ATIVIDADES LÚDICAS E O DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS HOSPITALIZADAS: CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM ECOLÓGICA Ângela Adriane Schmidt Bersch∗∗, Maria Angela Mattar Yunes• Fundação Universidade Federal de Rio Grande As experiências concretas que aliam teoria e prática são fundamentais na formação de qualquer educando. Este artigo é fruto da participação de uma acadêmica de Educação Física por três anos em um projeto que atende crianças hospitalizadas da cidade de Pelotas. No decorrer dos cursos de graduação, o contato com a realidade social e a experiência de docência, provoca muitas reflexões sobre o processo relacional – professor/aluno. Confrontar a prática com a teoria dos livros de nossas bibliotecas e que é na verdade, o fio condutor deste nosso fazer pedagógico. Ao iniciarmos as práticas, o nosso empolgamento era grande, pois o prazer proporcionado até então pelos estudos teóricos sobre a recreação hospitalar, fazia com que sonhássemos com uma realidade encontrada no Hospital de Clinicas de Porto Alegre (visitamos a HCPA e fomos apresentados a uma estrutura fabulosa e admirável), que entretanto, em Pelotas, não existia. O espaço e material destinados à recreação era parco e restrito, sendo assim, utilizamos também os corredores e quartos. O prazer proporcionado através das atividades recreativas (jogos, brincadeiras, rodas cantadas, teatros, pinturas, contos, dança, confecção de brinquedos, o oferecimento deve ser amplo, como também é a faixa etária: 0 a 12 anos) a crianças tristes, apáticas e passivas, que estavam com a idéia já embutida em suas “cabeças” de que, em hospital não se brinca, era eminente. Como as enfermidades eram variadas, haviam algumas limitações quanto ao movimento, necessitando, em alguns casos, um trabalho quase individual, ou seja, professor/aluno. As vivências neste contexto, ao primeiro contato, nos chocaram pela realidade daquele ambiente que parecia cruel; porém, à ∗∗ Mestranda em Educação Ambiental da Fundação Universidade Federal de Rio Grande. Doutora em Educação: Psicologia da Educação, docente do Mestrado em Educação Ambiental da Fundação Universidade Federal de Rio Grande, Pesquisadora do CNPq. • 1 medida que controlamos nossas angústias, medos e ansiedades, tivemos mais segurança para interagir, intervir e observar os envolvidos. O Projeto de extensão Recreação Hospitalar oferecia atividades recreativas com quatro sessões semanais, nas salas de recreação, quartos e corredores da pediatria dos hospitais São Francisco de Paula (HSFP) e Beneficência Portuguesa da cidade de Pelotas. As respostas positivas obtidas, até aqui, são estimulantes. Aplicou-se entrevistas semi – estruturadas aos responsáveis pelos pacientes, durante e ao final da internação, bem como, ao corpo clínico que atende a pediatria dos hospitais. Analisando os questionários observou-se que 95% dos pacientes estavam deprimidos com a internação e que 100% alegaram melhoras após o lúdico orientado; 98% das crianças desconhecem a sua patologia; 88% apresentaram algum tipo de medo com relação aos procedimentos hospitalares. Questionados sobre o conceito das atividades realizadas 77% dos responsáveis consideraram ótimo, 22% bom. Com relação aos benefícios da recreação, 47% disseram auxiliar na reabilitação, 36% a passar o tempo livre e 15% a amenizar o medo do hospital. Perguntou-se aos profissionais do hospital a sua opinião sobre o nosso trabalho, 98% disseram que a recreação terapêutica influencia no restabelecimento do paciente, além de aproximar o paciente do corpo clínico. Embora, a resistência às atividades por parte do corpo clínico tenha sido o nosso maior enfrentamento na fase de implantação do projeto. Sendo assim, acreditamos que a brincadeira como prática física, possui uma função recreativa, mas também terapêutica, pois ao brincar a criança passa de uma situação passiva frente a doença, a outra ativa, onde controla imaginariamente este novo ambiente. Mas não basta oferecer a vivência pela vivência – brincar por brincar. Considerando a relevância social deste projeto, é preciso lançar um olhar mais investigativo, realizar estudos mais qualificados, no sentido de comprovar a importância de atividades físicas orientadas e incorporálas na rotina da pediatria hospitalar. 2 O CONTEXTO HOSPITALAR A hospitalização, freqüentemente uma experiência desagradável, pode causar prejuízos no desenvolvimento físico e mental da criança, em decorrência da inatividade, da passividade, do mau humor, do negativismo, de fobias, características comportamentais manifestados pelos pacientes pediátricos. Spitz1 descreveu a “síndrome do hospitalismo, como sendo uma grave depressão e isolamento afetivo, principalmente em lactentes” (CECCIM 1997). A internação, em determinadas situações, constitui um risco igual ou maior que a doença: “A hospitalização, é uma situação que precisa ser encarada com muita seriedade, pois pode modificar totalmente hábitos de vida, fazendo com que o paciente passe por desconforto físico e mental da doença afastando-se, temporariamente de seu meio social, além de precisar adaptar-se ao contexto hospitalar que lhe é estranho e culturalmente sofrido.”(CECCIM, 1997) Como esperar um bom restabelecimento da criança, se considerarmos o hospital um lugar de tristezas, sofrimentos e morbidez? A atenção por parte do professor de Educação Física (EF) ao paciente, no sentido de oferecer atividades físicas, pode minimizar os efeitos negativos da doença, favorecendo o retorno ao convívio anterior e do seu cotidiano. A importância e a necessidade de atendimento lúdico terapêutico passaram a ser reconhecidas por hospitais e clínicas, sendo inclusive um direito garantido por lei na Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente. Considerando que a criança é um ser em desenvolvimento, o ambiente hospitalar que geralmente é visto por ela como um local hostil, de dor, tristeza, morte, pode ser bastante nocivo. Diante dessa realidade, buscando transformar este espaço, num local de ludicidade e aprendizagem, é que propomos a inserção do professor de EF neste contexto. Nesse sentido, POLLOCK & WILMORE (1993 p.589), explicam que “todos os pacientes estão prontos a aprender alguma coisa. A chave do êxito reside no fato de que o educador precisa reconhecer o quê e quando”, 1 SPITZ, R. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins fontes, 1979. 3 pois a criança conforme ensina PIAGET (1975) apresenta fases e estágios distintos de desenvolvimento, crescimento e maturação, necessitando de estímulos diversificados, condizentes com a sua condição, visando a boa aprendizagem, aquela que internalizamos2. O repertório de ações é praticamente todo composto de respostas aprendidas durante o período da infância. Justificando a preocupação pertinente à esta fase, já que, é por meio da aprendizagem que o indivíduo vive, de forma melhor ou pior, mas sem dúvida, ele vive conforme aquilo que aprende. Sendo assim, a aprendizagem é um fator essencial, visto que é por, e através dela que nos desenvolvemos. Alguns fatores, segundo GALLAHUE (2003), influenciam no desenvolvimento da criança, entre eles a doença. Assim, o professor de EF, estudioso da fisiologia, biologia, cinesiologia e anatomia humana, bem como, do desenvolvimento motor e psicomotor, pode através da atividade motriz, atenuar os prejuízos decorrentes da hospitalização, propiciando uma melhoria na qualidade de vida destes pacientes. O conceito de qualidade de vida envolve diversos fatores e varia de acordo com o indivíduo e o ambiente em que este está inserido, mas em geral associa-se à longevidade, satisfação no trabalho, salário, lazer, relações familiares, disposição, prazer e estado de saúde. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), “saúde é um estado de bem-estar físico, mental e social completo, e não apenas a ausência de doença e de enfermidade”. Assim, a atividade física, de acordo com STEPTOE (1988), pode ser um meio alternativo excelente para descarregar ou liberar tensões, emoções e frustrações, diminuindo o estresse psicológico, propiciando melhoria da sensação de bem-estar, regulação da fadiga e ansiedade, bem como, aumento da auto-estima. Define-se atividade física como qualquer movimento corporal que implique em dispêndio energético acima dos níveis de repouso, porém não sistematizado, repetido e estruturado, como é o exercício físico (POWERS, S. K. & HOWLEY, E.T. 2000). São exemplos de atividade física (AF), jogos 2 Vygotsky (1989), chama de internalização a reconstrução interna de uma operação externa. 4 motores, caminhadas, danças, teatros, andar de bicicleta, jogos lúdicos e simbólicos, como brincar de carrinho, casinha e outros similares. Fisiologistas explicam que a prática de AF aumenta a secreção de endorfinas, substancias produzidas no organismo e que possuem qualidades capazes de reduzir a dor e produzir estado de euforia. BRINCAR É SAÚDE... Para a criança, o brincar é coisa séria, e, no brincar o movimento é característica inerente à ela, o qual utiliza para controlar situações difíceis e dolorosas que enfrenta. O brincar, enquanto movimento e atividade física, se justifica como medida coadjuvante terapêutica, podendo ser encarado como um item a mais na prevenção da saúde física e mental. Deve ser permitido, estimulado e propiciado em todas as formas, de todas as maneiras, no sentido de amenizar esta fase tão traumática que é a hospitalização. Shephard et al, 1994; Brenner et al 1994; Pedersen et al, 1995 apud TERRY (1997), concluíram num estudo com indivíduos (HIV) soropositivos, que a atividade física moderada, geralmente, tem efeitos benéficos sobre a função do sistema imune. A ATIVIDADE LÚDICA E O PROCESSO TERAPÊUTICO No processo terapêutico, as atividades lúdicas têm papel significativo nas diversas fases do tratamento, desde o início (avaliação/diagnóstico) até o processo de alta. Sendo assim, o professor de EF, que usa jogos, brincadeiras e brinquedos nas atividades motoras com os pacientes-alunos, tem um papel importante no processo de recuperação. CARVALHO (1996) ao tratar da atividade lúdica e o processo terapêutico, destaca a complexidade que se cria ao agregarmos esses dois temas, uma vez que a atividade lúdica é inerente ao homem e ao seu desenvolvimento e o processo terapêutico é uma forma de instrumentalização das atividades do ser humano em benefício do bem-estar e da saúde das pessoas. Assim, reconhecemos nessas duas áreas de conhecimento um aspecto comum, possibilitando associá-las: a atividade humana. CAILLOIS (1990) salienta o prazer demonstrado pelo jogador, o caráter não sério da ação, a liberdade do jogo que na hospitalização não 5 deve ser diferente, pois a proposta de atividades e jogos motores é oportunizar à criança, a interação e a manipulação, além de objetos, também com seus iguais, médicos, enfermeiros e demais profissionais de forma fictícia ou representativa. A EDUCAÇÃO FÍSICA COMO EXPRESSÃO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: SER EDUCANDA E EDUCADORA A reflexão que pretendemos fazer é sobre a questão da Educação Ambiental (EA) no âmbito da Educação Física, que ora será compreendida como uma prática social, que trata de um dado conhecimento que se enraíza na atividade humana, numa área que pode ser denominada de cultura corporal (SOARES 1995). Abordaremos o contributo desta disciplina na formação dos alunos/cidadãos de forma informal, utilizando a denominação “Educação Ambiental informal” de ZEPPONE (1999 p.26) que se refere a “todo e qualquer trabalho desenvolvido fora do âmbito escolar, o que não descaracteriza o seu aspecto educativo, pois sabemos que a aprendizagem não ocorre apenas dentro de uma sala de aula”. Conforme o art. 2o do projeto lei da PNEA – Política Nacional de Educação Ambiental - a EA é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal. A compreensão de que a EA não é responsabilidade somente das Ciências Naturais, senão de todas as áreas de conhecimento e de todos os cidadãos, faz com que abandonemos uma visão reducionista do meio ambiente, que se limita apenas na análise de sua parte biológica, natural, não o enfocando como um sistema sociedade-natureza (TAVARES 2002). Num breve retrospecto, perceberemos que muitos movimentos visam recuperar o equilíbrio da relação homem-natureza, contudo, esquecem de preservar seu próprio equilíbrio, suas relações familiares, seu bem-estar, pois o meio ambiente começa em nós, no nosso interior, ou seja, a EA deve principiar na intra-relação, nas inter-relações com os seus iguais e com o meio ambiente em que está inserido. 6 Considerando que, a criança pode ter uma passagem rápida de poucos dias pelo hospital, como também pode ali permanecer por meses ou ainda, ter vários retornos à este ambiente, esta vivência pode apresentar, tantos ou mais fatores de risco quanto a própria doença acarreta à criança. Uma vez que, o ambiente institucional e as relações estabelecidas neste meio influenciarão seu desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, bem como, a construção de suas identidades e seus projetos de futuro. O grau de perturbação da criança hospitalizada dependerá da sua fase de desenvolvimento, do tipo e dos limites impostos pela patologia, das vivências anteriores e também da sua relação com este “novo” ambiente (NOVAES, 1998). Para compreender as múltiplas interações abordaremos ecologicamente o desenvolvimento humano. UM OLHAR SOBRE A ECOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Para se compreender esta complexa temática, a abordagem ecológica de desenvolvimento de Bronfenbrenner (1979/1996) tem sido apontada como o referencial mais indicado. O modelo ecológico caracterizase por ser um marco teórico e metodológico que busca privilegiar não apenas o contexto, mas as múltiplas interações da pessoa com o seu ambiente. Uma das maiores contribuições da abordagem ecológica reside no fato de que torna os pesquisadores capazes de "pensar ecologicamente", possibilitando que a sua atenção seja dirigida não só para o indivíduo e os ambientes imediatos nos quais ele se encontra, mas também para as interações do indivíduo com os ambientes mais distantes, dos quais muitas vezes, ele sequer participa diretamente (Yunes, Miranda & Cuello, no prelo). Bronfenbrenner (1979/1996) proporciona a compreensão de vários sistemas de influência, desde os mais distais até os mais próximos, que formam o entorno ecológico do indivíduo. Através de uma linguagem específica de sua abordagem, pressupõe que toda experiência individual se dá no ambiente ecológico, o qual "é concebido como uma série de estruturas encaixadas, uma dentro da outra, como um conjunto de bonecas russas." (p. 5). Um aspecto marcante desta concepção, é que o importante para o desenvolvimento humano é o meio ambiente, na maneira como é percebido 7 pelo indivíduo, e não como ele existe na realidade objetiva. Portanto, conforme Bronfenbrenner (1979/1996), "os aspectos do meio ambiente mais importantes no curso do crescimento psicológico são, de forma esmagadora, aqueles que têm significado para a pessoa numa dada situação." (p. 9). Estes ambientes são analisados em termos de quatro tipos de sistemas que guardam uma relação inclusiva entre si: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema. O microssistema é o sistema ecológico mais próximo e compreende um conjunto de relações entre a pessoa em desenvolvimento e seu ambiente mais imediato. No ambiente hospitalar, por exemplo, a criança estabelece interações face a face com objetos e/ou com seus iguais. O mesossistema refere-se ao conjunto de relações entre dois ou mais microssistemas dos quais a pessoa em desenvolvimento participa de maneira ativa: as relações família-escola ou escola-igreja, por exemplo. Quando a criança sai de um microssistema conhecido, como a família, para integrar um novo microssistema como a escola, o hospital, há um fenômeno de movimento no espaço ecológico, ou melhor, uma "transição ecológica". As transições ecológicas ocorrem durante todo o ciclo vital. Uma terceira força de influência no desenvolvimento são os exossistemas. Estes compreendem aquelas estruturas sociais formais e informais que, mesmo que não contenham a pessoa em desenvolvimento, influenciam e delimitam o que acontece no ambiente mais próximo: a família extensa, as condições e as experiências de trabalho dos adultos e da família, as amizades, a vizinhança do bairro em geral. E, por último, o macrossistema que é o sistema mais distante do indivíduo, e inclui os valores culturais, as crenças, as situações e acontecimentos históricos que definem a comunidade, na qual os outros três sistemas estão inseridos e podem afetá-lo: os estereótipos e preconceitos de determinadas sociedades, períodos de grave situação econômica dos países, a globalização (YUNES, MIRANDA & CUELLO, no prelo). Olhar ecologicamente o desenvolvimento de crianças e adolescentes institucionalizados significa compreender "pessoas-em-desenvolvimento" e pensar este desenvolvimento "em-contexto" (Bronfenbrenner, 1979/1996). O contexto hospitalar enquanto instituição é disciplinar, pois impõe regras, 8 exige obediência às normas, fato que leva às crianças e também aos adultos acreditar que neste ambiente não há espaço para o brincar, e, muito menos ao movimento que objetiva somente este ato. Fazer com que as crianças e principalmente, os familiares e os profissionais tenham uma nova compreensão, lancem um novo olhar sobre o âmbito hospitalar não é tarefa fácil. Sabe-se que as concepções dos vínculos existentes entre corpo/mente e entre emoções e sintomas físicos são bastante difundidos. Sendo assim, o entendimento da criança doente deve preponderar sobre a doença da criança. Contudo, isto não ocorre na maioria dos casos. Retomamos os estudos de Bronfenbrenner, no que tange o microssistema e os elementos que o compõe dentro do contexto hospitalar, quais sejam: relações interpessoais, atividades, objetos e papéis, para refletir sobre a influencia destes no período da hospitalização, principalmente se esta for por tempo prolongado. Forma-se uma rede humana – ás vezes invisível – e, é preciso esclarecer a importância de todas as pessoas que tenham contato direta ou indiretamente, pois as suas ações/atitudes irão influenciar positiva ou negativamente no desenvolvimento biopsicossocial da criança neste período (NOVAES, 1998). É transparente a necessidade de uma intervenção com os familiares, os cuidadores e todos os demais envolvidos, para que estes possam contribuir no restabelecimento sadio da criança. É importante propiciar à ela a experimentação e a interação com diversos objetos, símbolos, papéis e múltiplas atividades. Não deve-se exigir um nível elevado de execução em um movimento específico, mas um grau satisfatório em vários. A aprendizagem da criança pode depender tanto de como é ensinada, quanto da qualidade da sua relação com o ambiente em que está inserida. A atividade física através do brincar pode ser também uma importante ferramenta de comunicação entre a criança e os seus cuidadores, quando existir entre eles uma dificuldade de entendimento. Brincar de médico, representar papel de enfermeiro, do próprio doente ou qualquer outra atividade simbólica pode revelar sofrimentos, dores, angustias que a equipe médica não consegue identificar ou compreender através da comunicação verbal. A criança ao brincar revela suas emoções mais verdadeiras, pois 9 este momento para ela é sério. Para esclarecer o termo atividade simbólica tomamos como referência os estudos de VYGOTSKY (1991), que pressupõe a presença do componente imaginário para que exista o jogo (ou o brincar) infantil. Esse psicólogo russo explica que o desenvolvimento humano é promovido pelas inter-relações, seja entre os iguais, com objetos e com o meio, bem como os fatores sócio-culturais. Dessa maneira não podemos dissociar a criança (ser humano) do meio em que está inserido, uma vez que, fizemos parte do meio ambiente e estamos em constante e mútua interação. Prosseguindo nesta reflexão, se integramos o meio ambiente, nossas ações docentes, enquanto educadores ambientais, necessitam ir além dos discursos biológicos, passeios, trilhas ecológicas, seminários sobre questões como, lixo, água, desmatamento. REIGOTA (1994 p.21), refere que meio ambiente é o “espaço onde estão as relações dinâmicas em constante interação com os aspectos sociais e naturais.” A problemática ambiental deve, ou deveria, estar presente de forma permanente em todos os âmbitos educacionais, inclusive na promoção à saúde e abarcar todos os educadores e educandos, fazendo com que estes se envolvam e tenham claro a importância e a urgência de uma (re)educação ambiental. Sendo assim, a EA deve estar presente no ensino formal e informal. Embora, este feito seja um grande desafio: delinear coletivamente os princípios da Educação Ambiental (SATO, 2003), é preciso empregar esforços ao menos no tentar. Pensamos como REIGOTA (1994 p.30), “o professor pode educar ambientalmente em qualquer lugar”. Esclarece ainda que EA é uma perspectiva educativa, com caráter de educação permanente, que pode estar presente em todas as disciplinas, ou mesmo fora do âmbito escolar, na tentativa de enfocar a compreensão e resolução dos problemas ambientais planetários. Nesse sentido, a EA deve estar presente na instituição hospitalar, já que a criança hospitalizada necessita muito mais além de medicamentos, alimentação e cuidados médicos. Muitas crianças passam longos períodos de internação hospitalar. Desta forma, é preciso redimensionar a questão do cuidado nestas instituições. Conforme WEISS (1999), o cuidado é também uma prática pedagógica, uma forma de 10 mediação "que se constitui pela interação, através da dialogicidade e quer possibilitar à criança, leituras da realidade e apropriação de conhecimentos" (p. 108). Cuidado e educação devem mesclar-se, conforme enfatiza Weiss, para possibilitar crescimento nas diversas esferas do desenvolvimento humano. Para tal, "no cuidado, o educador e a criança, estão num processo contínuo de interação que se desenrola entre dois seres humanos com seus valores, crenças e costumes, compostos por todas as espécies de laços simbólicos, informações e ajuda mútua. Momento valioso, criativo, espaço de ensino-aprendizagem." (p.100). Cuidar/educar com compromisso e responsabilidade social independe, muitas vezes, da classe social ou do grau de escolaridade do profissional implicado, mas depende muito mais da capacidade de manifestar atitudes de empatia, reconhecer as necessidades do outro e expressar sentimentos de solidariedade.(YUNES, MIRANDA & CUELLO, no prelo). Quando falamos em educação, processo ensino-aprendizagem e em se tratando de crianças, VYGOTSKY (1989), NEGRINE (1995), entre outros, afirmam que a infância é um momento de franca aprendizagem e desenvolvimento. Considerando que a criança constrói seu conhecimento através das suas experiências concretas com o mundo dos objetos e dos seres humanos, a EF leva uma certa vantagem no que se refere ao interesse da criança , pois propicia o envolvimento com o que lhe é fundamental: o brincar e o movimento. Portanto, manipulamos o corpo, mas sobretudo, estimulamos a mente. Considerando o público atingido no contexto hospitalar, este pode ser um local privilegiado para atuarmos enquanto educadores ambientais, pois SATO (2003 p.41), quando trata de técnicas e metodologias em EA, recomenda: “ a utilização de jogos, simulações, teatros e outras novas metodologias que auxiliam na familiarização dos estudantes com os problemas ambientais.” A EF tem como um de seus princípios a melhoria na qualidade de vida dos cidadãos, sendo assim, temos, aí, uma conexão direta e emergente com a EA. De acordo com NAHAS (2001), é difícil definir a qualidade de vida, mas esta pode ser considerada como a condição humana resultante de um conjunto de parâmetros, sócio-culturais e ambientais, que determinam 11 como vive o ser humano. Ao tratar desta temática, Berger e Macinman (apud SAMULSKI & LUSTOSA, 1996), dizem que a qualidade de vida ou “felicidade” é a abundância de aspectos positivos somada a uma ausência de aspectos negativos. Reflete também o grau em que as pessoas são capazes de satisfazer suas necessidades psicofisiológicas. Estudos de REIGOTA (1994 p.12) afirmam que a “EA por si só não resolverá os complexos problemas ambientais planetários. No entanto ela pode influir decisivamente para isso, quando forma cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres”. O autor ainda coloca que a conscientização, o conhecimento dos problemas ambientais, a mudança de comportamento e a participação de uma transformação para uma melhor qualidade de vida no planeta, são alguns dos objetivos da EA. Portanto, a EF que utiliza o movimento, como ferramenta para educar e através das atividades físicas visa, prevenir, amenizar e reabilitar os indivíduos das mazelas da vida moderna e outras patologias, tem um papel fundamental na EA, buscando por meio do conhecimento dos movimentos corporais, orientar as relações entre os seres humanos e destes com o meio ambiente, no intento de contribuir para uma melhor qualidade de vida à população, inclusive à grande margem de excluídos, como os deficientes físicos, obesos, pobres, hospitalizados e tantos outros. Dando continuidade aos estudos, pesquisas e buscando maior qualidade ao nosso trabalho faz-se necessário investigar os benefícios de atividades físicas desenvolvidas no ambiente hospitalar orientadas pelo professor de Educação Física, no atendimento aos pacientes pediátricos. Partindo-se desta problemática central, elencamos os objetivos específicos em relação à temática apresentada: • identificar os medos da criança com relação ao ambiente hospitalar; • analisar as inter-relações da criança no ambiente hospitalar a partir de intervenções implementadas; 12 • relacionar as atividades físicas mais adequadas de acordo com a fase de desenvolvimento e a patologia; • ampliar a instrumentalização da criança e de seus familiares cuidadores para a aderência a um estilo de vida mais saudável. A Educação Física, através de movimentos corporais múltiplos, propicia o envolvimento da criança na atividade proposta, visto que, na infância ela é cheia de sonhos, ativa e tem o prazer presente nas suas ações. Continuando nesta linha reflexiva, questiono: por que este processo não é continuado no hospital? Qual a razão de tolher os momentos de magia, sonho, fantasia, aprendizagem? Por que a hospitalização, geralmente, torna-se uma experiência só traumática? Estudos psicológicos sobre o desenvolvimento humano têm mostrado que as pessoas tornam-se vulneráveis frente a situações de risco. Essa vulnerabilidade potencializa os efeitos negativos de situações estressantes (YUNES & SZYMANSKI , 2001) A abordagem ecológica, proposta por Bronfenbrenner (1979/1996), tem sido utilizada para identificar os processos evolutivos e os múltiplos fatores que influenciam o desenvolvimento humano e a resiliência. De acordo com YUNES e SYMANSKI (2001) a resiliência refere-se aos processos que explicam o enfrentamento e a superação de adversidades, o que difere do conceito de vulnerabilidade que os autores definem como “predisposições ao desenvolvimento de várias formas de psicopatologias”(p.29). No intuito de esclarecer as questões elencadas acima, bem como, mediante estratégias para mobilizar a criança da apatia e passividade, tornando-a um ser mais ativo frente à doença, lançaremos um olhar mais profundo e investigaremos o contributo do professor de EF, sobre este contexto. ATIVIDADE FÍSICA: UMA PROPOSTA TERAPÊUTICA Poucas coisas na vida são mais importantes do que a saúde. E poucas coisas são tão essenciais para a saúde e o bem-estar como a atividade física. Markus V.Nahas 13 Considerando que a problemática definida para a consecução deste estudo, tem uma grande abrangência populacional e representa uma importante parcela no processo de construção da EA, especialmente num espaço tão pouco explorado como o ambiente hospitalar. É relevante pensar que a EA aponta para a intra-relação e às inter-relações humanas, e que seus estudos configuram paradigmas emergentes sobre meio ambiente e educação. A atividade física hospitalar se constitui num programa a ser propiciado à criança como uma proposta terapêutica, atuando como coadjuvante no processo de restabelecimento destes pacientes, proporcionando uma melhoria na qualidade de vida durante o período de internação. Assim, enquanto professora de EF, ciente dos benefícios da atividade física, visa-se atenuar os prejuízos físicos, sociais e emocionais acarretados pelas patologias e a hospitalização. Contudo, é imprescindível que na condição de docentes, estejamos cientes da influência na construção da personalidade da criança, através das vivências relacionais. Ao olhar, tocar, propor situações, movimentar a criança, está-se igualmente mobilizando suas emoções, seus pensamentos e, de alguma forma, influenciando seu comportamento e seu desenvolvimento. Quanto mais jovem for a criança, maior deve ser o cuidado, já que o seu aparelho físicomotor é menos desenvolvido, bem como são mais limitadas os seus recursos cognitivos e afetivo-emocionais. Enfim, com a finalidade de facilitar o restabelecimento num processo de humanização, compreendendo homem e ambiente como uno, numa ótica dialética onde ambos se sobrepõe, se complementam e interagem em constante e mútua (des)construção, propomos a inserção da atividade física lúdica orientada pelo professor de Educação Física no ambiente hospitalar pediátrico. REFERÊNCIAS BRONFENBRENNER, Urie. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1979). 14 CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990. CARVALHO, F.B. O símbolo em Cassier, Freud e Ricoeur como fundamentos para terapia ocupacional. Campinas, 1996. [Tese – Mestrado – UNICAMP] CECCIM, Ricardo Burg. Carvalho, Paulo R. Antonacci (Org’s) et al. 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