PONTÍFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA Doença de Chagas: aspectos clínicos e programas de combate André de Souza Lisboa1 Rodolfo Duarte Nascimento2 1 Farmacêutico. Aluno de Especialização em Vigilância Sanitária, pela Universidade Católica de Goías/IFAR. 2 Biólogo. Mestre em Biologia Celular pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected] Resumo Esse trabalho é uma revisão sobre a Doença de Chagas que engloba suas formas de transmissão, características clínicas e as ações de combate à doença. Foram revisadas as medidas políticas tomadas pelo Governo Federal do Brasil para erradicação da Doença de Chagas nas décadas anteriores e nos dias atuais. Verificou-se que diversos avanços foram feitos em direção à erradicação do vetor e controle da doença, no entanto, ainda há muito a ser feito. Palavras-chave:Doença de Chagas. Formas de Transmissão.Programas de Combate. SaúdePública. Chagas disease: clinical details and control strategies This paper is a review of Chagas diseases that focuses the forms of transmission, clinical features and the control actions. It was reviewed the policy actions adopted by the Federal Government of Brazil, in the previous decades and nowadays, to eradicate the Chagas disease. It was found that many programs have been made to eradicate the vector and to control the disease, however, much need to be done. Keywords: Chagas disease. Forms of transmission.Controlstrategies. Public Health. 1 INTRODUÇÃO A doença de Chagas é uma infecção parasitaria, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi,que afeta milhões de pessoas no continente Americano (HOTEZ, 2006; SCHMUNIS, 2010). O principal mecanismo de transmissão da doença se dá através da picada do barbeiro, o qual deposita suas fezes contaminadas próximo ao local da picada. A infecção também pode ocorrer por outras vias, como transfusão sanguínea, transplante de órgãos, transmissão congênita, transmissão laboratorial e transmissão oral (COURA, 2007). Inicialmente os indivíduos contaminados desenvolvem uma fase aguda com alta parasitemia e, posteriormente, os pacientes evoluem para a fase crônica da doença sendo que a maioria permanece assintomático por longos anos, vindo a falecer por outras causas. Por outro lado, alguns pacientes nessa fase podem desenvolver complicações cardíacas, digestivas oucardiodigestivas (KOBERLE, 1961). A doença de Chagas é considerada a sexta infecção tropical mais importante no mundo em termos de carga global da doença. Na América Latina, o número de infectados está entre 15 e 18 milhões de pessoas e acredita-se que todo ano morrem cerca de 14 mil pessoas (HOTEZ, 2006; SCHMUNIS, 2010). Entretanto, mesmo após a sua descoberta poucos investimentos foram realizados para combatê-la. A doença de Chagas sempre foi considerada uma doença negligenciada e intimamente relacionada à pobreza humana. Após a década de 40, vários departamentos foram criados e a doença foi considerada um problema de saúde pública (SILVEIRA, 2011). Atualmente, o número de novos casos tem reduzido devido a ações preventivas principalmente contra o vetor e o controle da transmissão por transfusão sanguínea, uma vez que não existe vacina eficaz e nem tratamento específico para a maioria dos casos crônicos. Além disso, outros fatores como a migração rural-urbana, têm contribuído para a redução da morbidade e mortalidade (DIAS, 2009; MARTINS-MELO, 2012). Esse trabalho visa revelar as principais formas de transmissão da doença e suas formas clínicas, como também analisar criticamente os programas de combate e erradicação da Doença de Chagas no Brasil, evidenciando as metas alcançadas e os próximos desafios a serem ultrapassados. 2 METODOLOGIA Para a construção desse trabalho de revisão bibliográfica foram selecionados artigos tendo como descritor de busca: Doença de Chagas, pesquisado na base de dados do PubMed e Scielo. A revisão foi realizada com artigos publicados a partir de 1911 até 2012. A ampla busca é justificada pelo fato de importantes pesquisadores descreverem a doença e relevantes acontecimentos ocorrerem no Brasil nesse período. A biblioteca virtual da Universidade Federal de Minas Gerais também foi utilizada. 3 DISCUSSÃO Descoberta e aspectos clínicos da doença de Chagas A história da descoberta da doença de Chagas data de 1909. Nesse ano, Carlos Chagas e sua equipe descobriram um parasita patogênico tanto aos animais quanto ao homem, o Trypanosoma cruzi. A doença se instalou como zoonose, devido à interferência do homem nos reservatórios naturais, consequentemente, resultou em desequilíbrios ecológicos que levou os insetos vetores hematófagos, conhecidos como “barbeiro”, a se adaptarem ao domicílio humano. Assim, o sangue de animais domésticos e do próprio homem passou a ser fonte de alimento para esses vetores (DIAS, 2006; COURA, 2007). A transmissão da doença de Chagas se dá principalmente pela picada do inseto vetor, sendo o Triatomainfestans a principal espécie transmissora, o qual deposita suas fezes contaminadas com as formas infectantes do parasita no local da picada. Nas áreas endêmicas também são comuns outras formas de transmissão como a transmissão transfusional, a transmissão por via oral, a transmissão congênita e, em menor frequência, a transmissão por transplante de órgãos e acidentes laboratoriais (COURA, 2007). A transmissão oral é uma situação totalmente imprevisível e tem sido detectada em algumas áreas específicas, como na Amazônia brasileira, principalmente nas últimas duas décadas. Esse tipo de infecção gera surtos periódicos da forma aguda da doença de Chagas e possivelmente é causada a partir de triatomínios silvestres que eventualmente invadiram áreas urbanas. Os principais alimentos contaminados com o parasita são sucos de frutas frescas e a polpa de açaí (SILVEIRA, 2011). O ciclo do parasita inicia-se quando o inseto vetor suga o sangue de um indivíduo contaminado com as formas tripomastigotas. No intestino médio do inseto, esses parasitas transformam-se na forma epimastigota, multiplicam-se e migram para o intestino posterior do vetor, diferenciando-se aí na forma contaminante tripomastigota. Geralmente durante a noite, ao picar o indivíduo, o inseto contaminado deposita suas fezes com as formas tripomastigotas próximo ao local da picada. Após penetrarem pelas mucosas ou por uma área lesada, os parasitas têm acesso à circulação linfática e sanguínea, indo invadir diversos tipos celulares. Uma vez dentro das células do hospedeiro, os parasitas transformam-se em amastigotas e após diversos ciclos de multiplicação, dão origem a numerosas formas tripomastigotas. As células quando rompidas liberam os parasitas nos tecidos adjacentes e na circulação. O ciclo se completa quando o inseto pica a pessoa infectada e adquiri as formas tripomastigotas circulantes (BRENER, 1982; KOBERLE, 1968). Em 1911, Carlos Chagas descreveu detalhadamente as fases aguda e crônica da doença, além de suas diferentes formas clínicas. A fase aguda, sendo mais comum em crianças do que em adultos, apresenta um período de incubação de 7 a 14 dias. Alguns indivíduos nesta fase podem morrer por complicações como meningoencefalite ou miocardite. Essa fase é caracterizada pelo alto nível de parasitos nos tecidos e geralmente no sangue. Dentre os sintomas, pode-se citar lesão inflamatória no local da picada (chagoma), febre, aumento dos gânglios, hepatomegalia e esplenomegalia (CHAGAS, 1911). A fase aguda da doença evolui para a fase crônica, onde os níveis de parasita no sangue e nos tecidos são reduzidos devido à mobilização da defesa específica do hospedeiro. Nessa fase muitos pacientes permanecem assintomáticos por muitas décadas, vindo a falecer por outras causas, enquanto outros desenvolvem sintomas resultantes do comprometimento cardíaco, digestivo ou cardiodigestivo (KOBERLE 1961). A cardiopatia chagásica crônica é uma das formas clínicas mais estudadas da doença de Chagas. O diagnóstico baseia-se na presença de sorologia positiva para a infecção pelo T. cruzi, acompanhada de evidências clínicas, eletrocardiográficas e radiológicas de acometimento cardíaco. Os sintomas estão relacionados principalmente com distúrbios da condução e do ritmo cardíaco, insuficiência cardíaca congestiva, fenômenos tromboembólicos e arritmias graves. Nos estágios mais avançados dessa fase, os pacientes apresentam um aumento acentuado do coração e microscopicamente observase um infiltrado inflamatório focal ou difuso, degeneração de células miocárdicas e fibrose intersticial (RASSI, 2007; MARIN-NETO, 2007). A primeira observação da forma digestiva da doença de Chagas veio em 1916 pelo próprio Carlos Chagas, o qual observou que tais pacientes apresentavam dificuldades para ingerir alimentos sólidos e até mesmo liquido. Tal fenômeno na época ficou conhecido como “Mal do engasgo” (CHAGAS, 1916). O comprometimento do trato digestivo na doença de Chagas ocorre com frequência variável conforme a região endêmica estudada e pode apresentarse ou não associado à cardiomiopatia chagásica. Estudos epidemiológicos em áreas endêmicas do Brasil demonstram que 8-10% dos pacientes crônicos possuem a forma digestiva da doença (DIAS, 2002). No Brasil, os casos da forma digestiva da doença de Chagas englobam principalmente a região central do país, compreendendo parte dos estados de Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Bahia e sul do Piauí(DE REZENDE, 1984). Na forma digestiva da doença de Chagas, as alterações mais comuns e expressivas ocorrem no esôfago e cólon, que podem evoluir para o megaesôfago ou megacólon, respectivamente. O primeiro é caracterizado por uma dificuldade progressiva em engolir alimentos sólidos e líquidos e a segunda por constipação crônica. Outras manifestações digestivas podem ser raramente apresentadas na fase crônica da infecção, tal como, megaduodeno, megajejuno e megaíleo. O diagnóstico para a forma digestiva da doença de Chagas é feito através de exames clínicos e radiológicos, por meio da ingestão de contraste para avaliação da motilidade e da dilatação do órgão (OLIVEIRA, 1998; MENEGHELLI 2004). Medidas políticas para o combate da doença de Chagas A primeira ação para o controle das doenças endêmicas ocorreu em 1918 com a criação do Serviço de profilaxia Rural, que focava no combate a doenças como malária, ancilostomose e a doença de Chagas (CHAGAS FILHO, 1993). Em 1919 foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), sendo Carlos Chagas o Diretor Geral de Saúde Pública (SILVEIRA, 2011). Por não se ter certeza da importância da doença de Chagas e maneiras para a seu controle, poucos avanços foram feitos até o final da década de 30. Com a reorganização do DNSP, em 1941, houveuma priorização em enfermidades clinicamente evidentes, quase sempre agudas, de ocorrência majoritariamente urbana ede transmissão epidêmica. Nesse momento a doença de Chagas, junto com esquistossomose e leishmaniose, não constava na lista dos Serviços Nacionais por não possuir essas características e ser considerada de menor importância (SILVEIRA, 2011). Dentre as dificuldades encontradas para controlar a doença de Chagas, uma delas estava relacionada com o custo da proposta de melhorar as condições de habitação, que iria reduzir os criadouros dos vetores Triatomainfestans. Já que a melhoria das condições de habitação era uma estratégia cara e foi aplicada apenas em casos restritos, iniciou-se então uma discussão mais profunda para o seu controle. Só partir da década de 40 a doença de Chagas foi considerada um problema de saúde pública (SILVEIRA, 2011). Em 1943, com a criação da Fundação Oswaldo Cruz, foram testados diversos repelentes e inseticidas para o controle da transmissão vetorial da doença. Inicialmente foi utilizado o DDT, o qual foi ineficaz contra o vetor. Posteriormente, passou a ser utilizado o gama-hexaclorociclohexano (BHC), que foi eficaz contra o vetor e se tornou a medida de controle mais utilizada (DIAS, 2002). Essa eficácia provocou em 1950 a primeira Campanha Nacional contra a doença de Chagas, abrangendo 123 cidades de Minas Gerais e 93 de São Paulo. Assim, em 1956 foi criado o Departamento de Endemias Rurais (DNERU), que buscou organizar e realizar serviços de investigação e promover o combate a diversas doenças, como malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela, esquistossomose, ancilostomose, filariose, hidatidose, bócio endêmico, bouba, tracoma e outras endemias existentes. Em relação à doença de Chagas os resultados foram insuficientes e precários (DIAS, 2011). Houve amplos inquéritos epidemiológicos, de soroprevalência e entomológico e ações de controle vetorial com a criação da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) em 1970 (SILVEIRA, 2011). Nessa época o vetor Triatomainfestansestava presente em grande número no Brasil (FIGURA 1). Figura 1- Distribuição Geográfica do Triatomainfestans na América do Sul antes da década de 80 (SCHOFIELD, 2006). Na década de 80, o Brasil lançou uma campanha nacional a qual foi de suma importância para a diminuição da transmissão da doença. O BHC foi substituído por inseticidas piretróides sintéticos. Esses eram consideravelmente mais caros do que o BHC, mas poderiam ser usados em baixas doses e possuíam maior facilidade de aplicação, além da utilização pouco frequente e da ausência de cheiro desagradável. A pulverização de piretróide sintético tornou-se a estratégia padrão contra a doença de Chagas (DIAS, 2002). No entanto, outros fatores também influenciaram essa diminuição, a urbanização e as melhorias nas condições de vida das populações de baixa renda reduziram o risco de infecção (SILVA, 1999). Em 1986, 75% dos objetivos iniciais foram atingidos, no sentido de que localidades infestadas haviam sido mapeadas, pulverizadas, e colocadas sob vigilância comunitária. No entanto, a principal dificuldade diante dessa estratégia foi o ressurgimento da dengue em 1986, que resultou em toda a atenção das autoridades de saúde da época (MASSAD, 2008). Em 1991, com a Iniciativa do Cone Sul, um acordo conjunto entre os governos da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Peru, para controlar a doença de Chagas pela eliminação do vetor foi muito bem sucedida e a área de prevalência do vetor diminuiu rapidamente nos últimos anos (FIGURA 2). O principal objetivo do acordo foi a eliminação do principal vetor, o Triatomainfestans, incluindo a supressão e o controle de populações de outras espécies de importância local. O segundo objetivo foi o de reduzir o risco de transmissão da doença de Chagas por transfusão sanguínea (MASSAD, 2008). Figura 2 - Distribuição Geográfica do Triatomainfestans na América do Sul após o programa do Cone Sul (SCHOFIELD, 2006). Em 2000 as ações de controle de doenças transmitidas por vetores passaram para o Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI), que buscava a normatização técnica, gestão dos sistemas de informação epidemiológica e o fornecimento de insumos estratégicos.O CENEPI não obteve sucesso e foi extinto em 2003, sendo substituído pela Secretária de Políticas da Saúde. Essa mudança trouxe uma centralização da vigilância, prevenção e controle de doenças (Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS, 2007). Casos de infecção pela doença de Chagas no Brasil A Doença de Chagas é a sexta infecção tropical mais importante no mundo em termos de carga global da doença. Na América Latina, o número de infectados está entre 15 e 18 milhões e acredita-se que todo ano morrem cerca de 14 mil pessoas. Estima-se que cerca de 2 a 3 milhões de pessoas ainda estão infectadas no Brasil, sendo que 600.000 apresentam complicações da forma crônica cardíaca ou digestiva, causando a morte de 5.000 pessoas por ano (HOTEZ, 2006; SCHMUNIS, 2010). De acordo com dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), 24.130 internações por doença de Chagas foram registradas entre 1995 e 2008 no Brasil. O Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) contabilizou 156.224 mortes por doença de Chagas como causa básica entre 1980 e 2007 no Brasil(MOURA-BRAZ, 2011). A região Centro-Oeste do Brasil apresenta a maior taxa de mortalidade refletindo o fato dessa região ter representado em décadas anteriores uma área endêmica em relação à transmissão pelo vetor. As formas crônicas correspondem a 97,2% das mortes de indivíduos chagásicos e a forma aguda, comum na região Norte do Brasil, representa apenas 2,8% (MARTINS-MELO, 2012). No período de 1980 a 2007, a região centro-oeste apresentou um decréscimo acentuado na taxa de mortalidade. Essa região registrou 18 mortes/100.000 habitantes no início de 1980, caindo para 7,2 em 2007(MOURA-BRAZ, 2011). Um total de 2.250 casos de doença de Chagas na forma aguda foram notificados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), entre 2001 e 2006 no Brasil(TABELA 1).Os estados com as maiores taxas de casos agudos no período estão localizados nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Devido à dificuldade no diagnóstico da doença de Chagas em sua fase aguda, a maioria das internações relatadas provavelmente representam indivíduos que adquiriram a doença há muitos anos(MOURA-BRAZ, 2011). Tabela 1- Taxas de casos agudos de doença de Chagas por 100.000 habitantes – 2001. UNIDADE DA TOTAL FEDERAÇÃO POPULAÇÃO TAXA MÉDIA (31/12/2003) BRASIL 2.249 177.988.694 0,21 ALAGOAS 59 2.932.659 0,34 AMAPÁ 64 543.884 1,96 AMAZONAS 20 3.065.413 0,11 BAHIA 441 13.496.480 0,54 CEARÁ 53 7.810.080 0,11 DISTRITO FEDERAL 1 2.221.594 0,01 ESPÍRITO SANTO 31 3.274.284 0,16 GOIÁS 35 5.354.165 0,11 MARANHÃO 14 5.908.622 0,04 MATO GROSSO 12 2.674.414 0,07 MATO GROSSO DO SUL 27 2.184.124 0,21 MINAS GERAIS 84 18.657.577 0,08 PARÁ 183 6.635.189 0,46 PARAÍBA 106 3.530.367 0,50 PARANÁ 20 9.960.970 0,03 PERNAMBUCO 274 8.200.248 0,56 PIAUÍ 148 2.936.386 0,84 RIO DE JANEIRO 42 14.956.032 0,05 RIO GRANDE DO NORTE 226 2.905.634 1,30 RIO GRANDE DO SUL 159 10.562.009 0,25 RONDÔNIA 39 1.467.878 0,44 SANTA CATARINA 73 5.646.692 0,22 SÃO PAULO 36 38.973.449 0,02 SERGIPE 102 1.888.777 0,90 Fonte: MOURA-BRAZ, 2011 É importante ressaltar que se devem considerar importantes interferências na interpretação dos dados fornecidos pelo DATASUS (SIH, SIM e SINAN), como: subnotificação, erros no preenchimento dos atestados de óbito, falhas no sistema de cobertura e transmissão de informações, percentual de óbitos por causas mal definidas, registros duplicados e falta de uma tabela de padronização(LAGUARDIA, 2004). Ainda com relação aos casos agudos, nas últimas duas décadas têm sido detectadas em algumas áreas específicas, como na Amazônia brasileira, casos relacionados à transmissão oral da doença de Chagas. Essa é uma situação totalmente imprevisível e esse tipo de infecção gera surtos periódicos da forma aguda da doença e possivelmente é causada a partir de triatomínios silvestres que eventualmente invadiram áreas urbanas. Os principais alimentos contaminados com o parasita são sucos de frutas frescas e a polpa de açaí (SILVEIRA, 2011). Em uma pesquisa realizada com 104.954 crianças, com idade entre 0 a 5 anos e residentes em zonas rurais brasileiras, obteve 104 (0,1%) crianças positivas para a infecção por T. cruzi em amostras de sangue coletadas em papel de filtro e submetidas a testes de screeningpelas técnicas de imunofluorescência indireta (IFI) e ELISA. Residências com paredes de madeira, cobertura de zinco, animais domésticos e presença de triatomíneos apresentaram os maiores percentuais de positividade. Em 41 (0,04%) dos casos positivos o resultado foi confirmado nas mães, mas os filhos apresentaram sorologia negativa nos reexames feitos com sangue obtido por punção venosa. Essas crianças estavam com 4 meses ou menos na época da primeira coleta, o que caracteriza a transmissão passiva de anticorpos maternos. Em 20 (0,02%) casos a mãe e a criança apresentaram testes positivos, o que, na ausência de outros mecanismos, indica uma provável transmissão vertical; 12 dessas 20 crianças residem no Rio Grande do Sul, o que pode ser justificado pela presença de T. cruzidogrupo IId (TcV) e IIe (TcVI), linhagens responsáveis por infecções na Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, países em que se observa altas taxas de transmissão congênita (OSTERMAYER, 2011). Medidas de controle da doença de Chagas no Brasil No Brasil, o número de novos casos da Doença de Chagas tem reduzido drasticamente nos últimos anos. Entretanto, como não existe vacina eficaz e nem tratamento específico para a maioria dos casos crônicos, a estratégia básica de controle contra a doença ainda consiste em ações preventivas contra o vetor e mecanismos secundários, tais como, transmissão transfusional e congênita (DIAS, 2009). A estratégia de controle da doença de Chagas transfusional consistia em exames de sangue por meio de teste sorológico e quimioprofilaxia de sangue suspeito com drogas tripanocidas. Essa estratégia apresentou algumas dificuldades, como a falta de instrumentos legais e regulamentares para reforçar a seleção de doadores (DIAS, 1998). Além disso, as dificuldades operacionais relacionadas com o teste de triagem aplicado só foram superadas com o advento de novas técnicas como imunofluorescência, hemaglutinação indireta e ELISA. O surgimento do HIV / SIDA melhorou a qualidade dos exames de sangue e a transmissão transfusional de T. cruzi deixou de ser uma forma importante de adquirir a infecção no Brasil (MASSAD, 2008). A transmissão vertical, ou congênita, é a terceira forma mais importante de transmissão da doença de Chagas e pode ocorrer em qualquer momento da gravidez, em gestações sucessivas e pode afetar gêmeos (DIAS, 2002). O controle tem sido restrito ao diagnóstico precoce através de um programa de pré-natal eficiente e tratamento específico dos recém-nascidos infectados. O diagnóstico precoce permite o tratamento imediato de recém-nascidos e as taxas de cura atingem quase 100% (SCHIJMAN, 2006). As triagens sorológicas de crianças nascidas de mães chagásicas devem ser feitas seis meses após o nascimento, pois a sorologia realizada antes de 6 meses pode refletir anticorpos transplacentários (MASSAD, 2008). Outro fator importante no controle da doença de Chagas é a intensiva migração rural-urbana em toda a América Latina que tem diminuído a transmissão durante as últimas décadas (DIAS, 2009; MARTINS-MELO, 2012). Isso tem contribuído para a redução da morbidade e mortalidade, provavelmente, devido à redução de re-infecções pelo parasita e a ausência de contaminação do vetor em indivíduos mais jovens (DIAS, 2008; SANTO 2009; RAMOS 2009). Em 2006, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial considerou o Brasil livre da transmissão da doença de Chagas, através do seu principal vetor (T. infestans) e por transfusão de sangue e hemoderivados (DIAS, 2006). No entanto, a presença de espécies de vetores secundários com hábitos peridomiciliares, como Triatoma brasiliensis no nordeste do país e Panstrongylusgeniculatus, Triatomamaculata e Rhodniusbrethesina região da Amazônia (MASSAD, 2008), juntamente com outras formas de transmissão, como a ingestão de alimentos contaminados e transmissão congênita (VALENTE, 2009) deram origem a preocupação de que a doença pode ressurgir. Outro fator relevante é a captura frequente de espécies consideradas silvestres em ambientes domiciliares, principalmente Panstrongyluslutzina região nordeste e Triatomarubrovariano extremo sul (OSTERMAYER, 2011). Por outro lado, a migração de indivíduos infectados para países não endêmicos tornou-se um problema de saúde pública nessas regiões, principalmente nos Estados Unidos e nos países europeus (SCHMUNIS, 2010). Os principais meios de transmissão da doença nesses países ocorrem por meio de transfusão de sangue, transplante de órgãos e transmissão congênita (COURA, 2010). 4 CONCLUSÃO A doença de Chagas pode ser considerada uma doença negligenciada e está intimamente ligada à pobreza humana e a condições precárias de moradia. As atitudes mais eficazes para sua erradicação envolvem campanha de melhoria habitacional, educação sanitária, triagem sorológica de doadores de sangue e a utilização de inseticidas. O Brasil avançou muito em suas campanhas de combate e erradicação do vetor, levando a uma redução na mortalidade e a grande diminuição das colônias do Triatomainfestans. No entanto, a taxa de mortalidade não atingiu o patamar ideal e novos casos de infecção aguda ainda são comuns em algumas áreas do Brasil,principalmente nas regiões norte e nordeste,o que mostra um controle negligente e a necessidade da ampliação e melhoria nas ações de controle, prevenção e atenção médica. Pode-se afirmar que o controle foi tardio e sempre norteado por projetos de desenvolvimento econômico. A falta de programas políticos e a forte presença da corrupção sempre prejudicaram os investimentos públicos no Brasil. Mesmo com os grandes avanços relativos a essa questão, torna-se necessário rever esse quadro e criar medidas que possam atender aqueles que ainda sofrem da doença. REFERÊNCIAS BRENER, Z. Recent developments in the Field of Chagas’ disease. Bull World Health Organ 60, 463-473, 1982. BRAZ, S.C.M. et al . Chagas disease in the State of Pernambuco, Brazil: analysis of admissions and mortality time series. Rev. Soc. Bras. Med. Trop, 44(3): 318-323, mai-jun, 2011. CHAGAS, C. Nova entidade morbida do homem: rezumo geral de estudos etiolojicos e clinicos. Mem. Inst. Oswaldo Cruz,3, 219-275, 1911. CHAGAS, C. Processos patogênicos da tripanosomíase americana. Mem Inst Oswaldo Cruz 8, 5-37, 1916. CONASS. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Vigilância em Saúde. Coleção Progestores –Para entender a gestão do SUS. Brasília, 2007. COURA, J.R. Chagas’ disease: what is known and what’s needed – A background article. Mem Inst Oswaldo Cruz, 102: 113–122, 2007. COURA, J.R. et al. Chagas’ disease: a new worldwide challenge. Nature, 456: s6–7, 2010. DE REZENDE, J.M. The digestive tract in Chagas’ disease. Mem Inst Oswaldo Cruz,79, 97-106, 1984. DIAS, J.C.P. Elimination of Chagas disease transmission: perspectives. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 104: 41-45, 2009. DIAS, J.C.P.; PRATA, A.; CORREIA, D. Problems and perspectives for Chagas’ disease control: in search of a realistic analysis. Rev Soc Bras Med Trop, 41: 193–196, 2008. DIAS, J.C.P. Chagas disease: successes and challenges. Cad Saude Publica, 22, 2020–21, 2006. DIAS, J.C.P.; SILVEIRA, AC.; SCHOFIELD, CJ. The impact of Chagas disease control in Latin America: a review.MemInstOswaldo Cruz, 97, 603-12, 2002. HOTEZ, P.J. Et al. Incorporating a rapid-impact package for neglected tropical diseases with programs for HIV/AIDS, tuberculosis and malaria. PLoS Med, 3: e102, 2006. KÖBERLE, F. Pathology and pathological disease.BolOficinaSanitPanam,51, 404-428, 1961. anatomy of Chagas' KÖBERLE, F. Chagas disease and Chagas syndromes: the pathology of American trypanosomiasis.AdvParasitol,6, 63-116, 1968. LAGUARDIA J. et al. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN): desafios no desenvolvimento de um sistema de informação em saúde. EpidemiolServSaúde; 13:135-146, 2004. MARIN-NETO, J.A. et al. Pathogenesis disease.Circulation, 115, 1109-23, 2007. of chronic Chagas heart MARTINS-MELO, F.R. et al. Epidemiology of Mortality Related to Chagas' Disease in Brazil, 1999–2007. PLoSNegl Trop Dis, 6: e1508, 2012. MASSAD, E.The elimination of Chagas’ disease from Brazil.Epidemiology and Infection,136, 1153-1164, 2008. MENEGHELLI, U.G. Chagasicenteropathy.Rev Soc Bras Med Trop, 37, 252260, 2004. OLIVEIRA, R.B. et al. Gastrointestinal manifestations of Chagas’ disease. Am J Gastroenterol, 44, 407-10, 1998. OSTERMAYER, A.L. et al . O inquérito nacional de soroprevalência de avaliação do controle da doença de Chagas no Brasil (2001-2008). Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba, 2012 . RAMOS, J.R.; CARVALHO, D.M. Doença de Chagas: passado, presente e futuro. Cad Saúde Colet., 17: 787–794, 2009. RASSI,A.JR.;RASSI,A.;RASSI,S.G.Predictors of mortality in chronic Chagas disease: a systematic review of observational studies.Circulation, 115, 1101-8 , 2007. SCHMUNIS, G.A.;YADON, Z. E. Chagas’ disease: a Latin American health problem becoming a world health problem. Acta Trop, 115: 14–21, 2010. SCHOFIELD, C.J. et al.The future of Chagas disease control.Trends in Parasitology; 22: 583–588, 2006. SANTO, A.H. Tendência da mortalidade relacionada à doença de Chagas, Estado de São Paulo, Brasil, 1985 a 2006: estudo usando causas múltiplas de morte. Rev Panam Salud Publica, 26: 299–309, 2009. SILVA, L.J. A evolução da doença de Chagas no Estado de São Paulo. EditoraHucitec; 1999. SILVEIRA, A.C.; PIMENTA JUNIOR, F. Institutional insertion of Chagas’ disease control. Rev Soc Bras Med Trop, 44:19-24, 2011.