”, explica, “mas quando o poema ‘quer’ ser escrito. Não tem regra, não tem metodologia, nem lugar próprio”. Aliás, o poema Quando Deus quiser (veja ao lado) ilustra bem o que ele diz sobre seu processo de criação. E, pelo que se pode sentir, Alzírton vai produzir mais e mais, e nunca deixará de fazê-lo. Em suas próprias palavras, a poesia é “remédio que consola e alegra. É pura beleza e só faz bem”. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • jan/fev/mar/2015 20/03/2015 18:03:45 boletim MAR 15.indd 23 20/03/2015 18:03:45 www.reumatologia.com.br boletim MAR 15.indd 24 20/03/2015 18:03:45