PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMA O PARADOXO DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DIREITO À SAUDE: UMA DESCRIÇÃO SISTÊMICO-PRAGMÁTICA (LUHMANN PEIRCE) NUM DIÁLOGO COM MARCELO NEVES DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMA O PARADOXO DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DIREITO À SAUDE: UMA DESCRIÇÃO SISTÊMICO-PRAGMÁTICA (LUHMANN PEIRCE) NUM DIÁLOGO COM MARCELO NEVES DOUTORADO EM DIREITO Tese apresentada à Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com Estágio Doutoral Sanduíche na Universidade de Estudos de Macerata, Itália (Bolsista CAPES), como exigência final para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito e do Estado, sob a orientação da Professora Doutora Clarice von Oertzen de Araujo. São Paulo 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Banca Examinadora _____________________________________ Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. São Paulo, 30 de outubro de 2013. ____________________________ Fernando Rister de Sousa Lima Como retribuição pelo irrestrito e incondicional apoio à realização da presente pesquisa, dedico-a: no campo acadêmico, aos Professores Marcelo Neves e Clarice von Oertzen de Araujo; no âmbito pessoal, à minha mãe, Dra. Zuleica Rister, ao meu pai, Luiz Antônio de Souza Lima, aos meus irmãos, Dr. Lucas Rister de Sousa Lima e Dra. Cibele Rister de Sousa Lima, à minha tia, Nilza Maria Rister, e à minha noiva, Profa. Dra. Karenine M. Rocha da Cunha. AGRADECIMENTOS Primeiro, agradeço a Deus, Pai amado e misericordioso, por esses anos repletos de orientação, oportunidades e, sobretudo, proteção. O pouco que me tornei é graças ao muito que me proporcionou. Desculpe por ainda ser tão pequeno. Tenho fé que um dia hei de orgulhá-lo. A Jesus Cristo, irmão protetor e guia; sem o seu exemplo de resignação e sabedoria, com certeza, a minha jornada seria penosa e injustificável. Sinto-me extremamente honrado em ter obtido o meu Doutorado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da prestigiosa Faculdade de Direito da PUC/SP, instituição na qual já lecionaram juristas de renome como Adilson Dallari, Agostinho Neves de Arruda Alvim, Celso Ribeiro Bastos, Geraldo Ataliba, Hermínio Alberto Marques Porto, José Frederico Marques, Leda Boechat Rodrigues, Osvaldo Aranha Bandeira de Mello, Waldemar Mariz de Oliveira Júnior e, no campo político, o sempre governador André Franco Montoro. E, na condição de professores titulares, lecionam com grande maestria e com lapidar significado Arruda Alvim, Celso Antônio Bandeira de Mello, Dirceu de Mello, Fábio Ulhoa Coelho, Luiz Alberto David Araujo, Marcelo Figueiredo, Marco Antônio Marques da Silva, Maria Garcia, Maria Helena Diniz, Nelson Nery Jr., Oswaldo Henrique Duek Marques, Paulo de Barros Carvalho, Pedro Paulo Teixeira Manus, Roque Antônio Carrazza, Tercio Sampaio Ferraz Jr. e Wagner Balera. Ainda, com o grande privilégio de ter realizado um Estágio Doutoral Sanduíche na centenária Universidade de Estudos de Macerata - UNIMC1, onde fui contemplado com a honraria de conviver e discutir com sociólogos do direito, do porte de Alberto Febbrajo e Vittorio Olgiati. Enquanto o primeiro é um entusiasta da teoria dos sistemas, com uma respeitada produção teórica, mas sem nunca deixar de buscar ver além dos confins da verbalização sistêmica, o segundo é propriamente um crítico, um descrente do potencial luhmanniano de descrever a sociedade atual, pois completamente diversa da vivida, sentida e narrada por Niklas 1 Sobre a centenária Universidade de Macerata, ver o seguinte site: http://www.unimc.it/it/ateneo/lanostra-storia/unimc-dalle-origini-a-oggi. Luhmann. A ambos agradeço, encarecidamente, pela confiança, pelos diálogos e pela amizade. Maestri, grazie mille! No Departamento de Mutamentos Sociais, Comunicação e Instituições Jurídicas, boa parte da pesquisa bibliográfica foi levantada, bem como inúmeros “insights” ali surgiram, e na quietude do centro histórico que remonta ao próprio Período Medieval foram desenvolvidos.2 Lá, ainda contei com a atenção da zelosa bibliotecária italiana Stefania Porfiri, sempre pronta para auxiliar. Ambas as situações (cursar Doutorado em Filosofia do Direito e do Estado na PUC/SP e pesquisar na Itália) foram fruto da generosidade e da confiança de algumas pessoas, das quais destaco o Professor Emérito Paulo de Barros Carvalho e os diligentes funcionários Rui, Rafael (Pós-Direito) e Soraia (Setor de Bolsas). Com esse mesmo cerne, exalto a doação irrestrita dos brilhantes Professores Marcelo Neves e Clarice von Oertzen de Araujo. O primeiro, durante quase dois anos antes de me tornar seu orientando – formalmente falando –, recebeu-me por diversas vezes em seu apartamento para discutir, comentar e ajudar na construção de um projeto de doutoramento. A segunda, a seu turno, com a circunstância da impossibilidade de o primeiro continuar como orientador formal, em razão da sua transferência para a Universidade de Brasília - UNB, de igual modo, recebeu-me de braços abertos, com muito entusiasmo e dedicação irrestrita. Ainda, sobre o meu período de Doutorado Sanduíche na Itália, agradeço ao Professor Marcelo Pereira de Mello, da Universidade Federal Fluminense - UFF, pelo prestigioso auxílio na coleta das assinaturas, bem como na recepção em Macerata. E, especialmente, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão da bolsa, sem a qual não seria viável a minha permanência em regime de dedicação exclusiva na Itália. Enquanto doutorando, tive a grata oportunidade de cursar duas profícuas disciplinas obrigatórias com os Professores Tercio Sampaio Ferraz Júnior e Willis 2 Para localizar o Departamento de Mutações Sociais, Comunicação e Instituições Jurídicas, ver http://www.unimc.it/dipcom. Informações sobre a Provincia di Macerata, ver http://www.turismo.provinciamc.it/home.asp?l=1, em especial o vídeo: http://www.turismo.provinciamc.it/multimedia.asp?l=1. Para uma descrição parcial, de um interpretante emocional, sobre Macerata, eis: “Macerata è cosi: la propria dulceza della perfezione.”. Santiago Guerra Filho, as quais contribuíram demasiadamente para a formação do meu pensamento: dois mestres de gerações distintas, que, entretanto, exemplificam duas máximas da melhor academia: leitura e humildade. Também agradeço a chance de fazer parte do Grupo de Estudos em Direito, Análise, Informação e Sistemas (GEDAIS), coordenado pelo Professor Márcio Pugliesi, cuja generosidade e simplicidade valorizam sobremodo o seu cabedal intelectual. No exame de qualificação, tive a oportunidade de contar, além dos Professores Marcelo Neves e Clarice von Oertzen de Araujo, com a distinta participação da Professora Mara Regina de Oliveira, que fez questão de grafar suas críticas construtivas e, com o mesmo vigor, os pontos fortes do trabalho, o que foi fundamental para a continuidade segura da pesquisa. Pontuo, no contexto da comunidade puquiana, a oportunidade ímpar de firmar e desenvolver laços de amizade com o Dr. Ricardo Tinoco de Góes, Juiz de Direito com alma de filósofo, a ponto de tê-lo, no melhor ideário italiano, como um “fratello academico”. Agradeço ao Professor Guilherme Leite Gonçalves, pela disponibilidade de ler o trabalho durante o seu período de Pós-Doutorado na Alemanha. Contar com a sua generosidade é sempre um privilégio. Em Araçatuba, além da minha família, já homenageada, sempre pude contar com a colaboração de meus estimados colegas de escritório, Dra. Maria Beatriz Crespo Ferreira Sobrinho e Dr. Fábio Garcia Sedlacek. Ainda, na terra dos araçás, pela paciência, confiança e lealdade, agradeço ao Magnífico Reitor Bruno Toledo, à Pró-Reitora Sílvia Cristina de Souza e à Professora Lia Mara Malinski Gandra. Mesmo não tendo participação direta na confecção do presente estudo, mas, seguramente, sem eles, não teria chegado até aqui, agradeço, sentimentalmente e repleto de nostalgia, aos meus primeiros orientadores, respectivamente da monografia de conclusão de curso de bacharelado e da dissertação de mestrado, Paulo Napoleão Basile Nogueira da Silva e Nelson Luiz Pinto. Agradeço, igualmente, os exemplos inatingíveis e a amizade singular sempre externada em abundância à minha pessoa, dos Mestres e amigos: Arruda Alvim e Cassio Scarpinella Bueno, constantemente presentes no meu pensamento e no meu coração. Por fim, mas não menos importante, ao amado Instituto Takemussu, na pessoa do Sensei Wagner Bull, dos Professores Alexandre Bull, Márcio Miura, Nei Tamotso Kubo, Roberto Matsuda, Alexandre Borges, Sidnei Coldibelli, Edgar Bull, Wagner Consoni, Ademar Montenegro Júnior, João Rodrigues Bonvicino (meu Senpai) e da secretária Sumiko Arai Kajihara, que, por meio do melhor Aikido, tem me ajudado a viver melhor e contribuído para, a cada dia, tornar-me uma pessoa mais e mais feliz. Cada nome lembrado aqui, direta ou indiretamente, contribuiu para que esta Tese viesse à tona. Por essa razão, recebam todos meu caloroso e sincero muitíssimo obrigado. “Que o homem seja guiado pelo conhecimento e pelo sentimento. Dosados em sintonia com a mente e o coração, pois, ambos, quando juntos e equilibrados, são poderosos, mas, no entanto, quando separados ou utilizados desequilibradamente, podem ser letais.” RESUMO LIMA, Fernando Rister de Sousa. O paradoxo da atuação do Supremo Tribunal Federal em direito à saúde: uma descrição sistêmico-pragmática (Luhmann - Peirce) num diálogo com Marcelo Neves. 2013. 223f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. A Constituição Federal de 1988 garantiu a todo indivíduo o direito à saúde. Porém, a incapacidade do governo brasileiro em concretizar esse direito fomentou uma avalanche de ações judiciais, justamente para buscar a sua efetividade social. Mundialmente, essa postura de intervenção foi rotulada como ativismo judicial. No Brasil, a questão tomou proporções inimagináveis, o que colocou o Judiciário no centro do palco dos debates sobre políticas públicas. E o Supremo Tribunal Federal (STF), como guardião da Constituição Federal e como topo da estrutura do referido poder, surge como peçachave desse novo desenho institucional do princípio da separação dos poderes. Nesse sentido, a pesquisa, que tem como escopo identificar se a atuação do STF em direito à saúde resulta em efetividade ou em simbolismo, realizou-se mediante investigação teórico-empírica; a teórica foi conduzida pelo processo dedutivo. Centrou-se a coleta de dados em teóricos sociais, com destaque respectivamente à teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, a qual foi utilizada na identificação da racionalidade jurídica, da inclusão social, da complexidade, da contingência, da justiça, do papel dos tribunais, dos sistemas jurídico e político. No plano teórico, a conceituação da expressão “simbólico” é extremamente rica, a tal ponto de rotineiramente se encontrar confusão semântica; para evitá-la, o trabalho adota a tese desenvolvida por Marcelo Neves, no seu livro “A Constitucionalização Simbólica”, em que desenvolve debate em torno do simbolismo das normas constitucionais. Para a pesquisa empírica, por meio dos métodos de pesquisa, utilizou-se investigação documental, coletada de precedentes judiciais do STF. O estudo dos acórdãos foi promovido por meio da “Pragmática” de Charles Sander Pierce. Com efeito, o resultado da pesquisa se configurou num paradoxo: constatou-se que o STF, numa visão restrita à justiça dos litigantes, busca uma ilusória efetividade do direito à saúde, a qual resta simbólica, porquanto julga sob uma racionalidade exclusivamente adjudicatória, negando-se a ver a questão, portanto, de forma distributiva como uma distribuição de riqueza, o que, numa perspectiva macro, provoca o risco da corrupção do sistema político por obrigar a Administração Pública a distribuir riqueza que, muitas vezes, não existe, bem como exclui a maioria da população que não tivera acesso à referida Corte ou que indiretamente é prejudicada pelos recursos desviados da saúde para cumprir suas decisões. Palavras-chave: Direito à saúde. Supremo Tribunal Federal. Paradoxo. ABSTRACT LIMA, Fernando Rister de Sousa. The paradox of the Brazilian Supreme Court role on the right to health: a systemic-pragmatic (Luhmann-Peirce) description in a dialogue with Marcelo Neves. 2013. 223p. Thesis (Doctorate in Law) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. The Brazilian Federal Constitution of 1988 guaranteed to all citizens the right to health. Nevertheless, the Brazilian government inability to solidify this right fostered a huge amount of legal actions precisely to pursuit social effectiveness. All over the world, this interventionist conduct was labeled as juridical activism. In Brazil, this issue gained unimaginable proportions and has set the judiciary in the center of the discussion stage about Public Policies. And the Brazilian Supreme Court (STF – Supremo Tribunal Federal), as guardian of the Federal Constitution and as the top one in the structure of that power, arises as key of this new institutional design of the Principle of Separation of Powers. In that context, the research has as its aim to identify if the STF performance on the right to health results in effectiveness or in symbolism. It was made by a theoretical research and an empirical investigation. The collect of data was centered in theoretical sociologist, with respective prominence given to the Niklas Luhmann´s Theory of Systems, which was used in the identification of legal rationality, social inclusion, complexity, contingence, justice, and the roles of Courts, the Legal and the Political Systems. In the theoretical reference, the conceptualization of the expression: “symbolic” is extremely rich. To a point that routinely semantic confusion is found; to avoid it, this work embraces the thesis developed by Marcelo Neves in his book: A Constitucionalização Simbólica (The Symbolic Constitutionalization), in which he develops a debate about the symbolism of constitutional norms. For the empirical research, by the methods of research, a documental investigation was made, collected from Brazilian Supreme Court´s leading cases. The study of these sentences was sponsored by the Pragmatic of Charles Sander Pierce. In effect, the research result arranged a paradox. It was found that the Brazilian Supreme Court, in a point of view restricted to the litigants, searches for an illusory effectiveness of the right to health, which is symbolic, inasmuch as the judge from a rationality exclusive adjudicatory, denying to see the issue, therefore, as an distributive issue, as a matter of distribution of wealth, which, in a macro perspective, causes the risk of corruption in the political system for forcing the public administration to distribute a wealth that, sometimes, does not even exist, as well as excluding most of the population, that does not have access to this Court or that indirectly are strained considering the diverged resources from the public health to accomplish its decisions. Keywords: Right to Health. Brazilian Supreme Court. Paradox. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Semiose peirceana................................................................................. 109 Figura 2 – Aplicação da tríade de Peirce ................................................................ 116 Figura 3 – Materialização da tríade peirceana exposta no item 10.6. ..................... 118 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Evolução dos gastos da União com a compra de medicamentos em atendimento a ordens judiciais ................................................................................ 184 Gráfico 2 – Evolução dos gastos da União para auxiliar estados e municípios ...... 186 Gráfico 3 – Evolução dos gastos da União para atender ordens judiciais ............... 187 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Primeiro dia da Audiência Pública .......................................................... 99 Quadro 2 – Terceiro dia da Audiência Pública ........................................................ 101 Quadro 3 – Quarto dia da Audiência Pública .......................................................... 103 Quadro 4 – Quinto dia da Audiência Pública ........................................................... 104 Quadro 5 – Sexto dia da Audiência Pública ............................................................ 105 Quadro 6 – Classificação dos argumentos dos ministros paradigmas em direito à saúde ......................................................................................................... 121 Quadro 7 – Decisões proferidas pelo STF .............................................................. 179 Quadro 8 – Nome e custo dos medicamentos mais concedidos judicialmente em desfavor da União ............................................................................................. 185 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 18 PARTE I SEPARAÇÃO DOS PODERES, COMPLEXIDADE E CONTINGÊNCIA SOCIAL 1 SEPARAÇÃO DOS PODERES, ABUSO DE PODER E INSTABILIDADE SOCIAL ..................................................................................................................... 29 2 ESTADO-JUIZ, DIREITO E POLÍTICA .................................................................. 35 3 COMPLEXIDADE E CONTINGÊNCIA SOCIAL NO PROCESSO DECISÓRIO, NO CONTEXTO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES .................... 39 PARTE II DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DIREITO À SAÚDE – POR UMA LEITURA PRAGMÁTICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS 4 COLETA DE DADOS EMPÍRICOS ........................................................................ 54 5 SEMIÓTICA JURÍDICA.......................................................................................... 58 6 PRAGMÁTICA JURÍDICA ..................................................................................... 61 7 PRAGMÁTICA JURÍDICA COMO METODOLOGIA ............................................. 62 8 RELATÓRIOS DE PESQUISA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DIREITO À SAÚDE ....................................................... 64 8.1 PREMISSAS GERAIS ......................................................................................... 64 8.2 RACIONALIDADE JURÍDICA NA MICROJUSTIÇA ............................................ 66 8.3 LUGARES-COMUNS NA MICROJUSTIÇA ........................................................ 68 8.4 PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES EM DIREITO À SAÚDE ........... 68 8.5 DIREITO À SAÚDE COMO BEM INDISPONÍVEL .............................................. 70 8.6 FORÇA VINCULANTE DAS NORMAS PROGRAMÁTICAS ............................... 71 8.7 LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DIREITO À SAÚDE ................ 72 8.8 LINHAS DE RACIONALIDADE ADOTADAS EM DIREITO À SAÚDE ................ 73 8.9 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS ........................... 78 8.10 FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCLUÍDOS NA LISTA DA ANVISA E NO ROL DAS FARMÁCIAS PÚBLICAS .................................................. 80 8.11 EXTENSÃO DO CONCEITO DE DIREITO À SAÚDE ...................................... 83 8.12 SUPERAÇÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL ................................................... 84 8.13 MINISTROS PRÓ-ATIVOS ............................................................................... 88 8.14 MINISTROS PARADIGMAS EM DIREITO À SAÚDE ....................................... 89 8.15 AUDIÊNCIA PÚBLICA: “JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE” .............. 98 9 A SEMIOSE COMUNICACIONAL NOS PRECEDENTES ANALISADOS .......... 106 10 A SISTEMATIZAÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO PELAS CATEGORIAS PEIRCEANAS ......................................................................................................... 112 PARTE III RACIONALIDADE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DIREITO À SAÚDE: SIMBÓLICA OU EFETIVA? 11 CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E SUPREMA CORTE ................................ 129 12 POSITIVAÇÃO DO DIREITO E DIREITO À SAÚDE ......................................... 135 13 DIREITO À SAÚDE E COMPLEXIDADE SOCIAL ............................................ 139 14 ATUAÇÃO SIMBÓLICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ...................... 143 15 ATUAÇÃO EFETIVA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ........................... 147 16 ADJUDICAÇÃO E SIMBOLISMO ..................................................................... 150 17 INADMISSIBILIDADE E SIMBOLISMO............................................................. 157 18 SÚMULA VINCULANTE E ORÇAMENTO PÚBLICO ....................................... 158 19 ACOPLAMENTO ESTRUTURAL E SUPREMA CORTE .................................. 164 PARTE IV RESULTADO DA PESQUISA – O PARADOXO BRASILEIRO: EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE, RUPTURA DO SISTEMA POLÍTICO, JUSTIÇAS DISTRIBUTIVA E COMUTATIVA 20 PESQUISA E FALIBILIDADE ............................................................................ 169 21 SIGNO E IDEOLOGIA ....................................................................................... 171 22 ADAPTAÇÃO JUDICIAL E SISTEMA IMUNOLÓGICO .................................... 174 23 ATIVISMO JUDICIAL E ATUAÇÃO SIMBÓLICA ............................................. 180 A TESE – O PONTO CEGO DO SISTEMA ............................................................ 189 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 195 APÊNDICE A – PLANILHA DAS DECISÕES ANALISADAS ................................ 217 INTRODUÇÃO “Toda convivência humana é direta ou indiretamente cunhada pelo direito.”. (NIKLAS LUHMANN)3 (i) A significação das palavras não é um processo estático. Muito pelo contrário, como processo cultural por excelência, o sentido concebido às palavras é de constante alternância, com nítida contingência. Por vezes, inclusive, conferem-se sentidos opostos, como exemplo, tem-se a palavra formidável, cuja significação etimológica é ligada a pavoroso, diabólico, assustador, entretanto, o seu uso no dia a dia trouxe o sentido de maravilhoso, fantástico. Nessa idêntica situação, também bárbaro, cujas denominações grega e romana eram ligadas aos estrangeiros, para, a partir daí, assumir o sentido de rude, inculto. No Brasil, o cenário semântico é outro, denota a ideia de ótimo, excelente.4 Sem embargo das aludidas considerações, o processo de significação igualmente pode ser observado pela perspectiva estática, como é o caso deste trabalho. Sob esse enfoque, quando se acresce àquele fenômeno linguístico-cultural a imprecisão conceitual e/ou a tipicidade aberta, ambos mui comuns na legislação contemporânea – neste último caso com destaque para a Constituição Federal –, proporciona-se uma complexidade interpretativa. Assenta-se uma zona mais ou menos definida sobre as hipóteses possíveis de serem seguidas.5 Da mesma forma, na doutrina, fulgura-se o talho de conceitos indefinidos lançados pelo direito posto. 3 Sociologia do direito. Tradução Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983a. v. 1. p. 7. Sobre compreensão comunicativa a partir da construção cultural, ver VOLLI, Ugo. Manual de semiótica. Trad. Silva Debetto C. Reis. São Paulo: Loyola, 2007. p. 32-33. O mesmo autor aponta justamente o conceito de significação como riqueza de sentido: “Chamaremos de significação essa condição de riqueza de sentido.”. Cf. VOLLI, 2007, p. 18. As palavras citadas como exemplos no bojo da tese (formidável e bárbaro) foram extraídas de CIPRO NETO, Pasquale. Português passo a passo. Barueri: Gold, 2009. v. 1. p. 38-39. No campo da filosofia política, Montesquieu asseverou a respeito da diversidade de significados outorgados à palavra liberdade, conforme, respectivamente, tradução e no original em francês. MONTESQUIEU. O espírito das leis. 3. ed. Trad. Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 165; MONTESQUIEU. De l´esprit des lois. Paris: Guarnier Frères, 1973. Tome I. 5 Sobre grau de imprecisão e discricionariedade no enfoque dos princípios, ver NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Entre Hidra e Hércules. Princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. Brasília: UNB, 2010. p. 23-51, especialmente, p. 24-25, 27-28. Sob outras premissas, CARRIÓ, 1972, p. 29. 4 19 Daqui por diante, conceitos valorativos começam a ocupar espaço no ordenamento. Caberá, então, ao intérprete pontuar o seu alcance.6 Isso pode aparecer sob a veste de uma evolução ou novidade apontada pelos doutos como um novo ideário. Hans Kelsen, porém, levantou essa questão, por outras palavras, quando tratou das molduras possíveis. Haveria, nessa linha de pensamento, várias hipóteses admissíveis de aplicação das normas e, mais, todas defensáveis. Por sua vez, o ato de decisão seria um ato do aplicador de natureza política, contudo.7 (ii) Especialmente nesse cenário hermenêutico, a tese busca identificar qual a semântica conferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao princípio da separação de poderes quando solve litígios oriundos de violação ao direito à saúde, a fim de mapear se a sua racionalidade tem uma índole meramente simbólica ou realmente de efetividade. Abordou-se a possibilidade jurídica da aplicação das normas de direito à saúde num diálogo intrínseco com a Suprema Corte brasileira; melhor, com a verbalização das suas decisões, posto que o direito pontua-se também por sua linguagem, num perfeito sistema comunicacional.8 6 NEVES, 2010, p. 13-23, notadamente p. 15, 19, 22. ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Incidência jurídica: teoria e crítica. Noeses: São Paulo, 2011. p. 104: “[...] Para ser um sistema eficiente, o direito trabalha com classificações gerais. Ou seja, a linguagem normativa, ao longo de sua história, vem desenvolvendo uma especial capacidade para elaboração de paradigmas e modelos genéricos.”. À luz de outro referencial teórico, ver GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Curso de derecho administrativo. Madri: Civitas, 1974. v. 1. p. 293. 7 KELSEN, Hans. A teoria pura do direito. 6. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 390-395. Para a aplicação da lei como ato de vontade, ver COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 3. ed. 3. tir. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 62-63. Doravante, em razão de nova proposta filosófica comunicacional, não só se perquirirá sobre o conceito da separação dos poderes, porém, sobretudo, sobre sua utilização, numa nítida revolução pragmática, ou como prefere Manfredo A. de Oliveira: reviravolta linguístico-pragmática. Cf. OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 415-419. Num prisma histórico, pontuando, objetivando os traços evolutivos da filosofia da linguagem, de Platão à pragmática transcendental, ver OLIVEIRA, 2006. p. 11-14, 117-338. Para a linguagem como criadora da realidade, ver FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: Anna Blume, 2007. p. 131135. 8 No sentido do Direito pontuado e estudado por meio da sua linguagem, ver ARAUJO, 2011, p. 7, 29, 31, 103. Para direitos subjetivos, no contexto da causalidade, ver VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. rev. atual. e ampli. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 58. 20 (a) ENQUADRAMENTO TEÓRICO: DIREITOS SOCIAIS X PODER JUDICIÁRIO a.1 A sociedade de consumo própria da Pós-Modernidade, herança da Modernidade, impulsionada pela Revolução Industrial, fomenta a evidente desigualdade econômico-social, cuja consequência também é a avalanche de ações judiciais propostas em face do Estado. O indivíduo pleiteia o cumprimento por parte do poder público da sua promessa constitucional de igualdade (CF, art. 5º, caput). A partir desse contexto, os movimentos sociais tentam cunhar a igualdade econômica mínima aviltada incessantemente pela inércia estatal. Ante a sua provocação, o Poder Judiciário atua constantemente na resolução dos litígios de cunho social, ora numa conservadora interpretação da separação dos poderes, ora na busca da efetividade dos direitos.9 a.2 Nesse arranjo sociológico de observação da atuação jurisdicional, identifica-se que a postura do juiz ligada estritamente à lei acaba por privilegiar a interpretação rígida da separação de poderes. Ela torna-se um dogma, com ligação histórica ao período Pós-Revolução Francesa. Neste preciso momento histórico, a parcialidade dos juízes fez com que a burguesia disseminasse a ideia de magistrado como mero instrumento de aplicação da legislação.10 A bem da verdade, naquela época, o poder jurisdicional estava nas mãos do senhor territorial ou do rei, porém, aos poucos, ambos foram substituídos pela nação, materializada no artigo 3º da 9 Essa parcela do Judiciário, que decide em favor da efetividade, é apontada por José Eduardo Faria como heterodoxa, minoria, crítica e politizada, cf. FARIA, José Eduardo. Introdução: o judiciário e o desenvolvimento sócio-econômico. In: _____ (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 1. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 11. Para ver o Judiciário como um poder político, ZAFFARONI, Eugenio Raul; TAVARES, Juarez. Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 78-81, 92. Sobre a conduta omissiva como fato jurídico e, como tal, dando origem a efeitos jurídicos, ver VILANOVA, 2000, p. 65. 10 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 11-13. Numa crítica à formação dos operadores do direito como a grande responsável pelo não questionamento dos dogmas, em desprezo à natureza do Direito, ver FARIA, 2005, p. 21. Eis a versão original em francês: “Article XVI. Toute Société dans laquelle la garantie des Droits n'est pas assurée, ni la séparation des Pouvoirs déterminée, n'a point de Constitution”. Cf. FRANCE. Assemblée Nationale. Déclaration universelle des droits de l'homme (1948-1998). Disponível em: <www.assembleenationale.fr/histoire/dudh/1789.asp>. Acesso em: 27 jan. 2011. 21 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação.”.11 a.3 Em razão desse ambiente político-social, a construção teórica da separação dos poderes foi muito mais um projeto político do que propriamente jurídico, porquanto se temia pelo excesso de poder. Por esse ensejo, como expressamente afirmou Montesquieu, lutava-se para coibir o despotismo real, inibindo um poder pelo outro e, aos poucos, gradativamente, desembocou-se no fortalecimento do Estado Liberal, mesmo sem poder aferir com segurança se foi essa a intenção do filósofo francês em comento.12 Contemporaneamente, conforme faz menção Marcelo Neves, na perspectiva tradicional do Estado Democrático de Direito, a decisão judicial é estritamente vinculada à lei.13 Nesse definido sentido, poder-se-ia afirmar: o decorrer dos anos mostrou que a neutralização do Poder Jurisdicional o afastou de suas bases sociais e dos valores éticos. Em dias hodiernos, indaga-se: realmente aconteceria essa mencionada neutralidade? a.4 A jurisdição tem função de cognição. Inicialmente, conhece fatos que lhe são levados pelo processo judicial. Depois, regressa cognitivamente ao sistema do direito para verificação da tipificação a ser dada ao fato. Durante esse processo cognitivo, depara-se com duas situações: (i) há previsão para o dado fático no ordenamento. Neste caso, caberá ao juiz aplicar tal base legal ao caso concreto, dando vida à norma abstrata, o que o afasta de um mero aplicador da lei; (ii) não há remissão expressa ao problema, deve-se, nessa situação, procurar remissões implícitas e principiológicas, para chegar, até mesmo, a adotar caminhos utilizados 11 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Direito constitucional. São Paulo: Manole, 2007. p. 399. Eis, no original: “Le principe de toute Souveraineté réside essentiellement dans la Nation.”. Cf. FRANCE. Assemblée Nationale. Déclaration universelle des droits de l'homme (1948-1998). Disponível em: <www.assemblee-nationale.fr/histoire/dudh/1789.asp>. Acesso em: 27 jan. 2011. 12 FARIA, 2005, p. 22. Respectivamente, ver na tradução e no original em francês, MONTESQUIEU, 2005, p. 166-167; MONTESQUIEU, 1973, p. 166-167. Inclusive, também é similar a lição de James Madison em O Federalista, cf. HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, Jonh.The federalist papers.Trad.Cid Knipell Moreira.New York: Mentor Book, 1961, p. 320-323. 13 NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 191. Ao término da tese, espera-se que sejam delineados pontos de compreensão que auxiliem, temporalmente falando, a responder à eterna dúvida da neutralidade ou não do juiz, ao menos no que diz respeito ao STF. 22 por outros dispositivos em situações semelhantes, em nítida analogia. Não obstante eventual lacuna, isso não exime o magistrado de julgar; caber-lhe-á o ônus de judicializar o fato lacunoso, incluindo-o no direito posto por meio de sua decisão.14 a.5 Além do já explicitado nos parágrafos anteriores, a análise também se legitima em razão do completo desprestígio conferido pela pesquisa acadêmica brasileira à formação dos juízes e, em decorrência disso, do seu modo de julgar à luz de estudo não positivista. Eugenio Raúl Zaffaroni detecta esse descuido, ao apontar que nas universidades latino-americanas pouco se estuda o Poder Judiciário ao arauto da abordagem sociológico-política. 15 Além do mais, o preenchimento dessa lacuna teórica poderia dar supedâneo à atuação do administrador público, de tal sorte que, se seus atos estiverem moldados à racionalidade do STF, o número de novas demandas há de minguar gradativamente. Por fim, essa objetivação da forma de atuar da Corte Suprema, pode servir de fonte intelectual aos operadores do direito, de modo geral, sobretudo advogados, promotores públicos e juízes. Eis, pois, a oportunidade de fazê-lo neste lavor, enquanto Estado-juiz, delimitado à Suprema Corte, numa investigação teóricoempírica. 14 VILANOVA, Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: Axix Mundi/IBET, 2003. v. I. p. 463. ZAFFARONI, 1995, p. 22, 26, 28, 30-31. Sobre a escassez de pesquisas empíricas, ver LUHMANN, 1983a, p. 7: “[...] As pesquisas empíricas no campo da sociologia do direito podem ser contadas nos dedos [...].”. A respeito da necessidade de estudar-se a forma de pensar com vistas a um objeto de estudo, especificamente fundamentado no rompimento filosófico entre pensar e ser, ver OLIVEIRA, 2006, p. 35. Ademais disso tudo, o registro da advertência de Georg Jellinek, da impossibilidade de admitir-se uma única perspectiva de explicar o Estado, nesse aspecto é válido. Em complemento à ideia, Miguel Reale menciona a necessidade de estudar o Estado na totalidade das suas dimensões, como grande fomentador de uma nova ciência do Estado, com substrato de realidade em embate à teoria excessivamente ficcional. (Teoria do direito e do Estado. 5. ed. 3. tir. Saraiva: São Paulo, 2005. p. 125). E, ainda, a construção histórica da dogmática jurídica, descrita pela refinada pena de Tercio Sampaio Ferraz Jr., aponta para um risco do seu afastamento da realidade, mormente em razão de pautar-se em abstração, dito sob outro verbete: ficção, impulsionando a teorização a voltar-se às classificações e às delimitações conceituais, numa rede de abstrações construídas, numa discrepância inicialmente intencional do dado empírico, porém, que aos poucos se torna tão abrupta que desvirtua a própria razão de ser do direito, num divórcio entre a praxis e a teoria inconciliável. Cf. FERRAZ JR., 2007, p. 81. 15 23 (b) METODOLOGIA DA PESQUISA b.1 O Estado de bem-estar social pressupõe o exercício de função compensatória e distributiva para conferir o mínimo de igualdade econômica, materializada nos direitos fundamentais clássicos, com destaque para os sociais, interesse primordial desta tese. Seu pressuposto é a inclusão generalizada da população nas prestações ofertadas pelos sistemas sociais parciais; o inverso designa-se como exclusão, com ela a sua marginalização.16 Com isso tudo, a cidadania tem na igualdade o seu ponto nevrálgico, entendida como instrumento de inclusão social numa perspectiva jurídico-política, apontada numa diversidade de direitos postulados em face do Estado. A semântica sobre os direitos sociais é fruto de uma evolução não rigorosamente linear em diversos momentos históricos, muito fomentada pelas revoluções burguesas, cada vez mais sob uma maior abrangência conceitual.17 Nesta perspectiva, as dúvidas sobre a atuação do Estado surgem nas mais diversas variáveis, notadamente ligadas à economia e à formação de um Estado Social. Pois bem. Diante desse cenário, o custo de um efetivo Welfare State é colocado em xeque, notadamente pelo atual panorama econômico mundial, o que invariavelmente impulsiona o repensar do papel estatal.18 b.2 A originalidade da pesquisa decorre da mescla da abordagem dedutiva com a analítica do tema, extraída da coleta de dados interdisciplinar, aplicada aos precedentes jurisdicionais, a resultar numa análise hodierna da racionalidade da separação dos poderes. De todo o exposto, merecem destaque a relevância social e a atualidade de se desenvolver investigação mediante coleta de dados bibliográficos, de nítida opção interdisciplinar, e a sua interface com a jurisprudência do STF. 16 NEVES, A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 76. LUHMANN, Nicklas. Teoria politica nello Stato del benessere. A cura di Raffaella Sutter. Milano: Franco Angeli, 1983b, p. 58, 59. 17 NEVES, 2006, p. 175. 18 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 1ª ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 32. 24 b.3 A pesquisa realizou-se mediante investigação teórica-empírica. A teórica foi conduzida pelo processo dedutivo. Centrou-se a coleta de dados em teóricos sociais, com destaque respectivamente para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, utilizada na identificação da racionalidade jurídica, da inclusão social, da complexidade, da contingência, da justiça, do papel dos tribunais e dos sistemas jurídico e político. Ainda, no plano teórico, a conceituação da expressão: “simbólico” é extremamente rica, a tal ponto que rotineiramente se encontra confusão semântica; para evitá-la, o trabalho adota a tese desenvolvida por Marcelo Neves, no seu livro “A Constitucionalização Simbólica”, em que desenvolve debate em torno do simbolismo das normas constitucionais.19 b.4 Toda escolha, decisão de modo geral, provoca riscos, mesmo porque, escolhe-se uma coisa em detrimento de outra, quiçá quando se tem a pretensão de aplicar teorias, como aspira esta tese, pensadas para realidades completamente diferentes da periferia na qual o Brasil está situado, mormente ao pautar como arauto da agenda a inclusão social, numa realidade moldada pela desigualdade, materializada por bolsões de miséria e riqueza que convivem, esbarram-se, com tanta intensidade, que são praticamente aceitas como normais, levando ao pior sentimento possível: a indiferença. Por isso tudo, a utilização de tais metodologias deve ser exercida com prudência para se atentar para as peculiaridades sociais e históricas em que serão contextualizadas, como é o caso desta pesquisa de doutoramento.20 19 Sobre a constatação da ambiguidade da expressão simbólica, ver NEVES, Marcelo da Costa Pinto. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 5-22, sobretudo p. 5: “[...] Ao contrário, estamos diante de um dos mais ambíguos termos da semântica social e cultural, cuja utilização consistente pressupõe, portanto, uma prévia delimitação do seu significado, principalmente para que não se caia em falácias de ambigüidade.” e p. 18: “[...] Dessa maneira, o modo simbólico, além de implicar a ‘nebulosa de conteúdo’ no nível semântico, depende de uma postura pragmática determinada do utente do texto, sendo assim radicalmente contextualizada.”. Ainda sobre a ambigüidade da expressão simbólica, ver NEVES, Marcelo da Costa Pinto. A força simbólica dos direitos humanos. Revista Eletrônica de Direito de Estado. Salvador, n. 4, p. 1-35, outubro/novembro/dezembro, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 25 out. 2011, p. 2. 20 No caso da teoria dos sistemas, para tal advertência, ver VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Teoria dos sistemas e o direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 325. 25 b.5 Sem embargo da preocupação relatada linhas atrás, o choque dessa teorização, proveniente de países tidos como centrais, com os precedentes do tribunal constitucional, instaurado num país de periferia, já amainaria a diferença social mencionada, até em razão da redução na escala de observação, como pontua Orlando Villas Bôas Filho, escorado em Luhmann e em Campilongo, haja vista que se deixaria de lado a generalização, cujo enfoque se atém ao sistema social parcial no todo, para, doravante, observar sob uma abordagem recortada, quase que micro se comparada àquela.21 b.6 Para a pesquisa empírica, por meio dos métodos de pesquisa, utilizou-se a investigação documental, coletada de precedentes judiciais do STF.22 Como advertido antes, o estudo dos acórdãos foi promovido com base na “Pragmática” de Charles Sander Peirce. Aqui, como estudo, entende-se a forma de aproximação do objeto.23 A abordagem a ser feita no material empírico, por meio do pragmatismo, é a qualitativa, a fim de compreender o sentido forjado pela Suprema Corte ao problema em análise. Dessa forma, tem-se um projeto de pesquisa qualitativo, conduzido pelo estudo de casos qualitativos, com o fito de proporcionar uma direção específica aos procedimentos de pesquisa, mesmo como “estratégia de investigação”. Partiu-se do 21 VILLAS BÔAS FILHO, 2009, p. 331, 333, 375-376. Para os seus fundamentos, ver CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 163169 e LUHMANN, Niklas. EI derecho de Ia sociedad. Traducción Javier Nafarrate Torres. 2. ed. México: Universidad Iberoamericana, 2005, p. 381-386. 22 Sobre os métodos de pesquisa, ver CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Artmed. 2010, p. 40, 41. No Brasil, Antônio Joaquim Severino usa a expressão “técnicas de pesquisa” (Metodologia do trabalho científica. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2007. p. 124-126) e Sergio Vasconcelos de Luna o verbete “procedimentos de coleta de informação” (Planejamento de pesquisa. Uma introdução. São Paulo: EDUC, 2006. p. 58-60). Especificamente no seio da Sociologia do Direito, a respeito de pesquisa documental, ver TREVES, Renato. Sociologia del diritto. Torino: Enaudi, 1996. p. 293. 23 Como dito, estudou-se as decisões por meio da Semiótica, em razão de se acreditar que cada vez mais, torna-se cabal a necessidade de fazer-se filosofia no direito, compreendida como a transposição de estudos filosóficos: da filosofia pura, para dentro do direito. E é justamente o que têm feito os estudos de semiótica jurídica, em que se parte de pressupostos filosóficos, neste caso, os da linguagem, com escopo de estudar as normas jurídicas, com destaque, na doutrina brasileira, para Paulo de Barros Carvalho e Tercio Sampaio Ferraz Jr. Ademais, a Semiótica pode ser dimensionada basicamente sob três aspectos: sintático, pragmático e semântico, proclamados, com o vagar necessário, ao mote da tese, na Parte II. 26 particular (análise dos julgados) para uma perspectiva geral (a racionalidade do STF).24 (c) OBJETO DE INVESTIGAÇÃO c.1 A decisão judicial também é resultado da carga psíquica do seu prolator, adquirida na sua formação ética e social, e, depois, polida pela formação intelectual recebida na Faculdade de Direito e mediante seleção por concurso público – nos casos de juízes de carreira –, além de influenciada pelos anos de exercício da judicatura. Sobre o concurso de ingresso na magistratura, em que pesem algumas variantes, é ainda produto das sociedades do século XVIII, logo, sem o dinamismo e a complexidade inerentes à época atual,25 apesar de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter dado um grande passo para o aperfeiçoamento do certame, por meio de recente decisão em que obriga a inclusão, entre outras disciplinas, no respectivo edital, de filosofia e sociologia do direito. Pois bem, pelo exposto, identifica-se que já no ingresso na carreira, inicia-se o interesse a respeito da forma de raciocinar do Poder Judiciário e sua interface com a sociedade hipercomplexa. c.2 Na Modernidade, Niklas Luhmann negou categoricamente a ‘racionalidade jurídica” mediante a conquista de valores outrora concebidos como imutáveis.26 Em seu amplexo, a multiplicidade de escolhas sociais prepondera. Falase em sociedade complexa. É possível esperar uma operação de seletividade em que os sistemas parciais escolham os valores que sua comunicação pontuará.27 24 Sobre os projetos de pesquisa qualitativos, suas estratégias e métodos de pesquisa, ver CRESWELL, 2010, p. 25-47, sobretudo, p. 26, 35, 37-38, 40 e SEVERINO, 2007. p. 118-119. Especificamente no seio da sociologia do direito, a respeito de pesquisa qualitativa, ver TREVES, 1996, p. 204-205. 25 DALLARI, 1996, p. 21. 26 LUHMANN, Niklas. La differerenziazione del diritto. A cura di DE GIORGI, Rafaelle. Milano: Mulino, 1990b. p. 348. 27 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Governo representativo “versus” governo dos juízes: A “autopoiese” dos sistemas político e jurídico. Belém: UFPA, 1998. p. 56. 27 A partir dessa seleção, a generalização dessas expectativas será o possível de fornecer ao sistema social global, não mais. Luhmann rotulou o seu trabalho de “funcionalismo-estrutural”, justamente para destacar o seu contraponto ao ideário parsoniano denominado de “estrutural-funcional”. Com esse intuito, propôs uma nova teoria de análise da sociedade, que contém um aspecto metodológico, redefinindo o conceito de função, e um teórico, voltado a um novo conceito de sistema.28 No que diz respeito ao conceito de sistema, primeiro desconsidera completamente a ideia de valores ontológicos, como frisado anteriormente. A estabilidade não mais será feita por um axioma imutável, cuja consequência também é a exclusão de outros valores. O sistema deverá buscar essa estabilização dentro de um ambiente mutável, em que as outras possibilidades são quase certas. Por isso, a estabilização será feita num jogo comunicativo entre o sistema e o ambiente. Desta maneira, antes de tudo, a teoria luhmanniana funcional-estrutural é uma proposta sistema/ambiente.29 Nesse cenário sistêmico, os juízes são os responsáveis pelo fechamento sistêmico, na essência. Numa última análise, com o surgimento da lide, o que é lícito ou ilícito, quem decide são eles. Cabe-lhes a difícil missão da “última palavra”, cujo estudo é o fito central deste trabalho: a sua forma de atuar. Por essas máximas, impende indagar: como julga a Suprema Corte brasileira em direito à saúde: pela efetivação do direito à saúde ou pela atuação simbólica? c.3 Por isso mesmo, novas indagações exsurgem: no contexto políticosocial pátrio, a Suprema Corte teria uma postura de altivez? Entender-se-ia como seu objetivo efetivar os valores contemplados pela Constituição Federal, notadamente o direito à saúde, e até mesmo, quem sabe, ideologicamente, praticarse-ia a sua concretização-normativa; ou, ao contrário disso, atuar-se-ia em favor da preservação da competência do Poder Executivo, num rígido apego à separação de poderes, em apoio, deste modo, à tese de que a efetivação dos direitos sociais é um resultado exclusivo das políticas públicas e, como tal, não afeita à sua intervenção? 28 FEBBRAJO, Alberto. Funzionalismo struturale e sociologia del diritto nell´opera di Niklas Luhmann. Milano: Giuffrè,1975. p. 29, 30. 29 FEBBRAJO, 1975, p. 37, 38. 28 Pretende-se, nestes termos, esgrimar em torno da resolução da seguinte pergunta: qual racionalidade jurídica em direito à saúde prevalece no STF? c.4 Pelo prisma da teoria dos sistemas, como mencionado superficialmente antes, no que diz respeito ao direito, a função será a garantia das expectativas normativas ao longo do tempo. O sistema do direito, por meio de sua reiteração comunicativa diferenciada, garantirá a credibilidade social dos valores inseridos nas normas jurídicas. Assim, a função não é um tipo particular de relação causal: define-se a função independente da causalidade.30 Deste modo, a tese não trata de uma objetivação das causas motivadoras da tomada de decisão, em que o resultado seria oriundo de uma causa que teve como decorrência lógica o fato final observado.31 De outra banda, aqui, quase como uma fotografia, faz-se um corte ou, precisamente, um recorte: desconsideram-se momentaneamente o futuro e o passado. Objetiva-se uma extensão cognoscível – ou seja, determinados acórdãos do STF –, para responder o objeto de pesquisa da tese, na perspectiva sistêmicopragmática. 30 FEBBRAJO, 1975, p. 34, 35. VILANOVA, 2000, p. 7: “1. Natureza não é um complexo de coisas enormemente diversificadas que compõem o nosso mundo circundante. É um complexo de fatos segundo invariações causais. Ela mesma, a natureza transforma-se em cultura, se as leis causais passam a ser suportes de objetivações de valores.”. Também VILANOVA, 2000, p. 59: “Mas a palavra ato conota o dado imediato íntimo, o ato psíquico em que a norma se constitui. O ato íntimo, não exteriorizado em conduta (ação/omissão), [...]”. Mutatis mutandis, transportado esse plexo ideário para o Direito, especificamente no seu processo histórico de diferenciação, cujo resultado materializou-se na sua positividade, conclui-se: ao observar a sua construção histórica, ou mesmo sociológica, não raro, encontra-se causalidade sociocultural como fator preponderante desse processo. Sobre causalidade, ver VILANOVA, 2000, p. 57, 59: “Para se entender a causalidade especificamente jurídica, há de se ter em conta esse mínimo de ontologia: o direito é uma realidade com duas dimensões. Uma é factual, no sentido largo do termo: compõe-se de fatos do mundo físico e de fatos de conduta interhumana. Outra é a objetivação de significados normativos.”. A respeito do processo de significação à perspectiva filosófica de Edmund Husserl, ver OLIVEIRA, 2006, p. 45. A respeito da causalidade sob a abordagem da filosofia política com pertinência ao trabalho, ver, respectivamente, tradução e no original em francês, MONTESQUIEU, 2005, p. 11-17; MONTESQUIEU, 1973, p. 7-13. 31 29 PARTE I – SEPARAÇÃO DOS PODERES, COMPLEXIDADE E CONTINGÊNCIA SOCIAL H´ ςαρ τυραννις αδικιας µητηρ εϕυ “O poder absoluto gera injustiça” (Dionísio, 4 K-S)32 1 SEPARAÇÃO DOS PODERES, ABUSO DE PODER E INSTABILIDADE SOCIAL 1.1 Em rigor, pela análise bibliográfica a respeito da separação dos poderes, depois da preocupação com o abuso do poder, talha-se o nítido temor com a própria estabilidade do poder. Buscou-se uma forma de continuidade do exercício do poder, sobretudo porque os povos, detentores inicialmente da soberania, eram completamente instáveis. Não havia, pelo crivo da consciência popular, garantia de continuísmo e de respeito aos pactos livremente convencionados, como fruto, por exemplo, da própria democracia. Naquele momento histórico, eram duas as preocupações de primeira ordem: (i) abuso de poder; e (ii) fortalecimento das instituições. Esse processo evolutivo não se realizou de forma hegemônica e uniforme. Ao contrário disso, ocorreu de modo heterogêneo e desuniforme, em momentos temporalmente diversos e geograficamente opostos, com extensão desse ideário aos regimes constitucionalistas representativos. E não foi diferente no Brasil, onde, na época do Império, o Poder Moderador tentou outorgar credibilidade ao país, mesmo em desfavor do controle do abuso do poder.33 32 TOSI, Renzo. Dicionário de sentenças latinas e gregas. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 468. O autor proporciona, nesse texto, um breve mas bem pontual relato histórico, com espírito críticodescritivo, sobre o tema. Cf. LOPES, 2006, 15-23. Ver, a respeito da utilização de Montesquieu e Constant na sociedade brasileira, sob a égide do Poder Moderador, WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 148, 149. A respeito do Judiciário como poder neutro, a fim de dar estabilidade e de permanecer imune a pressões para garantir os direitos individuais e o mercado, indica-se CAMPILONGO, 2002, p. 27, 35, 37. Para um breve relato da formação do STF e da influência do Poder Morador, ver VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal 33 30 1.2 Essa necessidade de estabilidade e de contenção ao abuso do poder desembocou na separação de poderes como máxima liberal. Os países tidos como civilizados deveriam adotá-la expressamente em suas respectivas Cartas Magnas, sob pena de o texto em questão não ser considerado uma Constituição, conforme previu inclusive o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem, posteriormente inserido na Constituição francesa, de 3 de setembro de 1791.34 Eis um ambiente propício à construção de novos paradigmas. Foi exatamente o que ocorreu. A burguesia, com os excessivos desmandos dos representantes do absolutismo, viu-se fortalecida para pregar a liberdade inquestionável do indivíduo diante do Estado, valor este que o povo mais carente nunca usufruíra, mas, como vinha num pacote repleto de novos ares, acabou legitimando socialmente a estudada divisão como instrumento ortodoxo de castração dos poderes públicos em favor do valor econômico disseminado pela burguesia em detrimento do nascimento outrora em voga.35 Federal. Jurisprudência política. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 114-119; com o mesmo intento, contudo, num trabalho histórico, ver RODRIGUES, Leda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. t. I. p. 1-14. É lúcida a observação de IANNI, Octávio. A idéia de Brasil Moderno. 1. ed. 3ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 13: “[...] Aos poucos, o manto monárquico recobriu muitas inquietações e desigualdades, criando a ilusão de que o poder moderador resolvia de forma benigna a maior parte dos problemas criados com o escravismo, as nações indígenas, a questão agrária, as diversidades regionais. Muitas inquietações se apagaram em diferentes lugares, dando oportunidade aos arranjos da conciliação pelo alto.”. Para uma brevíssima análise, porém abalizada, a respeito do Poder Moderador no Império e sua corrupção, ver HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. 25ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 167. 34 Article XVI - Toute Société dans laquelle la garantie des Droits n’est pas assurée, ni la séparation des Pouvoirs déterminée, n’a point de Constitution. Cf. FRANCE. Assemblée Nationale. Déclaration universelle des droits de l'homme (1948-1998). Disponível em: <www.assembleenationale.fr/histoire/dudh/1789.asp>. Acesso em: 3 fev. 2011. Eis a tradução livre: “Artigo XVI. Uma sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição.”. A Constituição Francesa, de 3 de setembro de 1991, adotou o texto na íntegra. Ver, nesse sentido, SILVA, 2007, p. 109: “Tornou-se, com a Revolução Francesa, um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação de poderes, tal a compreensão de que ela constituiu técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é.”. 35 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 63, 66-67, 73, 138. Sobre a função judiciária restritamente apegada à lei, ver CAMPILONGO, 2005, p. 45. Pontual a crítica de Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico “Raízes do Brasil”, sobre a forma acrítica que os intelectuais brasileiros assimilam ideários teóricos. Cf. HOLANDA, 2006, p. 155: “É freqüente, entre os brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que sustentam, simultaneamente, as convicções mais díspares. Basta que tais doutrinas e convicções se possam impor à imaginação por uma roupagem vistosa: palavras bonitas ou argumentos sedutores. [...].”. 31 Com o decorrer dos anos, porém, aquela necessária manutenção da liberdade e da estabilidade das instituições já não mais aparentava ser tolhida com a alteração da rígida técnica de separação dos poderes, desenvolvida pelo idealismo liberal. Ao contrário disso, nessa hipótese, como bem assentado por Paulo Bonavides, novos valores políticos, menos formais, paulatinamente tomam lugar no jogo democrático, inclusive para trocar as palavras separação e divisão por distinção, coordenação e colaboração.36 Também, sob o crivo da crítica a Montesquieu, Hegel discordou da separação em questão quando ela se aproxima da visão do filósofo francês, para, no entanto, legitimá-la como unidade do poder em proximidade com o pensamento de Rousseau, num nítido enfoque organicista de interdependência como poderes coordenados e não separados.37 1.3 Submerso no cenário brasileiro, consoante aponta José Reinaldo de Lima Lopes, após o fim do Império, esse condão de resguardar a estabilidade institucional – acima mencionada – aos poucos foi passado ao STF. A par disso, não demorou para a citada Corte enfrentar julgamentos ligados à liberdade e a questões semelhantes. Nessa mesma linha ideológica, a influência do Poder Moderador, cunhado por Benjamin Constant, é clara por atender aos anseios dos Estados fomentadores desse plexo, notadamente em razão de sua observação identificar um contraste entre o liberalismo e a democracia dos antigos em relação aos modernos. Sua adoção resultou num forte manancial à desqualificação de parte da doutrina de Rousseau.38 36 BONAVIDES, 2004, p. 64-65. Para um diagnóstico parecido, ver CAMPILONGO, 2002, p. 38-39 e SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 109: “Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, [...]”. 37 BONAVIDES, 2004, p. 134. Sobre Hegel, ver COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 305-328. Para um apanhado das idéias de Rousseau, ver PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Um conjunto para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra, Faculdade de Direito de Lisboa, 1989. p. 125-139. 38 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais. Teoria e prática. São Paulo: Método, 2006. p. 1921, 29-31. Nesse texto, o autor relata que essa pretensão de instabilidade foi anseio dos mais diversos povos, materializado em discurso de Simão Bolivar ou na refinada pena de Hamilton em seu Federalista 78. Em parecido diagnóstico, ver IANNI, 2004, p. 13-14. Em especial, sobre Benjamin Constant (1767-1830), indica-se BOBBIO, Norberto. Liberalismo y democracia. México: Fondo de 32 Como consequência disso tudo, fortalece-se o regime liberal, num nítido enfoque burguês ou, como preferem, liberalismo forte; leia-se: liberal-individualista, com o condão de, agora, amparar os interesses da elite agrária e do clientelismo imperial, e não do burguês na semântica europeia, porquanto o cenário cultural era diverso daquele fomentador do levante das armas para atacar a nobreza. No Brasil, os valores liberais foram empregados para servir aos interesses da oligarquia rural e, no mesmo intento, dos vinculados/agregados ao Estado perdulário português. Pode-se afirmar que o processo liberal brasileiro surgiu pela vontade dos governantes – que continuaram no poder após a sua implantação, grifase – e não de um caminho revolucionário, e talvez por esta razão chegou a conviver até mesmo com a escravidão.39 1.4 Com efeito, acredita-se que a separação dos poderes foi forjada em razão da necessidade histórica, embasada essencialmente, conforme a concepção de Estado almejado pela classe então dominante, num claro litígio social, no qual os atores, via ideários, duelaram para, ao final, prevalecer uns em desfavor de outros. A sua semântica é artificial, contingente, construída por valores sociais em alta no momento. Nesta mesma linha de raciocínio, o STF, corte responsável pela outorga de sentido às normas constitucionais, pode, sim, conduzir-nos à nova visão do princípio republicano, tão festejado em alguns períodos temporalmente determinados, cujas atuais críticas ofertadas a ele, notadamente encampadas pelos defensores da efetividade dos direitos sociais, estimulam o seu repensar.40 Cultura Económica, 1996. p. 8-9 e BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 8-9. 39 Em diagnóstico sobre a utilização da cultura jurídica produzida nos séculos XVII e XIII, na engenharia do regime burguês e na adequação dos valores liberais à realidade brasileira, respectivamente, ver WOLKMER, 2007, p. 29, 94, 96, 98. A respeito de o liberalismo brasileiro ter sido implementado pelos donos do poder, ver HOLANDA, 2006, p. 160: “[...] Na verdade, ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda, confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e permitindo tratar com familiaridade os governantes. A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo de luta da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos.”. 40 BONAVIDES, 2004, p. 52, 65. Mesmo com toda tradição e pretensão de estabilidade, o Direito não está imune da influência ferrenha da complexidade social. Em outras palavras, a complexidade social 33 Por consectário lógico desse processo histórico de contendas políticosociais, o Poder Judiciário – o poder cunhado por excelência para exercer o seu sacerdócio em sintonia com os valores liberais – se vê completamente pressionado por pleitos sociais de todas as ordens, motivados pelas transformações sociais e tecnológicas, porém, grande parte em razão da ineficiência das políticas públicas, mesmo em atender as necessidades básicas, quiçá na concretização dos direitos das gerações posteriores, especialmente os sociais. Por isso tudo, o Estado-juiz é conclamado a adotar uma nova postura, em cuja consequência também se enfileira a nova modelagem da tripartição dos poderes. De resto, o debate chegou à Suprema Corte, em consonância ao descrito na Parte - II desta tese, com o escopo de (re)desenhar um poder inicialmente talhado ao Estado Liberal, em cujo proceder, no entanto, deve toldar-se para cumprir o seu mister no Estado Social41, inserido num contexto histórico-social de constantes ingressa fortemente no ambiente social do Direito. Nesse escólio, confirma novas possibilidades, as quais se instauram em razão de novas decisões, provenientes de seleções e algumas até delineadas por lutas políticas; com elas, surgem novas escolhas, cuja alternância semântica é quase um processo natural, sobretudo quando é gradativo, sem fortes rupturas. Cf. LUHMANN, 1983a, p. 225, 226, 228. No debate (ou duelo) social entre a nobreza e a burguesia no que diz respeito à separação dos poderes, ver GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 168. Escamoteia-se, ainda, que o próprio projeto de modernidade, construído sob a égide ético-filosófica que legitimou o técnico-produtivo, é fruto do culto de axiomas proveniente de um choque de forças, cujo vencedor foi a burguesia em detrimento da aristocracia, para, em razão disso, dar supedâneo ao denominado mercado capitalista, à razão instrumental e ao Positivismo Jurídico. Cf. WOLKMER, 2007, p. 30, 92, 93; VILLAS BÔAS FILHO, 2009, p. 59, 61, 65, 66, 69; GRAU, 2000, p. 167-168. Em paráfrase a Max Weber, simplesmente a sociedade desencantou-se. A respeito, ver VILLAS BÔAS FILHO, 2009, p. 59- 71. HABERMAS, Jügen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 3-5. 41 CAMPILONGO, 2002, p. 27-32. CAMPILONGO, 2005, p. 30-35, 44, 46-47. FARIA, 2005, p. 52-54, 56, 62-63, 65. Para um mapeamento das alterações na sociedade brasileira e sua influência no Poder Judiciário, ver LOPES, José Reinaldo de Lima. 4. Crise da norma jurídica e a reforma do judiciário. In: Direitos Humanos, direitos sociais e justiça. 4. tiragem. Organizador José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 69-72, 82-83, 85: “O que se coloca como problema básico do Judiciário hoje já não é apenas o julgar conforme a lei. Estamos diante de um quadro mais complexo. As demandas sociais são explosivas na situação brasileira e o que está em cheque não é apenas o Judiciário, mas é todo o Estado, toda a composição política da sociedade brasileira. [...] O que está em discussão é quem deve ficar mais rico e quem deve ficar mais pobre.”. Com o desiderato de observar as mudanças sociais no Brasil, a partir de 1988 até os primeiros anos da década de noventa, sob o viés da Sociologia do Direito e da Política. Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000b. p. 53-65. Eis a transcrição de um trecho da página 59: “O correlato social da paralisia decisória – ou das decisões de difícil implementação e aceitação – é a inviabilidade do consenso. Um sistema representativo irresponsável, num contexto de erosão das identidades populares coletivas, só faz alimentar a fragmentação do Estado e da sociedade. A ineficácia e irracionalidade decorrentes desse estilhaçamento institucional resulta não apenas em impasses decisórios e na incapacidade do Estado tornar efetivas suas leis, mas, igualmente, na crença de que, nessas condições, os ‘pactos sociais’, os projetos que ultrapassem a mera administração diária das crises, as práticas que resgatem o 34 alternâncias, no qual a sociedade – num processo reflexivo – inúmeras vezes foi impulsionada a se repensar para originar novas interpretações ou mesmo ideários já conhecidos, todavia, apresentados sob nova roupagem, consoante expôs Octávio Ianni.42 No mais, com a observação de que, ao contrário da história recente do Brasil, onde as alterações políticas, sociais e institucionais ocorreram especialmente pela vontade e atuação das elites econômicas, e por que não, do escol de intelectuais daquele momento, como se conclui no estudo dos preceptivos de Sérgio Buarque de Holanda. As alterações institucionais atuais são muito mais provocadas pelo altíssimo número, cada vez maior, de demandas judiciais propostas por cidadãos oriundos das classes menos favorecidas, quer individualmente, quer por meio dos movimentos sociais.43 interesse coletivo e o bem público são de árdua viabilização.”. Numa visão geral, no entanto, o texto descreve de forma bem cética e provocadora um dos momentos cruciais da nossa recente democracia, cujo enredo acabou, em parte, por fomentar o debate sobre o papel até então atuado pelo Judiciário e, especialmente, o porvir. 42 IANNI, 2004, p. 7: “Em cada época marcante da sua história, a sociedade brasileira tem sido levada a pensar-se novamente. É como se ela se debruçasse sobre si mesma: curiosa, inquieta, atônita, imaginosa. Não só se formulam novas interpretações como se renovam as anteriores. Podem mesmo recriar-se idéias antigas, parecendo novas.”. 43 O historiador Sérgio Buarque de Holanda identifica o processo evolutivo brasileiro com nitidez, conforme se nota nos trechos aqui colados: HOLANDA, 2006, p. 73: “Na monarquia eram ainda os fazendeiros escravocratas e eram filhos de fazendeiros, educados nas profissões liberais, quem monopolizavam a política, elegendo-se ou fazendo eleger seus candidatos, dominando os parlamentos, os ministérios, em geral todas as posições de mando, e fundando a estabilidade das instituições nesse incontestado domínio. Tão incontestado, em realidade, que muitos representantes das classes dos antigos senhores puderam, com freqüência, dar-se ao luxo de inclinações antitradicionalistas e mesmo de empreender alguns dos mais importantes movimentos liberais que já se operaram em todo o curso de nossa história.”. Nas páginas 160: “É curioso notar-se que os movimentos aparentemente reformadores, no Brasil, partiram quase sempre de cima para baixo; foram de inspiração intelectual, se assim se pode dizer, tanto quando sentimental. Nossa independência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa evolução política vieram quase de surpresa; a grande massa do povo recebeu-as com displicência, ou hostilidade. [...].”, e 161: “[...] Saint-Hilare, que por essa época anotava suas impressões de viagem pelo interior brasileiro, observa que, no Rio, as agitações do liberalismo anteriores aos 12 de janeiro foram promovidas por europeus e que as revoluções das províncias partiram de algumas famílias ricas e poderosas. [...].”. 35 2 ESTADO-JUIZ, DIREITO E POLÍTICA 2.1 Aos olhos do senso comum, a convicção do magistrado, ao julgar, trata-se, em certo aspecto, do fruto da sua intuição ou de sentimento íntimo, portanto, desvalido de um raciocínio elaborado, coerente e previsível, ao menos à vista do citado senso – como grafado há pouco. Esse entendimento popular não compreende a tomada de determinadas decisões que, à sua óptica, revoltariam, como a soltura do cárcere de um perigoso criminoso. O leigo não entende o porquê de tal decisão. Seu pensar é em outro sentido; ilustrativamente, por exemplo: se o delinquente cometeu um crime e é perigoso, deixe-o preso, limpem-se as ruas. Agora, quando o ato de subsunção da norma geral (extraída dos códigos em geral, ilustrativamente) maneja uma cognição hermenêutica – tão usual hodiernamente – que se afasta da exegese aspirada pela revolução burguesa, de rígido apego à lei, a fruir numa nítida construção da norma jurídica propriamente, segundo anotado por Marcelo Neves, e a importar numa “hierarquia entrelaçada”, a irresignação social pode tomar índices altíssimos. Em outra semântica, o discurso mais apurado, com olhar técnico, identificará um processo dialético na formação do juízo decisional a desembocar na soltura do réu. Por essas palavras, pode-se pensar num percurso que inicia no particular, passa ao universal e depura no singular, sob a constante irritação do ético e do jurídico na mente do julgador.44 2.2 Nessa mesma senda, segundo os preceptivos de Tercio Sampaio Ferraz Jr., a dogmática jurídica é tecnologia decisional. É o caminho que o intérprete 44 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Estudos de filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 289. NEVES, 2006, p. 191. Interessante, todavia curioso, que sob o julgo do plano teórico da dogmática jurídica processual (direito processual civil), os estudos tendem a direcionar o pensamento para a seguinte premissa: a convicção do magistrado é motivada, influenciada, pelas provas processuais. Mas, sem prejuízo do balanceamento desse axioma, essa postura normalmente vem contaminada pela imagem de um Juiz burocrata, o que, em nosso sentir, hodiernamente parece a passos longos cada vez mais fora de propósito. Na temática prova, ver na doutrina italiana contemporânea TARUFFO, 1994, p. 377-378, 390, 393, e na clássica CARNELUTTI, Avv. Francesco. La prova civile – Parte generale (Il conceito giuridico della prova. Roma: Athenaeum, 1914. p. 11, 15, 29, 86. Já naquele momento histórico, no século passado, são lúcidos os dizeres carneluttianos, p. 86: “17. Mezzo di prova è dunque, anzitutto, la percezione del giudice. [...].”. 36 segue até o momento de aplicação da norma ao caso fático. Nesse processo, cumprem-se regras processuais, entre elas a fundamentação das decisões, a resultar na argumentação levada a público quando grafada na decisão, a entoar o percurso intelectual do seu prolator. Sem embargo disso, faz menção Ferraz Jr.: “No âmago do julgamento esconde-se a convicção, o pensar convicto, não o método (motivação).”. Completa ainda o seu raciocínio ao opinar que se do contrário fosse, os computadores poderiam julgar e não os homens. Dessa forma, a convicção do magistrado é, em certa medida, um ato individual e subjetivo, o qual tão só toma ares de objetividade no momento da construção da motivação.45 2.3 No alicerce democrático moderno encontra-se a opinião da maioria como suficiente, aos menos artificialmente, para cunho decisório. Ela cunhará os caminhos do Estado. Descarta-se a unanimidade. É tida como improvável. A maioria é o consenso possível sem, no entanto, destruir a minoria. E, nesse plexo ideário democrático, a positividade do direito assumiu um status significativo: a divergência, disputa, entre o bem e o mal tem local bem definido. Doravante, as rivalidades entre o melhor caminho, ou mesmo do valor correto, cinge-se no parlamento. No entanto, com a escolha, o axioma é tomado como certo, consequentemente é positivado. A partir daí, somente é direito o posto por uma decisão e alterável por outra. É um direito artificial, fruto da democracia, como forma de redução da complexidade social; muitas opções eram possíveis, porém se escolheu a “x”.46 45 FERRAZ JR., 2009, p. 293. No enfoque do Direito Processual Civil, é comum nos depararmos com a assertiva de que as provas servem para verificar se determinados fatos, levados a litígio, são ou não verdadeiros, para, a partir dessa constatação, dirimir-se a lide, mediante decisão. No entanto, encontra-se sólido trabalho dogmático, com apelo zetético, na doutrina italiana moderna, da lavra de Michele Taruffo, em que se assenta o simplismo daquela afirmação; quando, por esse estudo, constatam-se, logo de plano, choques culturais e técnico-jurídicos na sua valoração, e, sem embargo disto, o problema da sua valoração tornar-se-á um dos temas mais complexos e intricados da teoria geral do processo, quando a dificuldade da sua valoração rompe o cenário do Direito, a fim de buscar guarida em campos não tão ortodoxos como a Psicologia, a Epistemologia e a própria lógica em concepções não tão usuais para cenário jurídico. Nessa linha, ver TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Dott. A. Milano: Giuffrè, 1992. p. 2-3. 46 CAMPILONGO, 2000, p. 19: “Seria possível – a partir do conceito de direito enquanto conjunto de regras primárias de conduta, de um lado, e regras secundárias de adjudicação, reconhecimento e câmbio, de outro lado -, por exemplo, identificar a regra da maioria como um mecanismo apto a mudar o ordenamento jurídico: uma regra secundária de câmbio que aumentaria o dinamismo das transformações no ordenamento jurídico: uma regra secundária de câmbio que aumentaria o dinamismo das transformações no ordenamento jurídico. Nas sociedades tradicionais o costume antigo exigia a unanimidade dos ‘chefes de família’ para as liberações comunais: uma regra própria das sociedades estáveis. Com o advento do Estado moderno e, posteriormente, com as revoluções 37 Em razão disso, constrói-se o direito inicialmente pelo consenso da maioria, para, em seguida, o Estado-juiz materializar a norma geral abstrata em norma concreta específica, tendo como ponto de partida as escolhas já realizadas pelo sistema político. Essa positividade conota a autodeterminação do direito (fechamento operacional). Paralelamente, associa-se a ideia de Constituição como a garantia de diferenciação do sistema jurídico; seria, nesse enfoque, o limite cognitivo de aprendizagem, quer do Legislativo, quer do Judiciário.47 2.4 Em linhas gerais, a política oferecerá ao direito as suas premissas decisionais. Isto não significa, de forma alguma, uma relação de meio-fim. Nega-se veementemente uma supremacia do primeiro sistema sobre o segundo. Por consequência, ao segundo não restaria somente o mister de fazer cumprir as suas determinações, conforme inclusive grafou Campilongo.48 Pois bem. Ele parte, sim, de pontos de partidas concebidos como premissas decisionais, todavia, com base em seu substrato, o sistema de direito reduzirá a nova complexidade oriunda das várias interpretações possíveis e das relações entre as normas, inclusive para opinar/decidir pela validade ou não das normas legais. A complexidade reduzida no processo legislativo, regra geral, revigora-se na relação processual e reclama nova decisão, obviamente sem descartar as decisões anteriores (leis) e a força vinculante de cada espécie legislativa.49 liberais, a nova complexidade passou a exigir técnicas mais ágeis e eficazes, como o voto da maioria.”. 47 NEVES, 2007, p. 69. A respeito da positividade como escolha valorativa, ver DE GIORGI, Raffaele. Scienza del diritto e legittimazione. Lecce: Pensa Multimedia, 1998b. p. 79. Sobre a positividade como fruto da evolução social, ver NEVES, 2006, p. 1. Agora, a respeito da positividade em termos de decibilidade e de alterabilidade, ver NEVES, 2006, p. 79. O Brasil adotou, mediante sua Constituição Federal, o regime democrático representativo, participativo e pluralista, de forte apelo social. A Magna Carta, logo no artigo 1º, marca, com nitidez, o caráter meio e não fim da democracia brasileira. Tal democracia se resume, em apertada síntese, na necessidade de efetivação dos valores de convivência humana, materializados nos direitos humanos; sempre norteada pelo povo e para o povo, conforme clássico conceito de Lincoln. Nesse diapasão, trata-se a democracia de um regime político; por este, teoricamente, tem-se como o conjunto de instituições políticas reguladoras do poder e da relação entre governo e governado. Cf. BOBBIO, 1985, p. 175 e SILVA, 2006, p. 19. 48 CAMPILONGO, 2002, p. 93. No contexto do moderno constitucionalismo italiano, sobre a relação entre os poderes, com menção à função deles, ver BIN, Roberto; PITRUZZELLA, Giovanni. Diritto costituzionale. 2. ed. Torino: G.Giappichelli, 2000. p. 75-80. No tema, para o constitucionalismo espanhol, ver VILE, Roberto; PITRUZZELLA, Giovanni. Diritto costituzionale. 2. ed. Torino: G.Giappichelli, 2000. p. 1-108. Nesse contexto, sobre a positividade do Direito, ver NEVES, 2006, p. 80-81, e, especialmente, da diferenciação entre Direito e Política, p. 85-87. 49 O sistema parcial da política forja-se por meio de reiterada comunicação binária do sistema político, chega, como afirma Luhmann, a ser a autodescrição da política. Por isso, a operação é sempre 38 2.5 Em razão da unidade comunicacional diferenciada dos subsistemas sociais, pontuada no item anterior, o sistema da política aglutina-se, forma-se, ganha unidade, na exata proporção da reiteração comunicativa da binariedade: governo/oposição. Sua operação origina decisões vinculantes à sociedade. Esta é a função desse sistema: decidir vinculativamente à sociedade – é imprescindível entender como isso funciona. A grande quantidade de escolhas possíveis fomenta a complexidade social, a qual, a seu turno, motiva a contingência social. Formado esse ambiente, necessário se faz reduzir a complexidade mediante escolhas dentro das tantas possibilidades. E é exatamente esse o jogo democrático: partidos representando os seus eleitores disputarão ou concordarão a respeito dos valores morais que se devem transformar em conteúdos legais. Tudo conduzido sob uma dicotomia comunicativa, o governo e a oposição são a grande binariedade sistêmica, cada qual, em regra, com os seus interesses em disputas, os quais, após a votação, sairão transformados em leis, segundo a vitória política identificada na votação. O âmbito de cognição é amplo, notadamente devido às altíssimas taxas de complexidade e de contingência sociais, que será reduzido com a decisão. A partir da aprovação legislativa de determinado projeto de lei, seu conteúdo vira lei, por conseguinte, ingressa na sociedade com força vinculante. Por essa razão, o sistema do direito já parte de um nível menor de complexidade; parte das normas já postas, positivadas, para desta forma aplicá-las ao caso concreto, com nova redução de complexidade, num ato de pura hermenêutica, que se misturarão num ato de interpretação comunicativa: fatos, normas e princípios, consoante relatado no item 3 deste capítulo. 2.6 Nessa linha sistêmica de visualizar a sociedade é relevante uma aproximação do poder a fim de contextualizar que os sistemas parciais do direito e do poder podem ser observados como meios de comunicação simbolicamente generalizados. Ambos os sistemas se servem do Estado Democrático de Direito conduzida pelo próprio sistema parcial da política. Nesse sentido, ao contrário do que se aparenta, a administração pública não se trata de um subsistema parcial autônomo. Toda a estrutura vinculada à administração é oriunda, ramificada, do frisado sistema parcial. A respeito, ver MEDEIROS, Morton Luiz Faria de. A missão política do Supremo Tribunal Federal: análise de sua importância como corte constitucional para o controle do poder no Brasil. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2006. p. 17 e NEVES, 2006, p. 87. 39 para permitir uma comunicação ininterrupta, constante entre eles, no entanto, com limites cognitivos torneados também pela referida forma de Estado. Nesse interagir, comunicam-se e talvez por isso mesmo esse processo reclame ser regulado, sob pena de insurgir a corrupção sistêmica, a qual levaria ao falecimento da unidade dos sistemas em questão. Na dicção de Marcelo Neves, esse processo se configura como um cruzamento entre o poder e o direito sob a égide da reciprocidade comunicativa controlada, a resultar numa necessária estruturação, com forte seletividade da hipercomplexidade. Materializa-se a comunicação nos subsistemas acima referidos. A precitada separação, ao mesmo tempo que limita o abuso, fortifica o uso pela linguagem codificada, com a outorga de subsídio à realização da respectiva função ao responder a complexidade por meio de comunicação adequada.50 3 COMPLEXIDADE E CONTINGÊNCIA SOCIAL NO PROCESSO DECISÓRIO, NO CONTEXTO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES 3.1 A complexidade fomenta a contingência, tanto no plano estritamente social quanto no prisma jurídico. À medida que aumentam as hipóteses de escolhas, muitos são os resultados possíveis. Hoje, escolhe-se a opção 1. Amanhã, opta-se pela alternativa 2. Ambas igualmente corretas. Essa característica é típica das sociedades modernas, o que resulta na necessidade de uma estrutura social igualmente complexa. Trata-se de uma via de mão dupla: uma sociedade hipercomplexa como a atual reclama uma estrutura adequada para solvê-la. Em contrapartida, a estrutura da sociedade constituída em face das necessidades da complexidade precisará deste mesmo emaranhado para a evolução estrutural, visto 50 NEVES, 2006, p. 91-92, 103, 105-106. Para um conceito de meio, simbolicamente generalizado, sob o viés sistêmico, ver LUHMANN, Niklas; DE GIORGI, Raffaele. Teoria della società. 11. ed. Milano: Franco Angeli, 2003. p. 105-117. Sobre as relações entre Política e Direito, ver CAMPILONGO, 2002, p. 24-25. 40 que a constante provocação por novas opções faz com que o sistema social parcial emita novas comunicações com o condão de atender aos novos anseios.51 3.2 Postas essas considerações, verifica-se que o direito enfrentará situações novas e em cenários sociais completamente diversos, com desafios difíceis, para não dizer: outrora inimagináveis, de tal modo que cada vez mais, dia após dia, a advertência assentada por Norberto Bobbio torna-se mais atual: “[...] uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva. [...]”. Acresce-se: “[...] à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas torna-se cada vez mais difícil.”.52 Com efeito, ao direito restará a tarefa de elevar a sua carga de abstração pela construção de uma elasticidade conceitual-interpretativa, a fim de abarcar hipóteses completamente heterogêneas via reiteradas decisões, positivando-o a cada escolha.53 Esse ato de novas escolhas também será feito pelo particular, dentro da sua margem de poder, outorgada previamente pelo próprio sistema parcial em questão. Apesar disso, sempre que houver dissenso entre os jurisdicionados, quer pela prática de ilícito, quer pela discordância interpretativa do pactuado contratualmente, restará ao Estado-juiz o escopo de decidir o que é ou não direito. 3.3 Além do mais, cotidianamente, as decisões estatais se deparam com o princípio da separação dos poderes, cuja apuração da sua dimensão faz-se imprescindível, até porque, sob o viés histórico, nota-se que a sua implementação muito se cunhou pelo esforço teórico do constitucionalismo liberal, forjado por uma das possíveis exegeses da filosofia política de Montesquieu e com a irrenunciável (leia-se também importantíssima) atuação política da burguesia. 51 LUHMANN, 1983a, p. 15; NEVES, 2006, p. 15-16. Sobre a estrutura como redutora da complexidade, ver FEBBRAJO, 1975, p. 46-47. 52 BOBBIO, 1997, p. 63. No original: “Scendendo infine dal piano ideale a quello reale, altro é parlare di diritti dell´uomo, di diritti sempre nuovi e sempre piú estesi, e giustificarli com argomenti persuasivi, altro è assicurare loro uma protezione effetiva. A propósito sara bene fare ancora questa observazione: via via che le pretese aumentano, la loro soddisfazione diventa sempre piú difficile.”. 53 LUHMANN, 1983a, p. 15. No viés da concretude das normas constitucionais, conferir NEVES, 2007, p. 83-86. 41 Objetivou-se que um poder balanceasse o outro, num nítido equilíbrio, em que cada qual tivesse a sua função e acabasse naturalmente limitando o exercício do outro e sucessivamente. Então, um coibiria o outro, naturalmente. Uma engrenagem pensada justamente com um só intento: proteger os interesses liberais do abuso do poder, mediante a divisão do próprio poder e, sobretudo, pelo constante choque do exercício de poderes entre si. 54 3.4 Ao crivo dessa abordagem, os tribunais estão localizados no centro do sistema social do direito, enquanto a legislação e os contratos, ilustrativamente ora elencados, estão na periferia. Sem embargo disso, todos fazem parte do sistema parcial do direito, como já frisado, conhecido igualmente como sistema funcionalmente diferenciado, que possui função específica a atuar no sistema social global. E o seu centro de união, a sua identificação, é exatamente a sua comunicação diferenciada, a materializar-se na sua binariedade sistêmica (lícito/ilícito). A diferenciação comunicativa adquire papel-chave: sem ela não há subsistemas. 3.5 Com o espeque de criar um artefato capaz de auxiliar no bloqueio de eventual desdiferenciação, historicamente, pensou-se na separação dos poderes como instrumento de fortalecimento da diferenciação comunicativa, consequentemente de inibição do abuso de poder, a qual se configura, à vista do ideário sistêmico, como desdiferenciação da comunicação. Aliás, para Luhmann, a diferenciação representa o próprio Estado Democrático de Direito porque garantiria a operação autônoma dos sistemas parciais em comento (política e direito) e não da própria Administração Pública.55 Nesse mesmo sentido teórico, o Estado tem sido gradativamente alterado conforme a própria complexidade social. O Estado constitucional é fruto da diferenciação do sistema político como reação interna, diante da hipercomplexidade, 54 BIN; PITRUZZELLA, 2000, p. 75-80. Ainda, no atual cenário teórico italiano, a respeito do modelo constitucional do Estado Liberal, ver VIGNUDELLI, Aljs. Diritto costituzionale. Prolegòmeni Princìpi Dinamiche.Torino: G. Giappichelli, 1999. p. 40-41. No Brasil, indica-se BONAVIDES, 2004, p. 63-88. Para um conceito de complexidade e de contingência, ver FEBBRAJO, 1975, p. 43, 47-49. 55 NEVES, 2007, p. 80-83; LIMA, Fernando Rister de Souza. Sociologia do direito. O direito e o processo à luz da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Curitiba: Juruá, 2009b. p. 61-67; NEVES, 2006, p. 85, 89- 91. 42 como forma de uma ordem política. Esse Estado utiliza o direito, por meio da sua positivação, como autolimitação do abuso do poder. A separação dos poderes surgiu mesmo como limitador da força física do poder.56 No tema, cita-se o trecho escrito em italiano pelo próprio Luhmann: “Con lo Stato costituzionale si era reagito alla differenziazio ne del sistema político. Come differenziazione intera, però, era prevista una ‘divisione dei potere’ degli organi statali con la funzione di limitare l´uso della forza física.[...].”.57 Diante disso, a separação de poderes é o resultado comunicativo do processo reflexivo do sistema político, provocado pela irritação do mencionado sistema pelo abuso do poder, sobretudo o acontecido no Estado Absoluto, como fruto da positividade jurídica.58 3.6 O centro da evolução social é fomentado pela própria sociedade mediante a sua complexidade. Na exata proporção da elevação da complexidade, os problemas vão surgindo e, com eles, novas operações sociais são inerentes ao próprio ambiente. Como frisa Luhmann, é uma relação dúplice: resolvem-se os problemas via novas comunicações e, paralelamente, surgem novos problemas inerentes a essa mesma comunicação, o que impulsiona a diferenciação comunicacional. Tudo isso ocorre em razão da complexidade social. Desse processo, surge a evolução, que não significa obrigatoriamente uma coisa boa, mas tão só que há novo sentido dado à comunicação, ao menos se comparada à anterior.59 3.7 Transportada essa perspectiva de análise para o direito, tem-se que na idêntica proporção da complexidade interna ao sistema vinda do externo, o subsistema em questão responderá com uma emissão comunicacional, isto é, processa-se a nova comunicação, que irritou o sistema, transformando-a em comunicação diferenciada com base no binário: lícito/ilícito, num processo operativo a resultar na própria positivação do direito. Por isso tudo, a positivação do direito, 56 LUHMANN, 2007a, p. 18-19. LUHMANN, 2007a, p. 19. 58 Da mesma forma, pode-se dizer, em relação aos direitos humanos e fundamentais, LUHMANN, 2007a, p. 32; NEVES, 2010, p. 118-119: “Os princípios constitucionais não podem ser concebidos sem o fenômeno da positivação do direito na sociedade moderna. Isso significa que eles só surgem e têm significado prático quando ocorre a diferenciação funcional como sistema social.”. 59 FEBBRAJO, 1975, p. 92. 57 43 para Luhmann, é uma conquista evolutiva provocada pela elevação da complexidade, é fruto de um processo interno de reflexidade do sistema do direito, rotulado de reflexividade da normatização, vista mesmo como mecanismo reflexivo ideológico, uma vez que reclama valorar para depois selecionar.60 Essa reflexividade, obviamente interna ao sistema parcial do direito, torna-se um caso particular quando diferencia, via comunicação, norma que servirá à formação de outras normas, disposta na Constituição Federal. Segundo Luhmann, neste caso, trata-se de uma padronização.61 Essa reflexividade voltada ao princípio da separação dos poderes, mesmo que seja enfrentada incidentalmente no julgamento do mérito do litígio, pode ser considerada como padronização nesse mesmo espírito apregoado pelo mencionado autor, quiçá quando praticada pela Suprema Corte. 3.8 Como fruto desse processo, o enunciado normativo, ao dar vida ao texto legal, torna-se um ato de pura interpretação, cujo desenrolar pressupõe circularidade comunicativa. Seu resultado é incerto, possíveis conjecturas sobre a significação são meras expectativas, não obstante sempre estejam fixadas dentro da binariedade do respectivo código. Mesmo com tal complexidade, a concretização é imprescindível, uma vez que a ambiguidade/vagueza dos textos legais e a própria necessidade de levar a cabo os programas teleológicos inseridos no direito reclamam exegese da norma. Em razão de que o julgamento, ao aplicar a norma ao caso concreto, é o responsável por proclamar o sentido da norma, a gerar o já citado enunciado normativo, chegou-se ao cúmulo de rotular o magistrado como legislador. Para esta tese, o que se destaca é a constante dicotomia existente entre o legislador e o julgador. Há entre ambos uma dupla contingência (ou contingência social), na qual se encontra ego e alter, num incessante jogo comunicativo, a resultar numa 60 FEBBRAJO, 1975, p. 95, 97, 99-100; NEVES, 2007, p. 132: “Pode-se, de acordo com o modelo sistêmico teórico, formular de maneira mais rigorosa: reflexividade como mecanismo no interior de um sistema autopoiético implica que o processo referente e o processo referido são estruturados pelo mesmo código binário e que, em conexão com isso, critérios e programas do primeiro reaparecem em parte no segundo. Por conseguinte, não é suficiente, por exemplo, indicar a normatização da normatização, pois a normatização religiosa ou moral da normatização jurídica, como também a referência normativa de um padrão de ‘direito natural’ à emissão de norma jurídico-positiva não representam, nesse sentido estrito, nenhuma reflexividade da produção normativa.”. 61 FEBBRAJO, 1975, p. 100-101. 44 incerteza quanto à compreensão da comunicação. A cognição de “alter” pode não coincidir com a intenção pretendida. Sem embargo disso, o resultado sempre deverá conotar um sentido implícito “alter quis dizer isso”.62 Durante esse processo interpretativo, a complexidade e a contingência têm papel de destaque pelo dito linhas atrás, especialmente na exegese dos princípios. Nele, o jogo comunicativo toma níveis mais elevados, inclusive chega às construções comunicativas do Estado Moderno completamente mutáveis, em cujo desenvolvimento sucede uma constante tensão entre programas normativos, valores morais e outros tantos critérios que, no momento decisório, influenciam o seu resultado. Desse modo, a busca do sentido da norma constitucional pode alcançar altíssimos índices de contingência, a influenciar na incerteza social a respeito dos enunciados normativo-constitucionais. Obviamente, essa hermenêutica construtivista não pode resultar em choque ou negação do texto legal interpretado, nem fazê-lo como um sistema unitário do direito, haja vista que a sua aplicação deve ser feita levando em consideração as demais normas, a constitucional especialmente, tudo propriamente num sistema harmônico e coeso, até porque sistema sem coesão e sem harmonia não é um sistema.63 3.9 Ao arauto desta pesquisa é precisa a construção conceitual sistêmica a respeito das observações de primeira e segunda ordem. Por ela, tem-se que, no primeiro caso, o processo de observação é feito pelo próprio sistema, propriamente num processo implícito, em que os órgãos burocráticos estatais ligados à Administração Pública rotineiramente aplicam as leis no controle da iniciativa privada, como aduz Marcelo Neves. Dessa perspectiva operacional, exemplo típico é 62 NEVES, 2010, p. 19-22, 41, 95-96, 98, 100-101. Luhmann absorve da Teoria de Talcott Parsons a idéia de dupla contingência. A atribuição de sentido, quer nos sistemas psíquicos, quer nos sistemas sociais, sempre começará pela elevada complexidade, a fluir também na elevada contingência, até a seletividade, com a diferenciação sistêmica, a resultar na própria formação dos sistemas. Sobre a dupla contingência (doppelte Kontingenz), no cenário italiano, ver CORSI, Giancarlo; ESPOSITO, Elena; BARALDI, Cláudio. Glosario sobre la teoria social de Niklas Luhmann. Tradução Miguel Romero Pérez y Carlos Villalobos. México: Universidad Ibero Americana, 1996. p. 67-68; no Brasil, ver LIMA, 2012a, p. 4. 63 NEVES, 2010, p. 41, 95-96, 98, 100-101. Especialmente sobre a unidade do Direito, ver LIMA, 2012a, p. 29-30. BOBBIO, Norberto. Teoria dell´ordinamento giuridico. Turino: G. Giappichelli Editore,1960. p. 69, 75. Por conseguinte, pode-se afirmar ser um pleonasmo a assertiva: sistema harmônico e coeso. 45 o caso da fiscalização tributária: o agente tributário não questiona a validade da norma; ao contrário disso, somente a aplica. Por outro lado, na observação de segunda ordem, o aplicador quase que vê o processo aplicativo de cima para baixo, num voo panorâmico – dito por outro vernáculo –, enfrentando questões como validade, sentido e o seu próprio cumprimento. Nessa forma, torna-se cognoscível o debate em torno dos princípios e mormente da interpretação das regras à luz deles, o que propiciará uma contingência hermenêutica. Por esse jogo comunicativo, fulgura-se o cunho reflexivo dos princípios, notadamente na formação dos enunciados normativos, a resultar num ato de positividade materializada na diferenciação funcional. 3.10 Ao aplicar esse pensamento aos princípios constitucionais, o intérprete se depara com um índice de profundidade reflexiva extremamente elevado, em efetivas estruturas de reflexividade, nas quais se constrói a observação de segunda ordem, cuja consequência lógica é a hermenêutica das regras em circularidade, as quais são, por vezes, interpretadas ampliativamente, num nítido balizamento de conteúdo como admoesta Neves. Este autor ainda adverte para o perigo dos extremos da reflexividade principiológica, em razão de que, se é verdade que regras rígidas demais podem chocar-se com uma sociedade complexa e extremamente dinâmica, não é menos verdade que o excesso pode diminuir, e até eliminar, a consistência teórica do direito, dando espaço à dominação de valores radicais com origem burguesa, religiosa ou de quaisquer grupos moralistas extremos.64 3.11 Não é de estranhar que essa artificialidade, retrocitada, garanta espaço comunicativo para que existam decisões em sentido contrário emitidas por outros representantes do Estado-juiz, nem, inclusive, que no futuro a mesma autoridade reinterprete a regra antes enfrentada à luz do mesmo princípio, com 64 NEVES, 2010, p. 105-108, 110, 112, 118-119, 122, 134, 136-139, 154. Ressalta-se, que, dentro do mundo luhmanniano, a observação é, em verdade, uma operação, em que se usa uma distinção para indicar um lado e o outro lado dessa mesma distinção, com intuito de mostrar o outro lado. A base disso tudo foi extraída de George Spencer Brown, para quem a base de toda construção é a distinção. Sobre a observação (Beobachtung), na doutrina italiana, ver CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p. 117-121. 46 resultado diverso do primeiro caso julgado, em nítida materialização da dupla contingência. É claro que a instabilidade em casos elevados pode gerar a insegurança social e mesmo o desprestígio do direito diante da sociedade. Esse é o risco do direito. Não há como se pensar num formato de sistema jurídico que garanta a resolução das constantes demandas sociais, cada vez mais contingentes, sem outorgar ao hermeneuta, in casu ao magistrado, poderes de reflexividade outorgados propriamente pelos princípios. Com a lucidez dessa alta artificialidade, positivaram-se os direitos fundamentais como garantia de uma possível desdiferenciação do direito face às possíveis interpretações pelo intérprete, a priorizar, por exemplo, valores morais em desfavor de regras. Esta atitude pode desencadear o fortalecimento dos regimes autoritários, de forte apelo ditatorial, de modo que a funcionalidade sistêmica seja prejudicada quando direitos subjetivos são deixados de lado como a liberdade, ou mesmo os direitos inerentes à personalidade, em favor de valores momentâneos, ditados pelo novo governo, possivelmente militar de origem golpista, como a história recente do Brasil mostra com clareza.65 3.12 À vista do manancial teórico sistêmico, o legislador seria “alter” e o juiz estaria no lugar de “ego”. No caso da tese, ter-se-ia a Assembleia Constituinte e a Corte Suprema, cada qual ligado comunicativamente com o seu subsistema parcial de origem, respectivamente o político e o direito. Nestes termos, a interpretação de uma Constituição oriunda de um Estado Democrático de Direito reclamaria um choque harmônico entre princípios e regras, constante, incessante, somente chegando ao fim na decisão final, em que se denota a tomada de lado, a resultar na circularidade da relação entre normas e princípios. Antes disso, no entanto, a Constituição Federal, como acoplamento estrutural entre os sistemas jurídico e político, propiciará uma forte e ininterrupta troca comunicativa entre si, em que um sistema influenciará o outro na tomada da decisão. No caso do direito especificamente, encontra-se no processo comunicativo judicial, inicialmente, uma argumentação formal atrelada às regras, para depois 65 NEVES, 2010, p. 144-145, 147-156. A ideia da reflexividade sistêmica controlada está em sintonia com a autopoiese. Ver NEVES, 2006, p. 64-65. 47 adequá-la aos valores sociais sobrepesada com a retórica substantiva dos princípios, como enfatiza Marcelo Neves em recente tese de titularidade, defendida na Universidade de Brasília.66 3.13 O ato de tentativa de negação da dupla contingência por parte das Cortes Constitucionais não se trata de negativa do valor axiomático da norma constitucional. O inverso disso, o texto oriundo da interpretação é produto também do texto constitucional. Por isso mesmo, fala-se em “produção de textos com base em textos”. Trata-se de um processo circular, no qual aos ministros do STF, diante do caso concreto, em que se põem pelas partes uma tese e uma antítese, cabe-lhes emitir a síntese cujo enunciado normativo é fruto dessa circularidade, visualizada pelo Estado-juiz inicialmente em face de determinada realidade fática descrita nas peças processuais, para, em seguida, casá-la com um discurso formal, quer dizer, aplicar as regras do direito àquela situação e, ao final, mesclar isso tudo com uma retórica substantiva, de ordem principiológica – note-se que os princípios aqui entram como tempero final, com o intuito de amoldar as arestas, e não vice-versa.67 3.14 Convém, ainda, trazer à baila o raciocínio anteriormente travado, com ênfase na sua sobreposição ao princípio da separação dos poderes, mormente quando é usado como retórica para a não efetivação do direito à saúde – objeto central deste estudo. Essa forma de pensamento não poderia escusar a omissão judicial, notadamente diante da violação da função do sistema parcial do direito, no qual se tem como escopo central a garantia das expectativas normativas ao longo do tempo, o que nada mais é que a assertiva: o direito propiciará que a sociedade continue a acreditar na implementação do conteúdo das leis. E o direito tem feito, em certa medida, o seu papel. A prova cabal disso é que a cada ano o número de processos judiciais aumenta a passos largos. Em verdade, se não se confiasse no direito, o crescimento do número de ações não seria em tais proporções. 66 NEVES, 2010, p. 156, 161, 172. Pontual a citação deste trecho da página 156: “[...] Na relação entre alter (o legislador) e ego (o tribunal constitucional), cada um dos lados parte da linguagem e dos critérios de cada um dos sistemas a que estão primariamente vinculados, a política e o direito. [...]”. 67 NEVES, 2010, p. 180- 181, 195. Oportuna a transcrição de NEVES, 2010, p. 181: “[...] A justiça diz respeito ao processamento do paradoxo da decisão que seja, ao mesmo tempo, juridicamente consistente e socialmente adequado, envolvendo simultaneamente o abstrato e o concreto, o geral e o individual.”. 48 O direito não conseguirá, entretanto, solver todos os problemas sociais, com a eliminação dos dissabores de uma vida complexa, sem um poder público ainda efetivo e completamente tomado pela corrupção sistêmica. Por essa razão, quando o julgador se depara com a separação dos poderes, no ato de julgar, como limitador da concretização do direito à saúde, é preciso servir-se da sociologia luhmanniana para lembrar primeiramente que os tribunais são os responsáveis pelo fechamento operacional do direito em face da desilusão: incumbidos de dizer se a conduta é conforme ou disforme ao direito. No tema, importa dizer se o ato em questão de negação do direito à saúde é legal ou ilegal; dizer se há embasamento normativo a legitimar a respectiva negação ao jurisdicionado do seu direito subjetivo à saúde. 3.15 Ademais, deve o aplicador questionar se a sua perspectiva hermenêutica sobre a separação dos poderes e a respeito da legalidade ou não da conduta estatal de negativa da prestação à saúde, atende a função do sistema do direito de garantir as expectativas normativas ao longo do tempo. Por decorrência natural do exercício jurisdicional, no que faz pertinência com o suprarreferido princípio, é salutar a preocupação em não incorrer no equívoco da politização do direito, a qual tão só ocorrerá com a sua hipertrofia em favor da política, a se materializar na negação do código binário do direito em favor da binariedade da política, no citado exemplo. Pois bem, um sistema submete o outro à sua decisão, portanto, a negação de tutela jurisdicional, quando da não prestação estatal do direito à saúde, igualmente pode incorrer a temida politização lembrada há pouco. Cada sistema tem seu papel bem definido e para aferir com segurança até onde um sistema pode ir ou não, impende mapear a natureza da respectiva comunicação, função, limite e sua relação com os outros sistemas parciais em contato, como no caso do princípio da separação dos poderes: política (Administração Pública).68 68 NEVES, 2010, p. 195, 205-207. Eis o seguinte trecho do autor, p. 195: “[...] Quando se fala de judicialização da política e politização do direito pretende-se referir a um excesso, uma hipertrofia, em detrimento, respectivamente, do Estado de Direito e da democracia. Nesses termos, a autonomia e o funcionamento de ambos os sistemas ficam prejudicados. O jogo político entre governo e oposição, assim como a relação circular de legitimação entre povo, público, administração (em sentido amplo) e política, é afetado por excesso de intervenções judiciais (politização do direito). O judiciário fica 49 3.16 Como intróito, é bom relembrar que já tivemos a oportunidade, em estudo escorado em Luhmann, de constatar que modernamente a unidade dos sistemas sociais parciais, como o direito, dá-se em razão da unidade comunicativa, reiterada sob uma só binariedade. Dito por outra forma, a constante emissão do código lícito/ilícito trará à tona o sistema do direito: um sistema parcial inserido no sistema social, a sociedade. Contudo, a quebra do código gera a sua corrupção, cuja reiteração o leva à ruptura da unidade sistêmica. Em outro sentido, também é certo que os sistemas são funcionalmente diferenciados, ou seja, exercem cada qual um mister dentro da sociedade. Ao sistema do direito resta a prestigiosa missão de manter as expectativas normativas ao longo tempo. Por esse ideário, as comunicações sistêmicas devem ser emitidas, obviamente sob o respectivo código, com a pretensão de lutar pela credibilidade social das normas. Com a produção legislativa, valores morais foram institucionalizados, os quais se tornaram normas jurídicas e deste ponto em diante sacerdócio do sistema do direito, a generalização congruente das expectativas normativas.69 3.17 As fronteiras limítrofes do direito são exatamente o código do sistema: lícito/ilícito. Elas são materializadas na dicotomia luhmanniana sistema/ambiente. Por este plexo, para ser considerada comunicação do sistema do direito, há a irrenunciável necessidade de a comunicação ser diferenciada pelo código, sob pena de simplesmente não ser comunicação jurídica. Ora, do enfoque da decisão judicial, nota-se que esse processo interno da binariedade vem ao encontro do verbalizado nesta tese, neste mesmo capítulo, nos itens 3.8, 3.9 e 3.16, de cujo conteúdo se pode vislumbrar uma forma de construção de juízo decisional, a fruir da decisão que estará sob a batuta da binariedade sistêmica. Nesse mesmo diapasão, a relação com os outros sistemas parciais é comunicativa, cada qual com sua respectiva função e forma comunicativa diferenciada. É uma relação de igualdade, todavia, de funções bem definidas, e não se iludam que, submerso nesse ambiente social hipercomplexo e contingente, o direcionado muito estreitamente a fornecer respostas politicamente legitimadoras, vinculando-se fortemente à diferença entre governo e oposição.”. 69 LIMA, 2012a, p. 102; NEVES, 2006, p. 10, 59, 60. 50 Poder Judiciário, no afã de solver os litígios, não venha a dar nova roupagem ao princípio da separação dos poderes, uma vez que o próprio STF já assentou que não se trata de um princípio provindo do direito natural, imutável, e sim como definido na Constituição, por isso mesmo, passível de interpretação.70 3.18 No Brasil, hodiernamente, deparamo-nos com uma panaceia principiológica, quer no plano teórico, quer na jurisprudência, muito em razão da hipercomplexidade social e também da falta de consistência teórica da cultura jurídica brasileira. Há um hábito de uso dos princípios, o qual, acrescido à grande quantidade de opções possíveis do processo de interpretação normativo, leva-nos a concordar com a conclusão de Neves de que se reclama de um julgador que saiba lidar com o choque comunicativo entre regras e princípios no momento da concretude da norma geral à norma individual. Com isso, repele-se a postura judicial de apego estremado a ambos, seja às regras, seja aos princípios; o contrário levaria à inconsistência jurídica e/ou à inadequação social da decisão. Com o desenvolvimento desde pensamento, fica claro o alerta ao abuso da ponderação diante do caso concreto, em cujo excesso escora-se parte de respeitável doutrina, quer a constitucional, quer a filosófica, como uma salvação do direito quando mais parece o seu fim, isso porque deixaria nas mãos do aplicador quase que “um cheque em branco”, eliminando a consistência jurídica da decisão e gradativamente a sua legitimidade política. Noutro sentido, encontra-se melhor solução: o julgador deve partir da leitura atenta dos fatos, enfileirando-se nos detalhes com mais vagar, depois ir ao encontro do direito posto, das normas infraconstitucionais e constitucionais, com destaque para regras positivadas que regulem diretamente, ou por analogia, a situação a ser dirimida. Então, somente aqui se procuraria o choque comunicativo com os princípios, aplicáveis ao caso, com o mote de serem guias interpretativos da 70 Para uma pontual constatação da evolução social das sociedades arcaicas às modernas, com menção à unidade comunicacional, ver NEVES, 2006, p. 1-25, sobretudo, p. 23- 24. Ver também LIMA, 2009b, p. 35-45 e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 712/PA. Relator Ministro Eros Roberto Grau. Brasília, DF. Julgado em 25.10.2007. Publicado em 31.10.2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=558553>. Acesso em: 16 out. 2013: “41. Não há que se falar em agressão à ‘separação dos poderes’, mesmo porque é a Constituição que institui o mandado de injunção e não existe uma assim chamada ‘separação dos poderes’ provinda do direito natural. Ela existe, na Constituição do Brasil, tal como nela definida. Nada mais. [...].”. Passível completamente de exegese, pode-se deste enunciado inferir. 51 realidade social – mesmo como um instrumento de adequação social com limites objetivos (as regras). Porém, os princípios nunca podem ser utilizados para desafiar a função sistêmica, isto é, garantir as expectativas normativas ao longo do tempo; sob outros olhos, eles serão guias, mas nunca poderão ser usados para ensejar a não concretude das normas sob o viés de que interessa à tese.71 3.19 O poder é um meio de comunicação simbolicamente generalizado. De fato, acaba por transmitir complexidade reduzida, da qual se pode deduzir um caminho a ser seguido pelas próximas seleções. Dessa maneira, poder é comunicação já com a complexidade reduzida, da qual se pode abstrair que as próximas comunicações da sociedade serão influenciadas por ela. Cunha-se exemplificar: “alter” (detentor do poder) entre as possibilidades cabíveis ao caso, adere-se a uma delas; sua preferência influenciará o “ego” (submisso ao poder) não só naquele caso específico, como também pode impulsionar novas decisões. Estriba-se, por estas máximas, a relevância da compreensão dessa mensagem para a continuidade da cadeia comunicativa. Dessa situação de interação estruturada, aventa-se um símbolo, no qual se apoia uma unidade comunicativa, como expressão de unidade catalisada, com base numa generalização simbólica potencializada, visível no tradicional esquema binário luhmanniano, espaço onde se organiza a interação dos valores com as operações binárias.72 3.20 Consoante se disse, o poder opera com seu código comunicativo. Apesar disso, no Estado Democrático de Direito, o poder reclama de legitimidade quando exercido em desfavor da legalidade. Seu código binário une-se ao binarismo: legal/ilegal. Em razão dessa submissão à lei, garante-se a participação 71 NEVES, 2010, p. 219-222, 224-225. A tese é desenvolvida com base, inicialmente, numa metáfora mitológica entre o conflito de Hidra e Hércules, em que se elegeu o juiz Iolau para resolver a questão, eis um trecho da conclusão que ementa a tese, conforme NEVES, 2010, p. 219: “[...] o Estado constitucional exige um juiz apto para enfrentar com sucesso, em cada caso, a relação paradoxal entre regras e princípios jurídico-constitucionais: nem um juiz-regra (hercúleo) nem um juiz-princípio (hidraforme). Na linguagem da teoria dos sistemas, poderia dizer-se: um juiz capaz de desparadoxizar o enlace circular entre princípios e regras nos diversos casos constitucionais. Chamarei esse juiz de Iolau.”. Sobre a generalização das expectativas, ver DE GIORGI, 1998b, p. 229-232. Precisamente sobre as expectativas normativas, ver DE GIORGI, 1998b, p. 230, 233-236. 72 LUHMANN, 2005, p. 5, 7, 11, 13, 14-16, 19, 48-49. MANSILLA, Darío Rodíguez. Introducción. In: LUHMANN, Niklas (Org.). Poder. Traducción Luz Mónica Talbot. Barcelona: Anthropos, 1995. p. XXV. 52 daqueles que não exercem o poder, como também se ordena a cooperação nas suas diferentes fontes. Acaba-se, assim, por obter um relativo consenso de valor. Sem embargo disso tudo, muitas vezes, mesmo com seu exercício comunicativo, o poder falece de efetividade social, o que o impende à dependência de outros fatores, de tal sorte que a coerção torna-se de grande valia nas situações de hipercomplexidade. Mais, o poder vinculado à norma jurídica apresenta-se como técnica de uma democracia a ser implementada sob a moralidade constitucional. A respeito da Constituição Federal como subsistema do direito, ventila-se grande expectativa de os seus valores serem concretizados, não obstante as reiteradas desilusões. Significa dizer: mesmo com o desrespeito aos seus comandos, cabe ao direito buscar, por meio de comunicações diferenciadas, a manutenção das expectativas normativas, mesmo que contrafactuais. Isso porque, esse é o grande mote do sistema parcial do direito, quiçá quando se depara com a norma das normas, a qual é a responsável pelo fechamento operacional, talhada pela positividade moderna. Ainda assim, e talvez por isso mesmo, o fim primordial do direito é almejar a mantença das expectativas, as quais, quando frustradas provocam a reiteração comunicativa de decisões, pois que, desse ponto em diante, o direito moderno é positivo, em cuja semântica se depara com o direito introduzido por uma decisão e alterado por outra, propriamente num processo dinâmico e altamente contingente.73 3.21 Esse processo circular dos valores inseridos pela Constituição no direito, acrescido à rotineira troca de comunicação entre os tribunais, notadamente o Constitucional, e as demais comunicações sociais, fulgura-se uma perspectiva da autopoiese, em que as comunicações diferenciadas reproduzem a si mesmas e às suas estruturas, num nítido espeque autopoiético, alimentado, nesse caso, pelas normas constitucionais e pela sua interpretação na sua aplicação a uma situação concreta, como por exemplo, no caso do princípio da separação dos poderes, cuja 73 LUHMANN, 2005, p. 69-70, 73, 114; NEVES, 2007, p. 67 69-71; NEVES, 2006, p. 87-95, 99-100, 192-193, 202, notadamente, p. 89: “No modelo teórico-sistêmico, o Estado de Direito pode ser definido, em princípio, como relevância da distinção entre lícito e ilícito para o sistema político. [...]“ r p. 90: “[...] Se, de um lado, o direito é posto basicamente por decisões políticas, de outro, a diferença entre lícito e ilícito passa a ser relevante para os órgãos políticos supremos, inclusive para os procedimentos eleitorais de sua escolha. [...].” e p. 95: “[...] O Estado de Direito não comporta a noção de poder arbitrário e, por isso mesmo, está sempre a enfrentar o problema do poder ilícito.”. 53 exegese se pode dar ora em sentido restritivo, ora no âmago da concretude jurídicosocial. De outra sorte, a norma constitucional enfileira-se como o grande limite cognitivo de aprendizagem da comunicação jurídica, tal qual tudo se submete a ela. Por isso, as outras normas hão de ser o fruto de sua vontade, interpretadas por quem de direito. No caso brasileiro, o seu hermeneuta privilegiado é o STF. Nessa hipótese de Constituição descrita como limite sistêmico, nos termos assentados por Marcelo Neves, os direitos fundamentais (incluídos os sociais) são impostos ao sistema em comento, na forma de garantias à desdiferenciação. A partir da sua positivação, ao sistema político não mais caberia a opção política de efetivar tais direitos ou não, de forma que a Administração Pública, como parte de referido sistema, teria o ônus da sua efetivação social. Nessa linha, quando é levada ao Estado-juiz eventual desilusão normativa em razão de desprestígio do texto constitucional pela gestão pública, restar-lhe-á a emissão de comunicação diferenciada, de modo a pretender o restabelecimento factual das expectativas não realizadas, sobretudo em função do princípio da separação de poderes. Deste modo, o Estado-juiz afigura-se como limitador do poder político pela legalidade, bem como responsável pela garantia do exercício do pluralismo dos poderes e da circularidade procedimental do Estado Democrático de Direito, no formato alinhavado por Marcelo Neves. Por essas digressões, ecoa o seu paradoxo: limita e garante ao mesmo tempo o poder.74 74 NEVES, 2007, p. 71-78, 80-2, 105-106, 185-196. Em especial, ver p. 105: “[...] Através dela, o código do poder é associado ao código jurídico, procedimentos de decisão política são conduzidos pela via do direito. [...] Envolve, portanto, a realimentação circular entre legislação e jurisdição. [...].”, p. 106: “[...] Por um lado, a especialização constitucional das funções limita juridicamente o poder, intensificando-o. Por outro, vincula o direito às decisões políticas, fortificando-lhe a autonomia. [...]”, e p. 186: “Nesta perspectiva proponho uma releitura do discutível princípio da ‘separação de poderes’ como princípio da pluralidade e circularidade de procedimentos do Estado de Direito.”. 54 PARTE II DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DIREITO À SAÚDE – POR UMA LEITURA PRAGMÁTICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS “As linguagens estão no mundo e nós estamos na linguagem [...].” (Lúcia Santaella)75 4 COLETA DE DADOS EMPÍRICOS 4.1 Dentro da conjectura do trabalho, delineada na parte introdutória da tese, destacou-se a interdisciplinariedade teórica da pesquisa, com ênfase no enfoque sistêmico-pragmático. Por esse intuito, tem-se uma tese de não dogmática, o que, por si só, legitimaria a análise dos acórdãos do STF desprovida de uma eventual leitura dogmática, uma vez que se pretende identificar a ideologia dominante nesta Corte, dentro do recorte epistemológico proposto e delimitada na semântica do princípio da separação dos poderes. A seu turno, as pesquisas empíricas podem trabalhar, entre outros, com dois métodos de leitura das decisões, a saber: quantitativo e qualitativo. No primeiro, por exemplo, usa-se a matemática como vetor central. Foram analisadas dez decisões: cinco num sentido e o restante disperso em novas posturas. Com isto, chega-se a um resultado com base no que a maioria decidiu e pronto: quantitativamente se encontrou uma resposta. No segundo formato, não se levam em conta como premissa maior os números e sim o conteúdo, a qualidade do teor grafado nas decisões. Perde-se em uma visão macro, todavia, ganha-se em qualidade nas observações feitas, por esse diapasão, com mais vagar. Por conseguinte, cada abordagem tem a sua vantagem e a sua desvantagem: uma vê o que a outra não vê e vice-versa. 75 Consciente disso, optou-se pela qualitativa, SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 13. 55 contudo sem reduzir a quantidade exageradamente, a fim de não perder, mesmo que parcialmente, o olhar macro em detrimento absoluto do micro nem incorrer até mesmo num certo subjetivismo do observador.76 4.2 Por obviedade, quanto ao que se refere acima, a despeito da desconsideração da retórica do jurista representada pela dogmática, outorga-se a essa verbalização o sentido de não pretender debater teses jurídicas. À luz disso, deixa-se de lado a viabilidade ou não da construção jurídico-legal para se concentrar na sistêmico-pragmática. Por isso mesmo, fecham-se momentaneamente neste capítulo os olhos à sustentação jurídica, sem, no entanto, deixar de atentar para a linguagem utilizada nos acórdãos. Muito pelo contrário. O vernáculo utilizado será a própria matéria-prima a ser observada pela lente desta pesquisa teórico-empírica. 77 Pela leitura detalhada do material empírico, quase que visto com uma lupa, com especial atenção aos lugares-comuns já demarcados dentro do plano teórico da Tese “A Constitucionalização Simbólica” de Marcelo Neves – notadamente no sentido ou não de concretude conferido ao direito à saúde –, interpretar-se-á, dentro do contexto desenhado pelos acórdãos do STF pesquisados, a semântica dada pelo STF ao princípio da separação dos poderes. 4.3 Sabe-se da dificuldade de pesquisar nessa mencionada seara sociológica, seja pela própria carência epistemológica da teoria – aqui convém fazer um parêntese: se a própria sociologia é uma ciência nova, que se dirá da sociologia do direito, e exatamente por esse motivo são comuns as confusões de objeto e de finalidade, como mapeou Georges Gurvitch, apesar de o panorama atual ser mais otimista do que o apresentado pelo sociólogo em questão –,seja ainda pelo próprio ceticismo dos operadores e pesquisadores do direito em aceitar que determinados aspectos da sociedade fogem das suas lentes. Por conta disso, a alteração do 76 CRESWELL, 2010, p. 25-47, sobretudo, p. 26, 35, 37-38, 40. Na Sociologia do Direito, a respeito de pesquisa qualitativa, ver TREVES, 1996, p. 204-205, 207. GURVITCH, Georges. Elementos de sociologia jurídica. Tradução Jose M. Cajica Jr. Mexico: Elysan, 1948. p. 16-33, sobretudo p. 12, 16. 77 TREVES, 1996, p. 209-221. GURVITCH, 1948, p. 28-29. Na primeira página citada (28), o autor em questão relata a proposta epistemológica de Max Weber em que se propõe como mister da Sociologia a compreensão interpretativa das condutas sociais. No contexto da semiótica, ver SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. Curso de semiótica geral. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 29: “[...] Para Peirce, seu objeto será o que é ou se apresenta no mundo real, sem questionar quais as condições de possibilidade desse modo de ser.”. 56 “microscópio” (servindo-se desta metáfora) só agregaria ao fenômeno jurídico, com possíveis contribuições até mesmo nos outros campos de estudo do direito, quer no plano teórico, quer com a constatação de situações sociais causadas como efeitos diretos ou colaterais do sistema jurídico, o que poderia ser levado em consideração na elaboração de projetos de lei, no direcionamento das políticas públicas e na tomada de decisões administrativas pelos tribunais e, nessa mesma linha, numa perspectiva menor, a pesquisa sociológica poderia ajudar os magistrados na gestão dos cartórios e da relativa previsibilidade das consequências sociais decorrentes de seus posicionamentos.78 4.4 Agora, o trabalho focar-se-á na constatação de uma realidade já posta no direito positivo, pelo STF, extraída da observação e do recorte para demonstração da sua verbalização. Por esse prisma, adotando os critérios acima mencionados, com destaque para a “Teoria da Constitucionalização Simbólica” de Neves, após o levantamento dos precedentes, nos termos antes externados, demonstrar-se-á a racionalidade jurídica da Suprema Corte brasileira. A forma de aproximação do material observado é importante. Daí a sua escolha ser por demais relevante para o resultado final da coleta de dados, ora concretizada neste capítulo. Como o material a ser analisado é o vernáculo, para o exame das palavras usadas num determinado contexto, o instrumento foi a semiótica jurídica. É quase intuitiva, inclusive, a pertinência do uso da teoria dos signos a fim de extrair sentido do manancial linguístico dos precedentes analisados, mesmo porque o seu propósito é justamente o estudo dos signos, o que só é possível de se realizar em pesquisa empírica, destarte a sua natureza fenomenológica.79 78 GURVITCH, 1948, p. 11-41. GURVITCH, 1948, p. 29. Aqui, este autor descreve o ideário de Max Weber, em que se defendeu, para a realização de pesquisa causal, o uso da interpretação dos significados, porém, focada na compreensão subjetiva dos atores em análise. Ver, ainda, para o uso da Semiótica, no estudo dos fatos sociais, ARAUJO, 2011, p. 93,95 e SILVEIRA, 2007, p. 21, 26. Nesta última página, o filósofo semioticista fala das pretensões da Semiótica, das quais se depara exatamente com a análise de uma inteligência no exercício do pensar. Eis um trecho pontual: “[...]. compreender mesmo que de maneira totalmente hipotética, como procede uma inteligência em seu ato mesmo de pensar. Quanto, pois, melhor conseguir detalhar esse ato, melhor alcançará aquilo que pretende conhecer.”. Ver, ainda, SANTAELLA, 2006, p. 14: “[...] a Semiótica busca divisar e deslindar seu ser da linguagem, isto é, sua ação de signo. Tão-só e apenas. E isso já é muito.”. 79 57 4.5 Submerso já nesse mundo teórico, identificamos que o direito é objeto natural por excelência. Ele constrói uma realidade autônoma com base em sua linguagem, porém, denota-se, por trás disso, todo um processo ético, moral e social que se vê refletido nos interpretantes, os quais, no caso da tese, são as próprias decisões analisadas. Desta forma, fica claro que o direito regula, trabalha e representa relações sociais, com nítidas valorações, ou seja, existem valores escolhidos pelos intérpretes. Cria-se, sob esse foco, um signo extraído de outro. Ao partir da Constituição Federal, o Excelso Pretório se depara com um signo, com toda uma carga valorativa, a qual a Corte usará como ponto de partida, com o escopo de realizar uma semiose comunicativa, bem à moda de Peirce, num diálogo de fases do ego, mesmo porque o signo reclama ser traduzido; em razão disso a expressão não-ser de RotiTurin. Esse processo sempre está permeado por valores, algumas vezes facilmente identificáveis, outras não. Por outras palavras, a escolha pressupõe valores sociais, preferências, dos quais se extrairá uma realidade, vista neste trabalho como racionalidade ou razão de julgamento.80 4.6 A observação das decisões judiciais desperta no observador, em muitas situações, uma curiosidade pelo caminho escolhido pelo aplicador da norma abstrata à norma individual. Esse interesse aumenta à medida que o resultado – o decisum ou a ratio – afasta-se do previamente delineado pela doutrina dogmática. E, apimenta-se consideravelmente esse anseio se for parte sucumbente na referida relação julgada. Ocorre, no entanto, que o julgamento racional pode ser visto como um quebra-cabeça, em que o magistrado realiza um processo de racionalidade, com o encaixe mental dos fatos ofertados pelas partes, no direito posto. Porém, a sua razão fundamental – responsável pela tomada de posições ideológicas dentro do processo – é ligada umbilicalmente ao seu sentir, num ato mesmo subjetivo. Tal racionalidade é intitulada, em regra, como convicção. Configura-se como sentimento íntimo, próximo da intuição, a qual o ordenamento jurídico obriga que seja demonstrada na decisão, com o nome de convicção racional. Todavia, daquele 80 ARAUJO, 2011, p. 7-9, 15. TURIN, Roti Nielba. Introdução ao estudo das linguagens. [Aulas]. São Paulo: Annablume, 2007. p. 47-52. 58 momento inicial, quase que responsável pelo resultado final, pouco se afere, segundo lição de Tercio Sampaio Ferraz Jr.81 5 SEMIÓTICA JURÍDICA 5.1 O direito, entendido como um conjunto sistêmico comunicativo, permite que os fenômenos jurídicos sejam estudados sob a abordagem semiótica.82 É imperioso ressaltar, outrossim, que ambas as abordagens assumidas nesta tese – teoria dos sistemas e semiótica jurídica – têm forte fundamentação comunicacional. Elas solvem o sistema jurídico como comunicação, cada qual, obviamente, com as suas peculiaridades teóricas, oriundas de sua base fenomenológica.83 Ao presente capítulo, ademais, interessa que a semiótica consiste num manancial teórico embasado em signos que se relacionam entre si. A semiótica é a ciência dos signos. Pode-se rotulá-la como ciência, vez que delimita o seu campo de estudo num dogma propriamente, com estirpe de interpretá-los.84 No caso, o respectivo objeto de estudo são os signos – signo aqui entendido como tudo aquilo capaz de transmitir significado, em cujo desenrolar acaba incorrendo na linguagem. Por esse motivo, a semiótica é a ciência da linguagem, qualquer que seja a sua natureza (verbal ou não verbal). Na medida em que algo se configura como linguagem, torna-se um objeto de investigação pelo método semiótico.85 81 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Estudos de filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 294300. Num outro contexto, porém, interessante ao mote do parágrafo, Aristóteles, por sua filosofia da linguagem, aponta que a decisão seria uma decisão da alma e não da linguagem porque só a primeira (alma) compreenderia a transcendência do discurso, conforme. OLIVEIRA, 2006, p. 30. Para Edmund Husserl a intuição é o início do conhecimento humano. Para a metafísica ocidental, é a primeira recepção de um ente singular e real, conforme OLIVEIRA, 2006, p. 40-42. 82 ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do direito. Quartier Latin: São Paulo, 2005. p. 17. 83 Para a comunicação como unidade do sistema jurídico à perspectiva luhmanniana, ver LIMA, 2009b, p. 35-61. À óptica da Semiótica, ver ARAUJO, 2011, p. 63. 84 SILVEIRA, 2007, p. 20: “[...]A Semiótica é, com efeito, uma ciência da Forma e nesse sentido o é da necessidade. Quase, portanto, aqui também quer dizer o que no latim significava, ou seja, a modo de.”. 85 VOLLI, 2007, p. 13: ”Há algumas décadas usa-se chamar de semiótica a disciplina que se ocupa dos signos, do sentido e da comunicação.”. SANTAELLA, 2006, p. 7-14, especialmente, p. 12, 14. SILVEIRA, 2007, p. 18-19. 59 Nessa mesma plêiade, relembra Lucia Santaella86, a origem grega da expressão semiótica ‘semeion”, propriamente signo. Daí o porquê da expressão “ciência dos signos”. Estudam-se os fenômenos que possam gerar significado ou sentido. Com esse esteio, a semiótica apresenta três dimensões possíveis de serem perquiridas: a semântica, a sintática e a pragmática.87 Em síntese: a primeira tem como mote a significação da mensagem. De outro modo, no viés jurídico, o aspecto sintático pode ser definido como o feixe relacional entre as normas jurídicas, como observa Clarice von Oertzen de Araujo.88 Cuida-se de estruturas e sua relação lógica. Por fim, a pragmática observa o comportamento das partes no processo comunicacional, com enfoque na sua reação diante aos signos. Como os utentes se comportam frente aos signos, dito de outro modo, é o mister da pragmática.89 Mesmo porque, com a linguagem, o homem talha uma nova realidade com a atribuição de valores de acordo com um dado momento histórico. Neste condão, as mutações sociais fazem com que o mesmo vocábulo, já conhecido, assuma nova semântica.90 5.2 Em emblemático texto, Roman Jakobson aventou a impossibilidade de ocorrência de uma análise sobre qualquer fato sem o uso da interpretação – no caso do texto em comento aplicado a uma conferência interdisciplinar. Passa-se à frente, nesse sentido, uma visão de mundo do fato descrito. Por conseguinte, 86 SANTAELLA, 2006, p. 7: “O nome Semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos.”, e p. 13: “[...] A Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e sentido.”. PIGNATARI, Décio. Semiótica & literatura. Cotia: Atêlie Editorial, 2004. p. 39: “Para Charles Sander Peirce, a lógica não era senão um outro nome possível para a Semiótica, a teoria geral dos signos, definida por ele, de modo mais explícito, como uma doutrina quase-necessária ou formal dos signos.”. 87 Para a tríplice divisão dos estudos semióticos, ver VOLLI, 2007, p. 27; ARAUJO, 2005, p. 163-184. 88 ARAUJO, 2005, p. 25, 167, 175. 89 CASTRO JR., Torquato da Silva. A pragmática das nulidades e a teoria dos atos jurídicos inexistentes. São Paulo: Noeses, 2009. p. 32; VILANOVA, 2000, p. 11. Para um detalhado estudo da problematização do conceito de pragmática, ver DASCAL, Marcelo. Interpretação e compreensão. São Leopoldo: Unisinos, 2006. p. 27-53. 90 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008. p. 247. Por um conceito de pragmática, ver DASCAL, 2006, p. 33: “Resumindo, o que proponho definir como a tarefa da pragmática é o estudo do uso dos meios lingüísticos (ou outros) por meio dos quais um falante transmite as suas intenções comunicativas e um ouvinte as reconhece. O objeto da pragmática, portanto, é o conjunto de dispositivos semióticos direta e especificamente relacionados à transmissão dos significados do falante. [...]”. 60 insurge o “princípio da complementariedade”, de cujo escopo se infere a relação entre o instrumento de observação e a coisa observada.91 Ainda, segundo o mencionado linguista, reclama-se observar a linguagem em toda a sua complexidade, numa dimensão unitária. No entanto, segundo bases antropológicas, a linguagem e a cultura se implicam mutuamente. A seu turno, a linguagem é parte da cultura; em verdade, um caso particular dessa subclasse de signos. É, por assim dizer, parte fundante da cultura, instrumento principal da comunicação informativa. Nesse contexto teórico, qualquer ato de fala afeta uma mensagem e seis elementos relacionados entre si: código, emissor, receptor, mensagem, canal e contexto.92 5.3 Diante do exposto, assenta-se que a relação entre o instrumento de observação e a coisa observada acaba por complementar a leitura dos signos com a cultura, numa relação propriamente de complementaridade. A linguagem é expressão da cultura; faz parte como fundadora da cultura, na verbalização de Jakobson. Nesse sentido, a linguagem é a expressão simbólica por excelência: os demais sistemas dela se originam. Por isso mesmo, o direito é linguagem, visto que é também comunicação social.93 E o direito, como grafou Clarice von Oertzen de Araujo, tem um intento egoísta porque, via palavras, quer modificar a realidade, num nítido processo de substituição do real pelo verbalizado. Deste modo, o direito é um código artificial, com a descrição e a atribuição de valores a condutas determinadas por ele próprio.94 O sistema jurídico forma-se mediante o uso da linguagem; apodera-se do seu conteúdo para, a partir deste processo, obter subsídio à sua Constituição. No entanto, a sua positivação é embasada sob o viés técnico; a sua linguagem é técnica e, com o condão de prescrição de condutas, trabalha no plano do “deverser”.95 91 JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. 22. ed. São Paulo: Cultrix, 2001. p. 15-20. JAKOBSON, 2001, p. 15-20. 93 JAKOBSON, 2001, p. 15-33. 94 ARAUJO, 2005, p. 17-19. 95 ARAUJO, 2005, p. 18, 20-21. 92 61 6 PRAGMÁTICA JURÍDICA 6.1 No dia a dia do fórum, o discurso jurídico volve-se com as mais inusitadas decisões. Algumas decisões com exegeses da legislação pouco compreensíveis; outras, quando a própria base legal do pleito é reconhecida pelo julgador, nega-se a sua aplicação, justificada num subjetivismo a beirar o abuso de autoridade. Ao observar o processo de subsunção da norma abstrata pelo Estadojuiz, conclui-se que a prática forense é repleta de decisões sobre o significado das palavras. Ao julgar, por exemplo, a validade de uma cláusula contratual, obrigatoriamente, precisar-se-á indagar ou entender automaticamente o que é um contrato. Esse processo, que é feito no contexto pragmático, com a efetivação de um significado gradativamente chega até a semântica e vice-versa, de modo que se eternize o processo comunicativo. É, pois, um procedimento natural e quase que indivisível, cujo desenrolar estende-se desde a observação do discurso até as questões fundamentais do cálculo lógico, com passagem à cognição, daí o limite à semântica.96 6.2 Sem embargo desse infinito processo comunicacional, a partir do ingresso de ação, a lide reclamará ser solvida por meio da decisão judicial. As partes levam, via petição inicial, contestação etc., os seus valores a respeito da justiça aplicável ao caso concreto. Ou, dito por outra forma, uma parte, representada por seu advogado, coloca a sua visão sobre a subsunção dos fatos à norma, enquanto o outro litigante narra o seu olhar a respeito da aplicação da legislação à situação em comento. Denota-se, pelo contexto, que os valores antagônicos se contrapõem quando insurge a disputa entre os litigantes. Consequentemente, acaba sendo o escopo processual solver o duelo, mediante a escolha de um ou mais valores, ou mesmo da melhor hermenêutica. A decisão positivará uma escolha, a qual pode agradar ou não as partes.97 96 97 CASTRO JR., 2009, p. 35, 52. ARAUJO, 2005, p. 40. 62 Trata-se de uma tomada de postura frente a valores de justiça conflitantes ou exegeses diferentes de uma mesma situação concreta que originou a disputa. Para a escolha, contudo, o julgador realizará um processo cognitivo complexo no qual serão levados em consideração, em grande escala, valores, como é o exemplo do formato de atuação jurisdicional, ligado umbilicalmente ao conceito e à extensão do princípio da separação de poderes. Tais decisões verbalizam unidades elementares conhecidas como normas jurídicas, resultado de um processo hermenêutico que opera utilizando o material já anteriormente positivado, como num círculo, em cuja última análise se materializa um ordenamento dinâmico. Por este sentido, o direito se produz via decisão.98 6.3 Dentro dessa plêiade relacional, pode-se delinear uma relação a se iniciar com o suporte fático; melhor, a partir dele, do contato da mente do intérprete com o suporte fático tem início a semiose. Com este contato, a mente gera um segundo elemento, intitulado de signo. No caminho entre o contato da mente até a emissão do signo, tem-se, nessa linha, um ato de percepção propriamente. No cenário jurídico, por sua vez, esse processo é apimentado com as aspirações das partes, externadas em suas peças processuais, e com os aspectos culturais que influenciam demasiadamente os intérpretes nesse sistema de alinhamento do signo ao objeto. Consoante descrição de Peirce, isso ocorre na forma de um diálogo localizado, sob esse cerne, no pensamento do intérprete, de tal sorte que, com o uso da inteligência, sempre se está aberto à nova alimentação, mediante leis, fatos ou quaisquer outros signos, configurando-se como uma evolução semiótica.99 7 PRAGMÁTICA JURÍDICA COMO METODOLOGIA 7.1 Clarice von Oertzen de Araujo trouxe ao cenário jurídico estudo crítico sobre o fenômeno da incidência jurídica como tese de livre-docência defendida no 98 99 ARAUJO, 2011, p. 33. ARAUJO, 2011, p. 130, 132, 135, 136, 138-39, 144-146. 63 Departamento de Teoria e Filosofia do Direito da Universidade de São Paulo. Dentro da sua refinada abordagem, entre outros temas, interessa a esta tese de doutorado o debate em torno do signo, do qual se abstrai que ele sempre representa um significado. Da leitura do signo, surge um significado para o intérprete. Desta feita, as normas jurídicas também são símbolos, em cujo significado se regem as relações sociais, mas, no entanto, a sua significação não se exaure na interpretação do intérprete. Ao contrário disso, a interpretação das referidas normas trata-se de processo incompleto, que se depara com a continuidade do processo comunicacional pelo próprio interpretante ou pelos próximos, quando for o caso. Diante disso, conforme a situação, a interpretação jurídica pode configurar-se como um processo sempre em andamento. Daí que, ao enredo da pesquisa, identificar a simbologia em torno da separação dos poderes consiste em diagnosticar dentro da relação comunicacional dos ministros da Suprema Corte qual o sentido outorgado ao citado princípio, na concretude do direito à saúde. Por esse cenário, o STF pode ser descrito, ao menos sob o julgo da semiose comunicacional da pragmática jurídica, como mente coletiva do sistema jurídico.100 7.2 A legislação é descrita, dentro do manancial teórico da semiótica, como um material simbólico, haja vista que o seu texto tem o nítido escopo de representação. Tudo porque, quando o receptor da norma adquire contato com o seu conteúdo, cria-se na sua mente um significado. Em consequência, o mesmo signo é capaz de dar subsídio às mais diversas interpretações. Ademais, no caminho da norma geral e abstrata para a concreta, que consiste no produto final de um processo complexo, utiliza-se nova nomenclatura: se lá, inicialmente, falava-se em signo, com o mencionado processo, doravante, faz-se referência a índice. Nesta tese, na linha exposta no parágrafo anterior, observa-se a concretude da norma geral abstrata à norma concreta, dentro da jurisdicização dos fatos no âmbito do STF, com a consciência de que a apuração valorativa extraída somente tem validade dentro do direito, em razão de que o plexo comunicacional de cada sistema é muito específico, delimitado, e só possível de exegese dentro do 100 ARAUJO, 2011, p. 17-19, 21. 64 respectivo contexto, mesmo sendo um fato social, uma vez que se trata de relações intersubjetivas resultadas nos acórdãos e nas decisões monocráticas analisados.101 7.3 No momento da interpretação das leis, no que concerne aos fatos postos ao STF, o processo comunicacional de aplicação da norma ao caso concreto, dirimindo, com a decisão, o litígio – ao menos reduzindo naquele momento a complexidade processual ao pôr fim àquela fase processual e em alguns casos à própria disputa – produz uma semiose; daí se extraindo que o significado dessa ação e reação é um resultado interpretativo a redundar na continuidade do ordenamento jurídico. Este resultado, que apenas num determinado momento é tido como produto final, propriamente como o objeto em observação desta pesquisa, tem sim uma causa possível de ser cognoscível no seu processo decisório. Entretanto, não se trata de processo rigidamente causal, movido por leis rígidas, quase que naturais, mas sim formado por diversas variáveis, dentre as quais se destaca o axioma ideológico motivador do intérprete.102 8 RELATÓRIOS DE PESQUISA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DIREITO À SAÚDE 8.1 PREMISSAS GERAIS 8.1.1 Os acórdãos analisados foram coletados do sítio eletrônico do STF103, especificamente no link de jurisprudência. Para a busca, foram escolhidas as expressões: “direito à saúde” e “separação dos poderes”, primordialmente de forma isolada e, em seguida, em conjunto. Esse procedimento de pesquisa foi utilizado inúmeras vezes em momentos temporais completamente diversos. Na escolha das decisões a serem pormenorizadamente tratadas na tese, preliminarmente, optou-se 101 ARAUJO, 2011, p. 29, 32, 34, 93. ARAUJO, 2011, p. 122, 126. 103 Site do STF: <www.stf.gov.br>. 102 65 por dois critérios: (i) temporal, de ordem objetiva; (ii) enfrentamento do direito à saúde pela óptica explícita, ou implícita, da separação dos poderes, de natureza subjetiva, uma vez que a escolha da decisão reclamou da lente do observador, especialmente na visão implícita. Na primeira escolha, como regra inicial, optou-se por acórdãos publicados entre o início de 2009 e o fim de 2012, com o condão de outorgar ares de atualidade à pesquisa. Depois disso, sem menoscabo do marco temporal, ganharam espaço no material coletado, acórdãos anteriormente julgados e identificados como relevantes à compreensão do raciocínio travado naqueles estudados. Gradativamente, a quantidade de julgados anteriores à baliza temporal traçada agigantou-se, a ponto de o padrão inicial não mais se tipificar. Por outro lado, restou, no viés metodológico, ainda incólume o outro padrão inicial de pesquisa como critério investigativo: “direito à saúde” e “separação dos poderes”. Ademais, mesmo com escopo de objetivar a pesquisa, é inegável que, na escolha final dos precedentes analisados, acabou-se, de certo modo, por subjetivar a sua coleta. Neste aspecto, o pesquisador fez escolhas de ordem pessoal, não obstante, sempre tenha se pautado por buscar o tratamento da temática pesquisada criticamente. 8.1.2 Do material coletado, não se excluiu determinado grupo de técnicas processuais, como por exemplo, agravo regimental e pedido de suspensão de segurança ante o entendimento de que a sua mantença traria riqueza à pesquisa, a resultar num material heterogêneo da perspectiva procedimental dos julgamentos. Bem por isso, foram analisados acórdãos de julgamento de recursos extraordinários, de agravos regimentais por indeferimento de recurso extraordinário, de pedidos de suspensão de tutela antecipada, de ação cautelar e recurso ordinário em mandado de segurança. Após a escolha desses critérios de seleção, a coleta final resultou em setenta e um acórdãos, os quais foram lidos, relidos e, por fim, estudados minuciosamente, um a um. O resultado é o avante escrito. Desse universo, escolheram-se vinte decisões que tiveram papel significativo no resultado da 66 pesquisa. Os pontos principais destes julgados foram transcritos em notas de rodapé. 8.2 RACIONALIDADE JURÍDICA NA MICROJUSTIÇA 8.2.1 À luz do proposto na pesquisa, pela análise dos precedentes, conclui-se, numa visão micro – porque restrita aos processos admitidos, quer dizer, conhecidos pelo respectivo tribunal –, no sentido de uma racionalidade bem definida da Excelsa Corte em favor da efetividade do direito à saúde no que diz respeito à justiça adjudicatória, de tal sorte que dos setenta e um acórdãos estudados somente três não são no diapasão da sua concretização. Exemplo do âmago efetividade pode ser extraído da Ação Cautelar n. 2836/SP, na qual o Ministério Público, com a finalidade de atender a necessidade de efetivação do direito público subjetivo à saúde, ingressou com ação civil pública munida de pedido de liminar, a qual foi deferida em primeiro grau e cassada em segundo grau de jurisdição. Em razão da decisão desfavorável em segundo grau, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário, que foi admitido na origem. Antes, porém, da chegada do recurso ao tribunal, portou a sua solicitação de medicamentos de vultoso valor econômico in limine mediante técnica cautelar diretamente ao STF. Em juízo de cognição sumária, o relator restaurou a medida liminar concedida pelo juízo de primeiro grau. A decisão teve como fundamento a efetividade do art. 196 da Constituição Federal, de cujo teor se serviu a fundamentação do acórdão.104-105 104 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Cautelar n. 2836/SP. Relator Ministro Ayres Britto. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Brasília, DF. Julgado em 29.03.2011. Publicado em 04.04.2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AC%24%2ESCLA%2E+E+283 6%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/mfqc643>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do julgado, p. 2: “2. De acordo com a inicial, o autor ajuizou ação civil pública com a finalidade de obrigar o Município de Ribeirão Preto e o Estado de São Paulo a fornecer a Edson Luiz Carlos, pessoa ‘carente de recursos econômicos’ e ‘portadora de gravíssima moléstia (CID G47-3)’, ‘o aparelho CPAP (Continuous Positive Airway Presure), juntamente com umidificador e eventual reposição.’”. 105 Trecho do mesmo julgado, p. 2: “8. Assim constitucionalmente qualificada como direito fundamental de dupla face (direito social e individual indisponível), a saúde é tema que se insere no 67 De fato, a efetividade dessa técnica processual não usual reforça a tese de que o STF tem a forma de julgar bem delineada, ao menos finalisticamente falando, o que permitiu mapear com relativa segurança a sua racionalidade, as suas variáveis e, enfim, contextualizá-la no âmbito social global, conforme se expõe na Parte III. 8.2.2 De outra forma, no diapasão da não efetivação do direito à saúde, exemplifica-se com acórdão no qual o Ministério Público do Estado de Minas Gerais interpôs recurso extraordinário com o objetivo de reformar a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que nega o seu pleito, que pretendeu, mediante impetração de mandado de segurança, o fornecimento de medicamentos. É verdade, no entanto, que o acórdão não entrou no mérito do direito à saúde. O referido tribunal não recebeu o recurso por entender que nos autos não havia elementos que denotassem a veracidade das alegações do autor, e mais, que eventual provimento configuraria uma revalorização das provas colacionadas nos autos, o que encontra óbice já materializado por súmula.106 âmbito de legitimação do Ministério Público para a propositura de sua defesa. 9. À derradeira, tenho que a espera pelo julgamento de mérito do recurso extraordinário (que ainda não foi enviado ao Supremo Tribunal Federal) pode acarretar graves prejuízos à saúde do interessado Edson Luiz Carlos.”. 106 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento n. 843160/MG. Relator Ministro Luiz Fux. Agravante: Ministério Público de Minas Gerais. Agravado: Departamento Municipal de Saúde Pública – DEMASP. Brasília, DF. Julgado em 28.06.2011. Publicado em 03.08.2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+8431 60%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/jw6wqbq>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do julgado, p. 2: “Ab initio, observo que não se revela cognoscível, em sede de Recurso Extraordinário, a insurgência que tem como escopo o incursionamento no contexto fáticoprobatório engendrado nos autos, porquanto referida pretensão não se amolda à estreita via do apelo extremo, cujo conteúdo restringe-se a fundamentação vinculada de discussão eminentemente de direito e, portanto, não servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do arcabouço fático-probatório dos autos, face ao óbice erigido pela Súmula 279/STF de seguinte teor, verbis: ‘Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário’. [...] Ora, não há como saber se os medicamentos indicados são eficazes – ou os mais eficazes – ao tratamento de que teria necessidade o impetrante. Na verdade, sendo de natureza particular, os documentos apresentados não oferecem suporte suficiente para o acolhimento da postulação. Ademais, não se vê nos autos requerimento da dispensação de tal medicamento por via administrativa, não se podendo dizer que houve a negativa de fornecimento do mesmo. [...] Enfim, sem ignorar o direito à saúde consagrado no art. 196 da Constituição da República, não se há, porém, permitir ao Judiciário, sem o mínimo de prova necessária, imiscuir-se na função administrativa, determinando a distribuição indiscriminada de medicamentos.’ (fls. 153/154) [...] Ex positis, nego seguimento ao agravo de instrumento com fundamento no disposto no artigo 21, § 1º, do RISTF.”. 68 8.3 LUGARES-COMUNS NA MICROJUSTIÇA 8.3.1 Como parte do resultado da análise, traçou-se o mapa de alguns lugares-comuns avistados na jurisprudência do STF, a saber: (i) a efetivação do direito à saúde não se trata de violação ao princípio da separação dos poderes; (ii) o direito à saúde é um direito público subjetivo indisponível; (iii) normas consideradas programáticas não podem ser reputadas como promessa constitucional inconsequente; (iv) o Ministério Público tem legitimidade para postular em juízo o direito à saúde; (v) temática enfrentada (julgada) à luz da adjudicação e não de um problema distributivo; (v) solidariedade dos entes públicos (União, estados e municípios) como responsáveis pela manutenção do direito à saúde; (vi) prestação de tratamentos não incluídos na lista da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); (vii) desqualificação da reserva do possível como desculpa para a não efetivação do direito à saúde. 8.4 PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES EM DIREITO À SAÚDE 8.4.1 A separação dos poderes, segundo a jurisprudência em comento, é um dos pilares da democracia moderna. No entanto, consoante ainda o material coletado, por vezes o Estado utilizou-se dessa premissa com o intuito de deslegitimar a intervenção do Poder Judiciário, quando se mantém inerte e não cumpre as suas funções. Mas, ao contrário da semântica outorgada outrora, atualmente a Corte Suprema vê essa justificativa propriamente como uma demonstração de acomodação política, daí não ser passível de se opor à efetivação do direito à saúde pela atuação judicial, nos termos do decidido no Recurso Extraordinário de n. 667.882/MG. Nessa mesma senda transitou o Recurso Extraordinário n. 368.564/DF. Nele, a União interpôs recurso extraordinário com pretensão de reforma de acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), que outorgou ao jurisdicionado o 69 tratamento da Retinose Pigmentar, em Cuba. Trava-se um longo e bem articulado debate em que se defendeu o direito à saúde, com as seguintes conclusões: (i) é sim um direito em desfavor do Estado; (ii) a reserva do possível é uma desculpa que, ratificada, será usada para tudo; (iii) a separação dos poderes é um sinal de acomodação política forjada na democracia moderna; (iv) insere-se no debate a questão da esperança como fonte de cura.107-108-109-110-111-112 107 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 368.564/DF. Relator Ministro Marco Aurélio. Requerente: União. Requerido: Maria Euridice de Lima Casale. Brasília, DF. Julgado em 13.04.2011. Publicado em 10.08.2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+368 564%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+368564%2EACMS%2E%29&base=bas eAcordaos&url=http://tinyurl.com/k59qe3j>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do julgado, p. 68: “O que está havendo? A nossa jurisprudência é muito ampliativa quando se trata de tratamento à saúde. Diga-se de passagem, jurisprudência que conta com a minha maior adesão. Desde que eu era Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, eu entendia que nós não poderíamos negar, pelo Estado, o direito ao tratamento médico. Eu sempre entendi, portanto, desde o Tribunal de Justiça, que nós não podemos negar o medicamento, o tratamento local; sempre temos de ter uma alternativa para isso. E a jurisprudência do Tribunal, a Suprema Corte, assegura esse direito.”. 108 Trecho do mesmo julgado, p. 81: “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Estou desprovendo e mantendo o acórdão. O recurso é da União. Certamente, com esse tratamento, a viúva não ficará mais pobre!”. Trecho, do mesmo julgado, p. 85: “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Essa denominada reserva do possível, no tocante ao Estado, leva-me à indignação como contribuinte, como cidadão, como juiz, pois, se for realmente empolgada e aceita, teremos desculpa para tudo, porquanto, desde que me conheço, o Estado, em que pese à grande carga tributária, luta contra escassez de receita, mas luta porque tem despesas excessivas, principalmente com a máquina administrativa e a dívida interna.”. 109 Trecho do mesmo julgado, p. 87: “O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO – [...] Bem, se os direitos sociais, notadamente no campo da saúde, da educação, da assistência à adolescência e à infância, são direitos de crédito contra o Estado, demandam prestação contra o Estado, desembolso de recursos, é preciso atentar para o fato de que os recursos orçamentários são escassos e pesa contra esses direitos uma cláusula da reserva financeira do possível. Mas eu entendo que essa reserva financeira do possível seja uma desculpa cômoda por parte do Estado; é a mais cômoda das desculpas.”. 110 Trecho do mesmo julgado, p. 94: “A questão da intervenção judicial em políticas sociais está intimamente relacionada ao princípio da separação dos poderes, elemento central na acomodação do desenho institucional das democracias modernas.”. 111 Trecho do mesmo julgado, p. 103: “O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – Senhora Presidente, peço vênia para – muito embora tenha tomado conhecimento agora do voto Ministro Ricardo Lewandowski – dizer que estou habilitado a votar. Tenho vários acórdãos proferidos no Superior Tribunal de Justiça em recurso ordinário e em mandado de segurança. E eu me recordo uma vez que, foi uma passagem interessante – muito embora ela seja jusfilosófica, mas ela interessa a todos nós, é sempre engrandecedor trocarmos experiências -, eu tive a oportunidade, Senhora Presidente, de ter em mãos uma obra de um prêmio Nobel de medicina, recente, Professor Jerome Groopman, cujo título é ‘A Anatomia da Esperança’. Ele, como médico de pacientes terminais, uteísta e que recebera o prêmio Nobel de medicina, então a cientificidade de sua tese foi mais do que aferida, afirma que a fé significa o coração da cura. Ele, inclusive, explicita que as pessoas que têm esperança de viver conseguem produzir determinadas substâncias que fazem-nas viver mais do que poderia se imaginar num tratamento de paciente, como ele tratava, de órgãos vitais etc. De sorte que sou muito determinado nessa questão de esperança. Nunca acreditei nessa versão de que a retinose pigmentar, no tratamento de Cuba, não tinha cura. Pelo contrário, eu entendia que, se eles eram especialistas nessa doença, deveria haver uma esperança com relação a essa cura. E na dúvida entre a esperança do sucesso e o insucesso, fico com a esperança do sucesso, evidentemente. Acho que 70 8.5 DIREITO À SAÚDE COMO BEM INDISPONÍVEL 8.5.1 Ao arauto judicial, aventa-se a indisponibilidade de um bem com a sua mantença mesmo diante de argumentos de difícil superação como a efetiva escassez de recursos. Deste modo, não há recursos para o fornecimento de determinado medicamento com o cerne de tratar doença rara. Não obstante esse cenário, a Suprema Corte decidiu pela obrigação do seu fornecimento, mormente porque a saúde é um bem indisponível. Com essa linha de decisão, constrói-se a indisponibilidade do direito à saúde em desfavor da sua não concretude, de modo que a União interpôs Agravo de Despacho Denegatório de Recurso Extraordinário de n. 640722/SC em face de decisão do TJSC, em que se deferiu a outorga de medicamentos ao autor.113 isso é um direito veiculável por meio de mandado de segurança; é, digamos assim, a função da Corte Suprema tutelar essa dignidade da vida humana, como consectário dela, o direito à prestação da saúde pelo Estado. Acompanho Vossa Excelência e o Ministro Marco Aurélio.”. 112 Trecho do mesmo julgado, p. 105: “5. Consectariamente, é vedado ao Poder Público e ao intérprete do ordenamento jurídico – amparado em parecer técnico que desaconselha o tratamento da ‘retinose pigmentar’ no Centro Internacional de Retinoses Pigmentária em Cuba e na Portaria 763 que proíbe o financiamento do tratamento no exterior pelo SUS – antever exegese que transponha a intangibilidade do direito à saúde consagrado na Constituição Federal.”. Trecho do mesmo julgado, p. 110: “Dessarte, defronte de um direito fundamental, cai por terra qualquer outra justificativa de natureza técnica ou burocrática do Poder Público, uma vez que, segundo os ensinamentos de Ives Gandra da Silva Martins, ‘o ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano e não um fim em si mesmo’ (in ‘Caderno de Direito Natural – Lei Positiva e Lei Natural’, n. 1. 1ª edição, Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985, p. 27). (grifo nosso)”. 113 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo n. 640722/SC. Relator Ministro Ricardo Lewandoski. Requerente: União. Requerido: Ministério Público Federal. Intimado: Estado de Santa Catarina. Intimado: Município de Videira. Brasília, DF. Julgado em 24.05.2011. Publicado em 30.05.2011. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22936567/recurso-extraordinario-com-agravo-are-640722sc-stf>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 1: “1. A Constituição Federal, com precisão, erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Daí a seguinte conclusão: é obrigação do Estado no sentido genérico (União, Estados e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recurso financeiro o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves.”. Trecho do mesmo julgado, p. 1: ”2. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196).”. Trecho do mesmo julgado, p. 1: ”3. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não se pode mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.”. 71 Na decisão em estudo, teve-se o direito à saúde como inviolável. Na fundamentação, trouxe a lume diversas decisões, justamente para ratificar a sua assertiva de que o STF já firmou posicionamento em favor da preservação do referido direito como um direito público indisponível. Desta forma, é direito inviolável, a resultar na obrigação do Estado (em sentido genérico) a garantia do fornecimento de medicamentos com destaque para o atendimento de doenças graves.114 8.6 FORÇA VINCULANTE DAS NORMAS PROGRAMÁTICAS 8.6.1 No material empírico coletado, as normas programáticas tomam contorno completamente diverso da composição clássica desenvolvida, na década de 1940, por José Afonso da Silva. Nas decisões, parte-se, sim, do pressuposto de que o direito à saúde está disposto em norma programática. Não obstante, a sua interpretação não poderia resultar numa promessa inconsequente. Essa assertiva é tida como uma premissa inconteste. Bem por isso, é repetida como axioma numa grande quantidade de decisões, nas quais se repete, por exemplo, nos julgados AI n. 662822/RS, AGR no RE n. 393175/RS, e, ilustrativamente, transcreve-se trecho do RE n. 535145-MT: [...] A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, 114 Trecho do mesmo julgado, p. 1: “O agravo não merece acolhida. Isso porque, o julgado impugnado encontra-se em harmonia com a orientação da Corte que, ao julgar o RE 271.286- AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, entendeu que o Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Salientou-se, ainda, no citado julgado, que a regra contida no art. 196 da Constituição tem por destinatário todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro. No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: RE 393.175-AgR/RS e AI 662.822/RS, Rel. Min. Celso de Mello; RE 566.575/ES, Rel. Min. Ayres Britto; RE 539.216/RS, Rel. Min. Eros Grau; RE 572.252/RS, Rel. Min. Cezar Peluso; AI 507.072/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa; RE 535.145/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia; AI 635.766/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.”. 72 fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. [...]. Com efeito, o ideário, teorizado pelo citado autor constitucionalista, de programas a serem cumpridos pelo Estado, como orientações que os governantes devem levar em conta ao tomar as suas decisões, todavia, sem um vínculo efetivo ao seu cumprimento, perde o seu sentido original. Em última análise, o tempo de cumprir o “programa em direito à saúde” passou; a sua interpretação aproxima-se muito mais das normas de eficácia imediata – também proposta por José Afonso da Silva –, em que pese ainda serem chamadas pelo STF de normas de eficácia programática. 8.7 LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DIREITO À SAÚDE 8.7.1 No que diz respeito à legitimidade do Ministério Público, chama a atenção o julgamento do Agravo de Instrumento de Despacho Denegatório de Admissão do Recurso Extraordinário n. 667882/MG. A tese do recorrente diz respeito a legitimar o Ministério Público a ingressar com ação civil pública para pretender a efetivação do direito à saúde. Liminarmente, o recurso foi conhecido e provido na sua integralidade nos moldes do CPC, art. 544, § 3º.115 Convém relatar, outrossim, que a técnica deste referido dispositivo processual, regra geral, só é 115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento n. 667882/MG. Relator Ministro Dias Toffoli. Agravante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Agravado: Município de Contagem. Brasília, DF. Julgado em 02.02.2010. Publicado em 26.02.2010. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+6678 82%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/lex3hs5>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 2: “A irresignação merece prosperar. A jurisprudência desta Corte fixou entendimento no sentido de que o texto constitucional qualifica o direito à saúde como individual e indisponível, além das ações e serviços de saúde como prestação de relevância pública, legitimando, portanto, a atuação do Ministério Público para a propositura da ação em sua defesa.”. Trecho do mesmo julgado, p. 2: “Ante o exposto, nos termos do artigo 544, § 3º, do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 9.756/98, conheço do agravo e dou provimento ao recurso extraordinário para declarar a legitimidade ativa do Ministério Público Estadual para o ajuizamento do feito, determinando o regular processamento. Publique-se. Brasília, 2 de fevereiro de 2010. Ministro DIAS TOFFOLI Relator”. 73 usada quando a questão está pacificada na jurisprudência; não se trata de procedimento usual, rotineiro. Aliás, com a premissa da possibilidade de o Parquet ingressar com demandas cujo pleito é o direito à saúde, comenta-se também do Recurso Extraordinário distribuído sob o n. 586.995/MG, em autos de ação civil pública, interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em que se almejou a concessão, pelo Estado, de tratamento caro e de difícil acesso (Fibrose Cística ou Mucoviscidose). A solicitação foi deferida sob o fundamento de que a saúde é direito de todos e dever do Estado, premissa constitucional arraigada na Carta da República, art. 164.116-117 8.8 LINHAS DE RACIONALIDADE ADOTADAS EM DIREITO À SAÚDE 8.8.1 No mote da efetivação da saúde como lide adjudicatória, nos julgamentos, insurgem três vertentes de raciocínio. É verdade que finalisticamente buscam o mesmo cerne. Nesse aspecto, encontra-se a linha que reconhece que a postura da Corte Suprema implementa políticas públicas quando há flagrante inadimplência por parte do ente público, porém se respeitaria o poder discricionário do gestor. No ponto, destacam-se os acórdãos relatados pela então Ministra Ellen Gracie: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 734.487/PR e na 116 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 586995/MG. Relatora Ministra Cármen Lúcia. Requerente: Estado de Minas Gerais. Requerido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Brasília, DF. Julgado em 21.02.2010. Publicado em 03.03.2010. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18314094/recurso-extraordinario-re-586995-mg-stf>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 2: “[...] ‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PACIENTES PORTADORES DE FIBROSE CÍSTICA OU MUCOVISCIDOSE – INTERESSE DIFUSO – DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1) A saúde é direito de todos e dever do Estado e deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença. 2) O acesso às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde é universal e igualitário. 3) A Fibrose Cística ou Mucoviscidose é doença letal, de tratamento caro e difícil acesso, necessitando seus portadores de assistência do Poder Público. 3) No reexame necessário, sentença reformada parcialmente, prejudicando o recurso voluntário’ (fls. 720).”. 117 Trecho do mesmo julgado, p. 5: “[...] ‘A preliminar de existência de litisconsórcio passivo necessário não merece prosperar, pois, como já citado anteriormente, a saúde pública há que ser administrada pelos três entes federativos. Como já consagrado no texto Constitucional, a saúde é direito de todos e dever do Estado, e, entre as diretrizes do sistema consagradas na Lei n. 8.080/90, está o atendimento integral à saúde, seja ele preventivo ou curativo’. (fls. 723-725).”. 74 Suspensão de Tutela Antecipada n. 91, seguidos à época pelo também Ministro Eros Grau, nos Agravos Regimentais nos Recursos Extraordinários de n. 367.432/PR e n. 603.575/SC. Com efeito, essa racionalidade parte do pressuposto de que a Constituição Republicana, precisamente o art. 226, impõe ao Estado a implementação de políticas públicas com o escopo de sanar os problemas inerentes ao direito à saúde. Isto, acrescido à inércia estatal, seria suficiente para legitimar o Judiciário a implementá-las. Não há, tendo em vista essa postura decisional, qualquer receio na implementação de políticas públicas, nem na expressa confirmação dessa postura no teor do acórdão. Além da determinação do fornecimento de remédios, também se ratificou requerimentos feitos em ação civil pública pelo Ministério Público, com o pleito de ampliação do número de leitos em hospitais públicos. Das três linhas decisionais ou modos de decidir a questão, na anteriormente esboçada, há pouca ressonância com a jurisprudência atual. Com a aposentadoria dos Ministros Ellen Gracie e Eros Grau, a assertiva explícita de que ao STF cabe realmente a missão de implementar políticas públicas praticamente tendia a minguar. Entretanto, o Ministro Dias Toffoli tem adotado a tese em decisões de sua relatoria, consoante se apreende das decisões em sede de Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 809.018/SC. Isso a despeito de que, se há precedentes em que não se admite tal postura abertamente, todavia, o resultado do decisum é muito similar ao que ratifica. 8.8.2 Existe, outrossim, uma segunda postura de decidir, cujo intento é cumprir o art. 226 da Constituição Federal com a assertiva de que não se trata de implementar políticas públicas, mas sim fazer cumprir as já existentes. Preza-se pela sua efetividade. Por este viés, aos tribunais caberia meramente o propósito de complementação de tais políticas, as quais por falhas não atingiram a população como deveriam. Para compreender essa postura, reclama-se retornar à audiência pública, realizada pelo então Presidente da Suprema Corte, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, por meio da qual se ouviu a voz de representantes da magistratura, da 75 Advocacia Geral da União, médicos, gestores públicos, acadêmicos e membros da sociedade civil a respeito da judicialização dos problemas da saúde no Brasil. Nessa importante audiência, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes obteve os subsídios à formação da sua racionalidade jurídica na temática em estudo, a qual, até os dias de hoje, manifesta-se pela efetivação das políticas públicas já existentes e não pela sua implementação. Na prática, os entes estatais têm políticas públicas nas mais diversas vertentes, contudo elas não funcionam como deveriam. Exemplo disso é a distribuição de remédios de cuja implementação, mediante políticas específicas, é praticamente um lugar-comum no poder público. Todavia, não é incomum se afirmar a sua insuficiência para remédios de elevado valor. Com base nessa racionalidade, o Ministro Gilmar Mendes relatou acórdão no qual se julgou recurso de agravo regimental no pedido de suspensão de liminar com intuito de conseguir a suspensão de decisão em mandado de segurança interposto pelo Estado de Pernambuco. Embasado em sólida argumentação, afastou-se a tese da reserva do possível a fim de dar efetividade ao direito à saúde, mudando completamente o enfoque do debate para ressaltar que não se trata de interferência judicial em políticas públicas, uma vez que, na maioria dos casos, elas (as políticas públicas) já existiriam. Daí seria uma questão de efetivá-las, haja vista as claras falhas em sua implementação. O relator ainda acaba, em seu voto, por retirar a legitimidade de desculpas por escassez financeira e propõe o debate no plano jurídicoconstitucional, como um direito inviolável. Textualmente, argumenta-se que questões financeiras seriam secundárias diante do debate travado nos autos.118-119-120 118 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/ PE. Relator Ministro Gilmar Mendes. Agravante: Estado de Pernambuco. Agravado: União. Ministério Público Federal. Ministério Público do Estado de Pernambuco. Município de Petrolina. Brasília, DF. Julgado em 17.03.2010. Publicado em 30.04.2010. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9087061/agreg-na-suspensao-de-liminar-sl-47-pe>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 16: “O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).”. Trecho do mesmo julgado, p. 21: “Assim, levando em conta a grande quantidade de processos e a complexidade das questões neles envolvidas, convoquei Audiência Pública para ouvir os especialistas em matéria de Saúde Pública, especialmente os gestores públicos, os membros da magistratura, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia da União, Estados e Municípios, além de acadêmicos e de entidades e organismos da sociedade civil. (Grifo nosso)”. Trecho do mesmo julgado, p. 22: “Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no 76 Nesse mesmo escol, impende expor outra decisão em que a União interpôs agravo regimental para pedir a suspensão da tutela antecipada concessiva de medicamentos. Seguindo a mesma linha de outros pretórios, o Ministro Gilmar Mendes negou a medida solicitada, servindo-se, do mesmo modo, da premissa de que não se trata de judicialização dos temas ligados à saúde pública, mas sim de falhas na efetivação dessas políticas públicas já existentes. A escolha discricionária que cabia ao gestor já foi feita, todavia, erros na aplicação culminaram em violações ao direito à saúde, a motivar demanda judicial e, sucessivamente, a intervenção da Suprema Corte.121 8.8.3 Por fim, a terceira corrente assevera a tese de omissão estatal a legitimar a intervenção judicial na efetivação do direito à saúde, bem como faz menção à impossibilidade de ingerência judicial na discricionariedade da Administração Pública. Essa verbalização mais parece pura retórica do que um argumento dogmático – e, por isso mesmo, sem coerência interna ao sistema –, vez que se tenta negar o óbvio. Primeiro, se não houvesse omissão administrativa, reduzir-se-ia significativamente o número de problemas levados a juízo, sobretudo Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento das políticas já estabelecidas. Portanto, não cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas.”. 119 Trecho do mesmo julgado, p. 30-31: “Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. [...].”. 120 Trecho do mesmo julgado, p. 62: “O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: - Presidente, vou acompanhar Vossa Excelência, sem dúvida, e não posso deixar de dizer da alta qualidade do voto proferido, que certamente vai ficar marcado neste Tribunal. A questão da implementação de políticas públicas tem sido tema de teses, artigos e revistas jurídicas em quadrinhos, pois poucas vezes se fala do tema seriamente – o mesmo ocorrendo com o tema da ‘separação’ dos Poderes. Continuo a ser um velho ‘hegeliano’, entendendo que o poder é uno e, quando ele se divide, ele deixa de ser poder.”. 121 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n. 175/ Ceará. Relator Ministro Gilmar Mendes. Agravante: União. Agravado: Ministério Público Federal. Clarice Abreu de Castro Neves. Município de Fortaleza. Estado do Ceará. Brasília, DF. Julgado em 17.03.2010. Publicado em 30.04.2010. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2570693>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 77: “Diante da relevância da concretização do direito à saúde e da complexidade que envolve a discussão de [...]”. Trecho do mesmo julgado, p. 92: “Esse foi um dos primeiros entendimentos que sobressaiu nos debates ocorridos na Audiência PúblicaSaúde: no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes.”. 77 porque, pelos precedentes, é quase rotina uma omissão estatal no que diz respeito à saúde. De outra forma, uma ação dolosa geraria outro tipo de pleito jurisdicional, o que significa que a técnica judicial proposta seria outra, ou seja, sem a finalidade de prestar, ofertar, determinado remédio ou tratamento. Esse argumento perde o seu senso de pertinência objetiva. Segundo, a omissão do gestor público é, regra geral, relacionada à sua escolha de alocar recursos em outro serviço estatal como, por exemplo, educação, segurança etc. Não raro, omite-se na prestação da saúde, em favor de outra prestação igualmente importante à coletividade. Não tem consistência lógica o argumento de que se houve omissão, a atuação jurisdicional não significaria violação à discricionariedade administrativa. A bem da verdade, as decisões em comento estão revendo um critério distributivo-discricionário mediante um critério adjudicatório-legalista. Desta forma, o raciocínio exposto por essa vertente da jurisprudência do STF é fictício; afasta-se da realidade para ficcionalmente tentar forjar um novo conceito dogmático de discricionariedade judicial. No entanto, por óbvio, além do choque com a dogmática administrativista, não encontra guarida no sistema social, a ponto de os precedentes se servirem disso como uma verdade, isto é, um ponto de partida. Diante de análise dos precedentes em torno dessa terceira corrente, em destaque a decisão no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 665.764 Rio Grande do Sul, também se assenta que a efetivação do direito à saúde faz com que a tradicional – ou liberal – interpretação da separação dos poderes seja escamoteada a favor de uma forte interpretação adjudicatória, em cuja gênese se encontram premissas de um Estado Social em que, entre outras: (i) cobra-se uma atuação positiva do Estado; (ii) evidencia-se que normas programáticas não são promessas inconsequentes; (iii) legitima-se o direito à saúde como direito público indisponível. 78 8.9 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS 8.9.1 Em outra perspectiva, é uniforme, dentro da jurisprudência analisada, a responsabilidade solidária dos entes públicos. Sempre foi rotineiro os poderes públicos esquivarem-se do ônus de fornecer uma saúde digna à população com a desculpa de que não se trata de sua responsabilidade. Ilustrativamente, citase o caso das ações propostas em face dos estados-membros, os quais, em suas defesas, alegam ser obrigação da União. Não há, pelo exposto, chance desse subterfúgio encontrar eco na atual linha adotada em razão da consistência da tese da solidariedade e, até o momento, não há comunicação da alta Corte de Justiça em sentido diverso. Trata-se de uma busca pela efetividade, consoante se pode concluir do Recurso Extraordinário n. 607.385/SC interposto com o mote de ver efetivado o respectivo direito à saúde com a obtenção de medicação. A decisão teve como fundamento a tese de que a saúde é dever de todos os entes federados. Cabe à parte escolher se move demanda em face de um só, de dois ou dos três entes (município, estado e União). No caso em comento, a autora pleiteou somente em face do Estado de Santa Catarina. A tutela processual foi deferida.122 122 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 607.385/SC. Rel. Min. Cármen Lúcia Requerente: Estado de Santa Catarina. Requerida: Elisa Meira Fernandes. Brasília, DF. Julgado em 19.04.2011. Publicado em 12.05.2011. Disponível em: <(http://stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=88&dataPublicacaoDj=12/05/2011 &incidente=3814696&codCapitulo=6&numMateria=68&codMateria=3>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 2: “A parte-autora ajuizou ação contra o Estado de Santa Catarina objetivando o fornecimento de medicamento essencial ao tratamento da doença que a acomete. À luz da jurisprudência recente do STJ, as três esferas federativas são solidariamente responsáveis por realizar o direito à saúde, conforme se vê nas decisões abaixo transcritas: [...]. Por se tratar de obrigação solidária, é possível exigir a prestação de qualquer um ou de todos os entes federativos. A escolha cabe à parte-autora. No caso em tela, a parte-autora optou por acionar o Estado de Santa Catarina, de modo que esse réu, e somente ele, deve integrar o pólo passivo da presente demanda. (Grifo nosso)”. Também no prisma da garantia da solidariedade do direito à saúde entre os entes públicos, ver BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 584652/RJ. Relator Ministro Cezar Peluso. Requerente: União. Requerido: Produtos Veterinários Manguinhos LTDA. Brasília, DF. Julgado em 07.08.2008. Publicado em 02.09.2008. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14771245/recurso-extraordinario-re-584652-rj-stf>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 2: “Ainda que assim não fosse, a recusa do Estado em fornecer medicamento coloca em risco a saúde de paciente necessitado e representa desrespeito ao disposto no art. 196 da Constituição Federal, que estatui ser a saúde direito de todos e dever do Estado. Essa regra constitucional tem por destinatários todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro.”. 79 Outrossim, no Recurso Extraordinário n. 641.916, a autora, com 78 anos, interpôs o recurso com a pretensão de que os entes estatais (União, estado e município) fornecessem diversos remédios com vistas a combater a diabetes, a hipertensão, a catarata, a osteoporose, a tireoide e a arritmia cardíaca. O STF concedeu o negado até então pelas instâncias anteriores via tutela antecipada, bem como inseriu a União no polo passivo. Antes disso, a autora passou por um longo processo, inclusive com seu recurso sendo negado na origem, o que motivou a interposição de agravo de despacho negatório e, na sequência, agravo regimental.123-124-125 Ainda, por meio de Agravo Regimental em Recurso Extraordinário de n. 271.286-8, o Município de Porto Alegre pleiteou a reforma de decisão que o obriga ao fornecimento de medicamentos a cidadão portador do HIV. Serve-se o protesto dos seguintes fundamentos: (i) não seria sua a competência e sim do Estado do Rio Grande do Sul; (ii) afronta do princípio da separação dos poderes. Prevaleceu a tese 123 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 641916. Relatora Ministra Cármen Lúcia. Requerente: Valentina Mikulski Babinski. Requeridos: União. Estado do Paraná. Município de Curitiba. Brasília, DF. Julgado em 31.05.2011. Publicado em 08.06. 2011. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22935595/recurso-extraordinario-re-641916-pr-stf>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 2: “Alega que se ‘extrai da Constituição Federal que a responsabilidade solidária alcança a implementação de políticas sociais e econômicas redutoras dos riscos de doença, acesso universal às ações e serviços de doença, acesso universal às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como o financiamento da saúde pública com recursos de todos os entes integrantes da federação. [...] Por conseguinte, é manifesta a responsabilidade da União e do Estado no fornecimento de medicamentos pleiteados na inicial, mesmo quando a norma legal estabelece diretrizes para descentralização e a administração atribui ao Município o desempenho dessa atividade no âmbito do SUS’ (fls. 103/105)”. 124 Trecho do mesmo julgado, p. 3: “A agravante ajuizou ação objetivando o fornecimento de medicamentos no Juizado Especial Federal Cível de Curitiba/PR, em 9.10.2007, contra a União, o Estado do Paraná e o Município de Curitiba. Narrou na petição inicial que: ‘A autora é portadora de hipertensão, diabetes Mellitus, tipo 2, Osteoporose e artrose e insuficiência da tireoide, e catarata, além de arritmia cardíaca crônica. Como com idade avançada, 78 anos de idade, necessita com urgência dos medicamentos abaixo indicados: 1. Para hipertensão, medicamento Aradois, 50 mg, 1 cp uma vez por dia; 2. Para Diabetes Mellitus tipo 2, medicamento acarbose, 50 mg, 1 cp, três vezes ao dia; 3. Para a osteoporose, medicamento Cálcio caps de 1.000 G, 1 cp ao dia e Sulfato de Glicosamina, caps de 300 mg, 1 cps ao dia; 4. Para insuficiência da tireóide, medicamento Puran T4, 100 CG, 1 cp ao dia.; 5. Para catarata nos olhos, necessita do medicamento Lumigan (colírio) 0,03% e Lacrifilm (colírio). [...] Além destes medicamentos, a autora necessita de fitas para glicemia (exame da diabetes), fita advantage, num total de 25 ao mês e seringas para aplicação de insulina BD, num total de 30 ao mês. O Estado do Paraná negou a medicação, com a justificativa de que não pertencem ao Programa de Medicamentos Excepcionais. O único fornecido é o Puran T4.’ (fls. 175177)”. 125 Trecho do mesmo julgado, p. 6: “Pelo exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela recursal para incluir a União no pólo passivo da ação ajuizada na origem, o que importa na competência do juizado especial federal para o caso, e determinar o fornecimento imediato dos medicamentos indicados na petição inicial até o julgamento final do feito (art. 273 do Código de Processo Civil e art. 21 inc.. V, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) (fls. 140-148, grifos nossos).”. 80 de que são solidárias as entidades públicas no que diz respeito ao direito indisponível à saúde. Por essa tese, com fulcro no art. 196 da Constituição Federal, o recurso foi improvido. O acórdão utilizou-se de vasta sustentação teórica.126-127 De outra banda, menciona-se que é preocupante a grande parte das ações em trâmite em desfavor de municípios que, na maioria, não têm condições de assumir tal ônus, especialmente porque recebem a menor fatia da verba orçamentária, ínfima se comparada à dos respectivos estados e à da União. 8.10 FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES NA LISTA DA ANVISA E NO ROL DAS FARMÁCIAS PÚBLICAS 8.10.1 Na miríade racional da Suprema Corte, deparamo-nos com a ruptura de obstáculos recentemente tidos como intransponíveis pela jurisprudência, de tal sorte que novos tratamentos ainda não inseridos na lista da ANVISA podem ser feitos, desde que haja comprovação da necessidade ao caso em questão. Por 126 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 271.286-8 – RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravada: Cândida Silveira Saibert. Agravada: Dina Rosa Vieira. Agravante: Município de Porto Alegre. Brasília, DF. Julgado em 11.09.2000. Publicado em 24.11.2000. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/779142/agregno-recursoextraordinario-re-agr-271286-rs>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 1.413: “Aduz o ora agravante, ainda, que a decisão agravada, ao deixar de observar ‘a repartição de competência para operacionalização dos serviços de saúde, como forma de gestão financeira de recursos, afronta o princípio federativo da separação dos poderes, bem como o artigo 198 e seu parágrafo único da Constituição Federal, que responsabiliza as três esferas federativas pelo financiamento, ações e serviços de saúde.’ (fls. 574) (Grifo nosso)”. Trecho do mesmo julgado, p. 1.418: “[...] entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado [...]”. Trecho do mesmo julgado, p. 1.419: “Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. (Grifo nosso)”. 127 Trecho do mesmo julgado, p. 1.421: ”Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. (Grifos nosso)”. 81 estes precedentes, o que se reconhece é que a evolução da medicina tem sido muito mais ágil do que a burocracia estatal pode acompanhar. Com isso, o Poder Judiciário e o próprio Estado, por meio de agências ou órgãos ligados à saúde, podem reconhecer que, em um caso específico, faz-se necessário servir-se de outro medicamento ou tratamento ainda não praticado pelo Estado brasileiro, mas que possui o aval da comunidade científica e pode trazer benefícios ao doente. Com o mesmo intuito, tratamentos já disponíveis na rede privada e não praticados pelo poder público, seja pelo alto custo, seja pela inovação tecnológica, quando necessários ao tratamento do jurisdicionado, serão arcados pelo Estado. O Recurso Extraordinário com Agravo de n. 635.381/RS interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul pretendeu a reforma de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do referido estado, em que se concedeu o fornecimento de medicamentos não constante no rol das farmácias públicas. O acórdão assentou a obrigatoriedade de os três entres federativos fornecerem medicamentos solidariamente. Como fundamento, asseverou-se que o direito à saúde deve ser respeitado pelo Estado.128 Ademais, mediante a interposição de Recurso de Agravo de Instrumento n. 817.241/RS, o Estado do Rio Grande do Sul fitou que seja reformada decisão que o obriga a fornecer gratuitamente medicamento não constante no rol das farmácias públicas. A tese da Suprema Corte é que, não obstante o caráter programático do art. 196 da ordem constitucional em vigor, cabe, sim, ao Estado – aqui incluídos União, estados e municípios – fazer valer tal direito diante de iminente risco de se perder a vida.129 128 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo n. 635381/RS. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Requerente: Estado do Rio Grande do Sul. Requerido: Valzumiro Zanatta. Brasília, DF. Julgado em 23.02.2011. Publicado em 05.04.2011. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18674902/recurso-extraordinario-com-agravo-are-635381-rsstf>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 1: “Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Estado não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde para todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à vida, de medicamentos que não esteja na lista daqueles oferecidos gratuitamente pelas farmácias públicas, é dever solidário da União, do estado e do município de fornecê-lo.”. 129 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento n. 817241/RS. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravado: Branca Odete Mendes Acosta. Brasília, DF. Julgado em 30.09.2010. Publicado em 14.10.2010. Disponível em: 82 Outro caso célebre foi o Agravo Regimental na Ação Cautelar n. 2.267/PR, no qual a referida técnica jurídica pretendeu a reconsideração da decisão agravada, no sentido de ratificar a solidariedade dos entes públicos da federação para o fim de fornecer medicamentos. O agravo foi conhecido e provido. Restou resguardado o direito à saúde sob o viés da solidariedade pública.130-131 Em sintonia com o fornecimento obrigatório de medicamento, mencionase ainda julgamento de acórdão no qual o Estado do Espírito Santo almejou reformar decisão que inadmitiu recurso extraordinário mediante interposição dos embargos de declaração132. Tal recurso buscava reformar decisão prolatada inicialmente em mandado de segurança, cujo conteúdo garantia o fornecimento de medicamento ao paciente. O recorrente tentou valer-se de um vício formal para não cumprir a decisão que o obrigava à prestação do medicamento em questão. De outro modo, o julgamento faz questão de assegurar a manutenção do direito à saúde, representado pelo fornecimento da medicação requerida.133 Como, <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+8172 41%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/mby3qfa>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do mesmo julgado, p. 1: “Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Estado não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde para todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à vida, de medicamentos que não esteja na lista daqueles oferecidos gratuitamente pelas farmácias públicas, é dever solidário da União, do estado e do município de fornecê-lo.”. 130 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Ação Cautelar n. 2267/PR Relatora Ministra Cármen Lúcia. Agravante: Valentina Mikulski Babinski. Agravado: União. Estado do Paraná. Município de Curitiba. Brasília, DF. Julgado em 27.04.2011. Publicado em 04.05.2011. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18816013/agreg-na-acao-cautelar-ac-2267-prstf?ref=home>. Acesso em: 16 out. 2013. Ementa do julgado, p. 1: “DECISÃO AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CAUTELAR. RECURSO EXTRAORDINÁRIO ADMITIDO. RETENÇÃO NA ORIGEM. COMPETÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. PEDIDO CAUTELAR: NATUREZA DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DEFERIDOS.”. 131 Trecho do mesmo julgado, p. 6: “O caso é de antecipação dos efeitos da tutela recursal, pois o deferimento de efeito suspensivo ao recurso extraordinário não aproveitaria à Requerente, sucumbente no Juízo singular e na Turma Recursal, conforme decidido por este Supremo Tribunal na Pet 2.702-MC, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 19.9.2003 [...].”. 132 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário n. 523756/ES. Relator Ministro Cezar Peluso. Embargante: Estado do Espírito Santo. Embargado: J.T.D.O. Brasília, DF. Julgado em 21.01.2010. Publicado em 18.02.2010. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+523 756%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/mtnfvdj>. Acesso em: 16 out. 2013. 133 Trecho do mesmo julgado, p. 2: “DECISÃO: 1. Trata-se de embargos de declaração contra decisão do teor seguinte: ‘1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal 83 por exemplo, foi julgado o recurso de Agravo de Instrumento em Recurso Extraordinário de n. 607.381/SC, com o mote de reforma de decisão do tribunal local que concedeu ao jurisdicionado a realização de tratamento médico custoso às expensas da recorrente, o acórdão analisado manteve a decisão ante o argumento de que o fornecimento de medicamento é direito fundamental; não caberia ao Estado impor óbices.134 8.11 EXTENSÃO DO CONCEITO DE DIREITO À SAÚDE 8.11.1 Além disso, estendeu-se o fornecimento de fraldas descartáveis como direito à saúde, garantindo-se aos necessitados o mesmo status constitucional reservado à saúde. Nesse acórdão, o Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação civil pública, com escopo de obrigar o Município de São Paulo a fornecer fraldas descartáveis à adolescente portadora de paralisia cerebral, tetraparalesiaespática e déficit cognitivo. O pleito foi deferido em primeiro grau de jurisdição e depois mantido em segundo grau. Justamente por isso, o Município de de Justiça do Estado do Espírito Santo e assim ementado: ‘MANDADO DE SEGURANÇA – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE – PRINCIPALMENTE QUANDO DEMONSTRA A IMPOSSIBILIDADE ECONÔMICA DE ADQUIRÍ-LOS – SEGURANÇA CONCEDIDA. 1 – O medicamento é adequado e indispensável à patologia do impetrante, pois trata-se de medicação específica para o seu caso. 2 – A lei Fundamental estabelece no seu artigo 196 que saúde é direito de todos e dever do Estado. 3 – Estando o direito à vida e à saúde acima de quaisquer outros, é inadmissível a negativa do medicamento pelo Estado garantidor. 4 – Ordem concedida. (fls. 83). No recurso extraordinário, o recorrente alega violação ao disposto nos arts. 2º, 5º, LIV, 196, da Constituição Federal. 5. Inadmissível o recurso. A recusa do Estado em fornecer o medicamento coloca em risco a saúde de paciente necessitado e representa desrespeito ao disposto no art. 196 da Constituição Federal, que determina ser a saúde direito de todos e dever do Estado. Essa regra constitucional tem por destinatários todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro.’”. 134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 607.381/SC. Relator Ministro Luiz Fux. Agravante: Estado de Santa Catarina. Agravado: Ruth Maria Rosa. Brasília, DF. Julgado em 31.05.2011. Publicado em 17.06.2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+607 381%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+607381%2EACMS%2E%29&base=bas eAcordaos&url=http://tinyurl.com/c4su8fe>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do julgado, p. 209: “O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional.”. 84 São Paulo interpôs o recurso, que resultou no acórdão ora analisado, com fulcro na tese de que fraldas não estariam abrangidas pelo direito à saúde. Não se trataria de direito à saúde, segundo o recorrente. Essa tese foi rechaçada. O recurso foi improvido. Prevaleceu a interpretação extensiva ao direito à saúde com a mantença da decisão anterior, a qual concedia à parte autora a prestação almejada.135-136 8.12 SUPERAÇÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL 8.12.1 No plano dogmático, o debate a respeito da possibilidade ou não de efetivação do direito à saúde pelo Judiciário sempre teve como algoz o postulado da reserva do possível. Resumidamente, significa dizer que os recursos são escassos e as necessidades sociais infinitas. Desta feita, caberia ao Poder Executivo a análise do que é mais importante. Nesta linha, o Estado-juiz não poderia intervir nessas situações justamente porque não haveria recursos; seriam, pois, escassos, o que obrigou o gestor público a concretizar a reserva do possível. Essa forte defesa, reiteradas vezes utilizada como álibi, quer na jurisprudência, quer na teoria, quer pela Administração Pública, é completamente desacreditada pela racionalidade do STF. Isso porque, segundo a Corte, estar-se-ia a tratar de valores constitucionais. 135 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Extraordinário n. 646.235/SP. Relatora Ministra Cármen Lúcia. Requerente: Município de São Paulo. Requerido: Ministério Público do Estado de São Paulo. Brasília, DF. Julgado em 01.08.2011. Publicado em 05.08.2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARE%24%2ESCLA%2E+E+64 6235%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/mcc3do2>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do julgado, p. 2: “O recurso extraordinário foi interposto contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: ‘Apelação Cível – Reexame necessário e recurso voluntário pela municipalidade de São Paulo – Ação Civil Pública – Procedência para obrigar a Municipalidade a fornecer fraldas descartáveis à adolescente com paralisia cerebral, tetraparesia espática e déficit cognitivo – Preliminares de ilegitimidade afastadas – A proteção integral, de acordo com a inteligência dos artigos 1º e 11, §2º, da Lei 8.069/90 (ECA), à adolescente necessitada, justifica o fornecimento gratuito do item, de acordo com orientação médica – Inadmissibilidade de argumentos que vejam na atuação do Judiciário, ao prestigiar direitos prioritários de crianças e adolescentes, indevida intromissão na esfera de atuação do Executivo – Multa cabível nos termos do art. 213, §2º, do ECA e aplicada com modicidade. Recursos desprovidos' (fls. 209).“. 136 Trecho do mesmo julgado, p. 2: “Assevera que ‘não há qualquer ligação entre fraldas e direito à saúde e à vida’ e que ‘não sendo medicamento, não há que se falar em direito público subjetivo oriundo diretamente da Constituição’ (fl. 328). (Grifo nosso)”. 85 O debate deve manter-se nesse nível e não se realizar em grau inferior, no qual questões secundárias como as financeiras venham a tomar papel de destaque, consoante afirma o Ministro Gilmar Mendes, entre outros, no Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/PE137. Ou mesmo em nível mais ideológico, como faz o Ministro Marco Aurélio no RE 368.564-DF138, quando pontuou a sua irresignação como contribuinte, cidadão e juiz pela inércia do Estado, com a ironia de que a concessão do tratamento não deixaria a viúva mais pobre. Deste mesmo acórdão, convém trazer à baila os enunciados postos pelos Ministros Ayres Britto e Luiz Fux, nos seguintes termos: o Ministro Britto explana sobre a comodidade da reserva do possível para o Estado. Tornou-se uma desculpa cômoda. 8.12.2 Em sintonia, o Ministro Fux remonta ao seu posicionamento da época que era Desembargador no TJRJ, depois Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para, enfim, como Ministro do STF, continuar a votar a favor da efetividade da saúde, com a constatação de que a jurisprudência da Suprema Corte é muito ampliativa quando se trata do tema. Vai mais além: traz ao debate a tese da anatomia da esperança, a qual, nos dizeres do prêmio Nobel de Medicina, o Professor Jerome Groopman, provoca nos pacientes a emissão de uma enzima que pode prolongar a vida. Por adotá-la, o Ministro Fux é a favor de que o Estado proporcione aos doentes todo tratamento que venha a alimentar essa esperança, por estar estritamente ligada à dignidade da pessoa humana. Noutro caso, em que a reserva do possível não encontrou êxito, o Estado do Amazonas interpôs recurso extraordinário com fundamento na reserva do possível, em face de acórdão que concedeu ao jurisdicionado o direito ao 137 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/ PE. Relator Ministro Gilmar Mendes. Agravante: Estado de Pernambuco. Agravado: União. Ministério Público Federal. Ministério Público do Estado de Pernambuco. Município de Petrolina. Brasília, DF. Julgado em 17.03.2010. Publicado em 30.04.2010. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9087061/agreg-na-suspensao-de-liminar-sl-47-pe>. Acesso em: 16 out. 2013. 138 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 368.564/DF. Relator Ministro Marco Aurélio. Requerente: União. Requerido: Maria Euridice de Lima Casale. Brasília, DF. Julgado em 13.04.2011. Publicado em 10.08.2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+368 564%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+368564%2EACMS%2E%29&base=bas eAcordaos&url=http://tinyurl.com/k59qe3j>. Acesso em: 16 out. 2013. 86 fornecimento de medicação. Contudo, a decisão monocrática da Suprema Corte analisada posiciona-se de encontro com a referida reserva do possível. Positiva que a aludida reserva deve estar limitada ao atendimento do mínimo existencial.139 8.12.3 A reserva do possível não tem encontrado guarida nem mesmo com os ministros mais conservadores no que diz respeito à atuação jurisdicional, como o faz o Ministro Ricardo Lewandoski, de cuja lavra se destaca o Recurso Extraordinário n. 628.293-DF140, quando se manteve a assertiva de que a reserva do possível deve limitar-se ao mínimo existencial. Neste caso específico, o Estado do Amazonas interpôs recurso extraordinário com o mote de ver reformado acórdão que o obrigava a fornecer medicamentos. Na sua fundamentação, o recorrente, com base na escassez de recursos e na necessidade do chamamento da União ao processo, pretendia que seu pleito fosse julgado pela Justiça Federal, o que foi indeferido, inclusive monocraticamente pelo relator, com a justificativa de que o jurisdicionado pode exigir de qualquer dos entes estatais a efetivação do direito à saúde e que essa solidariedade não pode, nunca, ser utilizada como óbice à sua concretude. Chama atenção a decisão ter sido proferida monocraticamente, o que denota como a questão é pacífica, mesmo que o relator inicialmente julgasse o direito à saúde com preocupação de usurpação de poderes. No julgamento do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 393.175-0-RS141, a lide girou em torno do fornecimento de medicamentos gratuitos 139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 628293/DF. Relator Ministro Ricardo Lewandoski. Requerente: Estado do Amazonas. Requerido: Ministério Público do Estado do Amazonas. Brasília, DF. Julgado em 02.08.2011. Publicado em 04.08.2011. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22925013/recurso-extraordinario-re-628293-df-stf>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do julgado, p. 2: ”O direito à saúde é direito constitucionalmente garantido; A reserva do possível está limitada pelo atendimento do mínimo existencial; Sendo o direito a saúde reconhecido como fundamental e de cunho positivo não pode o Estado fazer qualquer alegação para o seu descumprimento.”. 140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 628293/DF. Relator Ministro Ricardo Lewandoski. Requerente: Estado do Amazonas. Requerido: Ministério Público do Estado do Amazonas. Brasília, DF. Julgado em 02.08.2011. Publicado em 04.08.2011. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22925013/recurso-extraordinario-re-628293-df-stf>. Acesso em: 16 out. 2013. 141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 393.175–O – RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravada: Luiz Marcelo Dias e outro (A/S). Brasília, DF. Julgado em 12.12.2006. Publicado em 02.02.2007. Disponível em: 87 para portador do vírus HIV. O Estado se serve do argumento da escassez de recurso para negar o pleito de fornecimento da medicação. O decisum, relatado pelo Ministro Celso de Mello, enfrentou a questão desqualificando os argumentos estatais à luz da efetividade do direito à saúde, como corolário do direito à vida. Os argumentos do Estado foram tipificados de mesquinhos e secundários diante do problema proposto.142 Sobreleva também comentar mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público do Estado do Ceará, em que se pleiteou o fornecimento de medicamento de elevado valor econômico para dois portadores de doença rara, rotulada como Hemoglobinúria. Em sede de liminar, o mandamus foi deferido. Consequentemente, o Estado do Ceará pleiteou a suspensão da medida ao Presidente do STF sob o fundamento de grave dano à economia do estado cearense, haja vista o elevado valor do tratamento. O acórdão decidiu no sentido de que o alto custo de medicação, por si só, não é motivo hábil a fundamentar o deferimento da suspensão da liminar.143-144 <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+393 175%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+393175%2EACMS%2E%29&base=bas eAcordaos&url=http://tinyurl.com/b53du76>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do julgado, p. 1.524: “A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.”. Trecho do mesmo julgado, p. 1.525: “DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, À PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, ‘caput’, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (Grifo nosso)”. 142 Trecho do mesmo julgado, p. 1.529: “Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, ‘caput’ e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. (Grifo nosso)”. 143 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Segurança n. 4304/CE. Relator Ministro Cezar Peluso. Requerente: Estado do Ceará. Requerido: Relator do MS. Impetrante: Ministério Público do Estado do Ceará. Brasília, DF. Julgado em 19.04.2011. Publicado em 02.05.2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28SS%24%2ESCLA%2E+E+430 4%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/luhdqpx>. Acesso em: 16 out. 2013. Trecho do julgado, p. 1: “Na origem, o Ministério Público do Ceará, impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, para garantir a Monique Sobreira de Carvalho Moreira e Tiago Moura Sobreira Bezerra, portadores de doença rara denominada Hemoglobinúria.”. Trecho do mesmo julgado, p. 2: “De acordo com o regime legal de contracautela (Leis nos 12.016/09, 8.437/92, 9.494/97 88 8.13 MINISTROS PRÓ-ATIVOS 8.13.1 Além do todo o relatado, indiretamente, a coleta dos dados empíricos, por meio da pesquisa realizada no sítio do STF, denotou uma Corte de Justiça voltada a julgar casos de interesse da sociedade. Ilustrativamente, vale citar casos que ganharam grande repercussão na mídia: extensão do poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cotas raciais em universidades públicas, aborto de fetos sem cérebro e união civil de pessoas do mesmo sexo. Essa aproximação dos grandes temas sociais fez com que o cidadão comum tivesse mais interesse em acompanhar os julgamentos da Corte e, por conseguinte, buscasse entender a sua forma de raciocinar. Tal interesse teve o seu ápice com o julgamento do mensalão, o que proporcionou ao Supremo, nas palavras da imprensa: “um ano pop”. A visibilidade mais que duplicou em 2012. As citações do STF na mídia tiveram um acréscimo de mais de 116%.145 De resto, ventila-se ainda que a racionalidade do STF em direito à saúde materializa a postura dos ministros de uma atuação pró-ativa, diversa dos contornos tradicionais, ligadas propriamente a um magistrado inerte – quase compassivo, de modo que não são poucas as críticas recebidas, também em razão dessa postura, com a acusação de uma Corte política, seguida da pecha de usurpadora de poderes do sistema político. Sem menoscabo às premissas adotadas pelas críticas, no que diz respeito ao objeto de pesquisa, sob o ponto de vista interno do direito, fulgura-se e art. 297 do RISTF), compete a esta Presidência suspender execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.”. 144 Trecho do mesmo julgado, p. 3: “Nesses termos, verifico que a Corte, no julgamento das STAS nº 244-AgR e 175 – AgR (Min. GILMAR MENDES, DJE de 30.4.2010) fixou parâmetros que devem nortear o julgador na solução de conflitos que envolvem questões relativas ao direito à saúde. Dentre os critérios fixados, destaco a vedação imposta à Administração Pública no tocante ao fornecimento de medicamento que não possua registro na ANVISA. É que, conforme as informações prestadas pela ANVISA, o fármaco SOLIRIS (eculizumabe) não possui registro no Ministério da Saúde.”. Trecho do mesmo julgado, p. 4: “Ademais, o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo suficiente para caracterizar a ocorrência de grave lesão à economia e à saúde públicas, visto que a Política Pública de Dispensação de Medicamentos excepcionais tem por objetivo contemplar o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis.”. 145 FERREIRA, Flávio. Visibilidade do Supremo mais que duplica. Folha de São Paulo. A 10. 13.01.2013. 89 que a racionalidade em questão manteve-se precipuamente como jurídica. Neste ensejo, ficou claro que há todo um arcabouço dogmático utilizado como supedâneo da tomada de decisões. E isso porque, mormente nos acórdãos paradigmas, a preocupação de se externar a forma de julgar e o porquê daquele decidir chega às minúcias para uma decisão judicial. 8.14 MINISTROS PARADIGMAS EM DIREITO À SAÚDE Dentro do material empírico coletado, denota-se claramente a luta dialética em torno da natureza jurídica e da extensão do direito à saúde. Como consequência desse processo, pouco a pouco, o ideário de saúde como programa a ser atingido pelo Estado num futuro distante, quase que utópico, vai saindo de cena, para, então, paulatinamente, adentrar o palco a busca pela sua concretude. Nessa luta, o paradigma da separação dos poderes, num viés liberal, teve de ser rompido a fim de se forjar um novo, mais próximo do social e participativo. No entanto, destacase que o seu torneio ainda está em franca ebulição. O futuro de como veremos a relação entre os poderes republicanos é pouco previsível. Certas, porém, são a elevada complexidade social e a sua contingência como fatores de influência constante. Ademais, reportando-nos ao instigante material coletado, chama atenção o papel exercido por três atores igualmente importantes, os quais, por suas atuações intelectuais e de liderança na Suprema Corte, romperam paradigmas e cunharam novos valores de postura judicial diante dos demais poderes, de interpretação das normas constitucionais programáticas, de direito público subjetivo indisponível, de concretude da norma constitucional. São eles: os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Gilmar Ferreira Mendes. 90 8.14.1 Ministro Celso de Mello O Ministro Celso de Mello foi nomeado em 30 de junho de 1989 como Ministro da Excelsa Corte e empossado em 17 de agosto de 1989, oriundo da carreira do Ministério Público do Estado de São Paulo. É o atual ministro decano da referida Corte. No que diz respeito à pesquisa, identificou-se com um papel fundamental na própria formação do conceito de direito à saúde como direito público subjetivo indisponível e também no ideário de que as normas programáticas não podem tornar-se promessa inconsequente. Para compreender a magnitude da sua atuação, não é demais remontar à guinada constitucional que pretendiam os constituintes de 1988, quando brindaram o país com uma nova Carta Magna, repleta de direitos, conceitos novos e uma vasta e conflitante base ideológica. Simbolicamente, forjou-se uma carta de direitos para uma nação com uma ainda frágil democracia, pouco desenvolvimento e socialmente heterogênea. Exatamente nesse cenário, tomou posse José Celso de Mello Filho. Discreto na sua vida pessoal e nas suas falas, gradativamente, o ministro foi impondo ideologicamente uma nova racionalidade na forma de julgar o direito à saúde e as normas programáticas. A bem da verdade, teve a lucidez de pensar fora do seu tempo, ir além, propriamente forjando – numa construção histórica – o conceito de direito à saúde indisponível, mesmo diante da incapacidade estatal. Durante esse percurso, o Ministro Celso de Mello deparou-se com paradigmas extremamente difíceis de serem rompidos, dos quais, é nítida e necessária a constatação de que o STF é, sim, uma Corte de forte dimensão política, consoante se aduz do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45/DF146. Consequentemente, há a constatação de que o Poder Judiciário tem legitimidade para a implementação de políticas públicas, quando configurada a abusividade da atuação ou mesmo da não atuação estatal. Talha-se, nesse prisma, uma nova perspectiva ao conservador princípio da separação dos poderes, como o próprio ministro grafa, no citado julgado: 146 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 45 – MC/DF. Relator Ministro Celso de Mello. Brasília, DF. Julgado em 29.04.2004. Publicado em DJU 04.05.2004, p. 4-5. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo345.htm>. Acesso em: 20 set. 2013. 91 [...] parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. A influência do Ministro Celso de Mello nos julgamentos em direito à saúde materializa-se reiteradamente nas decisões da Suprema Corte como paradigma propriamente dito; quer dizer: um ponto de partida seguro, confiável e respeitado. São inúmeros exemplificadamente, as os precedentes seguintes decisões: nessa Agravo linha, de valendo citar, Instrumento n. 507.072/MG147 – Relator Ministro Joaquim Barbosa, Agravo de Instrumento n. 597.182-AgR/RS148 – Relator Ministro Cezar Peluso e Agravo de Instrumento n. 607.646/SC149 – Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Nas três decisões, serve como paradigma o Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 271.286/RS da relatoria do Ministro Celso de Mello. Dentro do material coletado, essa decisão, no que diz respeito ao fornecimento de remédio, é lugar-comum, citado muitas vezes. Nos acórdãos em comento, nos dois primeiros, legitimou-se o bloqueio de valores dos cofres públicos a fim de assegurar o fornecimento gratuito de remédios. No último, o ministro fundamentou decisão que garantia medicamento especial para tratamento de doença conhecida como Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). O reiterado acórdão AgR n. 271.286-RS, relado pelo Ministro Celso de Mello, foi proferido em 19 de setembro de 2000, num cenário racional muito adverso se comparado ao atual da Suprema Corte. Naquele momento, ainda era forte uma racionalidade voltada para a pouca intervenção do Poder Judiciário em direitos sociais; mas é verdade, por outro lado, que o direito à vida já contava com um 147 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI n. 507.072 – MG. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Brasília, DF. Julgado em 30.05.2006. Publicado em DJU 03.08.2006. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+5070 72%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/omga9mt>. Acesso em: 16 out. 2013. 148 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgR n. 597.182– RS. Relator Ministro Cesar Peluso. Brasília, DF. Julgado em 10.10.2006. Publicado em DJU 06.11.2006. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+5971 82%2ENUME%2E%29+OU+%28AI%2EACMS%2E+ADJ2+597182%2EACMS%2E%29&base=baseA cordaos&url=http://tinyurl.com/a8z6y88>. Acesso em: 16 out. 2013. 149 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI.n. 607/646 – SC. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, DF. Julgado em 15.09.2006. Publicado em DJU 02.10.2006. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=189&dataPublicacaoDj=02/10/200 6&incidente=2387166&codCapitulo=6&numMateria=143&codMateria=3>. Acesso em: 16 out. 2013. 92 tratamento diferenciado. Enquanto isso, as demais perspectivas do direito à saúde ainda eram vistas com reserva, ancoradas na aplicação do princípio da separação dos poderes, em nítido viés liberal. O famoso decisum alude ao fornecimento de medicamentos para combater a HIV/AIDS. Em síntese, o Ministro Celso de Mello inseriu no debate processual daquele processo conceitos como direito público subjetivo à saúde, acenando que a interpretação da norma constitucional programática não pode transformá-la em promessa inconsequente, com o arauto de garantir que o direito à saúde seja resguardado. 8.14.2 Ministro Marco Aurélio Mello Marco Aurélio de Farias Mello foi empossado como Ministro da Corte Suprema em 13 de junho de 1990. Teve rápida passagem na advocacia e no Ministério Público do Trabalho. Atuou como juiz do trabalho de 1978 a 1981, quando tomou posse como ministro no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Também, em razão de sua atuação profissional anterior ao STF ter sido essencialmente ligada ao direito do trabalho, ideologicamente sempre teve uma postura jurisdicional mais voltada ao Estado Social do que ao Liberal. O assistencialismo sempre esteve presente em seus votos e, por vezes, não procurou buscar consistência teórica em seus votos, talvez por acreditar na simplicidade de escolha entre os valores em litígio. Pautou-se o ministro muito mais pela busca de um fim que acreditava ser o mais justo. As atuações do ministro em direito à saúde tipificam-se como um sentimento puro, de fundo ideológico. Sua postura é sempre em favor da concretude do direito em comento, como se só existisse uma opção a ser escolhida, até por esse motivo, despreocupada em demonstrar uma refinada justificativa constitucional. Na verdade, tem um posicionamento rígido, irrenunciável, que contribuiu para a formação da racionalidade atual da Suprema Corte. Seu papel foi importante porque marcou uma postura ideológica forte em favor da quebra do paradigma da separação dos poderes como máxima liberal. Em sintonia com o exposto supra e à luz da releitura dos votos do Ministro Marco Aurélio de Mello, os seus argumentos deparam-se com uma verbalização 93 emocional, chegando, em algumas situações, a um desabafo. Nota-se que nos argumentos deste ministro, o homem da lei fica de lado para defender o jurisdicionado que se sente injustiçado com as promessas constitucionais não cumpridas, a ponto de se extrair dos seus votos máximas como: “a viúva não ficará mais pobre”. No aspecto, vale transcrever: ’O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Estou desprovendo e mantendo o acórdão. O recurso é da União. Certamente, com esse tratamento. A viúva não ficará mais pobre!’. [...] Essa denominada reserva do possível, no tocante ao Estado, leva-me à indignação como contribuinte, como cidadão, como juiz, pois, se for realmente empolgada e aceita, teremos desculpa para tudo, porquanto, desde que me conheço, o Estado, em que pese a grande carga tributária, luta contra escassez de receita, mas luta porque tem despesas excessivas, principalmente com a máquina administrativa e a dívida interna.150 8.14.3 Ministro Gilmar Ferreira Mendes 8.14.3.1 Antes do ingresso do Ministro Gilmar Ferreira Mendes no STF já havia em curso nesta Corte o debate em torno do direito à saúde e da sua concretude por meio de decisões judiciais, bem como uma racionalidade direcionada no sentido da sua efetivação, quando omissos os demais poderes da República e configuradas situações excepcionais. No entanto, não obstante o palco do debate ser a Corte Constitucional, boa parte das discussões e das justificativas para a concessão gravitava muito mais em torno do debate infraconstitucional do que propriamente das discussões constitucionais, como se pode evidenciar nos Agravos de Instrumentos n. 232.469-RS151 e n. 238.328-RS152, ambos relatados pelo Ministro Marco Aurélio. 150 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 368.564/DF. Relator Ministro Marco Aurélio. Requerente: União. Requerido: Maria Eurídice de Lima Casale. Brasília, DF. Julgado em 13.04.2011. Publicado em 10.08.2011, respectivamente, p. 81, 85. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+368 564%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+368564%2EACMS%2E%29&base=bas eAcordaos&url=http://tinyurl.com/k59qe3j>. Acesso em: 16 out. 2013. 151 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de instrumento n. 232.469/RS. Relator Ministro Marco Aurélio. Requerente: Município de Porto Alegre. Requerido: Loreni de Fátima Santos Serpa. Brasília, DF. Julgado em 12.12.1998. Publicado em 23.02.1999. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+2324 69%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/nd7prs9j>. Acesso em: 16 out. 2013. 94 Nesses arestos, garantiu-se o fornecimento de medicamentos por parte do Município de Porto Alegre, em que pese a argumentação do ente público agravante, no sentido da não regulamentação legal da obrigatoriedade do fornecimento dos remédios. Contudo, buscou-se fundamento na existência de outros convênios entre os poderes públicos e em legislações estaduais, mesmo que implicitamente, e, ao final do decisum, fez-se menção à Constituição Federal. Desse modo, da sua leitura não se extrai uma elevada consistência “teórico-constitucional” a respeito do litígio a ser dirimido. Em similar contexto, enfileira-se o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 273.042-4/RS153, da relatoria do Ministro Carlos Velloso. Aqui, o Município de Porto Alegre também leva seu pleito à Corte Suprema com o propósito de imediatamente cessar a sua obrigação de fornecer medicamento ao recorrido sob a justificativa de que a obrigação é do Estado do Rio Grande do Sul. O recurso, igualmente, foi indeferido, porém, ainda sem uma justificativa em nível constitucional. Pelo seu teor, garantiu-se o direito à saúde, mas sem bem saber o porquê; quase que numa perspectiva puramente ideológica. Com esse mesmo diapasão, tem-se o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 255.627-RS (o Ministro Nelson Jobim foi o relator), cuja fundamentação, além de não ter consistência teórico-constitucional, inclinando-se por uma postura meramente ideológica, mais próxima da comunicação política do que da jurídica, serve-se meramente de precedentes similares, numa destacada simplificação da questão. Por outro lado, extraindo-se a questão ideológico-político, a racionalidade se aproxima do common law, todavia, numa versão mais empobrecida. 152 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de instrumento n. 238.328/RS. Relator Ministro Marco Aurélio. Requerente: Município de Porto Alegre. Requerido: Ana Luiza Soares de Carvalho. Brasília, DF. Julgado em 16.11.1999. Publicado em 18.02.2000. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+2383 28%2ENUME%2E%29+OU+%28AI%2EACMS%2E+ADJ2+238328%2EACMS%2E%29&base=baseA cordaos&url=http://tinyurl.com/p39qk6b>. Acesso em: 16 out. 2013. 153 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 273.042/RS. Relator Ministro Carlos Velloso. Requerente: Município de Porto Alegre. Requerido: Carlos Alfredo de Souza Luize. Brasília, DF. Julgado em 28.08.2001. Publicado em 11.09.2001. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335726>. Acesso em: 16 out. 2013. 95 8.14.3.2 Outro aspecto notado nesse cenário “Pré-Ministro Gilmar” alude ao fato de que a intervenção do Judiciário é bem definida em questões extremas, como o tratamento de AIDS, conforme se pode ver no acórdão do Recurso Extraordinário n. 236.644/RS154, que teve como relator o Ministro Maurício Corrêa. A propósito, a Corte Suprema atuava em casos de vida e morte, situações extremas que reclamavam o básico como remédio para a AIDS. Nesse cenário, já havia uma racionalidade no apreço da concretude do direito à saúde, notadamente pelas intervenções do Ministro Celso de Mello. Em razão de todo o exposto, com o fito de analisar um julgado que abarque as duas perspectivas, isto é, a da abordagem infraconstitucional (neste caso aliada a pouca consistência teórico-constitucional) e a da busca da concretude do direito à saúde em razão da visualização de casos de vida e morte, confere-se o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 259.508-RS155 (Relator Maurício Corrêa), publicado em 16 de fevereiro de 2001. Ou ainda, quando o tratamento do paciente exigia que ele ficasse em quarto separado, rotulado nos precedentes como “Diferença de Classe sem Ônus para o SUS”; quer dizer: os médicos constataram que era preciso que o paciente ficasse internado em quarto privativo e o doente propôs pagar a diferença. Curiosamente, o Estado não aceitava essa situação. Vedava-se o quarto privativo, mesmo com o pagamento do excedente. Há vários acórdãos nessa linha, dos quais se destacam: Recurso Extraordinário n. 207.9707/RS (Relator Ministro Moreira Alves), Recurso Extraordinário n. 226.835-6/RS (Relator Ilmar Galvão) e Recurso Extraordinário n. 255.086-8/RS (Relatora Ministra Ellen Gracie). 154 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 236.644/RS. Relator Ministro Maurício Corrêa. Requerente: Município de Porto Alegre. Requerido: Carlos Alberto Ebeling Duarte. Brasília, DF. Julgado em 05.08.1999. Publicado em 03.09.1999. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+236 644%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/nmwr2n3>. Acesso em: 16 out. 2013. 155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 259.508/RS. Relator Ministro Maurício Corrêa. Requerente: Município de Porto Alegre. Requerido: Patrício Palácio de Souza. Brasília, DF. Julgado em 08.08.2000. Publicado em 16.02.2001. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+236 644%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/nmwr2n3>. Acesso em: 16 out. 2013. 96 Desse quadro, exsurge as questões: qual direito à saúde foi garantido? O de pagar a diferença? Por esse cenário também é possível se analisar o nível de cidadania que se encontrava no Brasil. Gilmar Mendes tomou posse como Ministro do STF em 20 de junho de 2002. Antes disso, porém, desenvolveu forte pesquisa acadêmica, especialmente em direito constitucional. O magistrado cursou Mestrado e Doutorado na Alemanha, e exercia a docência (ainda exerce), na mesma área, na Universidade de Brasília (UnB), consoante se pode examinar do curriculum vitae disponibilizado no próprio site do Tribunal156: Uma análise mais detalhada em seu currículo denota uma forte formação acadêmica voltada justamente às questões constitucionais. Além da atuação como ministro-julgador propriamente dito, Gilmar Mendes deixou a sua marca no direito à saúde, durante o exercício da Presidência do STF, seja pela importante convocação da audiência pública sobre judicialização da saúde, seja pela construção teórica grafada nos julgamentos de recursos para suspensão de segurança, suspensão de tutela antecipada e suspensão de liminar de competência privativa da Presidência, como ofertado na Suspensão de Liminar n. 47-AgR/PE157 e na Suspensão de Tutela Antecipada n 175-AgR/CE158. No primeiro caso, o então Presidente da Suprema Corte – Ministro Gilmar Ferreira Mendes – convocou uma audiência pública para ouvir médicos, gestores públicos, membros da sociedade civil etc., com o condão de coletar informações sobre o problema da saúde e da sua judicialização no Brasil. A audiência ocorreu nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6, e 7 maio de 2009.159 Pelo teor dos depoimentos colhidos de diferentes 156 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Gilmar Ferreira Mendes. Curriculum Vitae. 2008. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobreStfComposicaoComposicaoPlenariaApresentacao/anexo/ cv_gilmar_mendes_2008maio06.pdf>. Acesso em: 24 set. 2013. 157 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/ PE. Relator Ministro Gilmar Mendes. Agravante: Estado de Pernambuco. Agravado: União. Ministério Público Federal. Ministério Público do Estado de Pernambuco. Município de Petrolina. Brasília, DF. Julgado em 17.03.2010. Publicado em 30.04.2010. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9087061/agreg-na-suspensao-de-liminar-sl-47-pe>. Acesso em: 16 out. 2013. 158 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 AgR/CE. Relator Ministro Gilmar Mendes. Agravante: União. Agravado: Ministério Público Federal. Clarice Abreu de Castro Neves. Município de Fortaleza. Estado do Ceará. Brasília, DF. Julgado em 17.03.2010. Publicado em 30.04.2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610255>. Acesso em: 16 de outubro de 2013. 159 Vide BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Audiências públicas realizadas. Judicialização do direito à saúde. Disponível em: 97 setores, concluiu-se que já existem inúmeras políticas públicas em direito à saúde, nos mais diversos aspectos, de modo que não se trataria propriamente de judicialização das políticas públicas, uma vez que já estavam em atividade (haviam sido implantadas), mas sim da necessidade de intervenção do Judiciário quando elas se mostraram inefetivas. Portanto, por meio de decisões judiciais, buscar-se-ia a concretude social das políticas já em vigor e não haveria de se falar em sua criação pelas decisões suprarreferidas. Com a mesma importância histórica dada ao tema, o Ministro Gilmar enfrentou a questão quando relatava os inúmeros casos de pedidos de suspensão de decisões liminares. Dessa gama, destaca-se o Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/PE, oportunidade em que trouxe a lume uma vasta leitura sob o tema, para forjar, dentro da Corte, o conceito de direito à saúde como direito fundamental, o que invariavelmente produziu um aumento de consistência teórica ao julgamento, influenciando sobremaneira os demais ministros nos novos julgamentos sobre a mesma temática. Nesse sentido, aos olhos da tese, destaca-se como relevante a assertiva do Ministro Eros Grau, no mesmo julgamento, em que categoricamente afirmou, na página 62: “O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: Presidente, vou acompanhar Vossa Excelência [o Ministro Gilmar Mendes], sem dúvida, e não posso deixar de dizer da alta qualidade do voto proferido, que certamente vai ficar marcado neste Tribunal.”. Com base no exposto, exorta-se que a racionalidade jurídica trata-se mesmo de um processo de semiose comunicacional em favor de uma maturidade constitucional inerente a países novos como o Brasil. Muito já se percorreu, mas a situação social e sobretudo o porvir exigem que a caminhada continue, sempre, e sempre. <http://www.stf.jus.br/portal/audienciaPublica/audienciaPublica.asp?tipo=realizada>. Acesso em: 19 set. 2013. 98 8.15 AUDIÊNCIA PÚBLICA: “JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE” 8.15.1 Na condição de Presidente do STF, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, com fulcro na Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante a Suprema Corte, e no seu Regimento Interno, alterado pela Emenda Regimental n. 29, de 18 de fevereiro de 2009, a qual modificou parte dos artigos 13, 21, 154 e 363, convocou audiência pública para buscar esclarecimentos de especialistas de diversos setores, a fim de forjar material para dar supedâneo aos julgamentos de concretização do direito à saúde levados, naquele momento, ao Tribunal Supremo, com destaque para: Suspensão de Liminar n. 47, Suspensão de Liminar n. 64, Suspensão de Tutela Antecipada n. 36, Suspensão de Tutela Antecipada n. 185, Suspensão de Tutela Antecipada n. 211, Suspensão de Tutela Antecipada n. 278, Suspensão de Segurança n. 2.361, Suspensão de Segurança n. 2.944, Suspensão de Segurança n. 3.345 e Suspensão de Segurança n. 3.355, de competência da Presidência. Para entender a dimensão e a interdisciplinariedade da proposta, é recomendável transcrever e comentar as sessões, nos termos que foram concebidas, consoante os quadros que seguem. 99 Quadro 1 – Primeiro dia da Audiência Pública 27 DE ABRIL DE 2009 – SEGUNDA-FEIRA O ACESSO ÀS PRESTAÇÕES DE SAÚDE NO BRASIL – DESAFIOS AO PODER JUDICIÁRIO Sessão de Abertura: Ministro Gilmar Mendes, Presidente do STF; Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República; Ministro José Antônio Dias Toffoli, Advogado-Geral da União; Leonardo Lorea Mattar, Defensor Público-Geral da União em exercício; Alberto Beltrame, Secretário de Atenção da Saúde do Ministério da Saúde; Flávio Pansiere, representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Marcos Salles, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB; Ingo W. Sarlet, Professor Titular da PUC/RS e Juiz de Direito; Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Ministro do Supremo Tribunal Federal; Encerramento - Ministro Gilmar Mendes. Fonte: Supremo Tribunal Federal160 Como era de se esperar, o primeiro dia da audiência pública volveu-se em torno de uma introdutória problematização do tema, com a preocupação de externar uma visão geral da saúde fornecida (imposta) por meio de decisões judiciais. Em síntese, concluiu-se que a saúde pública vem sendo redirecionada pelo Poder 160 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. O acesso às prestações de saúde no Brasil – Desafios ao Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cro nograma>. Acesso em: 22 out. 2013. 100 Judiciário. De fato, a quantidade de decisões e, muitas vezes, a complexidade logística e financeira das medidas determinadas e fornecidas ao jurisdicionado (regra geral, medicamentos e tratamentos caros) impuseram outra lógica à Administração Pública. Pela leitura dos depoimentos transcritos, torna-se quase lugar-comum que a forma como o Poder Judiciário tem atuado, acaba por prejudicar o universal em favor do particular. Exemplos nesse sentido há muitos, como o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n. 198/MG161, indeferido pelo STF, no qual se pediu a suspensão da decisão antecipatória dos efeitos da tutela jurisdicional concessiva de medida que obrigou o Estado a arcar com um tratamento de doença rara e degenerativa no importe de dois milhões e seiscentos mil de reais (R$ 2.600.000,00). Também se citou o julgamento, pelo plenário da Corte, do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n. 223162, em que se decidiu no sentido de garantir ao jurisdicionado o fornecimento de medicamento no importe de cento e cinquenta mil dólares (US$150.000). Durante as exposições dos convidados, o Professor Ingo Sarlet chegou a afirmar que não existe, em termos quantitativos e qualitativos, atuação similar no direito comparado. Ao fim da sessão, ficou a ressalva de que é preciso repensar a forma de garantir o direito à saúde. 161 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada n. 198/MG. Relator Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Estado de Minas Gerais. Requerido: Relator do Agravo de Instrumento nº 2007.01.00.043356-3 do Tribunal Federal Regional da 1ª Região. União. Município de Belo Horizonte. Brasília, DF. Julgado em 22.12.2008. Publicado em 03.02.2009. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA%24%2ESCLA%2E+E+19 8%2ENUME%2E%29&base=basePresidencia&url=http://tinyurl.com/obe847x>. Acesso em: 16 out. 2013. 162 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada n. 223/PE. Relatora Ministra Ellen Grace. Requerente: Estado de Pernambuco. Requerido: Relator do Agravo de Instrumento nº 0157690-9 do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Brasília, DF. Julgado em 12.03.2008. Publicado em 18.03.2008. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA%24%2ESCLA%2E+E+22 3%2ENUME%2E%29&base=basePresidencia&url=http://tinyurl.com/aj28lcv>. Acesso em: 16 out. 2013. 101 Quadro 2 - Terceiro dia da Audiência Pública 29 DE ABRIL DE 2009 – QUARTA-FEIRA GESTÃO DO SUS – LEGISLAÇÃO DO SUS E UNIVERSALIDADE DO SISTEMA Abertura - Ministro Gilmar Mendes; Adib Domingos Jatene, Ex-Ministro da Saúde e Diretor-Geral do Hospital do Coração em São Paulo; Osmar Gasparini Terra, Presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde – CONASS Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal, e Cátia Gisele Martins Vergara, Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal, representantes da Associação Nacional do Ministério Público de Contas; Vitore Maximiano, Defensor Público do Estado de São Paulo; Jairo Bisol, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde; Paulo Ziulkoski, Presidente da Confederação Nacional dos Municípios (apresentação em PowerPoint); Ana Beatriz Pinto de Almeida Vasconcellos, Gerente de Projeto da Coordenação Geral da Política de Alimentos e Nutrição do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (apresentação em PowerPoint); Cleusa da Silveira Bernardo, Diretora do Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas do Ministério da Saúde (apresentação em PowerPoint); Alexandre Sampaio Zakir, representante da Secretaria de Segurança Pública e do Governo de São Paulo; Encerramento - Ministro Gilmar Mendes. Fonte: Supremo Tribunal Federal163 163 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Gestão do SUS – Legislação do SUS e universalidade do sistema. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cro nograma>. Acesso em: 22 out. 2013. 102 No terceiro dia de sessão, a atenção voltou-se para os números apresentados pelo Presidente do Conselho Municipal dos Secretários Municipais de Saúde. O Senhor Antônio Carlos Figueiredo Nardi apresentou um comparativo do Brasil com os gastos ordinários com saúde nos EUA e a média geral dos países desenvolvidos. A diferença é alarmante. Enquanto, no Brasil, gastam-se 8% do PIB com saúde, os EUA gastam 15%. A média geral dos países desenvolvidos é 10%. Por outro critério, tem-se que o valor per capita gasto no Brasil é de setecentos dólares (US$ 700), enquanto nos EUA é de sete mil e quinhentos dólares (US$ 7.500). A média dos países desenvolvidos fica entre três mil e cinco mil dólares (US$ 3.000 e US$ 5.000). Como escusa, é fácil proferir a assertiva de que o Brasil ainda é um país em desenvolvimento e que tais comparativos não são adequados a nossa realidade. Em que pese essa justificativa, fica a indagação: o ativismo judicial, no viés da concretude da saúde, tem aceitado essa ressalva? Não. 103 Quadro 3 – Quarto dia da Audiência Pública 4 DE MAIO DE 2009 – SEGUNDA-FEIRA REGISTRO NA ANVISA E PROTOCOLOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO SUS Abertura - Ministro Gilmar Mendes Dirceu Raposo de Mello, Diretor-Presidente da ANVISA (apresentação em PowerPoint); Geraldo Guedes, Representante do Conselho Federal de Medicina; Luiz Alberto Simões Volpe, Fundador do Grupo Hipupiara Integração e Vida; Paulo Marcelo Gehm Hoff, representante da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e da Faculdade de Medicina da USP (apresentação em PowerPoint); Paulo Dornelles Picon, representante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (apresentação em PowerPoint); Claudio Maierovitch Pessanha Henrique, Coordenador da Comissão de Incorporação de tecnologia do Ministério da Saúde (apresentação em PowerPoint); Janaína Barbier Gonçalves, Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul; Sueli Gandolfi Dallari, representante do Centro de Estudos e Pesquisa de Direito Sanitário; Leonardo Bandarra, Presidente do Concelho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça do Ministério Público dos Estados e da União; Encerramento - Ministro Gilmar Mendes. Fonte: Supremo Tribunal Federal164 164 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Registro na ANVISA e protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cro nograma>. Acesso em: 22 out. 2013. 104 Quadro 4 – Quinto dia da Audiência Pública 6 DE MAIO DE 2009 - QUARTA-FEIRA POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE – INTEGRALIDADE DO SISTEMA Abertura - Ministro Gilmar Mendes; Maria Inês Pordeus Gadelha, Consultora da Coordenação–Geral de Alta Complexidade do Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde (apresentação em PowerPoint); Jorge André de Carvalho Mendonça, Juiz da 5ª Vara Federal de Recife; Luís Roberto Barroso, representante do Colégio Nacional de Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e Territórios; Valderilio Feijó Azevedo, representante da Associação Brasileira de Grupos de Pacientes Reumáticos (apresentação em PowerPoint); Heloisa Machado de Almeida, representante da ONG Conectas Direitos Humanos (apresentação em PowerPoint); Paulo Menezes, Presidente da Associação Brasileira de Amigos e Familiares de Portadores de Hipertensão Arterial Pulmonar; Raul Cutait, Professor Associado da Faculdade de Medicina da USP, Médico Assistente do Hospital Sírio Libanês, Ex-Secretário de Saúde do Município de São Paulo; Encerramento - Ministro Gilmar Mendes. Fonte: Supremo Tribunal Federal165 165 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Políticas públicas de saúde – Integralidade do sistema. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cro nograma>. Acesso em: 22 out. 2013. 105 Quadro 5 – Sexto dia da Audiência Pública 7 DE MAIO DE 2009 – QUINTA-FEIRA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA DO SUS Abertura - Ministro Carlos Alberto Menezes Direito; Josué Félix de Araújo, Presidente da Associação Brasileira de Mucopolissacaridoses (apresentação em PowerPoint); Sérgio Henrique Sampaio, Presidente da Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose (apresentação em PowerPoint); José Getulio Martins Segalla, Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica; José Aristodemo Pinotti, Professor Titular Emérito da USP e Unicamp, Ex-Reitor da Unicamp e Ex-Secretário de Saúde do Estado de São Paulo; Reinaldo Felipe Nery Guimarães, Secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (apresentação em PowerPoint); Antonio Barbosa da Silva, representante do Instituto de Defesa dos Usuários de Medicamentos (apresentação em PowerPoint); Ministro Carlos Alberto Menezes Direito - Intervalo; Ciro Mortella, Presidente da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica; Débora Diniz, Fundadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero - ANIS; Ministro José Gomes Temporão, Ministro de Estado da Saúde; Encerramento - Ministro Gilmar Mendes. Fonte: Supremo Tribunal Federal166 166 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Assistência Farmacêutica do SUS. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cro nograma>. Acesso em: 22 out. 2013. 106 Outrossim, comenta-se que dois participantes da audiência pública, posteriormente, tomaram assento no STF, na condição de novos ministros da Corte: Ministro José Antônio Dias Toffoli167 e Ministro Luiz Roberto Barroso168. Ambos participaram da audiência em razão de suas atividades já estarem ligadas ao direito à saúde naquele momento. Portanto, a experiência anterior e o conhecimento adquirido na referida audiência servirão como base intelectual e ideológica para que os ministros contribuam com a racionalidade jurídica da Suprema Corte na temática. 9 A SEMIOSE COMUNICACIONAL NOS PRECEDENTES ANALISADOS 9.1 Sob o julgo da semiótica, com ênfase em Peirce, vislumbra-se na ação um dos pontos nevrálgicos da observação dos fenômenos sociais. Por isso, estudar o direito com tal consciência proporciona à pesquisa um olhar do significado social, em cujo conteúdo a tese alicerça-se. Desta feita, onde houver ação há significação social.169 Então, com base na premissa de que toda ação gera um significado social, a tese parte do pressuposto de que as atuações jurisdicionais do STF, materializadas nos acórdãos perquiridos, têm um significado social. E, à tese, tal semântica interessa quando esbarra no princípio da separação de poderes. Dessa forma, o julgamento final, a tomada de decisão propriamente dita, passa por todo um procedimento intelectivo anterior, no qual cada passo sinaliza gradativamente o caminho 167 a ser escolhido dentro das opções possíveis numa semiose BRASIL. Supremo Tribunal Federal. [Audiência pública contou com a participação do Ministro José Antônio Dias Toffoli e Ministro Luiz Roberto Barroso]. Disponível em: <www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Luis_Roberto_Barroso.pdf>. Acesso em: 14 out. 2013. 168 O tema do Direito à Saúde foi enfrentado pelo Ministro Barroso em sua sabatina no Senado Federal. Conferir em: <www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/06/05/video-vivemos-a-epocada-tolerancia-diz-barroso-em-sabatina-no-senado/videos/2013/06/video-em-sabatina-no-senadobarroso-diz-acreditar-na-tolerancia/>. Acesso em: 14 out. 2013. 169 ARAUJO, 2011, p. 43, 65; SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. A comunicação de um ponto de vista pragmaticista. Cognitio 2. São Paulo, Educ-Angra, v. 1, n. 1, 2001. p. 203: “Essencialmente mediado por signos, conclui-se que todo pensamento é de natureza interpretativa. Sequer o autoconhecimento ou a consistência de si far-se-ão no imediato da intuição.”. 107 comunicacional.170 Apesar disso, quando o ato resulta num produto final – a decisão –, a linguagem utilizada adquire significação própria, conforme a sua valoração no seio social. À luz da semiose peirceana, o processo decisório judicial centra-se na interpretação conferida pelo intérprete ao ato, a qual é guiada por componentes culturais e sociais ligados ao momento histórico em que esteja inserido e sua carga psíquica adquirida pelos anos de formação acadêmica e familiar, pela convivência social, bem como, ou talvez, mormente, pela eventual base teórico-filosófica que o influencie, seja implícita, seja explicitamente.171 9.2 Esse valor social outorgado ao ato tem relativa conotação subjetiva pelo intérprete. Isso porque os axiomas fomentadores da sua realização são oriundos de um conjunto de fatores, como alguns dos citados no parágrafo anterior. Não obstante essa cética constatação, inclusive por ser esse o condão da tese, diante da coleta de dados teóricos, os quais serão novamente trazidos a lume na parte subsequente do trabalho com o vagar necessário, e da extração de dados empíricos ora comentados, o processo de racionalidade jurídica, historicamente estudado, não é estático. Ao contrário, é dinâmico, forjado por valores sociais, culturais e econômicos, a resultar numa base axiomática, no caso, dos ministros do STF.172 Portanto, trata-se de uma exegese infinita, em constante realimentação. É verdade, por outro lado, que é possível fotocopiar essa racionalidade, tornando-a estática, analisada, interpretada e descrita num momento estático, como nesta pesquisa. 170 SILVEIRA, 2001, p. 203: “Para Peirce, em todos os momentos de sua obra, o conhecimento deve ser considerado semiose, e todo pensamento a que nos é possível ter acesso, compartilha dessa mesma natureza.”; SILVEIRA, 2001, p. 204: “A potencialidade inerente à semiose, assim como a ausência de qualquer imediatez naquele processo, reforça a necessidade de interpretação da própria personalidade. Nada é representado que não exija a referência à experiência, nem que essa seja a de nós mesmos. De nós mesmos, portanto, exige-se um trabalho mediado de signos e um tempo para que desenvolvam os interpretantes.”. 171 ARAUJO, 2011, p. 21-23, 34. 172 SILVEIRA, 2001, p. 208: “[...] A experiência do pensar é uma experiência do contínuo, antes mesmo que qualquer análise identifique a natureza dessa temporalidade. Assim também, mesmo que se possa vir a poder medir-se ou comparar-se qualidades, inclusive a que se responsabiliza pela semiose, essa última permanecerá sendo um contínuo, cujo fluir jamais se reduzirá aos limites de uma representação conceptual, necessariamente abstrativa.”. 108 9.3 A semiótica busca no método indutivo – parte do particular para o geral – um instrumental de pesquisa para descrever as formas ideais dos signos investigados, os quais só são passíveis de interpretação se coletados na sua forma empírica. Nos acórdãos, o material empírico da pesquisa se identifica com uma inteligência científica que sempre está reaprendendo por meio da experiência.173 Demais que, sob o julgo do instrumental semiótico peirceano, o processo de formação do signo é dividido, melhor, analisado com enfoque em três elementos: signo ou representamen (sempre representa algo a alguém); interpretante (ideia sob o signo a ser transmitida do objeto); objeto (do signo). A esse processo comunicacional de formação do signo, cunhado obrigatoriamente pelos três referidos elementos, de forma incessante, ininterrupta e constante, dá-se o nome de semiose, conforme se exemplifica na Figura 1, seguinte.174 173 SILVEIRA, 2007, p. 21: “A Semiótica é uma ciência rigorosa, construtora de formas ideais, pelas quais por via dedutiva e, portanto, a modo de necessidade, demonstrará suas conclusões. [...] Com efeito, seu objeto – os signos – pertence ao universo fenomênico e só alcançado em suas manifestações empíricas. É necessário observá-lo onde quer que se manifeste e tal manifestação, distinguindo-se da pura produção da razão, dela independe, esconde-se e dissimula-se. Jamais, pois, a Lógica terá totalmente exposto a sua explicação, mas precisará buscá-lo no universo da experiência e construir sobre ele hipóteses que o expliquem.”; SILVEIRA, 2001, p. 204, 212. 174 SILVEIRA, 2007, p. 30-31, 34-35; PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 3. ed. Tradução José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 194: “[...] O Objeto de um signo é uma coisa: seu significado, outra. Seu objeto é a coisa ou a ocasião, ainda que indefinida, à qual ele deve aplicar-se: Seu significado é a idéia que ele atribui àquele objeto, quer através de mera suposição, ou como uma ordem, ou como asserção.”. 109 Figura 1 – Semiose peirceana INTERPRETANTE SIGNO OBJETO Fonte: Elaborado pelo autor 9.4 Por meio da tese, talha-se uma abordagem estática, sociológica, de instrumental semiótico, que tem a pragmática como metodologia, com o mote de chegar à semântica, com a ressalva de serem partes de um mesmo processo, cujo resultado analítico pode caracterizar-se com as seguintes proposições. (i) A semiose comunicacional é um processo infinito, ininterrupto, exatamente por isso contingente, em que o interpretante ocupa papel de destaque. Por essa assertiva, os conceitos não são estáticos, mas sim dinâmicos, artificiais, a depender de novos processos hermenêuticos, em cujo resultado assentará os seus novos lineamentos. Para ir além, esses conceitos são capazes, dentro da semiose, de se transformar, adaptar-se. (ii) A pragmática alimenta a semântica e vice-versa. Por esta razão, temse um processo comunicativo em que os utentes conotam novos signos, a 110 desembocar numa nova semântica. Descreve-se, neste sentido, uma semiose, mesmo em sintonia com a epistemologia de Peirce. (iii) Existe sim, dentro da base de dados extraída nesta perquirição, uma racionalidade definida em relação ao princípio da separação dos poderes, propriamente numa semântica. (iv) Como resposta central do problema a ser solvido neste trabalho acadêmico, depara-se, nos termos das transcrições ofertadas há pouco, nas notas de rodapé, com uma racionalidade jurídica voltada à efetividade social do direito à saúde, nos casos efetivamente julgados, entretanto, numa exclusiva justiça adjudicatória. Por esse cenário, a exegese do princípio da separação dos poderes é a concretude quando analisada pela questão micro, ou seja, focada exclusivamente nos direitos dos jurisdicionados que tiveram a sorte de conseguir a proeza de que o seu recurso vença os dois juízos de admissibilidade. No entanto, o véu da ilusão que cobre essas decisões deve ser retirado para que novas balizas formem o seu desenho institucional. Do contrário, a ideia de um simbolismo-álibi toma fôlego, de tal sorte que novos valores, notadamente o solidarismo, o qual foi recentemente inserido na massa dialógica pelo Ministro Luiz Fux, torne-se meramente um álibi para a não efetividade do direito à saúde. (v) À luz da semiótica, o ordenamento jurídico é vivo. Pode, sim, ser observado de maneira estática, contudo, está sempre em movimento. Sua semiose é infinita. A única certeza é que novas comunicações estão se formando. Seu jogo comunicativo está sempre atuando. Exatamente por isso, o direito positivo positivase via linguagem. As verbalizações extraídas das decisões analisadas identificam o sentido outorgado dentro do contexto cultural atual. (vi) Desse processo comunicacional, outrossim, infere-se que o certo e o errado estão num constante duelo, o que leva à dura conclusão de que as verdades, as premissas, os axiomas jurisdicionais são momentâneos. Nisso, inclui-se o princípio da separação dos poderes. O clássico sentido liberal não é mais usado; ficou para trás, dentro da semiose da Suprema Corte. Trata-se de um processo, gradual, no qual novas verbalizações vão surgindo para, paulatinamente, antigas semânticas conceituais serem substituídas, sem exclusão do processo inverso também acontecer. 111 (vii) A análise da pesquisa empírica não deixa dúvidas sobre a constatação de Peirce de que o signo não esgota os vários aspectos do objeto que representa. As múltiplas, e complexas, perspectivas de observação surgidas ao longo da pesquisa só ratificam o ideário peirceano. Não é possível uma conclusão final e segura sobre questões abertas. Cada lente resultará em signos distintos. (viii) Um signo sempre substitui significativamente algo. Nesse sentido, o significado do signo é sempre outro signo. No contexto da pesquisa, a petição que leva ao STF o pleito da parte é um signo, que travará com as normas constitucionais uma relação de significação. Contudo, com a contestação da peça, mesmo como reação à primeira, forma-se uma relação em nível de secundidade. (ix) Dentro dessa semiose, a Suprema Corte é a “mente coletiva” que trava com as duas peças processuais comentadas – petição e contestação – uma relação de terceiridade, numa generalização, de modo que o acórdão é o interpretante, que, visto pelo processo estático, pode ser rotulado de interpretante final. (x) Os acórdãos analisados podem ser, ainda, chamados de signoresultado. São signos na medida em que formam um signo em cima de outro signo, como resultado do processo comunicacional iniciado possivelmente pela interposição de um recurso extraordinário, tido aqui como signo, vez que porta o significado da parte para o pleito, numa perspectiva do possível e da análise sintática. Com a apresentação das contrarrazões pela recorrida, instaura-se outra semiose a fim de que sejam levados em consideração os argumentos da outra parte. Uma dialogia entendida como um diálogo entre os argumentos apresentados no recurso e os ofertados pela recorrida, a serem enfrentados na decisão do STF. No material coletado, especialmente nas decisões da Suprema Corte, sob o viés semiótico, depara-se com a semiose comunicacional do princípio da separação dos poderes em sintonia com o descrito por Charles Sander Peirce que pensou a semiótica como ciência lógica da lógica da experiência, tendo como consequência a identificação da vagueza como estrutura propícia a demonstrar com nitidez a intersubjetividade do processo comunicacional. Neste cenário, comenta-se que os princípios jurídicos se materializam em construções gramaticais vagas. 112 Dentro da dogmática, inclusive já se propôs diferenciar os princípios das regras justamente por essa “abertura”, enquanto as regras seriam normas mais rígidas com pouca, ou nenhuma, abertura interpretativa175, não sendo diferente com o princípio da separação dos poderes. Com efeito, a tese também se deparou com a vagueza do texto constitucional a propiciar a comunicação que, à proporção que se debatem nos julgamentos no STF a extensão e os limites da atuação jurisdicional na concretude do direito à saúde os valores vem à tona, consoante se expôs no item 10, em que se identificou argumentos das decisões em níveis de primeiridade, secundidade e terceiridade comunicacional. Esse debate de sentido em torno da separação dos poderes, ou mesmo do direito à saúde, fez com a comunicação saísse do plano abstrativo para, por meio de escolhas concretas dos envolvidos, outorgar concretude do pensamento mediante ação. 10 A SISTEMATIZAÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO PELAS CATEGORIAS PEIRCEANAS 10.1 A semiótica concebida por Peirce como procedimento científico descreverá o fenômeno observado por meio de um diagrama, que se materializará numa figura, com intento de identificar o fenômeno observado e pensá-lo avante. Pensa-se no futuro, depois de descrever o real. Usa-se a expressão: “deve ser” para identificar essa projeção do futuro com base na sequência lógica do raciocínio do signo observado, sem embargo da consciência da falibilidade dessa prospecção do porvir. Forja-se uma regularidade falível. Para isso mesmo, faz-se necessário o detalhamento voltado à compreensão dos passos que a inteligência deu para formar o signo observado, identificado no caso desta pesquisa nos diagramas a seguir expostos.176 175 NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Entre Hidra e Hércules. Princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 12-26. 176 SILVEIRA, 2007, p. 23, 25-26, 28, 38; PEIRCE, 1999, p. 199; SILVEIRA, 2001, p. 207: “A forma do signo contribui para sua inteligibilidade e facilita mais ou menos a interpretação e a fluir no pensamento. Nesse sentido, compreende-se a razão do grande empenho peirceano em construir e 113 10.2 No arauto de compreender os passos que a inteligência segue para formar o signo, é preciso considerar os componentes básicos desse processo de visualização fenomênica, denominado de categorias, grafadas como: (i) primeiridade; (ii) - secundidade; (iii) - terceiridade. Organiza-se, ou melhor, autoorganiza-se a realidade por meio do pensamento. As categorias são, nesse sentido, o pensar da própria realidade projetada pela mente. Com isso, representam-se desde os sentimentos mais simplórios até os mais elevados processos evolutivos.177 Na primeira categoria, aponta-se o sentimento originário; um sentimento bruto, livre, precisamente como a imagem imediata do presente. A realidade é começada por ela. Por isso mesmo, a primeiridade é representada no diagrama por um ponto ligado a um traço.178 Na segunda, a secundidade, trata-se de ação e reação. Há uma situação e sua contestação já é materializada como o passado. Tem dinamismo. Flui de uma relação com o outro. É formada por dois elementos, sendo um deles a própria primeiridade. Cunha-se a partir dela (primeiridade) um ato de confronto com outro elemento. No gráfico, é apontada como dois pontos unidos por traços.179 Por fim, a terceiridade é propriamente um salto, uma tentativa de prever o futuro por meio da artificialidade da mente. Parte-se da lógica do raciocínio até então travado para dar um passo adiante com uma previsão falível do amanhã. É a forma da evolução do pensamento. Gera um interpretante. A mente está na terceiridade. Não há uma mecanicidade desse raciocínio, ao contrário, há um salto no raciocínio. Sem ele não há evolução. Está em relação simultânea com o segundo. É identificada graficamente com dois pontos dotados de traços.180 10.3 Submerso no cenário das categorias, o direito positivo é mais propenso à terceiridade. Contudo, no cenário comunicacional da tese, a petição recursal, ou equivalente, que venha a portar o litígio à Corte, acaba que significando a materialização do problema a ser volvido judicialmente. Por si só, o recurso em constantemente aprimorar o sistema de grafos, ao qual reconhecia como uma de suas maiores contribuições à lógica e ao pensamento humano.”. 177 SILVEIRA, 2007, p. 38-43; SANTAELLA, Lucia. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. p. 143. 178 SILVEIRA, 2007, p. 41-42. 179 SILVEIRA, 2007, p. 41-42. 180 SILVEIRA, 2007, p. 41-42. 114 interposto constrói um símbolo, que neste caso remonta ao próprio sentimento primeiro da parte, puro, numa perspectiva sintática de análise.181 De outra forma, a intervenção da outra parte, regra geral, com a apresentação de sua contrarrazão ao recurso extraordinário, provoca um choque comunicacional, a surgir na tríade o signo (acórdão/julgamento), formada a partir do confronto das duas petições iniciais. O confronto processual das partes processuais provoca um símbolo que obrigatoriamente representa a petição inicial do recorrente e a defesa da recorrida. Trava-se uma relação em nível de secundidade, como um novo símbolo, uma semântica oriunda do fruto do litígio de dois lados. Atenção: essa nova semântica se apresenta não como soma, mas sim como novo símbolo. Chocam-se ambos e o resultado insurge sob a máscara de um novo símbolo, todavia, rotulado como objeto.182 10.4 Com isso, o processo comunicacional, denominado por Peirce de semiose, está quase todo descrito e identificado no cotejo da pesquisa. Falta, nesse jaez, identificar o papel do interpretante, responsável pelo símbolo-resultado dentro desse processo, que na pesquisa é o próprio acórdão da Suprema Corte. A decisão acaba interpretando o signo e o objeto, de tal sorte que, levando-se em conta os referidos signos, produza um terceiro signo, também chamado de supersigno. No caso do material coletado, a peça recursal leva o sentimento primeiro à relação, a qual se chocará com a peça do ente estatal demandado, formando a secundidade. Contudo, ambos os símbolos serão interpretados pelo interpretante, o acórdão. Ele forma o símbolo final dentro dessa relação. Final, da perspectiva da 181 PIGNATARI, 2004, p, 44: “Thomas S. Knight, interpretando epistemologicamente as categorias peirceanas, entende que a primeiridade, referindo-se a um sentido de qualidade ou a uma idéia de sentimento, seria um estado de consciência sobre o qual pouco pode ser afirmado, a não ser em termos negativos: é incomparável, não-relacional, indiferenciado, impermutável, inalisável, inexplicável, indescritível, não intelectual e irracional. Tratando-se de consciência instantânea, é nãocognitivo, original, espontâneo, é um simples sentido de qualidade – o sentido de qualidade de uma cor, por exemplo. [...].”. 182 PIGNATARI, 2004, p. 44: ”[...] Já a secundidade é uma idéia de fato, de luta, de resistência, de poder, de volição, de esforço. Realiza-se ou é percebida nos estados de ‘choque’, surpresa, ação e percepção. Metafisicamente, caracteriza-se pela alteridade, pelo não-ego. O aqui-e-agora de uma qualidade constitui uma secundidade.”. 115 análise, porque por outro prisma o processo ainda pode continuar a operar, valendo relembrar que a semiose comunicacional é infinita.183 Desse ponto de vista, com a pesquisa empírica, fulgura-se que as peças recursais do cidadão identificam, entre outros, o princípio da separação dos poderes como símbolo de cooperação, complemento, entre os poderes na atuação estatal, no caso da efetivação do direito à saúde. Ou seja, não foi ofertado pelo administrador público determinado remédio e as razões do recurso procuraram simbolizar que é possível a prestação do remédio por meio do Judiciário. De outro modo, as peças do Poder Executivo procuram formar um símbolo sobre a mencionada separação ligada à rigidez, com ânimo de vedar a intervenção do Estado-juiz em questões ligadas às funções dos outros poderes. 10.5 Posto isso, tem-se, então, formado uma relação comunicacional em que a primeiridade e a secundidade estão caracterizadas. Enquanto, lá, há um sentimento puro, uma primeira impressão do assunto, aqui, com base no primeiro símbolo indicado pelo recorrente, em confronto com a reação trazida pela peça da recorrida, surge do conflito o objeto, que não é o símbolo final. Trata-se da configuração (identificação) do litígio propriamente dito. Como decorrência lógica desse processo, a terceiridade é tipificada no exato momento em que o acórdão interpreta os símbolos constantes na primeiridade e na secundidade, a fim de produzir um símbolo-final, identificado na própria decisão final, a respeito da separação dos poderes, no que tange ao fornecimento de medicamentos mediante decisões judiciais. A partir daí, fala-se em um supersigno, oriundo desse processo semiótico triádico, num caráter de lei, cujo significado gerará um processo de generalização a partir dele, dando fomento a novos processos comunicacionais. Eis a configuração da terceiridade. 183 PIGNATARI, 2004, p. 49: “[...] Peirce cria um terceiro vértice, chamado Interpretante, que é o signo de um signo, ou, como tentei definir em outra oportunidade, um supersigno, cujo Objeto não é o mesmo do signo primeiro, pois que engloba não somente Objeto e Signo, como a ele próprio, num contínuo jogo de espelhos [...].”. PEIRCE, Charles Sanders. Escritos coligados. Selecionados e traduzidos por Armando Mora D´Oliveira e Sérgio Pormerangblum. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 37: “105. Terceiridade é para mim apenas um sinônimo de Representação; prefiro-o porque suas sugestões são menos estreitas. [...].”. PEIRCE, 1974, p. 39: “339. A idéia mais simples de Terceiridade datada de interesse filosófico é a idéia de um signo, ou representação. Um signo ‘representa’ algo para a idéia que provoca ou modifica. [...].”. 116 A relação triádica, no cotejo da semiose peirceana, pode ser visualizada na Figura 2, seguinte: Figura 2 – Aplicação da tríade de Peirce Decisão do STF (INTERPRETANTE) Recurso Extraordinário RECURSO EXTRAORDINÁRIO (SIGNO) ACÓRDÃO RECORRIDO (OBJETO) Fonte: Elaborado pelo autor O produto final dessa semiose torna-se, na acepção do termo, um símbolo genuíno porque resultado da semiose triádica. Sem embargo, para ser mais bem compreendido, o interpretante reclama ser observado no contexto de toda a semiose. O seu teor simbólico deve ser visto em sintonia com o símbolo primeiro (peça recursal), objeto (acórdão recorrido). Daí ser possível compreender que o acórdão é a materialização física da ideia de signo oriundo dos argumentos usados pelos ministros. Ainda, no caso da pesquisa, o próprio interpretante (o acórdão/STF) preocupa-se em descrever o signo e o objeto sob o rótulo de relatório, para, somente depois, no voto, promover a semiose, a resultar no símbolo final. Esse 117 processo comunicacional, designado por Peirce de semiose, ocorre na forma de um diálogo, localizado, sob esse cerne, no pensamento dos ministros da Suprema Corte, com o uso da inteligência. Por vezes, esse diálogo é aberto à nova alimentação mediante leis, fatos ou quaisquer outros signos e, neste caso, configura-se como uma evolução, outras, a seu turno, não propenso a receber novas comunicações, pois fechado em si próprio.184 10.6 Por outra óptica do processo comunicacional poder-se-ia analisar a petição recursal (recurso extraordinário) como o interpretante de uma semiose, na qual o signo inicial seria a dialogia instaurada com o diálogo entre os argumentos trazidos à semiose pelo recurso de apelação e sua respectiva contrarrazão. Nesse diapasão, o objeto do signo seria o acórdão do tribunal a quo. Consequentemente, como interpretante do símbolo e do seu objeto, surgiria o recurso extraordinário como um novo símbolo, quando visto dessa lógica da cadeia comunicacional.185 Com a Figura 3, a seguir, demonstra-se a tríade: interpretante, signo, objeto. 184 Para se compreender bem o processo triádico de comunicação aplicado ao STF, necessário se faz remontar à teoria da percepção peirceana, aqui explicada por SANTAELLA, Lucia. A percepção: uma teoria semiótica. 2. ed. São Paulo: Experimento, 1998. p. 44-45: “Qualquer coisa que aparece à mente produz nela um efeito. Esse efeito é um primeiro em relação àquilo que aparece. Ao apreender aquilo que aparece, a mente imediatamente reage, produz algo. Esse algo é o segundo. Aí está: o signo, efeito, surge como primeiro e aquilo que provoca o signo, ou seja, seu objeto, como segundo. A primazia lógica é do signo, mas a primazia real é do objeto. O objeto é determinante, mas só nos aparece pela mediação do signo. [...].”; SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos. Semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995, p. 130, 132, 135-136, 138-139, 144-146; SILVEIRA, 2001, p. 206: “Mesmo, portanto, que o fluxo do pensamento se faça somente no interior de alguém, ele jamais será um monólogo. Não crescerá o pensamento e não alcançará sua meta e sua razão de ser, se quem o emite não se reconhecer incapaz de sozinho proceder à representação de um objeto e à equivalente determinação da conduta.”. 185 PEIRCE, 1999, p. 177: “536. Já observei que um Signo tem um Objeto e um Interpretante, sendo o último aquilo que o Signo produz na Quase-Mente, que é o Intérprete, ao atribuir este mesmo último a um sentir, a um esforço ou a um Signo, atribuição esta que é o Interpretante.”. 118 Figura 3 – Materialização da tríade peirceana exposta no item 10.6. Recurso Extraordinário (INTERPRETANTE) DIALOGIA (Argumentos das partes) (SIGNO) ACÓRDÃO (Tribunal ribunal a quo) (OBJETO) Fonte: Elaborado pelo autor 10.7 Como fecho, consigna-se consigna que o STF,, descrito pelas categorias, é predominante terceiridade, terceiridade por uma soma de fatores, dos quais, frisa-se frisa que as suas decisões governarão a relação das partes processuais de forma direta. De outro modo, de forma indireta, num formato generalizante, orientará a resolução de questões similares. Não obstante o predomínio predomínio da terceiridade, a referida Corte, dentro da semiose, pode ser identificada em aspectos específicos como secundidade, porquanto a sua decisão representa, como um signo, os problemas sociais que motivaram a interposição dos recursos ao STF e assim sucessivamente sucessivamente ao signo primeiro identificado pela petição inicial proposta lá atrás, atrás temporalmente falando. No caso especial da pesquisa, identifica-se identifica se uma significação para representar o litígio 119 da saúde (visualizado por ação – o recorrente – e reação – o recorrido) como secundidade.186 Lógico que para o objeto da tese, interessa mais o aspecto simbólico do material coletado, no qual, pelo estudo dos interpretantes, identificados pelas decisões da Corte, pode-se identificar o comportamento dos ministros, em ação concreta – leia-se nos julgamentos – como fenômeno vivo, mergulhado no cenário social histórico, econômico e cultural, de modo que, pelo símbolo, constata-se uma posição política quanto ao tema da saúde. Forma-se, nesse cenário, um signoinstituição.187 Para formação, no entanto, desse signo-instituição, a semiose passa pela sua tríade que na terceiridade remonta à mente dos intérpretes, no caso da pesquisa, os ministros da Suprema Corte brasileira. Sob o julgo do pensamento, os ministros, internamente, primeiro debatem a questão para, depois, externarem o seu posicionamento aos demais membros da Corte. Desse modo, a semiose tem uma perspectiva interna aos interpretantes, sendo iniciada pela percepção do signo. O resultado desse processo interno às mentes dos julgadores pode também ser rotulado de interpretante imediato, visto mesmo como um signo que produz no interpretante particular, no caso um dos ministros. Esse símbolo, que virá à tona como resultado da semiose particular de cada intérprete, é constituído por uma associação praticada pela mente do intérprete. Nesse cenário, Peirce classifica os interpretantes dinâmicos em três perspectivas: i – interpretante emocional; ii – interpretante enérgico; iii – interpretante lógico.188 Os três estão ligados essencialmente às categorias peirceanas da primeiridade, secundidade e terceiridade. 10.8 Após a análise teórica e a sua aplicação à parte do material empírico coletado, explana-se que o interpretante emocional está no plano da primeiridade, na forma de um sentimento puro; uma qualidade oriunda de um primeiro efeito do 186 SANTAELLA, 2002. p. 144; PIGNATARI, 2004, p. 49: “[...] - signo é tudo aquilo o que substitui algo, sob certos aspectos e em certa medida-[...]”. 187 SANTAELLA, 2002, p. 148-149. 188 SANTAELLA, 2002, p. 24-25; PEIRCE, 1999, p. 243: “Os signos são divisíveis conforme três dicotomias, a primeira, conforme o signo em si mesmo for uma mera qualidade, um existente concreto ou uma lei geral; a segunda, conforme a relação do signo para com seu objeto consistir no fato de o signo ter algum caráter em si mesmo, ou manter alguma relação existencial com esse objeto ou em sua relação com um interpretante; a terceira, conforme seu Interpretante representá-lo como um signo de possibilidade ou como um signo de fato ou como um signo de razão.”. 120 contato com o signo. No caso em análise, a mente dos ministros acaba percebendo e expondo o signo como um fenômeno na sua pureza inicial, no formato de um sentimento. Noutro sentido, o interpretante energético atua no plano da secundidade porque se encontra como um resultado de ação e reação, a resultar a sua resposta com dispêndio de energia: uma produção do signo um pouco mais elaborada, do aspecto semiótico, identificada pela energia da sua comunicação, que deve estar apta a refutar sentidos contrários à sua interpretação. Enfim, a terceiridade é representada pelo interpretante lógico, o qual interpreta de forma mais elaborada, num viés interpretativo, sob premissas bem definidas por ele próprio. Com destaque, é necessário grafar que, no contexto do processo comunicacional da semiose, as categorias são fases do idêntico processo. Analisase, assim, um estado do processo comunicacional. Ou seja, a terceiridade é uma fase do diálogo que contempla obrigatoriamente, antes dela, a secundidade e a primeiridade. Peirce descreve o fenômeno como um círculo, transcrito abaixo para ilustrar a semiose. Nem por isso, deve-se deixar de analisar a parte específica do momento semiótico, com escopo de dar ênfase à terceiridade, por exemplo. Dito dessa maneira, o importante é entender que a classificação a seguir proposta, dos argumentos utilizados pelos ministros paradigmas da Suprema Corte, como interpretantes emocionais, energéticos e lógicos, é tão só uma das possíveis faces da análise, torneada com base no que esta tese considera como primazia na atuação dos interpretantes analisados. 10.9 Consoante se direciona a óptica da análise da semiose, os atores mudam de papel, todavia, tudo dentro da rígida sistematização peirceana, a qual permite uma infinita linha de continuidade de produção de signos. Com esse espírito, aventa-se que, quando se parte dos acórdãos como interpretantes, os ministros são intérpretes que, com base num pensamento inicialmente individual, chegarão ao símbolo final, em regra, mediante diálogo com os outros ministros, para, juntos, formarem o interpretante, o supersigno, isto é, o acórdão no qual se consubstanciará o signo emitido do litígio proposto à Corte. 121 De outro modo, porém, ao se perquirir na dimensão de que cada voto é um interpretante, faz-se um novo recorte na análise para não mais investigar o acórdão pelo prisma do resultado final, como seria o normal – vale comentar. A partir dessa nova proposta de observação, tem-se a possibilidade de não mais classificar o acórdão, mas os argumentos utilizados pelos ministros, individualmente, nos termos do seguinte quadro. Quadro 6 – Classificação dos argumentos dos ministros paradigmas em direito à saúde Ministro Decisões Interpretante Paradigmas Celso de Ag. Reg. nos Mello Energético REs n. – 271.286-8/RS 273.834/RS e 393.175–O/RS Marco RE ns. Emocional Aurélio 247.900/RS e 368.564/DF, Ag.Rg. no RE n. 238.328 Gilmar Ag.Reg. na Mendes Suspensão de Liminar n. 47/PE, na STA n. 175/CE e na SS n. 3355/RN Fonte: Elaborado pelo autor Lógico 122 Sob a classificação proposta, assevera-se que não se trata de um julgamento a respeito do ministro, nem de sua atuação de modo geral. Ao contrário disso, mira-se exclusivamente nos argumentos utilizados nas decisões coletadas na tese, por isto mesmo, falíveis e restritos a uma visão parcial dos argumentos utilizados na atuação jurisdicional do ministro paradigma no que diz respeito ao direito à saúde. Dada essa necessária explanação, passa-se a explicar o porquê da classificação, nos moldes que seguem. 10.10 Pelo vernáculo utilizado retro, identifica-se que a secundidade é caracterizada essencialmente por um signo que representará a ação e a reação, ou seja, os argumentos favoráveis e contrários ao direito à saúde, no caso da tese, porém, já com uma tomada de posição, diga-se uma escolha efetivada com muita clareza. Nesse caso, o símbolo em desfavor é identificado como produto do choque comunicacional das posições contrárias, de modo a resultar numa postura como certa. Quando se expõe uma escolha como correta, conota-se nas suas palavras uma verbalização enérgica; evidencia-se a sua posição de forma a desqualificar a outra opção. Esse jogo com as palavras fica muito claro no trecho transcrito a seguir: A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. [...] DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, À PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, ‘caput’, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. [Grifo nosso]189 189 O trecho pode ser encontrado, entre outros acórdãos relatados pelo Ministro Celso de Mello, nas seguintes decisões: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.286-8/RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Município de Porto Alegre. Agravada: Diná Rosa Vieira. Brasília, DF. Julgado em 12.09.2000. Publicado em 24.11.2000. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso em: 18 out. 2013; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 273.834/RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Município de Porto Alegre. Agravada: Laura Antunes de Matos. Brasília, DF. Julgado em 23.08.2000. Publicado em 18.09.2000. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+273 834%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/cp33gaa>. Acesso em: 18 123 Para pormenorizar a questão, comenta-se que quando o Ministro Celso de Mello grafa que a interpretação da norma constitucional não pode transformá-la em promessa inconsequente, posiciona-se como interpretante enérgico, em nível de secundidade, porque denota, no primeiro início, a síntese dos dois lados: direito à saúde com força vinculante e direito à saúde como norma programática. Portanto, acaba por produzir um reação a essa dicotomia, bem como, de forma dura, implacável, coloca que a interpretação não pode tornar-se promessa inconsequente. Ressalta-se a expressão “inconsequente”. Produziu-se, à luz disso, uma interpretação enérgica, a qual é reforçada pelo trecho logo a seguir, também acima transcrito, ao utilizar as palavras: “[...] e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade”190, externa o seu posicionamento, fruto de um duelo (ação e reação) de significados ocorrido previamente em sua mente, para, com o fito de combater posição contrária à sua, em seguida, energicamente, expor o seu posicionamento. 10.11 A postura emocional dos argumentos utilizados pelo Ministro Marco Aurélio na temática direito à saúde é identificada, entre outros, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 368.564/DF, cuja relatoria inicial estava sob a relatoria do Ministro Menezes de Direito. No voto do referido RE, encontram-se argumentos no out. 2013; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 393.175–O/ RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravados: Luiz Marcelo Dias e outros. Brasília, DF. Julgado em 12.12.2006. Publicado em 02.02.2007. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=402582>. Acesso em: 16 out. 2013. 190 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.2868/RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Município de Porto Alegre. Agravada: Diná Rosa Vieira. Brasília, DF. Julgado em 12.09.2000. Publicado em 24.11.2000. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso em: 18 out. 2013; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 273.834/RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Município de Porto Alegre. Agravada: Laura Antunes de Matos. Brasília, DF. Julgado em 23.08.2000. Publicado em 18.09.2000. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+273 834%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/cp33gaa>. Acesso em: 16 out. 2013; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 393.175–O/ RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravados: Luiz Marcelo Dias e outros. Brasília, DF. Julgado em 12.12.2006. Publicado em 02.02.2007. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=402582>. Acesso em: 16 out. 2013. 124 sentido de um sentimento puro, livre do choque proveniente do confronto da secundidade, nos moldes dos argumentos usados pelo Ministro Celso de Mello. Em outro sentido, posto que, em seus votos, depara-se com uma posição ideológica insuscetível de questionamento. Talvez verbalize dessa forma porque, em razão de sua posição ser tão firme, não vê necessidade de expor em seus votos o outro lado da moeda, mesmo que implicitamente. Para os argumentos do julgador, a questão é simples, pura. Há um sentimento muito definido, com o fito de direcionar a sua racionalidade. Não sente a necessidade de fundamentar ou convencer os seus pares com argumentos refinados. Essa atuação no plano da primeiridade não significa descompromisso com a concretude do direito à saúde, nem uma despreocupação com o resultado final dos julgamentos, mas o oposto disso. Na questão, cita-se o julgamento do recurso extraordinário mencionado linhas atrás, no qual o então relator votara para conhecer e prover o recurso. O julgamento caminhava para a decisão final, quando o Ministro Marco Aurélio se deu conta de que era possível que a decisão do tribunal a quo, na qual se determinou o pagamento de tratamento de doença ocular em Havana, poderia ainda não ter sido cumprida. Em consequência desse cenário, eventual julgamento desfavorável naquele momento (08/04/2008) prejudicaria os cidadãos beneficiados pela decisão judicial recorrida. Não obstante já ter posição formada sobre o tema, o Ministro Marco Aurélio tomou uma decisão inusitada: pediu vista dos autos, em seguida fez um pedido de adiamento, o que retardou o julgamento final para 13/04/2011. O retardo do julgamento motivou o Ministro Ricardo Lewandowski a mencionar que já houvera o cumprimento da decisão, mas que, como se trata de um tema importante do aspecto teórico, o recurso deveria ser julgado. Durante os debates, entre muitos argumentos contrários, argumentou-se que a referida doença não tem cura, consoante se posicionou a comunidade médica brasileira. Seria mais um argumento a fim de suspender o seu adimplemento. Ao final, também em vão, porquanto por maioria, prevaleceu a tese do Ministro Marco Aurélio, que defende o pagamento pelo Estado de tratamentos de alto custo. Além, obviamente, da análise do contexto do julgamento, pode-se transcrever alguns trechos que, por si sós, ajudam a apreender a classificação da 125 dialogia peirceana, no plano da primeiridade, a saber: “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Estou desprovendo e mantendo o acórdão. O recurso é da União. Certamente, com esse tratamento, a viúva não ficará mais pobre!”191. A seguir: O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Essa denominada reserva do possível, no tocante ao Estado, leva-me à indignação como contribuinte, como cidadão, como juiz, pois, se for realmente empolgada e aceita, teremos desculpa para tudo, porquanto, desde que me conheço, o Estado, em que pese a grande carga tributária, luta contra escassez de receita, mas luta porque tem despesas excessivas, principalmente com a máquina administrativa e a dívida interna.192 10.12 Sob o julgo de outro raciocínio teórico, as construções extraídas das relatorias do Ministro Gilmar Mendes denotam um foco à construção de um raciocínio lógico, mais refletido, livre, numa primeira leitura, de um atuar puro ou emotivo. Isto fica muito claro ao se acompanhar a evolução do seu posicionamento sobre a judicialização da saúde. Concluiu, no tema, que não se trata de judicializar as políticas públicas, mas sim de as efetivar, uma vez que já existem na maioria dos litígios; o que ocorre é, por outro lado, uma inefetividade delas. Para chegar a essa perspectiva, no entanto, encontram-se em seus votos dois importantes paradigmas: um deles é a consistência teórica, no sentido de buscar aprofundar o debate nas teorias constitucionais sobre os direitos fundamentais. O outro é a audiência pública realizada, quando – após ouvir diversas acepções sobre a judicialização da saúde – se formou a convicção de que não se trata de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas em saúde. Com efeito, o enfoque da atuação jurisdicional deveria ser em outro sentido. Explana-se que as políticas públicas destinadas à saúde existem e em grande escala, o que ocorre é que muitas delas restam ineficazes. Nessas situações, porque provocado, o Estado-juiz buscaria torná-las eficaz por 191 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 368.564/DF. Relator Ministro Menezes Direito. Recorrente União. Recorrido Maria Euridice de Lima Casali Brasília, DF. Julgado em 13.04.2011. Publicado em 10.08.2011, p. 81. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=625531>. Acesso em: 16 out. 2013. 192 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 368.564/DF. Relator Ministro Menezes Direito. Recorrente União. Recorrido Maria Euridice de Lima Casali Brasília, DF. Julgado em 13.04.2011. Publicado em 10.08.2011, p. 81. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=625531>. Acesso em: 16 out. 2013. 126 meio de decisões judiciais voltadas para determinar situações específicas como, por exemplo, o fornecimento de determinado remédio que atenderia uma peculiaridade do caso concreto não abrangida pela política pública em voga, muitas vezes pensada de forma genérica para abranger o maior número de indivíduos. 10.13 Prenhe das dificuldades da análise das atuações jurisdicionais e, talvez, por essa constatação, com muita cautela, procura-se enfileirar a referida classificação no contexto peirceano com as peculiaridades da formação acadêmicoprofissional dos ministros, obviamente de período anterior ao respectivo ingresso ao Supremo Tribunal. Nesse cenário, pondera-se que há uma relação direta da formação acadêmico-profissional prévia com a sua atuação jurisdicional. Dessa maneira, fulguram os argumentos usados pelo Ministro Celso de Mello com uma postura caracterizada na secundidade, quando em seu voto já se encontram a ação e a reação dos signos envolvidos, a resultar num interpretante emocional, apaixonado, tipicamente como um membro do Ministério Público, cuja postura se caracteriza pela litigiosidade em favor de um valor que considera maior e, por sua concretude, busca o seu predomínio acima de tudo. Literalmente, na leitura do signo emanado dos seus votos, extraem-se o signo e o objeto que ajudaram a forjá-lo como interpretante. Os próprios trechos citados anteriormente identificam isso. Esse enlace comunicacional descrito por Peirce sob o julgo da secundidade, predominantemente não pode ser encontrado nos argumentos usados nas decisões do Ministro Marco Aurélio. Na verbalização de seus votos, não há exatamente um choque entre ação e reação a resultar num novo símbolo; ao menos isso não está exposto em seus votos. Neste cerne, comenta que o processo intelectual interno à mente do ministro em voga, não pode ser analisado. Logo, o que se observa é a linguagem posta nas decisões estudadas. À luz desse material de pesquisa, opina-se que o fato de a profissão anterior do ministro ser ligada ao direito do trabalho influenciou demasiadamente a sua atuação sob o viés da primeiridade. Essencialmente, o referido ramo do direito é voltado a equilibrar uma situação desigual: patrão versus empregado. O reequilíbrio 127 é o seu mister. Tradicionalmente, a justiça do trabalho possui uma postura protetiva ao trabalhador. Como decorrência desse espírito de busca pela igualdade, mesmo que seja de forma involuntária, identifica-se nas decisões (em seus argumentos) uma postura de reequilíbrio da situação, todavia, de forma pura e direta, como se não houvesse uma posição contrária. O tema é muito bem resolvido na convicção íntima do estudado julgador. Na sua mente, não há litígio ideológico ou doutrinário. Há, ao inverso disso, um sentimento livre, ou seja, sem a materialização pela verbalização de uma posição contrária como parte do debate. Desta forma, julgou os Recursos Extraordinários n. 247.900/RS193 e n. 368.564/DF194, bem como o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 238.328/RS195. No mesmo enredo de análise, os argumentos constantes nos votos do Ministro Gilmar acabam por identificar a sua elevada formação acadêmica, com destaque para a dimensão constitucional da sua pesquisa, a qual invariavelmente forneceu subsídio para a classificação da sua atuação na terceiridade. Em seus votos, o ministro procura construir um raciocínio científico ou ao menos dar maior consistência teórica, a fim de legitimar o julgamento final. Por assim dizer, nos argumentos constantes nos seus votos há um raciocínio mais elaborado; uma construção doutrinária para chegar à solução da lide. De outro modo, é importante destacar que não se trata aqui de legitimar o uso da teoria desenvolvida pelo Ministro Gilmar Mendes ou mesmo fazer qualquer análise da compatibilidade ou não dos autores servidos pelo julgador. Não se passa 193 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 247.900/RS Relator Ministro Marco Aurélio. Requerente: Estado do Rio Grande do Sul. Requerida: Ida Maria Lopez Huber e outros. Brasília, DF. Julgado em 20.09.1999. Publicado em 27.10.1999. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+247 900%2ENUME%2E%29&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/oezb9ox>. Acesso em: 16 out. 2013. 194 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 368.564/DF. Relator Ministro Menezes Direito. Recorrente União. Recorrido Maria Euridice de Lima Casali. Brasília, DF. Julgado em 13.04.2011. Publicado em 10.08.2011, p. 81. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=625531>. Acesso em: 16 out. 2013. 195 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento n. 238.328/RS. Relator Ministro Marco Aurélio. Requerente: Município de Porto Alegre. Requerido: Ana Luiza Soares de Carvalho. Brasília, DF. Julgado em 16.11.1999. Publicado em 18.02./2000. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+2383 28%2ENUME%2E%29+OU+%28AI%2EACMS%2E+ADJ2+238328%2EACMS%2E%29&base=baseA cordaos&url=http://tinyurl.com/p39qk6b>. Acesso em: 16 out. 2013. 128 nem perto disso. A abordagem é outra. Por aqui, identifica-se no seu discurso um afastamento de um sentimento puro (quase que idealista), de uma ação apaixonada (com fim delimitado), para com o cerne de tecer um arrazoado em busca de argumentação jurídica mais sólida, numa perspectiva mais lógica, a formar um plexo teórico que o direcionará sem ser guiado pela paixão. 129 PARTE III RACIONALIDADE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DIREITO À SAÚDE: SIMBÓLICA OU EFETIVA? “À constitucionalização simbólica não importa apenas a falta de auto-referência [...]. Envolve também o problema da heterorreferência inadequada do sistema jurídico.”. (Marcelo Neves)196 11 CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E SUPREMA CORTE 11.1 A análise do constitucionalismo é indissociável da filosofia política, uma vez que esta fundamentou a fundação daquela por meio de sua base ideológica. Remonta-se aqui ao século XVIII, momento histórico no qual a Europa era governada por reis, que, à mão de ferro, geriam o reino quase que unicamente de acordo com seus interesses privados. Naquele tempo, o reino e seus súditos eram vistos pelos monarcas e simpatizantes (nobreza) como partes de um mesmo pacote, presenteado por Deus e abençoado pela Igreja, com o mote de servi-los em todos os seus caprichos, até mesmo em prejuízo da própria vida, se assim fosse necessário.197 Esse período ficou conhecido como Antigo Regime. Deste momento histórico ao fim da pesquisa interessa especialmente a Inglaterra que, após a morte do seu Rei Ricardo I, o Coração de Leão, viu subir ao trono o Rei João Sem Terra que, num momento de crise econômica, infringiu ao povo e aos seus barões duras 196 NEVES, 2007, p. 158. Para uma análise do Estado Liberal ao Estado Social, sob o julgo da filosofia política, ver BONAVIDES, 2004. No viés histórico, ver TARELLO, Giovanni. Storia della cultura giuridica moderna. Bologna: Il Mulino, 1976. p. 43. 197 130 medidas econômicas e restrição ao espaço político (aqui restritamente aos barões, pois o homem simples, nesse momento, nada possuía). O descontentamento com o monarca fez com que os barões se revoltassem. Travou-se uma guerra civil. O resultado foi a assinatura da famosa Magna Carta das Liberdades da Inglaterra (1215), quando, pela primeira vez, garantiram-se direitos fundamentais ao homem em face do Estado, mesmo que o seu formato fosse muito mais de um acordo, um pacto, do que propriamente uma lei.198 É verdade, porém, que o então rei pediu ao papa a sua anulação, o que deu início a outros conflitos, cessados com o restabelecimento da Magna Carta pelos sucessores de João.199 11.2 No curso da história, o período absolutista, em que pesem as peculiaridades de cada reinado, caracterizava-se basicamente pela aceitação de um poder absoluto do monarca, exercido sobre a administração do reino e sobre os seus súditos. Isto, obviamente, deu vazão a inúmeros casos de atrocidades e barbáries cometidas pelos monarcas, que, por seus atos, dilaceravam o povo e prejudicavam a estabilidade social e econômica do seu país. Essa unificação do poder, absoluto, em desfavor de senhores feudais e religiosos, inegavelmente germinou o ambiente para a unificação da codificação, logo, para o constitucionalismo, mesmo que o legislador ainda representasse a vontade do monarca200, até porque a fragmentação do Direito, antes predominante, atrapalhava o desenvolvimento econômico da nação. À época, cada feudo possuía um regramento próprio, num ambiente social de convivência com os direitos romano e canônico. Dessa forma, também com base nessas inúmeras soberanias locais, alicerçou-se o contexto social para a unificação em torno do, agora, único soberano.201 198 Ver a digitalização da versão original em: BRITISH LIBRARY. Treasure in Full. Magna Carta. Disponível em: <http://www.bl.uk/treasures/magnacarta/shockwave/magna_carta_broadband.htm>. Acesso em: 5 out. 2013. 199 No contexto do constitucionalismo, ver SARMENTO, Daniel. Constitucionalismo: trajetória histórica e dilemas contemporâneos. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang (Orgs.). Jurisdição constitucional, democracia e direitos fundamentais. Slavador: JusPodivm, 2012. p. 90. 200 TARELLO, 1976, p. 45, 48-49, 51. 201 TARELLO, 1976, p. 47: “I sistemi giuridici che il secolo XVII lasciava in eredità erano, parlando in generale, complessi a causa della concorrenza di una pluralità di fonti; complicati, a causa dell`estrema varietà delle discipline dei soggetti e dei beni; antinomici e incoerenti, a causa dei 131 11.3 Paulatinamente, no seio dessa contenda social, veio à tona o germe do ideário preconizado pelos teóricos conhecidos como jusnaturalistas, em cuja gênese se encontra a defesa dos direitos naturais do homem em face do próprio homem e do Estado, independente de serem ou não positivados, porque por essa linha estariam acima de qualquer positivação; seriam inatos ao homem. E, ainda, segundo os contratualistas, dos quais se destacam Hobbes, Locke e Rousseau, o homem transferiu parte da sua soberania ao Estado para que ele cuide de todos. O poder do Estado vem da soberania outorgada pelo povo; sem ela, nada poderia fazer. Bem por isso, o soberano não teria poderes sobre alguns direitos fundamentais do homem. Eis aqui a semente do liberalismo sob o nítido enfoque da limitação do poder do soberano.202 Esse fenômeno político-social é desenhado por Luhmann, pela óptica da teoria política clássica, que a instituição das Constituições remonta à soberania. Buscava-se regular e em alguns casos dar vazão a núcleos de poderes inseridos na ordem social. Antes disso, a organização era voltada aos interesses do monarca e da Igreja, não havendo espaço para oposição política ou para a própria divisão dos poderes.203 Na verdade, a centralização do direito promovida pelo poder absoluto do rei, antes benéfica à economia, se não controlada, com a garantia de liberdades ou mesmo com a restrição de imposições à atuação do Estado, acabaria tolhendo os planos da burguesia. A partir daqui, precisa-se proteger a propriedade, a liberdade e os contratos do próprio monarca.204 Marcelo Neves, bem a propósito, identifica no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 a materialização desse ideal.205 frequenti conflitti di norme e di giurisdizioni; incerti, a causa di tutto ciò. Potrebbe dubitarsi della oportunitá di usare, per riferirsi ad essi, la parola “sistema”:[...].”. SARMENTO, 2012, p. 91. 202 A respeito do debate contratualista no cenário dos direitos humanos, ver NEVES, 2005, p.14. 203 LUHMANN, Niklas. La costituizione come acquizione evolutiva. In: A cura di ZAGREBELSKY, Gustavo; PORTINARO, Pier Paolo; LUTHER, Jörger. Il futuro della costituzione. Torino: Giulio Einaudi editore, 1996b. p. 102. SARMENTO, 2012, p. 93, 101. NEVES, 2007, p. 57. 204 SARMENTO, 2012, p. 92. 205 NEVES, 2007, p. 61. Para a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ver FRANCE. Assemblée Nationale. Declaration des droits de L’homme et du citoyen de 1789. Disponível em: <http://www.assemblee-nationale.fr/histoire/dudh/1789.asp>. Acesso em: 5 out. 2013. 132 Com efeito, pensou-se num núcleo duro, dentro do Estado, que pudesse proteger os súditos – que gradativamente virariam cidadãos – dos desmandos dos governantes. Nesse miolo, estariam grafados valores rígidos e em alguns casos imutáveis, que aos poucos ganharam a veste de regime liberal, o qual veio a ser a base ideológica do constitucionalismo, cujo sacerdócio pode ser resumido na crença da necessidade de um documento rígido com a previsão dos preceitos a serem obedecidos pelo Estado, notadamente a limitação do poder, a mantença de direitos fundamentais, de todos em face de todos, com destaque para a restrição da atuação do Estado perante os já cidadãos, e a supremacia da Constituição.206 Também, por esse cenário, Luhmann expõe que a Constituição é o resultado de um desenvolvimento evolutivo a resultar numa aquisição evolutiva.207 11.4 Séculos avante, como decorrência desse espírito crítico-protetivo denominado de constitucionalismo, surgiu um ramo da ciência do direito que visa o estudo sistematizado da Constituição, bem como continuar a disseminar as premissas da proteção aos direitos fundamentais e defender a supremacia da Constituição. A esse ramo, chamou-se de direito constitucional, em cuja contextualização mundial se encontra a proteção de valores símbolos como: devido processo legal, separação dos poderes e legalidade. Dessa forma, iniciou-se a busca pela concretização do Estado Constitucional.208 Nos termos descritos por Niklas Luhmann, a evolução social não tem ocorrido de forma retilínea ou mesmo homogênea.209 Como oposto disso, tem sido resultado de um processo autopoiético, fruto essencialmente da complexidade e da contingência social, sem previsibilidade, ou, ainda, de um planejamento rígido. Essa assertiva, todavia, não serve exatamente para a constitucionalização do Estado Moderno. Neste caso, houve todo um aparato diretivo cultural nesse sentido, motivado muito pelo descrito nos parágrafos anteriores, fruto de um cenário social 206 NEVES, 2007, p. 61. LUHMANN, 1996b, p. 120; NEVES, 2007, p. 57, 60. 208 BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. In: LEITE, George Salomão; SALET, Ingo Wolfgang (Orgs.). Jurisdição constitucional, democracia e direitos fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 366. A respeito das Constituições, como resultado de um planejamento da civilização moderna, ver LUHMANN, 1996b, p. 83. 209 NEVES, 2006, p. 24; LUHMANN, 1983b, p. 193. 207 133 desigual, cujo poder era exercido de forma absoluta – não por coincidência, historicamente rotulado de Período Absolutista, o qual foi fomentado por uma necessidade econômica momentânea.210 Séculos avante, porém, a desigualdade social gerada pelo regime liberal torna-se propulsora das mudanças sociais. Os malefícios da não intervenção estatal em contratos de trabalho, por exemplo, sucumbiram a Europa num mar de pobreza, exploração, realimentando uma forte tensão social que dará vazão a doutrinas de esquerda, com o próprio marxismo: ou caminha-se para outra direção, ou o ambiente social é propício para novas revoluções. Comenta-se, nesse sentido, que mesmo regimes totalitários como o nazismo se aproveitaram dessa desigualdade descontrolada para angariar adeptos e fortalecer a sua filosofia política. Exatamente por isso, com o passar dos anos, o constitucionalismo estrutural foi sendo reforjado para, aos poucos, dar lugar ao constitucionalismo operativo, a resultar em mais ênfase na busca da sua concretização social. Essa perspectiva foi muito fundamentada no Pós-Segunda Guerra Mundial e identificado na jurisprudência das cortes constitucionais, com a finalidade de concretizar valores constitucionais, alguns até então tidos apenas como programáticos. Não se abre mão da proteção constitucional em face do Estado, porém, desse momento em diante, espera-se uma atitude de concretude social. Nessa linha, o Estado não mais poderá se eximir de atuação positiva na busca incansável da efetividade social, de sorte que a igualdade passa a ser o axioma predominante, sem prejuízo dos avanços sociais outrora conquistados.211 Em outra reação teórica aos atos lesivos da Segunda Guerra Mundial, materializou-se um movimento teórico autodenominado de neoconstitucionalismo, no qual se difundiram ideários como: mais juízes e menos legisladores; mais princípios e menos regras; mais ponderação e menos adjudicação; mais concretização e menos interpretação. Por isso mesmo, percebe-se que o neoconstitucionalismo tem como bandeira a efetividade do texto constitucional, em especial o destaque para os direitos fundamentais (incluídos os sociais, obviamente) e para a atuação do Poder Judiciário dentro desse novo processo de exegese 210 211 LUHMANN, 1996b, p. 83-85. SARMENTO, 2012, p. 102-105. 134 constitucional. Sem embargo da busca dessa efetividade, a pesquisa empírica demonstrou que se reclama de julgamentos em direito à saúde por meio da fórmula de contingência em que sistemicamente se promova a dicotomia: consistência teórica-adequação social, para, desta forma, as decisões judiciais se adaptarem às novas realidades.212 Nesse enfoque, se não é correto defender uma atuação jurisdicional desprovida da efetivação dos direitos sociais, não é menos verdade que há um grande simbolismo em ratificar que a Suprema Corte julgue despreocupada das eventuais consequências financeiras de suas decisões, uma vez que – como Corte Constitucional – deve manter o equilíbrio entre os subsistemas sociais. Portanto, se, de um lado, deve julgar com autonomia funcional e operativa, de outro, deve relacionar-se com sistemas sociais absorvendo suas respectivas comunicações como irritação ao ambiente, apta a promover variação, seleção e estabilização.213 11.5 Pela leitura dos parágrafos anteriores, consigna-se, resumidamente, que a economia teve grande papel no molde teórico do constitucionalismo, e por que não dizer, do desenvolvimento social de modo geral, como frisou Luhmann.214 Desta feita, vale lembrar muito brevemente que a economia mundial tem oscilado muito. Prova disso, é que não foram poucas as intervenções bilionárias que o governo norte-americano tem feito na sua economia, bem como a gigante crise que assola o Velho Mundo, que literalmente colocou a Europa à beira de um colapso financeiro, no qual até mesmo se chegou a falar em ruptura do euro por alguns países, como a Grécia.215 E é justamente nesse novo cenário cultural e econômico que a pesquisa materializa a coleta de dados com as digressões à frente pontuadas, sobretudo com o âmago de responder se a atuação do STF é simbólica ou efetiva. 212 Sobre a fórmula de contingência, ver LIMA, 2012a, p. 1-11; LIMA, Fernando Rister de Sousa. Qual a justiça possível de ser alcançada na decisão judicial? Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da PUC/SP. São Paulo, PUC/SP, v. 2, 2009a. p. 01-11. 213 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 201-202; NEVES, 2007, p. 64. 214 LUHMANN, 1983b, p. 197; LIMA, 2009b, p. 36. 215 No cenário do Estado neossocial, ver BONAVIDES, Paulo. Do Estado neoliberal ao Estado neosocial. Folha de São Paulo. São Paulo, 06/11/2008, p. A3: “Depois da queda das Bolsas no globo e das intervenções bilionárias dos Estados Unidos para salvar sua economia, o mundo vê desfazer-se em frangalhos a ilusão neoliberal que decretara o fim das ideologias, em um cenário em que todos os sistemas econômicos e financeiros jazem sob a égide da globalização.”. 135 12 POSITIVAÇÃO DO DIREITO E DIREITO À SAÚDE 12.1 A própria inexatidão do verbete “direito” desperta interesse de pesquisadores das mais diversas bases epistemológicas. Também em razão disso, o direito é observado ao longo da história da humanidade. Como um dos possíveis enunciados desse processo, alguns autores chegam a somente considerar a presença de civilização nos grupos humanos em que haja direito. Para esses, tão só há sociedade desenvolvida na existência do direito. Outros identificam que a cada progresso civilizatório tem-se nova formatação de racionalidade jurídica, consequentemente alterada conforme o seio social a que esteja vinculada. Contudo, o direito estaria presente mesmo nas ditas sociedades incivilizadas.216 Para Luhmann, sempre existiu direito na sociedade. Obviamente, a elevação da complexidade fomentou a diferenciação, a qual forjou a positivação como aquisição evolutiva.217 12.2 No Brasil, a assembleia constituinte – que resultou na Constituição Federal de 1988 – confiou ao STF o escopo de dar sentido às normas constitucionais ao resolver os litígios envolvendo os seus preceitos. Até por essa razão, a norma constitucional não pode ser observada apenas pelo texto legislativo, mas também na sua efetivação pela referida corte, como um processo de concretização normativa. Desta forma, a validade e o sentido do direito dependem da lei e da decisão judicial, na linha de uma “hierarquia-entrelaçada” na forma desenhada por Neves.218 Nessa perspectiva, a norma jurídica se depara com o seu processo de criação chegado ao fim somente após a sua concretização. Com tal 216 Mas, mesmo nas primitivas, reconhecia-se a autoridade de algumas pessoas ou de grupos para resolver conflitos. Tais disputas são essenciais para compreender a função e a origem do Direito. Isso porque, não raro o Direito surge para resolver as lides. 217 LUHMANN, 1983a, p.182: “[...] Todas as sociedades humanas, ao longo da história conhecida, atuaram de forma ‘equifinal’ por sempre gerarem direito, se bem que com diferentes concepções normativas, instituições, interesses divergentes, procedimentos, e ainda entrelaçamentos muito distintos com as estruturas sociais e extrajurídicas.”. CEVOLINI, Alberto. Evoluzione e semântica del diritto arcaico. In: A cura di CEVOLINI. Potere e modernità. Stato, diritto, costituzione. Milano: Franco Angeli, 2007. p.156. 218 NEVES, 2007, p. 70. 136 importância, o processo interpretativo de aplicação normativa não pode ser visto como mero procedimento de aplicação, porém como um atuante processo de concretização, em que as abordagens semânticas e pragmáticas têm mais importância do que as de subsunção sintática.219 Durante esse processo de concreção, não obstante o direito público subjetivo à saúde garantido pela Carta Magna, como é plausível que uma parcela significativa da população brasileira fique à margem de uma igualdade social mínima?220 Concerne, no aspecto, indagar se há cidadania em postar os direitos sociais em norma constitucional e simplesmente aceitar o seu descumprimento, como se fossem meramente simbólicos? Por obviedade, o direito não pode infelizmente refazer o milagre da multiplicação dos pães, como narram os evangelistas, ou mesmo, como alerta quase dois mil anos depois, Niklas Luhmann, a respeito da inexistência de uma “varinha de condão”, cujo simples desejo se concretizaria imediatamente num ato de mágica. Não se trata disso. É preciso grifar com rigor, entretanto, que igualmente não se há de coadunar com a passividade, nem com a inércia – não obstante a sua provocação via demanda –, tampouco com a justificativa da errônea cultura jurídica de que não lhe cabe fazer valer um direito público subjetivo constitucional. 12.3 De modo inverso, quando se nega a emissão comunicativa, a égide da binariedade do código exclui o jurisdicionado da prestação social ofertada pelo sistema parcial mencionado linhas atrás, o que também faz com que esta gama de excluídos não veja no Poder Judiciário um defensor dos direitos.221 No mesmo sentido, não há de se negar pontuais argumentos, no aspecto de que o sistema jurídico não tem condição de solucionar tais carências materiais, mormente porque 219 NEVES, 2007, p. 85-87. Num atual e pontual estudo sobre a desigualdade social, sob o manto da teoria dos sistemas, como processo de seletividade da modernização da sociedade brasileira, ver VILLAS BÔAS FILHO, 2009, capítulos 4 e 5, p. 333-335. 221 VILLAS BÔAS FILHO, 2009, p. 351. Com efeito, esta tese assenta que o direito não poder ser exclusivamente julgado pela sociedade como responsável pela restrição da liberdade, nas searas penalistas, ilustrativamente grafada, nem, outrossim, como protetor dos bens da burguesia, quando há inadimplemento e o Oficial de Justiça, seguindo ordem judicial, apreende bem adquirido com reserva de domínio, alienação fiduciária etc. Em ambos, o Estado-juiz emitiu comunicação jurídica, que até podem restar frustradas, no entanto, sob o viés comunicativo, inseriu o jurisdicionado no subsistema do direito. 220 137 aludem a problemas inerentes à periferia, gerados pela ausência de recursos para atender o grande número de necessitados. Precisar-se-ia de vultoso numerário a fim de atender à enorme desigualdade que assola a nossa sociedade. Em razão disto, operar-se-iam escolhas que obrigatoriamente não atenderiam a tudo e a todos.222 No Brasil, que particularmente interessa à tese, formam-se legiões de excluídos, sem as mínimas condições de sobrevivência digna, e o que se dirá da desejada igualdade econômica apregoada pelos direitos sociais constitucionais.223 12.4 Em outro contexto teórico, Lourival Vilanova pontuou que o processo de desenvolvimento social trata-se de alteração factual, num constante duelo entre estabilidade e revolução, em gradativa alternância. A forma jurídica seria a responsável pelos contornos desses novos valores, ainda em ebulição revolucionária.224 Historicamente, a decisão de resolução das contendas sociais sempre foi tomada, seja em tribos, seja em civilizações modernas, por uma ou várias autoridades, fundamentada em poder outorgado consoante a forma da estrutura social do momento estudado. Exemplifica-se com a referência às sociedades arcaicas, nas quais a união e o poder se originavam de laços familiares.225 Em que pesem as variantes sociais, com o surgimento da lide, reclama-se de autoridade social para dirimir os litígios em cujo resultado se refletem os valores daquele grupo social, sobretudo dos axiomas dominantes entres os julgadores. 222 Sob outro vernáculo: o cobertor é pequeno. No plano teórico, não faltam justificativas, e justificadores, ao plexo ideário de abstenção à intervenção do Direito para atenuar essa não concretização dos valores sociais ou mesmo de sua incapacidade para tal escopo, mesmo que resguardadas com tanta argúcia no texto constitucional, como fazem, na última hipótese, mediante preceptivos iluminados: Celso Fernandes Campilongo e Orlando Villas Bôas Filho, de gerações distintas, mas que teorizam sob forte influência luhmanniana, sobretudo por isto, relevantes ao arauto metodológico do trabalho. A propósito, ver CAMPILONGO, 2002, p. 170 e VILLAS BÔAS FILHO, 2009, p. 354-356. 224 VILANOVA, 2003, p. 475. 225 LUHMANN, 1983a, p. 168, 170, 174, em especial, p. 182: “A perspectiva histórica e a da comparação cultural se deparam com a ampla variedade e multiplicidade de forma que o direito assume. A diversidade das origens e das etapas da formação do direito que alcançam o impenetrável desconhecido histórico exclui a hipótese de uma única causa ou constelação de causas do direito. Todas as sociedades humanas, ao longo da história conhecida, atuaram de forma “equifinal” por sempre gerarem direito, se bem que com diferentes concepções normativas, instituições, interesses divergentes, procedimentos, e ainda entrelaçamentos muitos distintos com as estruturas sociais extrajurídicas.”. LIMA, 2012a, p. 42-47. NAVAS, 2009, p. 306-319. 223 138 Assim, decide-se, forma-se uma norma jurídica, a fim de imediatamente dirimir o conflito e mediatamente orientar a sociedade.226 12.5 Em sintonia com esse plexo, todavia sob outras premissas, o formato de sistema/ambiente, apontado por Luhmann como existente na sociedade, leva invariavelmente a uma incerteza controlada. Nesses termos, várias tomadas de decisão em relação a um mesmo caso concreto são possíveis. Isto porque, à medida que a complexidade se eleva, o sistema precisa, dentro da sua binariedade, fazer escolhas para produzir nova estabilização. Ocorre, no entanto, que essas escolhas podem resultar em posturas alternativas, menos exequíveis e até de indiferença, como constatou Alberto Febbrajo227 em monografia sobre o funcionalismo estrutural na Obra de Niklas Luhmann. Portanto, não há uma linha retilínea de evolução.228 De outra banda, trata-se de um processo evolutivo gerado após um constante duelo comunicativo-social entre o sistema e o ambiente, vale dizer, do limite do sistema, num sistema/ambiente seletivo feito pelas estruturas, o que gerará inclusive diferenciação comunicacional, na qual reside a base da formação dos sistemas. Nesse sentido, à medida que se altera o status anterior, por meio dessa já mencionada comunicação diferenciada, deparamo-nos com a evolução do direito, independente do sentido dado pela nova comunicação, num processo de autorreferência, reflexividade e reflexão, obviamente numa sinergia com a codificação e a programação; do contrário o processo seria uma forma sem conteúdo.229 226 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Tradução Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.v. 2. p. 12: “[...], agora o direito serve como instrumento do desenvolvimento social, como mecanismo de definição e distribuição de chances e de resolução de consequências funcionais problemáticas, [...]”. 227 FEBBRAJO, 1975, p. 39. POCAR, Valerio. Il diritto e la trasformazione sociale nella prospettiva funzionale.In: A cura di GIASANTI, A; POCAS, V. La teoria funzionale del diritto. Milano: UNICOPOLI, 1981. p. 22: “[...]. Conflitto e trasformazione non sono naturalmente sinonimi, ma sono certamente fenomini strettamente correlati, molto spesso in un rapporto reciproco de causa ed effetto tanto vicino da renderli press che coincidenti.”. 228 NEVES, 2006, p. 24; LUHMANN, 1983a, p. 193. 229 FEBBRAJO, 1975, p. 88-90, 97; NEVES, 2007, p. 131-132, 134, 136-137. 139 13 DIREITO À SAÚDE E COMPLEXIDADE SOCIAL 13.1 Na perspectiva sistêmica, a constitucionalização dos direitos fundamentais, ora inseridos os sociais, caracterizar-se-ia como garantia em face ao seu desrespeito. Reconhece-se a hipercomplexidade social e por isso mesmo o risco de ocorrer a desdiferenciação do sistema parcial do direito, quando ele deixaria de operar sob sua binariedade e, por exemplo, sofreria determinações do sistema parcial da política. E, nessa óptica, os direitos sociais inseridos na Constituição seriam uma garantia de inclusão social e não ficariam dependentes do sistema político.230 13.2 A complexidade social instaurada chega a ponto de se tornar hipercomplexa, mesmo dentro da relação processual. Daí que a possibilidade de aprendizado ao positivar o direito é necessária para acompanhar uma sociedade complexa e dinâmica. Em consequência, o magistrado terá vários caminhos igualmente possíveis a serem tomados, mesmo num processo de interpretação da norma, entretanto, com um limite de aprendizado (cognitivo) na Constituição Federal. Ela constitui o ordenamento jurídico. Após a sua promulgação, uma nova ordem se instaura. Tudo decorre dela e não se pode destoar de seu plexo valorativo sob pena de inconstitucionalidade.231 Na verbalização de Febbrajo, a redução da complexidade realizada pelos subsistemas, por um lado da análise, simplesmente transfere a complexidade da sociedade para o seu interno e vice-versa. Essa transferência ocorre num momento de abertura cognitiva do sistema em que a comunicação externa (do mundo) ingressa e, como parte desse processo, o sistema parcial em questão reduz a complexidade diferenciando a comunicação. Emite-se, pois, com base na irritação 230 NEVES, 2007, p. 75-78. NEVES, 2007, p. 71, 136-137. Parsons coloca, com muita propriedade, que as normas são postas de uma forma geral, porém o significado, numa situação concreta, trata-se realmente de um problema de interpretação. Cf. PARSONS, 1981, p. 87. Sobre a Constituição como criadora do ordenamento jurídico, ver LUHMANN, 1983c, p. 356:“La teoria dello Stato costituzionale, della sua costituzione, della sua sovranità, del suo controllo di potere, há descritto il sistema político come ordinamento che, intorno al 1800, si comincia a chiamare <<Stato moderno>>.[...]”. 231 140 externa, uma comunicação diferenciada (binariedade sistêmica).232 Em razão da elevação da complexidade social, cuja consequência é sobretudo a grande quantidade de opções possíveis e sua contingência, forja-se uma legitimidade procedimental e não com base em nenhuma racionalidade específica, quer dizer, um axioma qualquer. E isso porque a evolução ocorre internamente, vinculada às estruturas hierárquicas do próprio subsistema. É um fechamento interno, autopoiético, mas nunca fechado para o ambiente.233 13.3 As desilusões acontecerão certamente. Não há como o direito garantir que isso não ocorra, uma vez que foge da sua capacidade operativa. Apesar disso, quando irritado (provocado) por nova comunicação, o sistema parcial emitirá nova comunicação com o intento de corrigir a desilusão porque se trata, no caso especificamente do sistema jurídico, de expectativas normativas, as quais, ao contrário das cognitivas, não se adaptam às desilusões. Se não for desse modo, as normas jurídicas acabam não cumprindo o seu mister de guiar condutas. Por isso mesmo, o juiz não pode aprender com a desilusão, mas sim deve continuar a preservar a manutenção das expectativas normativas ao longo do tempo.234 É verdade, porém, que a tarefa de manter as expectativas ao longo do tempo, em face da desilusão, mediante novas comunicações diferenciadas, não é tarefa fácil, notadamente em razão dos elementos que compõem o dever-ser, a alta seletividade – oriunda da elevada complexidade – e as expectativas das expectativas. Nesta última, sobretudo quando as expectativas de “A” são diversas 232 FEBBRAJO, 1975, p. 57-58. LUHMANN, Niklas. Le norme nella prospettiva sociológica. In: A cura di GIASANTI, A; POCAR, V. La teoria funzionale del diritto. Milano: Edizioni UNICOPOLI, 1981. p. 66. Em síntese, as normas jurídicas não devem aprender com as desilusões oriundas do seu descumprimento. Por outras palavras, as normas não podem aceitar a sua ineficácia social. 233 A questão da legitimação é tratada por Luhmann com o vagar necessário em duas obras. A primeira Legitimation durch Verfabren, de ampla divulgação mundial, é focada basicamente nos principais procedimentos do Estado de Direito. A segunda é Politishe Theorie im Wohlfabrtstaat, conforme FEBBRAJO, Legitimazione e teoria dei sistemi. In: TREVES, Renato (Org.). Diritto e legitimazione. Milano: Franco Angeli, 1985. p. 24-25. Ambas têm boa tradução para o italiano, a saber: Procedimenti giuridici e legittimazione sociale. A cura di FEBBRAJO, Alberto. Milano: Giuffré, 1995 e Teoria Politica Nello Stato del Benessere. A cura di SUTTER, Raffaella. Milano: Franco Angeli, 1983. 234 De outro modo, o legislador pode apreender com a realidade social. Com isso, alterar o conteúdo normativo, inserindo no direito positivo novo valor, mesmo que seja contrário ao anteriormente predominante, ou seja, posto por ele mesmo. O legislador, dessa forma, é tido como um programador, com uma margem muito grande de manobra decisional, que lhe escolher novos valores, mudar de ideologia, tudo obviamente dentro da zona de cognição determinada pela Constituição Federal. Nesse sentido, ver FEBBRAJO, 1975, p. 102-104. 141 das de “B”. Não obstante esse cenário, mesmo diante da ineficácia social, caberá sempre a emissão de nova comunicação. Em razão disso, surgiu a expressão luhmanniana de que as normas são expectativas estabilizantes contrafáticas. Elas lutarão contra os fatos sociais que se colocarem em desfavor do cumprimento do seu conteúdo. 235 Por outro olhar, tem-se que os desentendimentos sociais levam à desilusão. E uma das possíveis consequências é o ingresso de demanda judicial. Caberá ao Poder Judiciário, via reiteradas comunicações – se necessário –, inclusive com uso de sanções, a mantença das expectativas normativas ao longo do tempo.236 Nesse cenário, identifica-se também a elevação da complexidade com o acréscimo dos litígios. O processo social, no que diz respeito ao aumento dos processos judiciais, é mais ou menos assim: as opções sociais aumentam. Por elas, as escolhas são contingentes. Como foco disso, deparamo-nos com a dupla contingência, a qual leva a crer que o outro agirá de determinada forma, quando a escolha de conduta for em sentido diverso do esperado. Com isso, possivelmente se configurará um litígio que pode ou não ser levado ao Poder Judiciário.237 13.4 A autonomia dos sistemas parciais é crucial para a absorção da complexidade social por meio da realização da sua referida função. Essa autonomia garante ao sistema, dentro do código binário, certa liberdade para operar em 235 LUHMANN, 1981, p. 66, 70. FEBBRAJO, 1975, p. 61, 62-63; POCAR, 1981, p. 23: “[...] il problema sociologico del diritto si viene a porre, nella prospettiva funzionale, principalmente come il problema del funzionamento del diritto e della sua efficacia come meccanismo di controllo, anche e forse soprattutto in cio che attiene alla sua capacita di guidare la trasformazione, tanto più quanto più è complexo il sistema sociale.[...].”; PARSONS, Talcott. La prospettiva sociologica della professione legale. In: A cura di GIASANTI, A; POCAR, V. La teoria funzionale del diritto. Milano: UNICOPOLI, 1981. p. 88: “[...]In um sistema giuridico, in ogni caso, il problema della confirmità o meno alla norma non può mai essere oggetto di indiferenza. [...]”. 236 CEVOLINI, 2007, p.156-158, 160; POCAR, 1981, p. 21: “Comunque sia, il conflitto rappresenta l´oggeto del complexo integrato di meccanismi che sinteticamente vien definido controllo sociale, il quale, appunto perche ci collochiamo in um contesto concettuale funzionale, è controllo finalizzato all´equilibrio e quindi alla conservazione del modello, principalmente tramite l´integrazione.”; LUHMANN, 1981, p. 63: “4. Seguendo una proposta di Johan Galtung (26) le aspettative verso le quali vi è aspettativa disposta all´apprendimento possono chiamarsi aspettative cognitive e viceversa possono definirse aspettative normative quelle verso le quali vi è aspettativa disporta al non aprendimento.”. Diante dessa situação, o direito, representado pelos tribunais - o centro do subsistema –, porta-se como um observador de segunda ordem. 237 CEVOLINI, 2007, p.175; POCAR, 1981, p. 22: “Il diritto è struttura del controllo sociale e ne integra globalmente la funzione.”. 142 sintonia com os pontos dispostos na própria operação. Tal referência à própria comunicação é denominado por Luhmann como autorreferência, a qual ajudará na legitimidade da contingência diante das novas demandas sociais.238 Por outro vernáculo, a contingência das decisões do sistema jurídico é certa e fruto essencialmente da necessidade social de novas estruturas; com elas opera-se constante aperfeiçoamento das operações comunicacionais. Isso tudo se dá em razão do aumento das necessidades sociais, visto que à proporção que a complexidade se eleva, a dificuldade da absorção pelos sistemas também se eleva, dando início àquela operação contingente frisada há pouco.239 Nesses moldes, o sistema jurídico é um processo autorreferencial porque caracteriza uma operação fechada ao interno, porém sob cognição aberta e autônoma. Uma comunicação provoca outra e assim sucessivamente. A sociedade é o grande propulsor desse processo. Ela emite constantemente novas comunicações, cuja resposta o sistema jurídico deve gerar. Durante o processo, o subsistema recebe a comunicação externa ao seu interno, irrita-se e provoca nova operação fechada à sua binariedade, a qual exigirá uma nova seleção e decisão. Nesta linha, quanto mais se aumenta a pressão social, a contingência decisional se torna uma constante. Esse processo é, por excelência, um procedimento social em que a descrita reflexividade se processa para validar ou desvalidar determinada conduta, positivando-a.240 13.5 Mansilla e Nafarrate frisam que a reiteração da positivação por meio judicial leva a aproximação ao common law.241 Nota-se, nesse pensar, a contextualização que está por trás dessa afirmação. Não se nega a existência de pontos de partidos vinculantes impostos pela política, todavia, destaca-se que a 238 LIMA, 2009b, p. 26-27; LUHMANN, 2005, p. 73, 99-101, 104, 107, 109; LUHMANN, 2007b, p. 6668, 70-71. 239 TOSINI, 2007, p. 119, 124; NEVES, 2007, p. 72. 240 TOSINI, 2007, p. 99-100; LUHMANN, 2005, p. 93-94. Eis o que, sob a veste da teoria dos sistemas, rotula-se de positivismo. 241 MANSILLA, Darío Rodríguez; NAFARRATE, Javier Torres. Introducción a la teoria dela sociedade de Niklas Luhmann. Mexico: Herder, 2008. p. 566-567; POCAR, 1981, p. 25: “Naturalmente i meccanismi della efficacia del diritto saranno alquanto articolati e differenziati secondo il tipo dei rapporti oggeto della regolazione e secondo la qualità dei destinatari delle norme. [...] In ogni caso la capacita educativa del diritto e quindi la sua capacita adattativa nella trasformazione, cioè d´integrazione consesuale, sará tanto maggiore quanto maggiore sará la congruenza tra il sistema normativo giuridico e gli altri sistemi normativi e tra questi e il sistema culturale.”. 143 enorme complexidade social quando é levada ao processo judicial se transforma em complexidade processual; sua produção reiterada conota uma forte pressão social ao sistema jurídico, com destaque para os tribunais, os quais reduzirão a complexidade mediante operações internas, binárias, e cada vez mais complexas, cuja consequência também pode ser a alteração das teses jurídicas previamente fixadas. Em razão desse cenário de hipercomplexidade social, na sociedade podem ocorrer várias evoluções ao mesmo tempo. Não se trata de uma evolução gradual, planejada. O direito, a política, e demais subsistemas, seguem cada qual o seu respectivo programa. A evolução ocorre no interno de cada sistema. Seriam coevoluções, posto que as mudanças ocorrem com dependência da sociedade, até porque os sistemas parciais – local onde se dá o processo evolutivo – estão inseridos na sociedade. Em consequência, as novas ideias surgem como fruto do processo de variação, seleção e reestabilização. O processo comunicacional social autopoiético gera nova comunicação e assim sucessivamente, de modo que a capacidade evolutiva da sociedade está ligada à sua autopoiese – forma na qual se opera a produção da sociedade moderna –, num processo autorreferencial de reflexividade a resultar em reflexão.242 14 ATUAÇÃO SIMBÓLICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 14.1 Consoante já se disse, a conceituação do vocábulo “simbólico”, no plano teórico, é heterogênea. O trabalho adota a desenvolvida por Marcelo Neves no seu livro “A Constitucionalização Simbólica”. Precisamente para o sentido da pesquisa, já visualizada no título do trabalho, a atuação simbólica do STF, a priori, caracterizar-se-á quando prevalecer na sua “racionalidade jurídica” o significado: 242 MANSILLA; NAFARRATE, 2008, p. 374-375, 377; NEVES, 2007, p. 127-128, 130-133, sobretudo p. 131: “Mas a concepção de autopoiese não se limita em Luhmann à auto-referência elementar ou de base, que se assenta na diferença entre elemento e relação. Essa se apresenta como ‘a forma mínima de auto-referência’, constituindo um dos três momentos da autopoiese, os outros são a reflexividade e a reflexão, que se baseiam respectivamente na distinção entre ‘antes e depois’ ou entre “sistema e ambiente”. Reflexividade e reflexão são conceitos mais precisos do que a categoria mais abrangente de mecanismos reflexivos, formulada anteriormente por Luhmann.”. 144 “político-ideológico”, aqui materializada pela atuação jurisdicional em desfavor da concretização normativo-jurídica. A decisão simbólica, portanto, teria um escopo de álibi social e não de luta pela efetividade dos valores normativos. Álibi entendido como um mecanismo, na verdade, de efeito, como já dito, “político-ideológico” de justificação às pressões sociais.243 No entanto, a tese realiza uma mudança de paradigma, haja vista que Neves analisou o simbolismo da Constituição Federal e a pesquisa, ao seu turno, centra-se na jurisprudência da Suprema Corte.244 Por trás do ideário simbólico de Neves há toda uma construção teórica, alicerçada sobretudo em Kindermann e em Gusfield, com nítido objetivo de sistematização. Nessa senda, depara-se com uma classificação das leis simbólicas no seguinte formato: (i) legislação como confirmação de valores sociais; (ii) legislação como álibi; (iii) legislação como compromisso futuro. A primeira situação surge quando há uma forte polarização ideológica conduzida por grupos sociais obviamente antagônicos e ideologicamente conflituosos. A rivalidade é levada ao parlamento a fim de que um lado saia vencedor na votação de determinado projeto de lei. Em algumas situações, trata-se até mesmo de um litígio religioso, como ocorreu entre protestantes e católicos no caso da Lei Seca nos Estados Unidos da América. A aprovação da lei com vedação à venda de bebidas alcoólicas foi para os nativos (protestantes) uma grande vitória contra os imigrantes (católicos), independentemente da efetividade social da norma.245 14.2 A legislação como confirmação de valores sociais é o primeiro exemplo de legislação simbólica demonstrado por Marcelo Neves. E o mais curioso, porquanto parece inusitado que os movimentos sociais se satisfaçam com a vitória legislativa e não se preocupem com a efetivação dos valores contemplados. Neves 243 NEVES, 2007, p. 19, especialmente, p. 30-31: “[...] Porém, o conceito de legislação simbólica deve referir-se abrangentemente ao significado específico do ato de produção e do texto produzido, revelando que o sentido político de ambos prevalece hipertroficamente sobre o aparente sentido normativo-jurídico. A referência deôntico-jurídica de ação e texto à realidade torna-se secundária, passando a ser relevante a referência político-valorativa ou ‘político-ideológica’”. Ver, também, NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Costituzionalizzazione simbólica e decostituzionalizzazione di fatto. Traduzione Michele Carducci. Lecce: Pensa, 2004. p. 29, 32. 244 NEVES, 2007, p. 1-3. Ainda, sobre a obra de Marcelo Neves, intitulada “A Constitucionalização Simbólica”, destaca-se que foi por meio da sua leitura que Niklas Luhmann repensou a ideia de autopoiese para reconhecer a alopoiese. 245 NEVES, 2007, p. 33-36. 145 elenca exemplos como o caso da Lei Seca norte-americana, em que os protestantes a favor da lei travaram uma batalha política com os católicos contrários à sua aprovação. Fundamentando-se em Gusfield, Neves defende que almejavam os protestantes a aprovação da lei muito mais num sentido de duelo de forças do que a concretização no mundo fático desses valores.246 Talvez, a situação, por outro olhar, não seja de desinteresse pela efetividade social, porém estaria num segundo plano, pois que, em primeiro estaria a vitória política, em total derrocada do outro grupo social. A segunda hipótese pontuada por Neves diz respeito à legislação-álibi. Nesta, o legislador teve o escopo de conquistar a opinião pública. Muitas vezes, cobram-se do parlamento atitudes até mesmo imediatas para sanar problemas sociais, sejam de qualquer ordem, mesmo que a produção normativa não possa, como um passe de mágica, solver o problema. Essa expressão: “legislação-álibi”, como suprarreferida, foi cunhada por Kindermann. Abrange situações como as que ocorrem nos processos eleitorais, em que os políticos propagandeiam seus atos, como forma de angariar eleitorado ou mesmo manter o do pleito anterior.247 14.3 Ainda, sob o aspecto do simbolismo, Marcelo Neves, escorado em Freud e Gusfield, cada qual no seu contexto teórico, desenvolve raciocínio sobre o significado latente e manifesto das normas jurídicas, imbricando em agudo conceito sobre a legislação simbólica, a qual seria, por outro vernáculo, um mandamento com a ilusão de uma função manifesta. Por sua edição, não se pretendeu, realmente, que os valores nela assentados fossem efetivados. Almejou-se, de forma latente – escondida –, outra finalidade, como por exemplo, de origem político-ideológica.248 246 NEVES, 2007, p. 33-34. O autor cita mais dois exemplos sobre essa situação de confirmação de valores sociais, ambos na Europa; um a respeito do aborto, outro de legislação estrangeira. Cf. p. 3435. 247 NEVES, 2007, p. 36-37. 248 NEVES, 2007, p. 22-33, sobretudo p. 33: “Kidermann propôs um modelo tricotômico para a tipologia da legislação simbólica, cuja sistematicidade o torna teoricamente frutífero: ‘Conteúdo de legislação simbólica pode ser: a) confirmar valores sociais, b) demonstrar a capacidade de ação do Estado e c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios’.”. Como se aduz da transcrição, Neves, baseado em Kindermann, expôs um modelo com tríplice divisão do intuito latente dessa legislação simbólica: (i) confirmação de valores sociais; (ii) legislação-álibi; (iii) legislação como fórmula de compromisso dilatório. Cf. NEVES, 2004, p. 27-28. 146 A cobrança social face ao sistema político provoca uma reação comunicativa. No caso da produção legiferante, novas leis serão votadas e aprovadas diante dos clamores sociais. O curioso é que, em algumas situações, os legisladores têm consciência da ineficácia social dessa nova lei. Ela será aprovada, porém, socialmente terá pouca ou nenhuma força coercitiva. Sem embargo desta consciência, como ela se faz necessária, é criada como um “álibi” com o mote de reforçar momentaneamente a confiança popular no governo. Contudo, a prática sucessiva de tal artifício pode gerar o efeito inverso, fortalecendo o descrédito em relação aos políticos.249 A ideia de dilação da resolução de um problema social é relacionada, regra geral, à gravidade do problema em questão. Como é um problema grave, de difícil resolução, procura-se postergá-lo mediante a criação de medidas paliativas. A exemplo disso, no Brasil existem, em algumas regiões, verdadeiros bolsões de miséria; uma situação oriunda de uma realidade econômico-social negativa muito forte, não resolúvel em curto prazo. Por isso mesmo, o governo brasileiro cunhou diversos planos assistenciais, rotulados de “bolsas”, os quais, no senso acima mencionado, amenizam, mas não resolvem a situação. Sem menoscabo a essa análise, a ideia aqui é outra: o parlamento vê a necessidade de dar uma resposta aos eleitores, todavia, não há consenso em relação às medidas que devem ser tomadas para resolver a questão. Deste modo, diante da necessidade imediata de uma resposta, chega-se a um acordo em produzir determinada norma que sabem que não resolverá a situação. No entanto, como não há acordo sobre as medidas necessárias, edita-se a lei propriamente como uma dilação do problema. É uma forma de dar uma resposta (ainda que estéril) aos reclamos da sociedade.250 249 NEVES, 2007, p. 36-41, cita-se, literalmente, p. 33: “[...] Quando, porém, a nova legislação constitui apenas mais uma tentativa de apresentar o Estado como identificado com os valores ou fins por ela formalmente protegidos, sem qualquer novo resultado quanto à concretização normativa, evidentemente estaremos diante de um caso de legislação simbólica.”. Cf. NEVES, 2004, p. 28-29. 250 NEVES, 2007, p. 41-42. 147 15 ATUAÇÃO EFETIVA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 15.1 As normas constitucionais não são simplesmente conselhos. Muito pelo contrário, tratam-se da base do direito. Tudo decorre delas, por isto mesmo, o seu conteúdo é obrigação do Estado fazê-lo efetivar-se, inicialmente dentro do próprio sistema, para em seguida concretizá-lo socialmente. À parte, portanto, as discussões ideológicas e científicas sobre a eficácia constitucional, o certo é a sua força vinculante. A Constituição não se trata de um simplório conjunto de ideias, aspirações e desejos, ao inverso disso, é a materialização deles pelo direito; foram transformados num plexo de regras vinculantes à sociedade e também ao Estado, o que obriga o sistema jurídico, por exemplo, a promover a inclusão generalizada dos excluídos, quando provocado, inclusive nos direitos sociais.251 Essa positividade vinculante é uma aquisição evolutiva do Estado Moderno, como descreveu Luhmann. A elevação da complexidade fomentou a diferenciação sistêmica a desembocar nas normas postas, com força vinculante também ao gestor público.252 Até porque, a nota destaque do direito é a imposição de condutas, quiçá quando tais preceptivos estejam previstos na lei das leis, à qual tudo e todos se subordinam. Daí a justiça social amplamente prevista na Constituição Federal – arts. 6º, 7º, 170, 193, 208, inc. I, – não poder ser aviltada por qualquer indivíduo, muito menos, pelo próprio Estado, seu guardião por excelência, mesmo que os versículos constitucionais sejam considerados como programáticos, como pontua Bandeira de Mello.253 A essa linha de raciocínio acresce-se que as leis e os atos administrativos, obviamente praticados pelo Estado nas suas distintas dimensões, hão de buscar sempre a efetiva justiça social. Vale dizer, inclusive, que o legislador maior – constitucional – chegou a ponto de tipificar como crime de responsabilidade 251 NEVES, 2007, p. 77. Com a positivação a legislação ganha um grande espaço social. Ela gradativamente acaba que a definir limites à Administração Pública. Desse ponto em diante, historicamente, as leis devem ser cumpridas, sobretudo a partir do último quarto de setecentos com as constituições em voga. Trata-se de uma aquisição evolutiva. Cf. LUHMANN, 1996b, p. 102. 253 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. Malheiros: São Paulo, 2009. p. 11-13. Sobre a eficácia intrassistêmica, ver VILANOVA, 2000, p. 74: “A eficácia é uma construção intra-sistêmica, normativa.”. 252 148 do Presidente da República, no seu art. 85, inc. III, a prática de atos que violem, entre outros, os direitos sociais. E não é só isso. A própria Constituição – até como autodefesa – prescreve, precisamente no art. 102, inc. I, “a”, a ação direta de declaração de inconstitucionalidade endereçada ao STF. Nesses moldes, a própria Lei Maior estabelece o poder-dever de expurgar os atos em descompasso com as suas diretrizes.254 15.2 A Constituição Federal tem também uma função de limite cognitivo. Isto significa que a política não pode, em seus atos, desvirtuar-se das expectativas lá postas. Do mesmo modo, a Administração Pública, como estrutura do referido sistema parcial, não pode descumprir tais valores. Contudo, não obstante a força constitucional, há descumprimento dos valores, melhor, das expectativas constitucionais por parte do próprio sistema político. Diante dessas desilusões, caberá ao sistema do direito a manutenção das expectativas frustradas.255 Até porque, segundo Talcolt Parsons, o direito não é uma categoria descritiva de comportamentos já realizados, mas sim de normas, modelos e regras que devem ser aplicados na coletividade. Por isto mesmo, Parsons o vê como um mecanismo de controle social generalizado porque prescreve condutas em todos os campos da sociedade, com enfoque também integrativo, a mitigar os conflitos sociais, lubrificando os mecanismos de relação social.256 15.3 Sem embargo do êxito ou não da função jurídica, a desilusão (a não efetivação social da norma) é inerente ao processo social de diferenciação. Nenhum mecanismo social pode excluí-la (evitá-la definitivamente). Por outro lado, a diferença das expectativas normativas para as cognitivas é que, no caso das 254 BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 35. Ver também p. 34: “6. Segue-se que todas as leis e todos os atos administrativos hão de perseguir o desenvolvimento nacional e a Justiça Social e hão de pautarse, obrigatoriamente, pelos princípios mencionados no art. 170, sob pena de serem inconstitucionais naquilo que traduzirem descompasso com as finalidades estatuídas e com os princípios a que se devem ater.”. 255 MANSILLA; NAFARRATE, 2008, p. 387-389. 256 PARSONS, 1981, p. 85-86. Numa outra perspectiva de análise, na dogmática constitucional, ver BARROSO, 2012, p. 384: “[...] Já o direito se insere no campo das ciências e tem, sobretudo, uma pretensão prescritiva: ele procura moldar a vida de acordo com suas normas. E as normas jurídicas não são reveladas, mas, sim, criadas por decisões e escolhas políticas, tendo em vista determinadas circunstâncias e visando determinados fins. E, por terem caráter prospectivo, precisarão ser interpretadas no futuro, tendo em conta fatos e casos concretos.”. 149 primeiras, o sistema parcial do direito continuará a emitir comunicação diferenciada com escopo de lutar contra as desilusões oriundas da sua não efetivação. No entanto, nas cognitivas, o sistema aprenderá com as desilusões não lutando em desfavor delas.257 Ao transportar esse raciocínio para o direito à saúde, assevera-se que as partes litigantes têm dúvida sobre qual o verdadeiro conteúdo de determinada expectativa normativa, ao menos em tese, sem deixar de desconsiderar os casos de má-fé. Eles (cidadão e Estado) divergem a respeito do real conteúdo da norma aplicável ao caso concreto. Há ou não direito a determinado tratamento, por exemplo? Ainda, poderá não haver consenso sobre qual norma deve ser aplicada à situação fática. Sem menoscabo a isso, após a constatação da correta assertiva mediante decisão judicial com força executiva imediata, a parte sucumbente deve aprender com a decisão. A partir desse momento, deverá respeitar o conteúdo imposto pela decisão, sob pena das sanções cabíveis, mormente porque, se é verdade que o direito não pode garantir a completa eficácia social, não é menos verdade que a reiteração comunicativa com escopo da efetivação é sim possível de ser feita pelo sistema parcial, ora representado pelo STF, sobretudo porque a diferença entre as expectativas normativas e cognitivas só se torna clara – pragmaticamente falando – com a comunicação diferenciada, quer dizer, com emissão de comunicação binária.258 A bem da verdade, por de trás desse cenário teórico, aventa-se que invariavelmente a efetivação dos direitos resumir-se-á na aplicação ou não da lei pelo agente público, seja no caso da Administração, seja no caso do Judiciário. A norma positivada pouco vale se não existir alguém com vontade e capacidade para fazê-la efetiva socialmente.259 Do contrário, é meramente simbólica, sem utilidade 257 LUHMANN, 1981, p. 80-83. NEVES, 2007, p. 135-136. No livro “Politishe Theorie im Wohlfabrtstaat”, Luhmann enfrenta as possibilidades e os limites da atuação do Estado Social, na óptica sistêmica, em que coloca como limite o respeito ao Estado de Direito. Com isso, segundo ele, o Estado pode atuar desde que não viole os princípios essenciais do Direito. Ressalta, ainda, que a dimensão da efetividade social das atuações do Estado de bem-estar social foge do controle do Estado. Ver também FEBBRAJO, 1985, p. 29. 259 BARROSO, 2012, p. 385: “Como conseqüência, tanto a criação quanto a aplicação do direito dependem da atuação de um sujeito, seja o legislador ou o intérprete. A legislação, como ato de vontade humana, expressará os interesses dominantes – ou, se preferir, o interesse público, tal como 258 150 prática. Aliás, no jogo democrático, o STF é, em tese, a última trincheira para o fim de se concretizar ou não o direito à saúde. Isso tudo sem prejuízo de se reconhecer, como é cediço, que a função organizadora do poder cabe à política e não ao direito, porém, quando a engenharia política não é suficiente para garantir direitos previamente outorgados pelo sistema político, o indivíduo é motivado a se tornar jurisdicionado, batendo, desta forma, às portas do Poder Judiciário com seu pleito à saúde. Restará, nessa perspectiva, aos juízes buscarem, mediante reiteradas decisões judiciais se preciso for, a concretude social de um direito constitucionalmente garantido, sob pena de seu papel institucional também ser visto como simbólico, mormente quando se vislumbra um Estado Social no qual se busca invariavelmente a igualdade como matriz social. Como pontuado no item 11, estriba-se que houve uma mudança de paradigma no constitucionalismo mundial. Alguns países como o Brasil – e bem lembrado há pouco por Celso Antônio Bandeira de Mello – esculpiram em sua certidão de nascimento, quer dizer, a Constituição Federal, o mister de promover a justiça social. No caso pátrio, não é que os particulares e o público terão resguardados os espaços político e jurídico para realizar tal sacerdócio, como a guisa de referência cita a Constituição norte-americana; o cerne é outro, é sim pelo próprio comprometimento de fazer valer direitos sociais como o direito à saúde, seja por políticas públicas, seja por pleitos judiciais.260 16 ADJUDICAÇÃO E SIMBOLISMO 16.1 Historicamente, não há que se falar em direitos de segunda dimensão, como os sociais, sem a atuação do Estado. Os direitos sociais ventilamse em prestações positivas, com espeque de alcançar o bem comum e a justiça compreendido pela maioria, em um dado momento e lugar. E a jurisdição, que é a interpretação final do direito aplicável, expressará, em maior ou menor intensidade, a compreensão particular do juiz ou do tribunal acerca do sentido das normas. [...]”. 260 SARMENTO, 2012, p. 106-112. 151 social. 261 Uma coisa é implícita à outra. Com efeito, ou os citados direitos existem realmente, o que resultaria numa obrigação de atuação do Estado, ou simplesmente não existem, e, nessa segunda hipótese, como estão tipificados em norma constitucional, restará qualificá-la de norma simbólica, ao menos no que diz respeito à temática em questão. Os direitos sociais positivados pela legislação resultam em programas fins ao Estado em face de outros direitos já previamente existentes. Alterar uma ordem constituída não é tarefa fácil, notadamente quando esse processo deve ser feito sem um rompimento drástico com a ordem anterior (como sucederia numa revolução), mediante implementação de políticas públicas ou, quando ineficazes, da atuação jurisdicional. Esse processo distributivo exige um raciocínio diverso do tradicional processo de adjudicação. Pede-se uma racionalidade ao julgar de forma mais refinada do que o simples certo ou errado, de modo que se reclamará do juiz uma análise global da situação, a qual foge do binômio referido (certo ou errado) a fim de se aproximar de uma decisão equânime.262 Por decorrência desse conceito, há um todo; um bem comum que necessitará ser dividido para apontar a parte de cada um. Resta ao magistrado, dentro do processo judicial, o mister de rever esse critério de divisão feito pela Administração Pública, de tal sorte que provocaria uma nova partilha de forma a atender melhor a vontade da lei.263 Bom lembrar, nessa linha, que os direitos subjetivos – como o direito à saúde – são construções históricas. A sua positivação também é uma aquisição evolutiva da sociedade moderna. Por outro lado, entendêlo como direito completamente objetivo, por assim dizer, posto e imposto a tudo e a todos não fornece indicação sobre a sua função na sociedade atual, num contexto de racionalidade sustentável a longo prazo. Por esse motivo inclusive, essa 261 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 769, 772. 262 LOPES, 2006, p. 233-235. Ver, na mesma obra, p. 237: “Por tais características não é de se admirar que seja ainda difícil uma discussão mais detalhada dos direitos sociais dentro dos trabalhos dos juristas e que saiam do lugar-comum da invocação da ‘dignidade da pessoa humana’, espécie de abracadabra jurídico de uma sociedade em que a discussão moral – da qual procede o próprio conceito de dignidade humana – não é feita em público.”. Extrai-se, ainda, p. 291: “[...] O ponto relevante sempre é este: podem direitos presentes de sujeitos individuais ser qualificados em nome de direitos futuros de outros sujeitos, entre os quais estarão incluídos os direitos ‘prejudicados’? Em outras palavras, é possível redistribuir os direitos?”. 263 LOPES, 2006, p. 142: “A distribuição consiste em partilhar algo comum. Distribuir é tomar algo que é um todo e dividi-lo.”. Também sobre os direitos sociais como bens coletivos, ver NEVES, 2005, p. 8. 152 perspectiva de análise dos direitos subjetivos, desprovida de um equilíbrio social, motivou Luhmann a rotulá-los como direitos injustos.264 16.2 A racionalidade da Suprema Corte no que diz respeito ao direito público subjetivo à saúde como direito individual, indisponível, é muito bem definida no sentido de sua efetividade em casos individuais. Isso se torna quase que incontroverso com a análise dos precedentes elencados na pesquisa. Por outro lado, a questão do direito à saúde como direito público social ainda está muito incipiente, sendo ainda utilizada como retórica para justificar o individual, mas a questão global, complexa, que gira ao entorno desse problema, encontra-se muito longe de qualquer encaminhamento. Neste escopo, o seu universalismo social é inócuo, resta observar se as partes romperão ou não as barreiras impostas pela jurisprudência defensiva do STF para resultar no julgamento do seu recurso. No entanto, a igualdade de cada indivíduo de receber a sua parte ao direito à saúde, acaba que aviltada como se não existisse.265 16.3 O problema em julgar casos de direito à saúde tangencia as justiças comutativas e distributivas. Os juristas, muito em razão de uma formação teórica tradicional, é comum não aceitarem enfrentar questões de distribuição das riquezas. Ao inverso disso, é rotineira a resolução das questões comutativas, praticamente como um processo de adjudicação. Nestes termos, os tribunais não estão preparados para uma análise global dos direitos e dos recursos para efetivá-los, obviamente pela necessidade de se repensar a questão de forma interdisciplinar em sintonia, por exemplo, com a economia e com a Administração Pública. Essa dificuldade de enfrentar o problema sob uma perspectiva distributiva também pode ser justificada em razão de um óbice cultural, fruto de uma educação liberal e, no caso do Brasil, ainda como resquício de uma herança social tradicional em que por 264 LUHMANN, 1990b, p. 299, 305. LOPES, 2006, p. 256-259. Na página 280: “[...] O direito foi percebido como instrumento de engenharia social. Para tanto era preciso superar a tradição liberal de (a) não-intervenção nos contratos, e (b) separação de poderes de modo rígido, muito especialmente de isolamento do Legislativo e do Judiciário.”. 265 153 muitos anos só os filhos da elite cursavam as faculdades de direito. Esse cenário influencia a Excelsa Corte a ser reticente em raciocinar de forma distributiva.266 A mesma Corte já enfrentou situação similar de mudança de paradigma quando, na República Velha, julgou inúmeros pedidos de vedação à atividade estatal de saúde pública, comandados pelo então impopular Osvaldo Cruz. Naquele momento, valores liberais tão em voga à época, como a própria liberdade, surgiram com o intento de combater inúmeras doenças contagiosas resultado do grave processo epidêmico que enfrentava o Brasil. O julgamento ficou conhecido como “Revolta da Vacina’, julgado no STF sob a classificação de RHC 2244.267 Assenta-se, outrossim, que o processo de positivação jurisdicional pressupõe, como consequência inafastável, a hermenêutica da norma legal, ou das normas legais aplicadas ao caso, bem como dos fatos narrados pelas partes. Tudo isso, inicialmente, numa vertente individualizada para depois portar os fatos ao processo de subsunção. Durante esse processo não linear, o intérprete realiza um processo intelectual cujo escopo é conduzir esse raciocínio, que é influenciado pela sua ideologia. Certa seletividade, portanto, é inerente à referida operação intelectual de interpretação. Lógico, porém, que no momento da análise técnica da norma, as 266 Sobre a capacidade institucional dos juízes na análise dos efeitos sistêmicos da sua decisão, ver BARROSO, 2012, p. 375: “[...], a doutrina constitucional tem explorado duas idéias destinadas a ingerência judicial: a de capacidade institucional e a de efeitos sistêmicos. Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. [...] Também o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis podem recomendar uma posição de cautela e de referência por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, sem condições, muitas vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público.”. 267 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 2244. Relator Ministro Hermínio Espírito Santo. Julgado em 31.01.1905, Publicado em 03.02.1905. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfJulgamentoHistorico&pagi na=STFPaginaPrincipal1>. Acesso em: 9 out. 2013: “A Revolta da Vacina foi um movimento ocorrido entre 10 e 16 de novembro de 1904, na cidade do Rio de Janeiro, contra a campanha obrigatória de vacinação imposta pelo governo federal.”. Ver, no tema, LOPES, José Reinaldo de Lima; QUEIROZ; Rafael Mafei Rabelo Queiroz; ACCA, Thiago dos Santos. Curso de História do Direito. São Paulo: Método, 2006. p. 489. Com esse mesmo plexo, pode-se analisar o início do processo histórico do controle de constitucionalidade, notadamente a atribuição ao Senado francês do mencionado controle, em 1799. No entanto, como era um órgão político, não comprometido também com a técnica, não teve utilidade prática naquele momento, inclusive em face dos atos praticados por Napoleão Bonaparte. Um resultado frutífero, porém, historicamente visto, mas que à época gerou tensão foi a atuação da Suprema Corte americana no célebre caso Marbury versus Madison, de 1803, no qual se declarou, pela primeira vez, a inconstitucionalidade de uma lei, bem como se perfilharam os contornos do controle de constitucionalidade americano, em cujas premissas se embebedou grande parte do constitucionalismo moderno. 154 peculiaridades da respectiva espécie normativa vêm à tona, quiçá da constitucional, a qual, segundo Luhmann, é a abertura para o futuro ao permitir que o sistema jurídico preveja a sua própria alteração por meio de nova comunicação diferenciada nos limites da autorreferencialidade do seu respectivo binarismo.268 16.4 Além do mais, na própria jurisprudência analisada, observou-se a garantia do direito à saúde como um bem inalienável, indisponível, propriamente como direito público subjetivo. Por óbvio, como já grafado, a Suprema Corte, muito pelos votos do Ministro Celso de Melo, forjou tal garantia na sua jurisprudência. Sem menoscabo dessa conquista histórica, ora se ventila que a prática reiterada por todos os tribunais brasileiros dessa visão comutativa, seguramente portará a ruptura do sistema político, a levar o Estado a uma quebra generalizada por flagrante escassez de recursos. Isso sem mencionar que ao assim julgar reduz-se, e muito, a força reflexiva que deveria ser proporcionada pela Constituição Federal.269 Com essa perspectiva, não há como não levantar o ideário em torno da metodologia de se julgar um litígio dessa natureza, uma vez que se poderia simplesmente decidir a favor do referido direito, despreocupado com as consequências disso ou, de outra forma, sem desconsiderar o direito, promover uma análise global da situação.270 Além do que, modernamente, a função do direito reside na sua eficiência seletiva, numa relação ininterrupta com a sociedade, em paráfrase a Luhmann. A evolução do direito dependerá muito de como o próprio direito reagirá às modificações da sociedade ao longo do tempo.271 16.5 Em rigor, ainda, as atuações da Suprema Corte no tema de direito à saúde, enfrentado como uma questão distributiva, está longe do ideal, com a justa menção à audiência pública realizada pelo seu então Presidente Ministro Gilmar Ferreira Mendes, oportunidade em que se buscou entender o problema de uma forma global. Mesmo que os julgamentos – a partir de então – continuem a ser de 268 LUHMANN, 1996b, p. 100. Sobre os direitos fundamentais como abertura para o futuro, ver NEVES, 2005, p. 8. 269 NEVES, 2007, p. 69-74, 95. 270 LOPES, 2007, p. 137, 155. Em texto voltado a abordar a Constituição como aquisição evolutiva da sociedade moderna, Luhmann expõe que a própria Constituição deve interromper o círculo da autorreferencialidade a fim de traduzir a simetria em assimetria. Cf. LUHMANN, 1996b, p. 97. 271 LUHMANN, 1983b, p. 116. 155 forma comutativa, já se deu o primeiro passo. Nesse cenário, só resta ao jurisdicionado continuar a pressionar o STF por meio de reiterados reclames processuais à sua alçada, o que gradativamente originará nova comunicação do sistema, chegando assim a novos processos de seleção, a resultar em decisão diferente da anterior. O processo de alteração das normas constitucionais deriva da alteração da Constituição mediante emenda constitucional ou da alteração do significado constitucional outorgado no momento da concretização da norma constitucional. Neste processo de concretização, Marcelo Neves indica duas formas de alteração constitucional, sendo uma delas a promovida pela política, que agiria em determinado sentido, com base em dispositivo constitucional específico. A política alterou a sua forma de agir com base no idêntico dispositivo constitucional. Por esse proceder, fala-se que o sistema político reinterpretou a referida norma. Na outra forma, o Judiciário a interpreta ao aplicar a Constituição Federal para dirimir um conflito no caso concreto. Em ambos os casos, porém, o processo de alteração é influenciado por interesses, expectativas e valores envolvidos no momento da interpretação-aplicação da norma.272 Configurada a alteração da norma constitucional, adota-se, nesse quesito, a tese sistêmica de que a evolução se configura a partir de nova comunicação, cujo conteúdo obrigatoriamente não significaria uma coisa boa. Dessa maneira, novas racionalidades vieram e outras tantas virão com o passar dos anos, em interface contínua entre a referida tricotomia, ou talvez, quem sabe, as demais que o futuro reservará. Talvez, e por isso mesmo, chegue-se no futuro à compreensão de que essa postura de julgamento, com óptica coletiva, trata-se de complemento à atuação da política e não de uma usurpação de poderes.273 Mesmo porque, na classificação constitucional, o direito à saúde está inserido numa subdivisão dos direitos sociais, precisamente direitos da seguridade social, a qual aponta como seus princípios a universalidade e a uniformidade. 272 NEVES, 2004, p. 13, 15-17. A respeito da atuação judicial como um complemento da política com destaque para julgamentos comutativos, ver LOPES, 2007, p. 181. Sobre justiça distributiva e comutativa, ver LOPES, 2006, p. 282-283. Para uma análise, no Brasil, de alguns casos de justiça distributiva sob o enfoque do direito do consumidor, ver LOPES, 2006, p. 141-161. 273 156 16.6 Em linhas gerais, não há como ratificar que a Suprema Corte julgue um direito de ordem distributiva de forma exclusivamente adjudicatória sob pena de as emblemáticas afirmações da Excelsa Corte – “Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. [...]”274 e “A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.”275 –, tornarem-se simbólicas em contexto nacional. Exemplifica-se com uma ilustração: imagine que a sua casa está infectada por uma grande quantidade de formigas. Muitas formigas tomam conta do lugar. Você não conseguiu resolver. Contrata uma empresa especializada. No dia da dedetização, a equipe explana um discurso forte, persuasivo de que a sua família ficará livre das formigas. Durante a prestação do serviço, com grande vigor, matam-se todas as formigas que se encontram visíveis. No entanto, no dia seguinte, o seu cachorro morre envenenado e, uma semana depois, as formigas estão todas de volta. O que aconteceu? A empresa é séria. Dedicou-se ao trabalho! Porém, enfrentou a questão de forma adjudicatória, condenando aquelas formigas à morte sem pensar a questão de forma macro, com a análise do conjunto (origem, consequências etc.) para buscar atingir o resultado de forma global. Por isso mesmo, a empresa, por mais que se tenha esforçado, teve uma atuação simbólica. Obviamente, com as devidas adaptações, o resultado da pesquisa é muito símile à esboçada ilustração acima. O STF à medida que não julga o direito à saúde por um prisma distributivo, outras vezes é muito mais generoso com casos (demandas) individuais do que nos processos coletivos, promove a continuidade de uma exclusão gigantesca dos indivíduos à saúde. Dessa forma, acaba tendo uma atuação simbólica, como um “álibi”. Fez-se o que se podia. Argumentou-se com 274 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 271.286-8– RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Município de Porto Alegre. Agravada: Cândida Silveira Saibert. Agravada: Dina Rosa Vieira. Brasília, DF. Julgado em 24.11.2000. Trecho, p. 1.419. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso em: 24 out. 2013. 275 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 393.175-O– RS. Relator Ministro Celso de Mello. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravado: Luiz Marcelo Dias e outro (A/S). Brasília, DF. Publicado em DJe 02.02.2007. Trecho, p. 1.524. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=402582>. Acesso em: 24 out. 2013. 157 teses lindas – que inegavelmente consolidam um direito no plano jurídico – mas que a sua não resolução, pelo enfoque distributivo, configura como simbólica, a despeito do bem entregue àqueles litigantes que obtiveram a decisão favorável – uma nova elite.276 17 INADMISSIBILIDADE E SIMBOLISMO 17.1 A grande massa de recursos extraordinários interpostos no STF não é admitida. Desses dados, é possível fazer várias observações, das quais três se destacam quanto ao escopo desta pesquisa: (i) o juízo de admissibilidade dos recursos à medida que limita significativamente o acesso aos jurisdicionados reduz a complexidade social. Trata-se de um simplificador social. São muitos, inúmeros mesmo, os recursos que pleiteiam o acesso à Suprema Corte, todavia, é preciso reduzir essa elevada quantidade.277 Para isso, criaram-se requisitos constitucionais para sua admissão, os quais se tornam mais ou menos rígidos conforme a interpretação outorgada pelo tribunal de origem da decisão recorrida e pelo próprio STF; (ii) o fato de a maioria dos recursos interpostos não serem admitidos – daí nem ao menos serem julgados pelo STF – não interfere na autopoiese do sistema jurídico; (iii) o não julgamento de uma grande quantidade de demandas de jurisdicionados que tiveram tolhido o seu direito à saúde, enquanto uma elite que teve uma representação judicial diferenciada sob o viés técnico, a ponto de romper o rígido crivo de admissibilidade imposto aos recursos extraordinários, conseguiu a proteção judicial, provoca uma atuação simbólica da Suprema Corte, na medida em 276 NEVES, 2007, p. 95: “Embora do ponto de vista jurídico a constitucionalização simbólica seja caracterizada negativamente pela ausência de concretização normativa do texto constitucional, ela também tem um sentido positivo, na medida em que a atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um relevante papel político-ideológico. Nesse sentido, exige um tratamento diferenciado das abordagens tradicionais referentes à ‘ineficácia’ ou ‘não-realização’ das normas constitucionais”. Ver, ainda, NEVES, 2007, p. 96: “Já no caso da constitucionalização simbólica, à atividade constituinte e à emissão do texto constitucional não se segue uma normatividade jurídica generalizada, uma abrangente concretização normativa do texto constitucional.”. 277 Para redução da complexidade social, ver LIMA, 2009b, p. 79-85. 158 que não toma nenhuma atitude a fim de amenizar a exclusão, seja com a edição de uma súmula vinculante, seja com julgamentos conduzidos por critérios distributivos. 17.2 Na última observação apresentada, pelas regras do jogo do sistema recursal brasileiro, muitos jurisdicionados que se enquadram na mesma situação fática de outros tantos que tiveram ao seu favor a tutela da Suprema Corte não terão o seu direito subjetivo efetivado. Configura-se um paradoxo: reconhece-se o direito à saúde como indisponível, superior a interesses secundários como os financeiros, mas se aceita que uma legião continue à margem desse direito, pois foi barrada na admissibilidade recursal. Entretanto, como o próprio subsistema prevê tal procedimento, e, depois, com a análise dos acórdãos, aferiu-se que as decisões são feitas à luz da binariedade do sistema, o processo comunicativo autopoiético não sofre rupturas. Por outro lado, é inegável que há um caráter de simbolismo, chamado aqui de “simbolismo-álibi”. Involuntariamente, a Corte Constitucional elege a cada juízo de admissibilidade uma elite, escolhida sob um viés técnico, materializada nos recorrentes suficientemente capazes de ultrapassar o juízo de admissibilidade e, assim, conseguirem ter seus recursos julgados. Desse modo, a atuação do STF simbólica é justamente pelos recursos não julgados – referimo-nos, aqui, à enorme quantidade de recursos que têm o seu acesso obstaculizado pelo juízo de admissibilidade – e não pelos julgados, mesmo em razão de que a separação de poderes remonta também as suas raízes no anseio de igualdade, com o condão de neutralizar a atuação estatal de interesses particulares e promover a generalização das expectativas normativas.278 18 SÚMULA VINCULANTE E ORÇAMENTO PÚBLICO 18.1 No caso específico de análise da tese, a ideia da edição de uma súmula vinculante, à primeira vista, choca-se com a fórmula de contingência, a qual 278 NEVES, 2007, p. 81. No cenário dos direitos humanos, apontando a exclusão da maioria dos cidadãos como critério para qualificar os referidos direitos como privilégio de uma elite, ver NEVES, 2005, p. 19. 159 prevê a justiça como consistência teórica versus adequação social. Dentro desse jogo comunicacional, deparamo-nos com o limite operativo dos outros sistemas parciais. Contudo, esse embate com a fórmula de contingência pode ser significativamente amainado com a procedimentalização de instrumentos (técnicas) de garantia de abertura à revisão das súmulas em comento. Todavia, somente o efetivo uso pela Corte Constitucional do procedimento de revisão das súmulas dará a abertura cognitiva que num primeiro momento a edição de uma súmula vinculante dificulta.279 No caso da política, a edição de súmula vinculante sob o viés adjudicatório destruiria a Administração Pública, em razão de não haver recursos, em caráter nacional, para atender essa monstruosa demanda, nos moldes como judica o STF. Mesmo porque, a validade erga omnes das premissas decisionais sumuladas pela Suprema Corte deve ser simplesmente aplicada a todos os casos de violação do direito à saúde do país. Então, se todos os pleitos jurisdicionais de saúde fossem resolvidos por meio de decisões judiciais no formato adjudicatório cumulado com uma racionalidade ampliativa, isto é, em sintonia com o Estado Social, na linha da Suprema Corte, romper-se-ia com a capacidade orçamentária da Administração Pública, de tal sorte que a incapacidade operativa do subsistema da política levaria a sua ruptura, subvertendo-se por completo a sua comunicação pela imposição do sistema jurídico. 18.2 Em decorrência desse risco aparece outro problema: mediante súmula, como padronizar o direito à saúde sem romper com o sistema político? Haveria de se pensar numa forma global na qual a diferença financeira entre os entes públicos fosse equilibrada pelo juiz da causa, se necessário. Caberia ao Estado-juiz, com fulcro e direcionado pela súmula vinculante, analisar o orçamento público do requerido, até mesmo, se preciso, chamar ao processo o estado-membro ou a União. Do contrário, a atuação jurisdicional será inócua, não terá resultado prático e “quebrará” as pessoas jurídicas de direito público com menor orçamento. 279 Para a necessidade da criação de procedimentos sofisticados para concretizar os direitos humanos na sociedade complexa, ver NEVES, 2005, p. 16. 160 Por esse cenário, para tecer uma súmula dessa natureza, primeiro deverse-ia localizar os lugares-comuns na jurisprudência do STF. Após, ter-se-ia material conceitual para o seu conteúdo, todavia, reclamar-se-ia de uma forma para equalizar os desequilíbrios financeiros. Nesse exato raciocínio, estriba-se que ações movidas exclusivamente em face de municípios de baixo orçamento pode ocasionar uma “quebradeira” generalizada, sobretudo porque existe no Brasil um desequilíbrio financeiro acentuado entre as regiões, isto sem falar do movimento político liderado por governadores e prefeitos, com a solicitação de que as receitas tributárias sejam redivididas, com a primazia de maior espaço aos estados e municípios em desfavor da União. Esse movimento defende que as receitas sejam realocadas, uma vez que 70% da arrecadação estão nas mãos da União, a resultar, como sobra, 24,5% aos estados e míseros 5,5% aos municípios. Não obstante a desigual divisão das receitas, as necessidades mais vitais da população são supridas pelos poderes públicos menos abastados.280 Aliás, como ilustração dessa desigualdade, cita-se a Petição n. 36.033/2012, no Recurso Extraordinário n. 566.471/RN, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, no qual o Município de Tubarão requer a sua admissão como interessado. Seu pleito foi indeferido, sob o fundamento de que no Brasil existem mais de 5.570 municípios, o que inviabilizaria o seu acesso como interessado.281 Em que pese a decisão, ressalta-se: a situação narrada pela peça processual indeferida é preocupante. Nela, descreve-se que a cidade possui em torno de cem mil habitantes e responde a mais de 1.120 demandas judiciais com pleito de fornecimento de medicamentos. Em 2011, o seu orçamento para a chamada “Farmácia Básica” foi de R$ 971.087,35. Em contrapartida, no mesmo 280 NOBREGA, Maílson da. Federalismo: perigo à vista. Veja. São Paulo, Abril, edição n. 2319, ano 46, n. 18, 2013. p. 31. 281 Ver, a respeito: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 566471. Relator Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF. [Processo em andamento]. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=566471&classe=RERG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 25 ago. 2013: “Em 20/8/2012, na Petição/STF nº 36.033/2012: [...] 2. Muito embora o fornecimento de remédios seja feito pelos municípios, não há como ouvi-los no processo, porquanto este ficaria inviabilizado considerados os 5.570 municípios existentes no Brasil. Acresce ainda o fato de a admissibilidade de terceiro correr à conta de concepção do relator quanto à representatividade e aos esclarecimentos que se possam prestar. 3. Indefiro o pedido. Devolvam o requerimento formalizado ao Município de Tubarão.”. Neste processo, vários municípios solicitaram a sua participação como terceiros interessados. Todas foram indeferidas com a idêntica justificativa acima. Noutro diapasão, porém, as solicitações de intervenção dos Estados-membros foram todas admitidas. 161 período, a fim de obedecer a decisões judiciais, gastou R$ 975.178,35. O exemplo é muito claro e ilustra bem uma das consequências do julgamento exclusivamente sob o olhar da adjudicação: 100.000 habitantes são atendidos pela saúde (é provável que até precariamente) com R$ 971.087,35, enquanto 600 habitantes – via Judiciário – servem-se de R$ 975.178,35.282 Ainda, no mesmo processo, ventilam-se dados alarmantes no tema. O recorrente trouxe a lume a informação de que o Estado do Rio Grande do Norte, somente no ano de 2007, desembolsou mais de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) para atender decisões judiciais de fornecimento de medicamento. Para agravar a situação, de janeiro a abril de 2007, o estado potiguar já tinha gasto 76% do seu orçamento anual destinado à saúde com o fito de obedecer às decisões judiciais.283 Com efeito, convém chamar a atenção para a necessidade de os juízes enfrentarem a questão de forma distributiva, com a atenção para os orçamentos públicos em voga e, se necessário, dividir os gastos da medida a ser deferida com os demais entes estatais. O instrumento legal para guiar os magistrados nesse tipo de julgamento poderia ser uma súmula vinculante, desde que a sua edição esteja atenta ao já pontuado, com destaque para a necessidade de os julgamentos distributivos ocorrerem com a análise dos orçamentos e sua intervenção em casos extremos, sem olvidar a solidariedade entre União, estados e municípios, mesmo quando não tenham sido incluídos no polo passivo pela parte, restando ao juiz, quando considerar necessário, chamá-los aos autos. 18.3 De modo geral, as decisões judiciais, ao tratar da concretude da saúde, acabam indiretamente interferindo no orçamento público. Isso é lógico: sempre que se obriga o Estado a gastar valores não previstos com tratamentos e remédios, acaba-se por interferir na gestão até então restrita ao administrador 282 Ver BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 566471. Relator Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF. [Processo em andamento]. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronic o.jsf?seqobjetoincidente=2565078>. Acesso em: 10 out. 2013. 283 Ainda, no mesmo processo, Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 566471. Relator Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF. [Processo em andamento]. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronic o.jsf?seqobjetoincidente=2565078>. Acesso em: 10 out. 2013. 162 público. Nesse sentido, a Suprema Corte adotou a tese forjada na dogmática jurídica de que o direito à saúde é direito fundamental e, como tal, deve ter primazia sobre outros gastos. Com isso, é legítimo que o Poder Judiciário lute, por meio de reiteradas decisões, pela efetividade do texto constitucional, sob pena de torná-lo simbólico. No entanto, simplesmente desconsiderar o orçamento público, como se faz no RE n. 273.834/RS, da lavra do Ministro Celso de Mello, no qual se menciona expressamente que não cabe ao juiz se preocupar com o orçamento público, é preocupante. Essa premissa de que não cabe ao magistrado a preocupação com o orçamento público é simbólica, avizinha-se a um álibi propriamente dito. Mande fazer e pronto! O como fazer, pelo dito, nada importa. De resto, a mesma assertiva pode ser válida no sentido de que o orçamento público não pode ser questionado pelo Judiciário. Baseia-se, nesse prisma, que o orçamento é responsabilidade exclusiva do Executivo e do Legislativo, muito em razão de que somente ambos têm legitimidade política para tanto, obtida mediante o voto direto. Dentro desse cenário conceitual, é quase pacífica essa justificativa, mesmo que a prática desses poderes viole a própria lei.284 18.4 Por essa situação, não há como não fazer um comparativo a respeito de quem tem mais legitimidade: a lei ou o sistema político? Indo além, quem possui mais força vinculante: a Constituição Federal ou os representantes do Legislativo e do Executivo? Destarte, configurado o conflito de interesses entre ambas as forças, a quem caberia essa resolução? Não seria a Suprema Corte brasileira, como, a propósito, a Carta Magna de 1988 apregoa com tanta clareza? Parece, pois, que, de fato e de direito, o STF diz o que é ou não constitucional, de sorte que toda a construção das políticas públicas, realizáveis pela Administração Pública, obrigatoriamente, passa a priori pelo orçamento público. 284 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Atividade jurisdicional, políticas públicas e orçamento. In: _____; OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues de; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; MEZZAROBA, Orides (Orgs.). Constituição e Estado social: os obstáculos à concretização da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 303-305. No plano sistêmico, para a legitimidade do STF em rever atos da Administração Pública, conferir GUERRA FILHO, 2011, p. 339: “A doutrina reconhece que tais cortes exercem um poder de legislação negativa, e que podem apreciar o mérito das decisões administrativas, quando as mesmas apresentam defeitos do ponto de vista da manutenção da integridade dos princípios e direitos fundamentais. [...]". 163 Exatamente por isso, negar-se a cotejar o orçamento com base nas opções constitucionais, seja para rever, seja para manter determinada política pública, é simplista demais, e os anos ulteriores mostrarão o simbolismo dessa negativa à intervenção.285 18.5 Também, como fundamento da intervenção pelo STF nos orçamentos públicos, volve-se a análise distributiva do julgamento não só do direito à saúde, mas dos direitos sociais em geral, tal que não é possível distribuir o que não se tem nem ao menos a noção do tamanho da riqueza a ser repartida. Enfileirase, outrossim, o argumento de que tal análise permitirá identificar se é necessário o chamamento ao processo dos demais entes solidários pela prestação do serviço de saúde não ofertado com a desejada qualidade. De outra banda, sem a análise do orçamento, pouco, racionalmente, é possível de ser feito. Ainda, a favor da intervenção nos orçamentos públicos, tolda, nessa perspectiva, fazer um paralelo com a relação entre o Estado e o particular. Hoje, comparando-se o cidadão e o Estado, indaga-se: qual dos dois tem mais dever de seguir a Constituição? Do mesmo modo, traz-se a lume o fato de que o empresário tem de escalonar o seu orçamento mensal primordialmente para cumprir com suas obrigações fiscais, sob pena de medidas drásticas, tais como expropriação prévia de bens, para somente depois apresentar a sua defesa judicial – vide procedimento da ação de execução fiscal –, destituição do administrador e até criminalização por ilícitos tributários. De outra banda, poderia o gestor público então equacionar o orçamento do bem público (e não pertencente ao administrador como o é o privado) no sentido de simplesmente se despreocupar com o direito à saúde? 286 285 Sobre a mudança da esfera decisional no Estado de Direito para a jurisdição constitucional, ver BRANDÃO, 2008, p. 306. Para a jurisdição constitucional como palavra final na interpretação da Constituição, ver BARROSO, 2012, p. 366: “A expressão jurisdição constitucional designa a interpretação e a aplicação da Constituição por órgãos judiciais. No caso brasileiro, essa competência é exercida por todos os juízes e tribunais, situando-se o Supremo Tribunal Federal no topo do sistema. [...].”. A respeito da função de a Corte Constitucional deliberar sobre a “justeza” dos acoplamentos, entre os quais se destaca o da relação entre os sistemas político e jurídico, ver GUERRA FILHO, 2011, p. 341. 286 Ver, sobre a vinculação constitucional do orçamento público, BRANDÃO, 2008, p. 308: “Não cabe aqui o histórico debate sobre a natureza jurídica do orçamento, porque parece que não paira qualquer dúvida sobre o acerto da afirmação do Prof. Ricardo Lobo Torres de que o orçamento ‘é materialmente constitucional, posto que é essencial ao Estado de Direito’, [...].”. 164 18.6 Não se duvida do alto valor teórico e ético das decisões proferidas pelo STF, todavia, hodiernamente, num período tão midiático e complexo da sociedade, esse descaso com o orçamento público é simplista demais. De encontro a isso, pede-se um raciocinar mais elaborado, mais refinado, com uma carga de abstração maior que o processo adjudicatório, a resultar inclusive numa possível formulação de súmula vinculante, como até mesmo já houve proposta de verbete no sentido de vincular erga omnes os agentes públicos à jurisprudência dominante na Suprema Corte de solidariedade dos entes públicos na saúde. Aliás, a ideia de sumular o tema materializa-se como uma especificidade das estruturas do sistema jurídico com intuito de torná-lo mais eficiente e nivelar a questão nacionalmente, com a inclusão daqueles que não têm acesso às decisões do STF.287 Por outro lado, o conteúdo da súmula deve ser pensado de forma distributiva, dando margem ao juiz, diante do caso concreto, para usá-la como norma de calibração, após a análise da situação orçamentária dos entes públicos. Do contrário, continuar-se-á a contribuir para aumentar a já grande quantidade de ações, com pleito de efetividade do direito à saúde, sem falar que as decisões, se não pensadas no contexto distributivo sob um viés global, tornar-se-ão simbólicas porque não sustentáveis a longo prazo. 19 ACOPLAMENTO ESTRUTURAL E SUPREMA CORTE 19.1 Com a promulgação de uma Constituição, há praticamente uma fusão do jurídico e do político. O advento do constitucionalismo fundiu a Constituição 287 LUHMANN, 1983a, p. 122: “[...] O motor da evolução, porém, é a crescente complexidade da sociedade, que torna mais sensível a discrepância nas diversas dimensões da generalização, exigindo em conseqüência uma atuação mais eficiente no sentido da generalização congruente, ou seja da seletividade mais rigorosa, levando com isso a um grau mais elevado de sua especialização nessa função. Dessa forma a evolução do direito pode ser observada através de suas condições à complexidade da sociedade, de seus mecanismos de diferenciação de papéis e processos especificamente jurídicos, e de seus resultados no sentido de autonomização de estruturas de expectativas jurídicas, as quais liberam o direito cada vez mais dos entrelaçamentos com a linguagem, com as interpretações globalísticas do mundo com a verdade, com a práxis racional e, finalmente, até mesmo com outras esferas normativas, entre elas principalmente a moral.” Ver também LUHMANN, 1983a, p. 116: “[...] Em sociedades mais desenvolvidas a correção de uma norma só pode ser documentada através da normatização também das formas de processamento das frustrações através de sanções ou de garantias para a imposição de expectativas, pois é apenas por meio da intenção e da tentativa de impor-se a expectativa que o consenso subentendido pode ser convincentemente demonstrado a terceiros.”. 165 política e a jurídica num só documento, positivado sob a nomenclatura: “constituição”. Desse ponto em diante, considera-se a ordem política como sendo a ordem jurídica. Consubstancia-se em um sistema no qual ambos (política e direito) estão inseridos. No entanto, a forma utilizada é a jurídica com o condão de coibir desvios por parte da política.288 E é justamente nesse contexto que reclama ser apreendido o conceito de Constituição, porém, visto como acoplamento estrutural entre a política e o direito. Este ideário foi explorado por Luhmann em diversos trabalhos, entre outros, aqui se exemplifica com a transcrição de um trecho escrito originalmente por ele em italiano: “[...] La costituzione costituisce e nel contempo rende invisibile l´accoppiamento social tra diritto e politica.”.289 Pois bem, o acoplamento estrutural trata-se de um mecanismo de interpenetração permanente e concentrada entre os mencionados sistemas sociais. Possibilita, dessa forma, a constante troca de influências recíprocas entre os subsistemas, filtrando-as. Ao mesmo tempo em que inclui, exclui. Materializa-se numa solução jurídica à autorreferência do sistema político e, ao mesmo tempo, fornece resposta política à autorreferência do sistema jurídico. Como grafou o próprio Luhmann, nenhum sistema pode nascer e reproduzir-se sob uma base exclusivamente autorreferencial.290 19.2 No direito, com o acoplamento dos dois sistemas, configura-se uma relação de simultaneidade entre sistema e ambiente. Uma diferença de dois lados. Na face interna, facilita-se a influência recíproca que vem legalizada pela Constituição, enquanto na face externa essa influência vem excluída, sobretudo quando ilegal.291 A Constituição Federal de 1988 é o típico exemplo de acoplamento estrutural (strukturelle Kopplung). Realiza a ligação entre o sistema jurídico e o 288 LUHMANN, 1996b, p. 86, 101, 105. LUHMANN, 1996b, p. 113; GUERRA FILHO, 2011a, p. 338: “[...] O meio principal de acoplamento entre o sistema do direito e o sistema da política, por exemplo, segundo Luhmann, são as constituições.”. 290 NEVES, 2006, p. 97-99; LUHMANN, 1986b, p. 108-110, especialmente, p. 109. 291 LUHMANN, 1996b, p. 113; GUERRA FILHO, 2001, p. 194: “É nesse contexto que a Constituição se revela como grande responsável pelo acoplamento estrutural entre os (sub) sistemas jurídico e político, jurisdicizando relações políticas e mediatizando juridicamente interferências da política no direito, ao condicionar transformações nas estruturas de poder a procedimentos de mutação previstos constitucionalmente.”. 289 166 sistema político. Cinge-se como fator de exclusão e inclusão. Inclui novos valores e exclui outros anteriormente impostos ao direito e à política. Opera como mecanismos de irritação do sistema por trazer nova comunicação.292 Interliga-se aos subsistemas como o cérebro está ligado estruturalmente à vida das células cerebrais.293 Como mencionado antes, não é possível um sistema autoprodutor que fique totalmente fechado. Pelo acoplamento estrutural, encontra comunicação com os outros subsistemas.294 Os subsistemas desenvolvem certa sensibilidade para resolver determinados eventos em torno do ambiente.295 O coligamento estrutural é assim chamado por representar ligações entre as estruturas do sistema. Pressupõe dois sistemas estáveis pela dinâmica comunicacional. As estruturas próprias do sistema servem a um coligamento operativo. Há uma continuidade da autopoiesis do sistema de operação, garantindo-se a estabilidade temporal do sistema, na medida em que se passa de uma à outra operação.296 19.3 A evolução social ocorre por meio de trocas comunicativas internas e externas. Neste último caso, as comunicações que advêm do externo e sob outro binário acabam por irritar o subsistema em cujo interno processará a comunicação externa, transformando-a em comunicação interna, codificando-a ao seu binarismo. 292 CAMPILONGO, 1998, p. 53; MANSILLA, Darío Rodríguez. Invitación a lasociología de Niklas Luhmann. In: LUHMANN, Niklas (Org.). EI derecho de Ia sociedad. Tradução Javier Nafarrate Torres. México: Universidad Iberoamericana, 2002. p. 51: “Los acoplamientos estructurales sólo funcionan con un efecto de inclusión y de exclusión. Una Constitución, por ejemplo, puede haber sido aprobada en su texto, pero no funcionará se no puede evitar los efectos contrarios a la constitución de la violencia política sobre el sistema del Derecho. Estos acoplamientos estructurales, por otra parte, conforman mecanismos que son considerados de manera distinta por cada uno de los sistemas acoplados y de esta manera se consiguen las irritaciones o gatillamientos mutuos.”. 293 MANSILLA, 2002, p. 50-51; LUHMANN, Niklas. Economia e diritto problemi di collegamentostrutturale. Osservatorio “Giordano Dell´ Amore”. Milano, Cariplo, n. 6, p. 27-45,1989. p. 31; LUHMANN, 1986, p. 87. 294 MANSILLA, 2002, p. 50: “El acoplamiento estructural implica un aumento de cierras dependencias, con una mayor sensibilidad que permite irritaciones – o gatollamientos – provenientes de ciertos aspectos del entorno, unida a una mayor indiferencia respecto a otros. Este doble condicionamiento posibilita el sistema acorde con ciertos eventos de su entorno disminuyendo, al mismo tiempo, las posibilidades de destrucción.”. GUERRA FILHO, 2011a, p. 341. 295 MANSILLA, 2002, p. 50: “Los subsistemas, por consiguiente, desarollan cierta sensibilidades: se sintonizan para resonar ante determinados eventos del entorno y con esto se produce lo que podríamos llamar una coordinación pragmática de intransparencias, entre subsistemas autopoiéticos, clausurados operacionalmente y acoplados estructuralmente a su entorno.”. 296 LUHMANN, 1989, p. 32: “Il concettopressuppone dei sistemi, che ottengono la loro stabilità grazie alla propia dinamica. Le strutture proprie del sistema servono ad un collegamento operativo, ad una continuazione dell’autopoiesi del sistema da operazione ad operazione, quindi da momento a momento.”. Ver SCHUARTZ, Luis Fernando. Norma contingência e racionalidade. Renovar: Rio de Janeiro, 2005. p. 92. 167 Isso provoca uma nova seleção para atingir a estabilização, o que motiva a evolução social. Os sistemas parciais reclamam comunicar-se para serem obrigados a buscar uma adaptação ao novo ambiente. Com essa comunicação, o risco de um fechamento operacional anular cognitivamente os subsistemas é praticamente afastado.297 Dentro do sistema social, é a Constituição a grande responsável pelo acoplamento estrutural entre sistema político e sistema jurídico. No entanto, quando a situação se torna conflitiva a ponto de ser levada ao Poder Judiciário, é a Suprema Corte, em questões constitucionais, o palco em que a situação será dirimida. Ao fim da pesquisa, interessa a litigiosidade entre política e direito. Ambos divergem sobre a obrigatoriedade ou não de o Estado fornecer determinado tratamento ou remédio de alto valor monetário. Não há consenso, a ponto de se portar a questão para ser julgada pela Excelsa Corte. Nota-se, nesse foco, que a própria Constituição transfere o poder ao Supremo para dizer o que é ou não constitucional. Em primeira análise, a Corte resulta como extensão deliberativa das litigiosidades sobre a Constituição Federal, por essa razão, ao julgar, como explica Willis Santiago Guerra Filho, a Suprema Corte tipifica-se como o centro do sistema jurídico.298 Numa segunda observação, o STF acaba por promover, em nome da Constituição – é claro –, o acoplamento estrutural entre os subsistemas em comento na tipificação do conflito, obrigando a Corte a atuar como centro do sistema do direito.299 Aqui se chega à questão central deste item: a troca comunicacional entre os sistemas político e jurídico, cujo resultado será essencialmente a evolução comunicacional feita pela referida Corte, de modo que os limites da sua atuação na 297 LUHMANN, 1996b, p. 83-128; MANSILLA, 2002, p. 24: “Esto no quiere decir que el sistema pueda vivir con prescindencia de su entorno, en una suerte de burbuja al vacío. El sistema se mantiene permanentemente adaptado al ambiente, en lo que Maturana llama acoplamiento estructural. Al acuñar el concepto de acoplamiento estructural, Maturana persigue evitar algunas ideas asociadas a la adaptación con un proceso, en el sentido que un sistema debe adaptarse, buscar mejores niveles de adaptación y pude perder la adaptación conseguida.”; LUHMANN, Niklas. Por que uma “teoría dos sistemas”? In: NEVES, Clarissa Eckert Baeta; SAMIOS, Eva Machado Barbosa (Orgs.). Tradutora Eva Machado Barbosa Samios. Niklas Luhmann: a nova teoría dos sistemas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, Goethe-Institut/ICBA, 1997. p. 42. 298 GUERRA FILHO, 2011a, p. 339. 299 GUERRA FILHO, 2011a, p. 339: “[...] Ao mesmo tempo, ao pronunciarem a última palavra sobre o que é e o que não é direito, situam-se no ‘centro do centro’ do sistema jurídico. Este ‘centro do centro’, então, é onde se daria o acoplamento estrutural do sistema jurídico com outros, e não só com o sistema político. [...].”. 168 concretude do direito à saúde estão literalmente em suas decisões, o que deve ser feito com inteligência, de modo a não frustrar as expectativas sociais a respeito do direito à saúde, nem romper com a comunicação sistêmica da política, forçando-a a dirigir comunicação jurídica em tanta quantidade que corrompa o seu próprio código. Por isso tudo, negar a revisão constitucional pela Suprema Corte dos atos praticados pelo Estado no fornecimento de um remédio é nulificar a atuação da mais alta Corte da República, tolhendo a sua função institucional de ser o intérprete privilegiado da Constituição Federal e, sistemicamente falando, de atuar como um dos componentes mais importantes no acoplamento estrutural dos dois sistemas (jurídico e político). De outro modo, porém, se o STF julgar sempre de forma adjudicatória e despreocupado com as consequências de suas decisões estará a incorrer no sério risco de simplesmente destruir o sistema político, o que geraria o caos no sistema social.300 300 LUHMANN, 1996a, p. 104; GUERRA FILHO, 2011a, p. 340: “[...] Isso nos leva a concluir, por exemplo, que uma Corte Constitucional situar-se-ia na fronteira entre os sistemas jurídicos e políticos, sendo um dos componentes mais importantes no acoplamento estrutural dos dois sistemas.”. 169 PARTE IV RESULTADO DA PESQUISA – O PARADOXO BRASILEIRO: EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE, RUPTURA DO SISTEMA POLÍTICO, JUSTIÇAS DISTRIBUTIVA E COMUTATIVA “Verdade: a invenção de um mentiroso”. (Heinz von Foerster)301 20 PESQUISA E FALIBILIDADE 20.1 No próprio cenário da teoria metodológica encontram-se vigorosas defesas sobre a impossibilidade de se alcançar a verdade em trabalhos científicos. Chega-se à assertiva de que, num trabalho acadêmico, não se é capaz de provar uma hipótese com segurança. Por essa linha, as pesquisas apontariam simplesmente óbices para rejeitar essa ou aquela hipótese. O conhecimento seria restrito a determinado contexto, delimitado a uma conjectura particular e não obrigatoriamente válido dentro de outro cenário.302 Numa outra veste, mas com resultado similar, Peirce explicou que o observador vê uma parte da verdade. Sua análise é sempre restrita a determinado aspecto. Um signo nunca esgotaria os vários aspectos do objeto que representa. Ademais, essa falibilidade se potencializa também em razão de que o conhecimento é oriundo inicialmente da percepção, cujo processo é ligado às condições pessoais 301 FOERSTER, Heinz von. Sistemi che osservano. Traduzione Bernardo Draghi. Roma: Casa Editrice Astrolabio, 1987. p. 236: “Verità: L´invenzione di un bugiardo.”. 302 CRESWELL, 2010, p. 30: “1. O conhecimento é conjectural (e antifundacional) – a verdade absoluta nunca pode ser encontrada. Assim, a evidência estabelecida na pesquisa é sempre imperfeita e falível. Por esta razão, os pesquisadores afirmam que não provam uma hipótese, mas indicam uma falha para rejeitar a hipótese.”. Sob outro viés, da obtenção do conhecimento, mas com resultado similar, ver SEVERINO, 2007, p. 25: “[...] O que se deve concluir é que o conceito é uma representação mental, mas esta não é o ponto de partida de conhecimento, e sim o ponto de chegada, o término de um complexo processo de constituição e reconstituição do sentido do objeto que foi dado à nossa experiência externa e interna.”. 170 de quem tem contato com o signo, o que apimenta a falibilidade do processo de significação.303 Ainda, no tema, o próprio Luhmann teoriza que o resultado do processo de observação é dependente da distinção escolhida pelo observador. O referido sociólogo elegeu como sua distinção a construção teórica sistema-ambiente. Com base nela, promove-se um recorte do mundo.304 A partir da escolha de uma distinção, o objeto observado pode tornar-se plural, histórico, relativo ou mesmo artificial, no entanto, a resultar sempre em contingência.305 Também no cenário sistêmico, Heinz von Foerster306, no clássico Observing Systems, além da expressão citada acima, expõe que há um ponto cego na observação. O observador não vê que não pode ver. E o não ver é requisito para ver. Essa possibilidade de observar o que o primeiro observador não pode ver tornou-se um poder, sobretudo na modernidade. As artes embebedaram-se dessa premissa, rotulando esses artistas que viam o que os outros não viam de vanguardistas. No aspecto, a sociedade moderna pode ser descrita como sociedade da observação da observação.307 20.2 Bem consciente dessa dificuldade cognitiva, a tese passa a relatar o resultado da pesquisa. De plano, nega-se a binariedade proposta no problema central da tese, a saber: simbólica ou efetiva? A pesquisa, ao final, demonstrou que o material coletado e o seu ambiente social são hipercomplexos, o que provoca uma resposta mais detalhada, contextual e menos rígida. 303 ARAUJO, 2011, p. 125, 134; SANTAELLA, 1995, p. 117: “[...] Para Peirce, ao contrário, o falibilismo é irremediável. É uma fragilidade insuperável, entre outras coisas, porque nosso conhecimento é dado pela percepção sempre.”. 304 SCHUARTZ, 2005, p. 67; LUHMANN, 2009, p. 153: “O que já se entende com o conceito de observação é um contexto teórico mais abstrato do que o da Teoria dos Sistemas, e que poderia ser a base de uma aplicação interdisciplinar, na qual a diferença sistema/meio seria apenas um tipo de observação entre muitos outros: signos/significado, forma/meio, acoplamento débil/acoplamento forte [...],”. GUERRA FILHO, 2001, p. 179, 181-182. 305 LUHMANN, 2009, p. 169: “Temos, assim, a especificidade de um mundo no qual toda observação pode ser realizar de maneira contingente, dependendo das distinções que possam ser empregadas. Tudo o que se pode observar é artificial, ou relativo, ou histórico, ou plural. O mundo pode ser reconstruído, então, sob a modalidade de contingência e de outras possibilidades de ser observado.”. LUHMANN, 1997, p. 37: “[...] O corte que um observador estabelece entre si mesmo e aquilo que observa precisa ser traçado contingencialmente (Brown, 1979), surgindo assim uma fronteira primordial, a qual, no entanto, só é válida relativamente ao observador, podendo ser traçada, de modo diferente, por qualquer outro observador.[...].”. 306 FOSTER, 1987. 307 LUHMANN, 2009, p. 170-172. 171 21 SIGNO E IDEOLOGIA 21.1 A civilização, ao longo dos séculos de existência, tem-se forjado também com base em signos. São inúmeros os exemplos de signos que possuem significação definida em determinado momento histórico, cuja alteração do contexto social e histórico acabou por outorgar outro sentido àquele mesmo signo. Equiparase essa evolução a um processo de coloração em que a mistura das tintas dá nova aparência ao objeto. Contudo, no nosso exemplo, as cores de “tintas” são, a seu turno, os valores sociais, o contexto histórico e não “tintas”, na acepção da palavra. A própria linguagem jurídica, verbal ou não verbal, é repleta de signos, os quais reclamam alcançar a sua significação no processo comunicacional social.308 Nesse jaez, deparamo-nos com signos outorgados e sentidos na própria Constituição Federal, alguns de sentido contextual e previamente passíveis de serem definidos, outros, porém, postos em formato completamente aberto, de modo a exigir mais dos intérpretes. Neste, o seu sentido final, na cadeia comunicativa, não é tão simples de ser previsto, nem é completamente alterável ao longo dos anos. Exemplo típico desse processo, na esgrima da tese, é o Princípio da Separação dos Poderes, pensado com um foco muito definido: limitar poderes. Neste aspecto, a sua interpretação sempre foi muito rígida, atrelada ao medo de ocorrerem novamente os fatos que deram origem a sua instituição. No entanto, os anos se passaram, os medos se alteraram e a cidadania, naquele momento muito mais ligada à proteção dos bens patrimoniais e à garantia das liberdades, foi sendo alterada pela busca de uma igualdade mínima, afeita a um Estado Social. 21.2 A Era atual está marcada pela incessante busca de significação, e de novas significações, porquanto a sociedade é muito volúvel; os valores sociais 308 No contexto da dogmática, ver BARROSO, 2012, p. 385: “[...] A linguagem jurídica, como a linguagem em geral, utiliza-se de signos que precisam ser interpretados. Tais signos, muitas vezes, possuem determinados sentidos consensuais ou de baixo grau de controvérsia. [...] Mas a Constituição se utiliza, igualmente, de inúmeras cláusulas abertas, que incluem conceitos jurídicos indeterminados e princípios [...]. E, em relação a eles, embora possam existir certezas positivas e negativas sobre o que significam ou deixam de significar, é indiscutível que há uma ampla área de penumbra que se presta a valoração que não poderão refugir a algum grau de subjetividade. O fenômeno se repete com maior intensidade quando se trate de princípios constitucionais, com sua intensa carga axiológica. [...].”. 172 nunca foram tão complexos e contingentes. Esse cenário, por si só, já seria suficiente para apimentar a semiose comunicacional. Entretanto, a ele, deve-se acrescer o alto grau de indefinição da legislação hodierna, que acaba por afastar sentidos claros e unívocos.309 Se é verdade que a elasticidade das leis permite que sejam atualizadas pela jurisprudência, a evitar que novas leis sejam necessárias sempre, não é menos verdade que isso proporciona um elevado grau de incerteza, dando vazão maior à subjetividade do julgador. De fato, esse cenário legislativo fomenta atuações judiciais não tão ortodoxas, que exigem uma nova postura do Estado-juiz e, muitas vezes, desagradam os políticos e parte da doutrina. Sem menoscabo a essa crítica, a este item, o que interessa é que o cenário social e legislativo fomenta uma nova significação da atuação judicial. Um novo signo em torno dos ministros está tomando forma. Se bom ou ruim, é outra história, ou melhor, só a história contará; todavia, o certo é que é rico em ideologia, mesmo porque, a linguagem dá corpo à ideologia, a qual denota a posição política dos agentes sociais. A linguagem materializa-se como indicador das tensões políticas.310 Tudo isso, de tal sorte que, sob o aspecto da pragmática peirceana, estilizam-se a riqueza e a complexidade do processo hermenêutico, de forma que, neste ensejo, aventa-se que a construção dos significados é um processo tangente a fatores contextuais. Com efeito, talha-se que ambas as interpretações sobre a tripartição de poderes são possíveis, ou seja, tanto a corrente que prega limites rígidos de atuação do Poder Judiciário quanto a atuação na efetivação do direito à saúde, como o plexo doutrinário defensor da efetivação do citado direito via Estadojuiz, são defensáveis. Neste sentido, a escolha é uma operação de seletividade. As duas posturas são possíveis. Restará a tomada de postura de ordem ideológica em acentuada esgrima com valores ligados aos conceitos do intérprete – in casu os ministros do STF – sobre Estado Liberal e Social, cidadania, força vinculante da lei e deveres do Estado. 309 No contexto da dogmática, ver BARROSO, 2012, p. 385: “[...] Também aqui será impossível falar em sentidos claros e unívocos. Na interpretação de normas cuja linguagem é aberta e elástica, o direito perde muito da sua objetividade e abre espaço para valoração do intérprete. [...].”. 310 SANTAELLA, 1996, p. 329, 331. 173 Posto esse plexo, não se olvida que as normas constitucionais permitam a sua significação mediante o uso da ideologia. Nesse cenário, consignamos que, em casos mais radicais, aproxima-se de uma manipulação do conteúdo semântico com o seu preenchimento pelo axioma ideológico. Daí que descrever o direito como sistema, no qual o STF é o topo da hierarquia – como uma mente coletiva –, propicia uma semiose de cujas decisões se extrai um signo, que, dentro da cadeia comunicacional, fundamentará outros signos. Isso tudo motivado pelos fatos sociais levados pelas partes, de modo que são identificados como objetos dinâmicos dessa relação semiótica.311 21.3 Por esse contexto ideológico vale relembrar uma pesquisa histórica na sociologia jurídica italiana. Por assim dizer, um trabalho pioneiro sobre a magistratura, com nítido objetivo de pesquisar a sua ideologia. Referimo-nos à pesquisa conduzida por Vincenzo Tomeo, que na segunda metade dos anos sessenta, na Universidade Estatal de Milão, liderou um grupo de jovens. Como resultado do referido estudo, marcou-se, historicamente, a importância de dados empíricos para mapear o pensamento em voga dos operadores do direito.312 Tomeo e seus jovens pesquisadores, com destaque para Ezio Moriondo, naquele momento, identificaram na magistratura uma posição ideológica bem definida. Por essa previsibilidade, o poder econômico confiava na judicatura, uma vez que poderia prever a sua postura decisional diante de eventual conflito.313 Paralelo a isso, o exemplo da pesquisa de Tomeu é parte do conjunto de fatos que rompem com o paradigma da neutralidade do Poder Judiciário. A pesquisa dos então jovens pesquisadores, frisa-se, foi realizada nos anos sessenta. Quanta coisa mudou de lá para cá? Obviamente que o grau de interferência ideológica dos juízes nos seus julgamentos altera muito de um julgador para outro. Não é possível traçar uma regra precisa. Todavia, é possível diagnosticar que os casos complexos por si próprios já permitem engendrar mais de uma 311 ARAUJO, 2005, p. 108, 113. FEBBRAJO, 1992, p. 533. 313 FEBBRAJO, 1992, p. 533-534. Contudo, em que pese tal objeto de pesquisa, o seu objetivo latente era de mostrar à comunidade científica a utilidade prática da sociologia do direito. 312 174 solução. Agora, se o julgamento desse caso difícil fundamentar-se numa norma aberta, as soluções se potencializam.314 22 ADAPTAÇÃO JUDICIAL E SISTEMA IMUNOLÓGICO 22.1 Em linhas gerais, muito da luta pelos valores almejados no Estado Social remonta à Revolução Industrial inglesa. Sob a proteção do liberalismo, os abusos praticados pelo sistema industrial foram tantos que a assistência social era mais do que necessária. Os operários das fábricas trabalhavam horas a fio por quase nada em troca. A ilusória liberdade de livre negociação deixou os cidadãos submissos a um regime de escravidão laboral. Deste modo, a desigualdade instaurada reclamou uma compensação distributiva.315 Isto não somente pelo prisma do humanismo, mas também para a própria preservação do regime liberalcapitalista, porquanto esse cenário tão desigual, gradativamente, tornava-se o ambiente propício para germinar doutrinas revolucionárias, como as pregadas por Karl Marx. Não foi à toa que o alemão Otton von Bismarck – árduo crente do regime capitalista – forjou o primeiro esboço de um regime de previdência social. Ao comparar os dois momentos, o da Inglaterra e o do cenário brasileiro atual, conclui-se que, se lá reclamavam os cidadãos de remédios básicos, chegando à falta de condições para a própria higiene mínima do corpo, cá, no material empírico coletado, o STF julga e manda fazer – vale registrar - tratamentos de altíssimos custos. Comparativamente, têm-se questões, hipóteses e consequências muito adversas daquelas ligadas ao assistencialismo inicialmente proposto, de forma que julgamentos apaixonados, repletos de substância retórica, mas desprovidos de heterorreferência devem ser substituídos, sob pena de se tornarem simbólicos diante da grande massa, uma vez que se resolve o problema de alguns e se aceita tacitamente a não resolução, ou mesmo a não amenização, da questão macro. 314 No contexto da dogmática, ver BARROSO, 2012, p. 390: “[...] Decisões judiciais, com freqüência refletirão fatores extrajudiciais. Dentre eles, incluem-se os valores pessoais e ideológicos do juiz, assim como outros elementos de natureza política e institucional. [...].”. 315 LUHMANN, 1983b, 41. 175 Na sociedade moderna, os subsistemas parciais do direito e da política têm cada qual a sua própria comunicação funcionalmente diferenciada. Em resumo, isso significa duas coisas: (i) cada sistema parcial tem a sua própria binariedade; (ii) ambos têm funções predeterminadas dentro do processo comunicativo. Sobre isso, neste momento, interessa que, como dito, ao direito caberá a função de garantir a credibilidade dos valores normativos ao longo do tempo. Em outro senso, a política encarregar-se-á de emitir decisões vinculantes. É o resultado da operação que, prima facie, o direito zelará pela sua credibilidade social.316 22.2 As últimas obras de Luhmann, e aqui se faz menção ao Das Recht der Gesellschaft (Direito da Sociedade) e a Gesellschaft der Gesellschaft (Sociedade da Sociedade) – ambas com tradução ao espanhol –, conotam uma sensibilização luhmanniana à hipercomplexidade social, o que invariavelmente exigirá dos sistemas parciais novas operações igualmente complexas, com escopo de transformar essa complexidade externa em interna.317 Daí, praticamente, pelo prisma do subsistema do direito, forja-se uma nova postura judicial. Esse “novo juiz”, à medida que reclama fechar a operação do sistema em face dos reclames sociais a respeito das desilusões, acaba por reduzir a complexidade ao decidir, tendo, porém, como consequência, nova complexidade oriunda da sua decisão. Deste modo, como ensina Febbrajo, o sistema jurídico tem que ser um espelho para ser capaz de moldar-se à sociedade.318 O processo decisório judicial é também um processo autopoiético complexo, quer dizer, fomentado pela complexidade. Nesse cenário, quando o litígio é levado ao Judiciário, mediante processo judicial, materializa-se uma grande quantidade de opções possíveis e com a reiteração exaustiva desse processo comunicacional social é comum mudanças de opinião a respeito de teses e fatos, o que produz insegurança social e mais complexidade. 316 TOSINI, 2007, p.116 e 117; LUHMANN, 2005, p. 473-505; CAMPILONGO, 2000b, p. 81-83. Nas traduções das referidas obras de Luhmann para o espanhol, ver LUHMANN, 2005 e LUHMANN, 2007b, p. 100-108. Ainda, sobre a complexidade social, porém em português, ver LUHMANN, 1983a, p. 45-53 e LUHMANN, 2009, p. 178-204. A respeito da necessidade de transformação da complexidade externa ao subsistema para a interna, ver FEBBRAJO, 2009, p. 126. Sobre a hipercomplexidade como motivadora de várias autodescrições da sociedade, ver SCHUARTZ, 2005, p. 65. 318 FEBBRAJO, 2009, p. 126. 317 176 Acresce-se a isso a assertiva de que está correta a tese asseverada por Luhmann de que o direito moderno é positivo. Isto significa que é artificial, ou seja, construído, e como tal, posto por uma decisão e alterável por outra.319 A seu turno, a inovação decisional surge como fruto de um processo de irritação, seleção e estabilização social. Numa negociação contratual, por exemplo, o limite da inovação é o choque protecionista às partes e ao contrato. Não se pode desconfigurar a função social do instrumento, nem aniquilar um contratante em favor de outro. Respeitado esse limite, os contraentes podem construir a sua própria artificialidade. Eles têm poderes de decisão. Mas, se surgir o litígio, caberá ao Estado-juiz, com fulcro no próprio contrato e no ordenamento jurídico, decidir qual das partes, ou mesmo nenhuma delas, tem razão. Assim, tem-se um ponto de partida: o contrato. Isso não impede que a autoridade judiciária desconsidere o pactuado, desde que fundamentada nos programas normativos. Por esse senso da função do sistema parcial do direito, fala-se em vínculo temporal do direito, uma vez que a sua missão é a garantia, ao longo do tempo, da credibilidade social das expectativas normativas. Cabe-lhe a complexa tarefa de resguardar a integridade social dos valores positivados, mesmo com eventuais desilusões e, até mesmo, em face das resistências sociais em relação a tais valores. Com isso, o direito acaba orientando os atores sociais por meio de comunicações diferenciadas e, inclusive, serve-se de sanções quando necessárias, a fim de garantir a generalização das expectativas normativas.320 Para compreender esse processo autopoiético de prestação à sociedade, consigna-se que o sistema jurídico também é um dos subsistemas funcionalmente diferenciados da sociedade. Ele cumpre uma função na sociedade, que, como frisado, é a manutenção das expectativas normativas. Continuar-se-á a acreditar na efetivação do conteúdo normativo em razão da comunicação diferenciada que o sistema do direito emitirá diante das desilusões, ou seja, da não efetividade social das normas legais. Essa atuação, para Luhmann, insere o direito no sistema 319 LUHMANN, 1985, p. 7-17; LUHMANN, 1977, p. 192-204; NEVES, 2007, p. 69; LUHMANN, 1995, p. 141. 320 TOSINI, 2007, p. 97; FEBBRAJO, 2009, p. 125; LUHMANN, 1977, p. 120, 124, 127. 177 imunológico da sociedade ao imunizar o sistema social dos conflitos mediante reiterações comunicativas.321 A ideia de sistema imunológico é uma analogia com o sistema biológico humano, em razão da influência da biologia social dos chilenos Maturana e Varela. A expressão “imunológico” decorre do raciocínio de que o direito imunizaria a sociedade das infecções sociais, ou seja, as comunicações jurídicas seriam como vacinas que imunizariam a sociedade dos conflitos; isso numa reação social interna. O sistema parcial jurídico receberia a comunicação social de um dos subsistemas para internamente transformar a complexidade em comunicação diferenciada, a fim de garantir a generalização das expectativas normativas.322 A ideia de imunizar volta-se também ao futuro, isto é, o sistema jurídico, ao emitir comunicação interna ao sistema, a fim de resolver os conflitos – aqui vistos como infecções sociais –, deve preocupar-se no sentido de que essas comunicações tenham o condão de proteger, “imunizar”, a sociedade de futuras infecções.323 A pesquisa empírica demonstrou o contrário, vez que o julgamento adjudicatório, no lugar de imunizar as futuras infecções, aniquila os anticorpos que deveriam ser fortalecidos no futuro com a injeção de uma dose de remédio muito forte. Assim, além de deixar escasso o estoque para novas aplicações, destrói as estruturas sociais, que deveriam ser fortalecidas no futuro. Portanto, para imunizar a sociedade, o direito deve absorver a complexidade gerada pelos conflitos e, até mesmo, os originados de suas decisões, com mote de, ao reduzi-la, emitir nova comunicação, porém, adequada teórica e socialmente às necessidades da sociedade, num processo de variação, seleção e estabilização social.324 22.3 No mais, culturalmente, a resistência do STF em enfrentar determinados tipos de direito, como a saúde, numa vertente coletiva e não meramente individual, é oriunda da cultura jurídica liberal na qual a liberdade de 321 LUHMANN, 2005, 219; GUERRA FILHO, 2001, p. 186-187; LUHMANN, 1977, p. 115; LUHMANN, 1983a, p. 110: “[...] A identificação garante a unidade e a inter-dependência do sentido, independentemente das diferenças objetivas entre as expectativas. Dessa forma, a generalização gera uma imunização simbólica das expectativas contra outras possibilidades; sua função apóia o necessário processo de redução ao possibilitar uma indiferença inofensiva.”. 322 LUHMANN, 2005, p. 219, 642; LUHMANN, 2004, p. 475; GUERRA FILHO, 2012, p. 3. 323 LUHMANN, 2005, p. 642, 643; LUHMANN, 2004, p. 476. 324 LUHMANN, 2005, p. 644-645; LUHMANN, 2004, p. 477. 178 atuação estatal em face do cidadão sempre foi atentamente vigiada, muito em razão dos abusos ocorridos no período absolutista. Essa perspectiva fez com que o Judiciário não se sentisse à vontade para, nesse tipo de lide, abandonar o processo adjudicatório. No entanto, o direito como subsistema do sistema social faz parte da sociedade e como tal é influenciado pela sua complexidade, sobretudo porque a sua unidade está na interação comunicativa dos membros da sociedade. Desta forma, as consequências positivas e as negativas do ativismo judicial (mais complexidade) devem ser levadas em conta na operação interna do sistema do direito, a resultar em nova racionalidade judicial, até porque a autonomia do subsistema legitima a autoconstituição de novos conceitos dogmáticos, nos dizeres de Guerra Filho.325 Com efeito, a Suprema Corte não tem o privilégio de se manter inerte diante da avalanche social de novas escolhas e situações, optando por simplesmente omitir-se, mesmo quando há desrespeito à Constituição Federal. Demais, observa-se que, com a promulgação de uma Constituição, há praticamente uma fusão do jurídico e do político. O constitucionalismo une a Constituição política e a jurídica num só documento. Deste ponto em diante, considera-se a ordem política como sendo a ordem jurídica. Trata-se de um sistema no qual ambos (política e direito) estão inseridos. No entanto, a forma é justamente a jurídica, com o condão de evitar o desvio da política.326 Com isso tudo, resta atual a assertiva luhmanniana, proferida na década de 1980, em livro intitulado “Teoria política no Estado de bem estar social” (tradução livre do italiano), no qual enfatiza que a assistência social pressupõe uma condição de desigualdade, cuja compensação será o cerne da atuação do Estado. Entretanto, para realizar tal mister, necessitará de mudança nas estruturas cognitivas e motivacionais das suas percepções e dos seus desejos. Isso, inserido no contexto do Estado de bem estar social, leva o Estado aos limites da sua capacidade operacional e moral, e o faz deparar-se com o problema do seu fundamento. Nesse 325 GUERRA FILHO, 2001, p. 187-188, 191. LUHMANN, 1996b, p. 86. Para um alerta sobre a importância da magistratura para a efetividade da ordem legal, ver GUERRA FILHO, 2011b, p. 499. No cenário dogmático brasileiro, sob o enfoque do Direito e da Política, ver BARROSO, 2012, p. 365: “[...] Na concretização das normas jurídicas, sobretudo as normas constitucionais, direito e política convivem e se influenciam reciprocamente, numa interação que tem complexidades, sutilezas e variações. Em múltiplas hipóteses, não poderá o intérprete fundar-se em elementos de pura razão e objetividade como é a ambição do direito. Nem por isso, recairá na discricionariedade e na subjetividade, presentes nas decisões políticas. [...].”. 326 179 aspecto, não há como não perguntar se, nos dias de hoje, caberia defender uma interpretação do Princípio da Separação dos Poderes que impeça o Poder Judiciário de intervir em atos da Administração Pública desprovidos de legalidade.327 22.4 É verdade, por outro lado, que para poder decidir com o refinamento intelectual que a hipercomplexidade reclama, a Suprema Corte precisará ter condições de julgar menos para se afastar de uma “terceira instância”, com propósito de se aproximar de uma instância especial, como autêntica Corte Constitucional. Esse esvaziamento de quantidade para então chegar à qualidade já vem sendo feito. Prova disso é a diminuição de casos julgados, nos moldes do quadro a seguir. Quadro 7 – Decisões proferidas pelo STF 2008 2009 2010 COLEGIADA 19.697 16.079 11.334 13.096 12.089 10.574 MONOCRÁTICA 109.126 86.782 98.347 89.302 77.746 58.058 10 1 13 216 128.823 102.871 109.682 102.411 90.051 TIPO DE DECISÃO NÃO INFORMADO Soma: 2011 2012 2013 68.632 Fonte: Supremo Tribunal Federal328 327 LUHMANN, 1983b, p. 42, 44, 47. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Estatísticas do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=decisoesgeral>. Acesso em: 12 out. 2013. 328 180 23 ATIVISMO JUDICIAL E ATUAÇÃO SIMBÓLICA 23.1 É rotineiro encontrar na mídia e na doutrina o uso das seguintes expressões: “ativismo judicial” e “judicialização da política”, seja como ratificação à intervenção judicial, seja como crítica, regra geral, ambas ligadas à análise das atuações do Judiciário em políticas públicas ou, precisamente, na sua ineficiência. Pelo teor do próprio nome, quando se fala em judicializar a política, pressupõe-se a premissa de que questões, até então objeto de decisão exclusiva da política, estão indo parar nas mãos dos juízes. A pauta da Corte Suprema é o exemplo típico desse novo cenário do poder estatal. São muitos os casos julgados, dos quais, ilustrativamente, destacam-se: ADI 3367 – Conselho Nacional de Justiça; ADI 3510/DF – Células-tronco; ADPF 54/DF; PET 3388/RR – Demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.329 À vista dessa realidade judicial, de imediato, surge a provocação: será que o Poder Judiciário tem usurpado poderes? Numa visão geral, parece que não. Na então condição de assembleia constituinte, o próprio Poder Legislativo constitucionalizou uma grande quantidade de direitos e garantias, bem como incumbiu expressamente a Suprema Corte de ser a defensora e a intérprete privilegiada das questões constitucionais. Nesse cenário, à medida que os cidadãos adquirem conhecimento sobre os seus direitos e são “apresentados” ao Judiciário, o estopim para a jurisdicização vem com a leniente atuação do Executivo, que, no caso, é identificada pela inércia em efetivar políticas públicas na saúde. O ativismo judicial brasileiro é um fenômeno social, influenciado por vários vetores como Judiciário composto por juízes com uma cultura mais atuante. A reiteração de escândalos de corrupção na política, aliada à sua incapacidade operacional de atender os anseios sociais, fomenta um descrédito generalizante da sociedade com os políticos. E, em alguns casos, acresce a isso tudo a própria 329 BARROSO, 2012, p. 367-370; SANTAELLA, 2002, p. 137: “Nos tempos modernos, pelo menos desde a segunda metade do século XIX, não existem mais dúvidas sobre o caráter convencional, arbitrário e histórico das leis institucionais. Mas os tópicos levantados pelo estudo das instituições, acompanhando o crescimento da complexidade das sociedades modernas, também aumentaram sua complexidade.”. 181 omissão política no enfrentamento de questões altamente polêmicas a fim de evitar desgaste com parte do eleitorado.330 23.2 A seu turno, a expressão “Ativismo Judicial” é originada no direito norte-americano como crítica à postura da Suprema Corte daquele país, cuja atuação em favor dos direitos fundamentais contribui para a sua concretização, mesmo como forma de interpretar a Constituição de maneira abrangente, plena, com viés de efetivação. Séculos depois, noutro Continente, agora no Brasil, forja-se na doutrina a expressão para rotular práticas pró-ativas, aproximando-se mais da criação do direito em desfavor da aplicação como função típica do Poder Judiciário como boca da lei.331 Sem embargo das críticas ao exagero da atuação jurisdicional, é necessário comentar que a Corte Constitucional pátria, dentro do próprio regime democrático desenhado pela Constituição Republicana, é o intérprete privilegiado, ou seja, o sentido final da interpretação constitucional é por ela outorgado. Nesse exato sentido, direitos estruturais, em nosso sistema, como os direitos fundamentais, não podem ser julgados nos mesmos termos de outras questões porque a própria Constituição os coloca em patamar diferenciado, invariavelmente legitimando o Judiciário a tomar medidas que, tomadas em outro contexto, poderiam ser rotuladas de “ativistas”. A própria política instituiu o poder-dever ao Estado-juiz de buscar a sua preservação face às desilusões.332 330 BARROSO, 2012, p. 369: “[...] No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da constitucionalização abrangente e analítica – constitucionalizar é, em última análise, retirar um tema do debate político e trazê-lo para o universo das pretensões judicializáveis – e do sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, em que é amplo o acesso ao Supremo Tribunal Federal por via de ações diretas.”. E, na página 370: “[...] Nesse contexto, a judicialização constitui um fato inelutável, uma circunstância decorrente do desenho institucional vigente, e não uma opção política do Judiciário. Juízes e tribunais, uma vez provocados pela via processual adequada, não têm a alternativa de se pronunciarem ou não sobre a questão. Todavia, o modo como venham a exercer essa competência é que vai determinar a existência ou não de ativismo judicial.”. Sobre a crise de legitimidade política, ver CAMPILONGO, 2000b, p.73-77. 331 BARROSO, 2012, p. 370-373. 332 No contexto da dogmática constitucional, ver BARROSO, 2012, p. 384: “[...] Há praticamente consenso, na doutrina contemporânea, de que a interpretação e aplicação do direito envolvem elementos cognitivos e volitivos. Do ponto de vista funcional, é bem de ver que esse papel de intérprete final e definitivo, em caso de controvérsia, é desempenhado por juízes e tribunais. De modo que o Poder Judiciário, notadamente, o Supremo Tribunal Federal, desfruta de uma posição de primazia na determinação do sentido e do alcance da Constituição e das leis, pois cabe-lhe dar a palavra final, que vinculará os demais Poderes. Essa supremacia judicial quanto à determinação do 182 23.3 No seio da dogmática jurídica, em nossos dias, encontramos refinada pena, materializada por Luiz Roberto Barroso, apta a apontar que o direito e a política não são sistemas isolados. Entre ambos, há pontos de contato e de confronto.333 Ainda assim, são diferentes, possuem individualidade própria; melhor, dentro da Sociologia sistêmica, cada qual possui a sua comunicação binária, funcionalmente diferenciada. Ambos estão inseridos num sistema social maior, quer dizer, a sociedade. Eles têm abertura cognitiva, recebem comunicações advindas de outros subsistemas, entretanto, a sua comunicação é fechada: operam com base no respectivo código. 23.4 Fecha-se o presente capítulo com a certeza de que tanto um juiz descomprometido com o seu mister quanto um magistrado com sede de justiça provocam malefícios à sociedade. Em que pesem as peculiaridades do caso concreto, como regra geral, o último proceder jurisdicional é o mais nocivo dos dois, mormente porque socialmente todos percebem, em razão do desleixo e da má fama, que a decisão praticada pelo primeiro modelo de juiz não materializa a justiça. Ao contrário, configura o desvio de um homem do caminho reto. Por outro lado, quando o primeiro decide investido sob a roupagem da retórica dos justos, o justiceiro arrisca-se a transformar o bem em mal, e vice-versa, com ares de concretização da mais pura, e cristalina, justiça, o que compromete toda ideia de justiça daquele grupo social, por poderem entender que a visão e a postura adotadas pelo julgador se materializam como certas. Dessa forma, nenhum dos dois seria o melhor caminho, mas sim o inteligente que pretende concretizar o direito, servindo-se da análise global, distributiva, em questões de distribuição de riqueza. Para tanto, porém, necessita estar disposto e preparar-se para a adaptação da sua decisão e postura face à nova realidade distributiva. que é o direito envolve, por evidente, o exercício de um poder político, com todas as suas implicações para a legitimidade democrática.”. 333 BARROSO, 2012, p. 385: “[...] o mantra repetido pela comunidade jurídica mais tradicional de que o direito é diverso da política exige um complemento. É distinto, sim, e por certo: mas não é isolado dela. Suas órbitas se cruzam e, nos momentos mais dramáticos, se chocam, produzindo vítimas de um ou dos dois lados: a justiça e a segurança jurídica, que movem o direito; ou a soberania popular e a legitimidade democrática, que devem conduzir a política. [...].”. 183 23.5 Em termos de resultado da pesquisa, as duas hipóteses iniciais – atuação efetiva ou atuação simbólica – restaram, quando vistas isoladamente, inconclusivas, inconsistentes e, especialmente, simplistas demais para descrever um ambiente tão complexo como demonstrou a coleta de dados empíricos. Desta maneira, a proposta original da tese teve de dar vazão a uma descrição menos nominalista, positiva, rotulista, a fim de propiciar um resultado mais contextual, analítico e sensitivo. Com efeito, é inegável que, na Suprema Corte, existe sim uma racionalidade jurídica definida no sentido da concretização do direito à saúde, quando a observação se atém à visão da microjustiça – justiça entre as partes –, a qual, entretanto, aproxima-se de uma atuação simbólica justamente quando nada faz em favor dos inúmeros jurisdicionados que tiveram o seu direito à saúde aviltado e não conseguiram chegar com seus pleitos à Corte. A microjustiça, nesse caso, enfileira-se com uma nova elite: aquela que possui instrumentos técnicos para chegar ao STF. E mergulha de cabeça no simbolismo-álibi ao negar um acesso à justiça distributiva e a continuar a enfrentar a situação somente pelo viés adjudicatório, o que ratifica as assertivas de que não cabe ao juiz se preocupar com o orçamento público e, muito menos, deixar que interesses menores, como a ausência de recursos, tolham exatamente direitos sociais que nada mais são do que a busca de uma igualdade econômica, sobretudo porque, se é verdade que para a análise do signo em torno do STF deve levar-se em conta o gigantesco aumento da complexidade, não é menos verdade que, se a Corte, ao julgar, não levar em conta, para formar a sua racionalidade, essa mesma complexidade, forjará uma gradual significação simbólica, em sintonia com a ideia de um álibi face à sua incapacidade de manter as expectativas ao longo do tempo. 23.6 A atuação simbólica da Suprema Corte é identificada ao se negar a observar os observadores (a atuação jurisdicional dos outros juízes) para, desta forma, exercer o papel de ser “o observador de segunda ordem”. Para tanto, deveria (i) analisar a complexidade social gerada pelos processos judiciais em interface com os demais subsistemas sociais com o escopo de regular a consistência teórica das decisões em face da adequação social, tomando, se necessárias, medidas de 184 revisão da jurisprudência e até mesmo propondo a edição de medidas de regulação da atividade estatal em caráter nacional como a edição de súmula vinculante e/ou (ii) julgar com mais boa-vontade processos coletivos. A postura de agir com um “álibi” do STF, como descrito, contribui de forma significativa para o cenário do ativismo irracional, cujas consequências podem também ser medidas pelos dados coletados pela Advocacia Geral da União, a seguir apresentados, extraídos somente das ações propostas em face da União. (i) Aumento significativo dos medicamentos adquiridos em razão de ações judiciais. Enquanto, em 2005, gastou-se R$ 2.441.041,95, no ano de 2012, a compra de medicamento resultou em R$ 287.844,968,16, conforme se pode visualizar no Gráfico 1, seguinte. Gráfico 1 – Evolução dos gastos da União com a compra de medicamentos em atendimento a ordens judiciais Fonte: Advocacia Geral da União334 334 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Consultoria Jurídica/Ministério da Saúde. Intervenção judicial na saúde pública. Panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos na seara das Justiças Estaduais. [s.d.] Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Jun/14/Panoramadajudicializacao_20 12_modificadoemjunhode2013.pdf>. Acesso em: 18 out. 2013. 185 (ii) Irracionalidade na distribuição dos medicamentos: 523 pessoas, judicialmente, resultaram num gasto de R$ 278.904.639,71 à União. A essa elite o Judiciário outorgou 18 novas tecnológicas, conforme demonstra o Quadro 8, abaixo: Quadro 8 – Nome e custo dos medicamentos mais concedidos judicialmente em desfavor da União MEDICAMENTO CUSTO TOTAL BRENTUXIMABE VEDOTINA 50 MG R$ 309.515,87 ERLOTINIBE 150MG-COMPRIMIDO R$ 320.601,60 MALEATO DE SUNITINIBE 50MG-CÁPSULA R$ 358.954,28 TEMOZOLOMIDA 100MG-CÁPSULAS R$ 455.033,60 BOSENTANA 125MG - COMPRIMIDOS R$ 708.900,60 ALFA-1 ANTITRIPSINA SOLUÇÃO ENDOVENOSA PEGVISOMANTO 10MG SOLUÇÃO INJETÁVEL RITUXIMABE 500MG/50ML – INJETÁVEL R$ 721.802,90 TOSILATO DE SORAFENIBE COMPRIMIDO MIGLUSTATE 100MG 200MG - 2MG/ML - R$ 1.108.400,70 R$ 1.325.511,60 R$ 1.769.571,00 LARONIDASE 100U/ML - SOLUÇÃO PARA PERFUSÃO ALFALGLICOSIDASE SOLUÇÃO INJETÁVEL ECULIZUMABE 300MG - SOLUÇÃO PARA PERFUSÃO TRASTUZUMABE 440MG - SOLUÇÃO INJETÁVEL BETAGALSIDASE 35MG - SOLUÇÃO PARA PERFUSÃO ALFAGALSIDASE 3,5MG - SOLUÇÃO PARA PERFUSÃO GALSULFASE 5MG/5ML - INJETÁVEL IDURSULFASE INJETÁVEL R$ 881.650,99 SOLUÇÃO TOTAL R$ 10.597.226,21 R$ 12.235.633,54 R$ 20.871.355,30 R$ 22.517.685,85 R$ 26.387.905,15 R$ 40.676.764,09 R$ 63.944.457,63 R$ 73.713.668,80 R$ 278.904.639,71 Fonte: Advocacia Geral da União335 335 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Consultoria Jurídica/Ministério da Saúde. Intervenção judicial na saúde pública. Panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos na seara das Justiças Estaduais. [s.d.] Disponível em: 186 (iii) Necessidade de a União ajudar financeiramente estados e municípios porque não conseguiram atender as ordens judiciais. O valor pulou de R$ 116.504,54, no ano de 2005, para R$ 68.002.152,43, em 2012. No Gráfico 2, a seguir, observa-se a evolução dos gastos da União nesse sentido. Gráfico 2 – Evolução dos gastos da União para auxiliar estados e municípios Fonte: Advocacia Geral da União336 (iv) No ano de 2012, a União gastou com depósitos judiciais e compra de remédios mais de R$ 350.000.000,00, enquanto em 2005 o gasto foi de R$2.557.546,49. A evolução dos gastos, conforme se depreende do Gráfico 3, é elevadíssima. <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Jun/14/Panoramadajudicializacao_20 12_modificadoemjunhode2013.pdf>. Acesso em: 18 out. 2013. 336 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Consultoria Jurídica/Ministério da Saúde. Intervenção judicial na saúde pública. Panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos na seara das Justiças Estaduais. [s.d.] Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Jun/14/Panoramadajudicializacao_20 12_modificadoemjunhode2013.pdf>. Acesso em: 18 out. 2013. 187 Gráfico 3 – Evolução dos gastos da União para atender ordens judiciais Fonte: Advocacia Geral da União337 Os gastos da União a fim de atender as decisões judiciais são elevadíssimos, contudo, a situação dos estados-membros é pior, haja vista que no Brasil a distribuição da arrecadação tributária beneficia a União em grande escala. A despeito de a União ter mais dinheiro, o montante de gastos dos estados no ano de 2010 é alarmante. O panorama dá conta que: (i) o Estado de São Paulo gastou R$ 700.000.000,00; (ii) o Estado de Pernambuco, para atender apenas seiscentas ações, teve de desembolsar R$ 40.000.000,00; (iii) o Estado do Pará gastou para atender apenas seis demandas judiciais R$ 913.073,81; (iii) Minas Gerais declarou 337 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Consultoria Jurídica/Ministério da Saúde. Intervenção judicial na saúde pública. Panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos na seara das Justiças Estaduais. [s.d.] Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Jun/14/Panoramadajudicializacao_20 12_modificadoemjunhode2013.pdf>. Acesso em: 18 out. 2013. 188 ter retirado dinheiro das políticas públicas, promovidas por meio dos programas Farmácia de Minas e Saúde da Família (PSF), para obedecer a ordens judiciais.338 Ademais, é muito emblemático o exemplo da cidade de Campinas, um município rico, mas que 16% de todo o seu orçamento para a compra de remédios teve de ser redirecionado para atender 89 ações propostas em 2009. Ou seja, 89 jurisdicionados gastaram R$ 2.505.762,00, enquanto mais de um milhão de habitantes tiveram de se contentar com o restante do orçamento.339 Diante do cenário aqui descrito, com o crescente dispêndio para atender ações propostas em face da União, importantes questões emergem: a saúde é realmente efetiva no Brasil? Ou mais se aproxima de uma atuação jurisdicional “álibi”, cuja efetividade do caso concreto coloca o sistema imunológico – o direito – como emissor de mais infecção, em vez de imunizar a sociedade, como disse Luhmann e, por isso mesmo, tornar-se-ia um paradoxo que no lugar de proteger destruiria, como ensina Guerra Filho?340 338 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Consultoria Jurídica/Ministério da Saúde. Intervenção judicial na saúde pública. Panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos na seara das Justiças Estaduais. [s.d.] Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Jun/14/Panoramadajudicializacao_20 12_modificadoemjunhode2013.pdf>. Acesso em: 18 out. 2013. 339 FINATTI, Deise Barbieri; VECHINI, Priscila Garbin. O perfil dos gastos destinados ao cumprimento de determinações judiciais no Município de Campinas. XXIV Congresso de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo. Anais... Campinas, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/biblioteca/XXIV_Congresso_de_Secretarios_Municipais_de_S aude_do_Estado_SP/Complexidadedaatencaobasica/O_Perfil_dos_gastos_Deise.pdf>. Acesso em: 22 out. 2013. 340 LUHMANN, 2005, 219; GUERRA FILHO, 2001, p. 186-187; LUHMANN, 1977, p. 115. GUERRA FILHO, 2012, p. 3. 189 A TESE O PONTO CEGO DO SISTEMA Como resultado, a pesquisa demonstrou que a forma de julgar do Supremo Tribunal Federal, quando se trata de fazer justiça no caso concreto – isso na óptica da microjustiça, quer dizer, restrita aos litigantes – o faz em favor da efetividade do direito à saúde, numa interpretação e numa abrangência próprias de países de alto desenvolvimento econômico e social. No entanto, quando a verbalização da Corte simplesmente desconsidera a situação financeira do ente público demandado, sem buscar solver a questão de forma distributiva, acaba aproximando-se de uma atuação simbólica porque garante um direito a uma elite que teve acesso ao Judiciário, quando, por outro lado, pouco faz para a efetivação do direito à saúde, em caráter nacional, além de mostrar-se omissa em assumir o seu papel de observador do observador, portanto, não se comporta como um observador de segunda ordem da atuação jurisdicional ao não ampliar o seu juízo cognitivo – quer dizer, a sua complexidade – ao não levar em consideração no processo decisório os efeitos do ativismo judicial nos entes estatais envolvidos. Essa sua negação em observar o ponto cego do sistema ficou latente quando: (i) a Corte Constitucional não deu andamento ao pedido número 4 de súmula vinculante, cujo teor do verbete era a regulamentação da obrigação solidária dos entes públicos em direito à saúde. Sumular a questão não é tarefa fácil; demandaria uma carga de raciocínio mais elaborado, num diálogo com outros ramos da ciência, o que, por conseguinte, aumentaria o âmbito de sua complexidade. Talvez, e por isso mesmo, a proposta não foi levada adiante. Desse modo, se, por um lado, a Excelsa Corte reconhece a sua incapacidade operacional, pelo outro, nada faz para estender o direito à saúde à gama de excluídos existentes em todo o território nacional, cujos pleitos não chegam ao pretório excelso; (ii) nega-se a promover a circulação do ponto cego do sistema ao não realizar a observação da observação, ou seja, nega-se a observar de forma macro os argumentos trazidos pelos administradores públicos em razão das consequências da judicialização da 190 saúde a fim mesmo de repensar o tema em caráter nacional, em heterorreferência com os demais subsistemas sociais, dos quais se destacam: política e economia. Sem embargo da crítica à Suprema Corte, por não assumir o seu papel institucional de ser “o observador de segunda ordem em questões constitucionais”, é inegável o avanço na manutenção das expectativas normativas do direito à saúde. A seu turno, o STF forjou o direito público à saúde como bem indisponível no plano da jurisprudência do país. Também, motivado por isso, o “ativismo judicial” brasileiro chegou a níveis surpreendentes, sem precedentes no direito comparado, o que pressionou os administradores públicos a tomar medidas internas para amenizar o número de demandas que, a toda evidência, tem provocado risco iminente de ruptura do sistema político. Essas medidas que os poderes públicos tomaram para diminuir o número de ação denotam que nossos gestores são, a maioria, incapazes de se antecipar ao problema. No aspecto, destaca-se que o “ativismo judicial” motivou o Poder Executivo a reorganizar a saúde pública, mesmo que ainda insuficiente; os avanços são grandes e muito se deve à postura firme e, em certa medida, irracional das decisões judiciais. Em verdade, os gestores públicos foram obrigados, por meio das decisões, a aumentar a sua heterorreferência (adequação social) com a sociedade, a resultar, entre outras medidas, na inclusão de diversos medicamentos na lista do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como alinhar a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e a Procuradoria do Estado de São Paulo, que, paradoxalmente, não se comunicavam, a ponto de a primeira ingressar com ações judiciais para pleitear o fornecimento de fármacos já fornecidos pelo Estado de São Paulo. Essa mencionada situação de desorganização administrativa também materializa o porquê da legitimidade social do Judiciário para intervir em políticas públicas: o Estado de São Paulo, o mais rico da federação, possui órgãos que, por não estarem ao menos sincronizados, lutavam entre si desnecessariamente, gerando mais custos ao erário. Todavia, o Supremo não “vê” que para fazer valer um valor eleito pela Constituição Federal sem corromper o sistema político terá de superar o paradigma de julgamento exclusivamente adjudicatório, sob pena da sua racionalidade restar chancelada como um “álibi” pela incapacidade operacional da Administração Pública de cumprir com as decisões judiciais. 191 Nos últimos dez anos, principalmente, o Poder Judiciário brasileiro conquistou um espaço social até então inimaginável para um poder forjado originalmente como um poder neutro, até por isso, vinculado à lei, pouco afeito a questões sociais como distribuição de renda e efetividade das políticas públicas. Esse fenômeno social tem muitas explicações, dentre as quais se pode destacar: (i) descrédito social da representação política; (ii) inefetividade social das políticas públicas; (iii) hipercomplexidade social; (iv) cobrança social em face dos membros do Judiciário. Nesse sentido, à proporção que o sistema do direito é constantemente provocado, mediante o ingresso de novas medidas judiciais, acaba tendo que promover novos e incessantes processos de seletividade, basicamente postos na forma de variação, seleção e reestabilização social, a resultar em novas posturas de atuação judicial mesmo para situações já julgadas anteriormente. Esse processo é inerente, e indissociável, à sociedade complexa, característica marcante dos dias atuais. O problema, porém, é que, na ânsia de garantir o direito à saúde, o STF formou uma racionalidade jurídica em favor de uma efetividade do “caso concreto”, julgada de forma adjudicatória, completamente autorreferente, negando-se, portanto, a agir também com heterorreferência, que lhe permitiria absorver, dentro desse processo de seleção judicial, a realidade social, econômica e operacional do ente público demandado, para, com base na complexidade trazida por ambas as partes, poder reduzir a complexidade por meio de decisão judicial. Por óbvio, o direito à saúde é sim uma garantia constitucional que não pode ser aviltada. Aqui não se nega isso, frise-se com veemência. Contudo, julgar o referido direito social de ordem distributiva como direito exclusivamente adjudicatório implica criar um simbolismo-álibi em torno da questão, isso porque, de um lado, garante-se um superdireito a uma elite, enquanto, de outro, a coletividade continua na mesma situação de exclusão social. No tema da saúde, o STF pouco tem contribuído para a desejada heterorreferência, apta a embasar julgamentos distributivos em saúde pública e a atuar, por isso mesmo, como observador de segunda ordem, ajudando, assim, a resolver, ou ao menos amenizar, o paradoxo da judicialização da saúde. Por outro 192 lado, no sentido de produzir paradoxos, encontram-se vários exemplos, como o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n. 198/MG341, indeferido pelo STF, no qual se postulava a suspensão da decisão antecipatória dos efeitos da tutela jurisdicional concessiva de medida que obrigou o estado a arcar com um tratamento de doença rara e degenerativa no importe de aproximadamente dois milhões e seiscentos mil reais (R$ 2.600.000,00) ao ano, segundo informação do governo de Minas Gerais. O interessante é que houve uma mudança brusca da racionalidade da Corte Constitucional, porquanto, no mesmo ano, a presidência do STF deferiu o Pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n. 223342 a fim de cassar decisão monocrática do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), na qual se garantia ao jurisdicionado o fornecimento de medicamento no importe de cento e cinquenta mil dólares (US$ 150.000), inclusive com determinação de que duzentos e sessenta e nove mil reais (R$ 269.000,00) fossem pagos diretamente na conta do médico indicado pela família. Em que pese o pedido da suspensão ter sido deferido inicialmente, no julgamento colegiado, provocado pela interposição de agravo regimental, por maioria, os ministros decidiram manter a decisão proferida pelo TJPE, consequentemente, o tratamento milionário teve de ser ofertado pelo Estado de Pernambuco.343 À luz da comparação da racionalidade decisional das decisões antes referidas, indaga-se: a Administração Pública brasileira tem condições de arcar com 341 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada n. 198/MG. Relator Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Estado de Minas Gerais. Requerido: Relator do Agravo de Instrumento n. 2007.01.00.043356-3 do Tribunal Federal Regional da 1ª Região. União. Município de Belo Horizonte. Brasília, DF. Julgado em 22.12.2008. Publicado em 03.02.2009. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA%24%2ESCLA%2E+E+19 8%2ENUME%2E%29&base=basePresidencia&url=http://tinyurl.com/obe847x>. Acesso em: 16 out. 2013. 342 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada n. 223/PE. Relatora Ministra Ellen Gracie. Requerente: Estado de Pernambuco. Requerido: Relator do Agravo de Instrumento nº 0157690-9 do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Brasília, DF. Julgado em 12.03.2008. Publicado em 18.03.2008. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28STA%24%2ESCLA%2E+E+22 3%2ENUME%2E%29&base=basePresidencia&url=http://tinyurl.com/aj28lcv>. Acesso em: 16 out. 2013. 343 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AG.Reg, na Suspensão de Tutela Antecipada STA/223. Plenário. Relator Ministro Presidente. Agravante: Marcos José Silva de Oliveira. Agravado: Estado de Pernambuco. Brasília, DF. Julgado em 14.04.2008. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=83&dataPublicacaoDj=09/05/2008 &incidente=3654789&codCapitulo=2&numMateria=14&codMateria=4>. Acesso em: 18 out. 2013. 193 tratamentos dessa natureza? Todos os brasileiros que estão na mesma situação, então, teriam direito ao mesmo benefício? Quem são os beneficiados dos tratamentos concedidos no importe de R$ 2.600.000,00 (anual) e US$ 150.000? Estas perguntas ainda reclamam ser respondidas para se poder seguir adiante nesse importante debate a respeito da judicialização da saúde pública no Brasil. Aliás, além dos números, a própria verbalização posta no material empírico demonstrou ser preocupante a postura decisional da Suprema Corte. Ilustra-se a questão com as expressões “não cabe ao judiciário se preocupar com questões financeiras” e “a viúva não ficará mais pobre”. Num país desigual e, em certa medida, pobre como o nosso, esses enunciados são simbólicos, soando quase como um discurso eleitoral. No viés da distribuição de riqueza, cabe aqui a comparação da atuação do STF com uma estória narrada por Luhmann, de um rico beduíno que fez um testamento no qual deixou metade da sua herança para o filho mais velho, um quarto ao filho do meio e um sexto ao mais novo.344 Ocorre, porém, que, por infelicidade, quando chegou o momento da partilha restaram somente 11 camelos, inviabilizando a divisão na forma proposta pelo pai. Os irmãos não se entenderam. Cada um tinha direito à sua parte nos termos exatos que estava escrito no testamento. A herança, por esse cenário, teve de ser partilhada pelo juiz. O magistrado, em vez de distribuir a riqueza existente, adjudicou o direito de cada filho, outorgando a cada um o que o testamento determinava. Entretanto, para a conta fechar, o juiz deu um camelo do seu próprio patrimônio sob a promessa de que um dia os herdeiros iriam lhe devolver.345 Com base no conto da herança do beduíno, pergunta-se: operacionalmente, qual a consequência de se adjudicar em favor de alguém riqueza inexistente? Inicialmente, ter-se-ia desorganização sistêmica, pois se retira verba de vários lugares para atender poucos jurisdicionados. Em seguida, quando não se tiver de onde tirar o dinheiro, haverá descumprimento da decisão a gerar, entre as possíveis medidas, sequestro de valores dos cofres públicos – há inúmeros casos 344 345 LUHMANN, 2004b, p. 33. LUHMANN, 2004b, p. 33. 194 na jurisprudência. Por fim, o sistema político ruirá em razão de ser obrigado a pagar o décimo segundo camelo ofertado aos litigantes pela Suprema Corte. No plano teórico, a grande justificativa de não se julgar sob viés distributivo é que, neste caso, estar-se-ia utilizando um critério político e, por conseguinte, não jurídico. À tese, de outro modo, parece que a política está ligada de forma irrenunciável ao poder, a qual, a seu turno, trata-se de comunicação a regular uma relação social de litigiosidade entre as partes. Ilusório, pois, crer-se que o Judiciário não faz “política”, quiçá o STF, que, se não tem o formato de uma Corte Constitucional Europeia346 – até pelo motivo de estarmos localizados na América do Sul - é sim o intérprete privilegiado da Constituição Federal e, por este mister, situase na fronteira entre os sistemas parciais da política e do direito. Desse modo, o STF operacionaliza o acoplamento estrutural entre os referidos sistemas, a resultar em entrada e saída de comunicação de ambos os subsistemas, o que é, contudo, diferente da subversão do código do direito (l/i) pelo político (g/o) ou vice-versa. Em ambos os subsistemas, os seus respectivos pontos de partida são diversos, a materializar um nível de raciocínio particular de cada sistema, mesmo que regule situação análoga, podendo, entretanto, o resultado ser idêntico, a variar tão só o seu binarismo. Diante dos dados coletados, a racionalidade da Suprema Corte em direito à saúde configura-se num paradoxo, uma vez que decide de forma ampliativa no caso concreto, por meio de verbalização em favor da ampla e irrestrita efetividade do direito à saúde, mas, de fato, aceita a inefetividade social da saúde em âmbito nacional, ao mesmo tempo em que garante o direito a uma “elite judicial”, sem se preocupar com as consequências disso no orçamento público e, sobretudo, de como equacionar o direito à saúde nas contas do governo e as implicações práticas da solidariedade dos entes públicos. 346 GUERRA FILHO, 2005, p. 13. 195 REFERÊNCIAS ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Consultoria Jurídica/Ministério da Saúde. 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Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto 04/2011 Suspensão de Segurança n. 4304/CE AC n. 2836 MC/ SP 02/2010 AI n. 611559/RS Min. Carlos Mario da Silva Velloso Min. Carlos Mario da Silva Velloso Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha 09/2001 Ag. Reg. no RE n. 273.042-4/RS Reqte: Ministério Público do Estado de São Paulo Reqdo: Fazenda Pública do Estado de São Paulo Recte: Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul Recdo: União Recdo: Município de Serafina Corrêa Agte: Município de Porto Alegre Agdo: Carlos Alfredo de Souza Luize 03/2002 EDCL no Ag. Reg. no RE n. 273.042-4/RS Ag. Reg. em Re. n. 599529/RGS Embte: Município de Porto Alegre Embdo: Carlos Alfredo de Souza Luize Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agdo: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul 02/2011 RE. n. 586995/MG Recte: Estado de Minas Gerais Recido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais 06/2011 Ag. no RE 599.529/RGS Agte: União Agdo: Ministério Público Federal 05/2011 RE n. 607.385/SC Recte: Estado de Santa Catarina Recido: Elisa Meira Fernandes 08/2011 AG. em RE 646.235/SP Recte: Município de São Paulo Recido: Ministério Público do Estado de São Paulo 2011 Rcdos: Relator do MS Recte: Estado do Ceará 218 Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha Min. Ellen Gracie 06/2011 RE n. 641916/ PR Recte: Valentina Mikulski Babinski Rcdos: União, Estado do Paraná e Município de Curitiba 04/2011 Ag. Reg. na Ação Cautelar 2267/PR Agte: Valentina Mikulski Babinski Agdo: União, Estado do Paraná, Município de Curitiba 03/2011 Ag. In. 823184/RS Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agdo: Aguineu Diple Feline Guellen Intdo: Município de Soledade 03/2012 Ag. Reg. em Re. n. 665.764/RGS Agte: União Agdo: Associação de Caridade Santa Casa do Rio Grande 02/2012 Ag.Reg.no RE 648.410/DF Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agdo: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul 10/2001 RE n. 255.0868/RS Min. Ellen Gracie 02/2007 STA n. 91 Reqte: Estado do Rio Grande do Sul Reqdo: Eduardo Leão Francisco Marques Reqte: Estado de Alagoas Reqdo: Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas Min. Ellen Gracie 02/2007 SS n. 3073/RN Reqte: Estado do Rio Grande do Sul Reqdos: Luiz Carlos Fernandes e Relatora do Mandado de Segurança Min. Ellen Gracie 08/2010 Min. Enrique Ricardo Lewandowski Min. Enrique Ricardo Lewandowski Min. Enrique Ricardo Lewandowski Min. Enrique Ricardo Lewandowski 10/2006 Ag. Reg. no Ag. Instrumento de n. 734.487/PR AI n. 607.646/SC Agte: Estado do Paraná Agto: Ministério Público do Estado do Paraná Agte: União Agdo: Francisco Marini 06/2009 Ag.Reg. no AI n. 553.712-4 Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agdo: Neiva Cecilia Belle 05/2011 Ag. no RE 640.722/SC Recte: União Recdo: Ministério Público Federal 08/2011 RE n. 628.293/AM Recte: Estado do Amazonas Recdo: Ministério Público do Estado do Amazonas Min. Gilmar Ferreira Mendes 03/2010 Ag. Reg. na Suspensão da Segurança n. 3355 RN Agte: Estado do Rio Grande do Norte Agdo: Grinaldo Ferreira da Silva 219 Min. Gilmar Ferreira Mendes 04/2010 Min. Gilmar Ferreira Mendes 04/2010 Ag. Reg. na Suspensão de Liminar n. 47 Pernambuco Ag. Reg. na Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 Ceará Min. Gilmar Ferreira Mendes Min. Gilmar Ferreira Mendes 04/2010 STA n. 278 04/2010 Min. Gilmar Ferreira Mendes 04/2010 Ag. Reg. na Suspensão de Segurança n. 2361 Ag. Reg. na Suspensão de Segurança n. 2944 Min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes Min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes Min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes Min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes Min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes Min. José Antônio Dias Toffoli Min. José Antônio Dias Toffoli 08/2006 AI n. 507.072/MG Agte: Estado da Paraíba Imptes: Zilda Miranda Torres Joelma dos Santos Nascimento Antônio Francisco da Cruz Filho Maria Pereira da Cunha Agte: Estado de Minas Gerais Agdo: José Carraro 04/2011 Ag. Reg. no RE 635381/RS Recte: Estado do Rio Grande do Sul Recdo: Valzumiro Zanatta 10/2011 Ag. Reg. no AI 693.564/RGS Agte: Município de Porto Alegre Agdo: Cristian da Costa Nery 10/2011 Ag. Reg. no AI 817241/RGS Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agdo: Branca Odete Mendes Acosta 06/2012 Ag. Reg. no AI n. 550.530/PR Agte: Autarquia Municipal de Saúde Agto: Ministério Público do Estado do Paraná 02/2010 AI n. 587084/PR Recte: Andréia Pichorim Recdo: União 06/2010 AI n. 667882/MG Agte: Ministério Público do Estado de Minas Gerais Agdo: Município de Contagem 09/1999 RE n. 242.859RS Agte: Município de Porto Alegre Agdo: Patrícia Palácio de Souza Min. Ilmar Galvão Agte: Estado de Pernambuco Agdo: União Agdo: Ministério Público Federal Agdo: Município de Petrolina Agte: União Agdo: Clarice de Abreu de Castro Neves Agdo: Ministério Público Federal Agdo: Município de Fortaleza Agdo: Estado do Ceará Agte: Estado de Alagoas Agdo: Maria de Lourdes da Silva Agte: Estado de Pernambuco Agdo: Alessandro Feitosa Tomé de Souza 220 Min. Ilmar Galvão 03/2000 RE n. 226.8356/RS Recte: Estado do Rio Grande do Sul Recdo: Rosemari Pereira dias Min. José Carlos Moreira Alves Min. José Carlos Moreira Alves Min. José Celso de Mello Filho 05/2000 RE n. 264.269/RS Recte: Estado do Rio Grande do Sul Recda: Teresinha Palhano 09/2000 RE n. 207.9707/RS Recte: Estado do Rio Grande do Sul Recdo: Osvaldina Alves dos Passos 02/1997 Pet. n.1.246 MC/SC Reqte: Estado de Santa Catarina Recdo: João Batista Gonçalves Cordeiro Min. José Celso de Mello Filho Min. José Celso de Mello Filho 08/2000 RE n. 267.612RS Reqte: Estado do Rio Grande do Sul Reqdo: Augusto Seleprioni 08/2000 RE n. 232.335/RS Reqte: Estado do Rio Grande do Sul Reqdo: Jorge Eduardo Hennig Min. José Celso de Mello Filho 11/2000 Ag. Reg. em Re. n. 271.2868/ RS Agda: Cândida Silveira Saibert Agda: Dina Rosa Vieira Agte: Município de Porto Alegre Min. José Celso de Mello Filho 02/2001 Ag.Reg. em RE. n. 273.834/RS Agde: Município de Porto Alegre Agvda: Cristiane Carneiro Bortolaz Min. José Celso de Mello Filho 12/2001 RE n. 248.304/RS Recte: Estado do Rio Grande do Sul Recdo: Igor Batista Brito Min. José Celso de Mello Filho 04/2004 ADPF n. 45/DF Reqte: Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB Reqdo: Presidente da República Min. José Celso de Mello Filho 06/2004 AI n. 452.312/RS Agte: Município de Porto Alegre Agdo: Camila Kauffmann Min. José Celso de Mello Filho 02/2007 Ag. Reg. em Re n. 393.175 – O – RS Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agda: Luiz Marcelo Dias e outro (A/S) Min. José Paulo Sepúlveda Pertence Min. Luiz Fux 12/2005 AI n. 562.561/RS Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agda: João Abrantes Mendonça 04/2011 Ag. REg. no RE 626.328/RGS Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agto: Luis Felipe Alves Varante 221 Min. Luiz Fux 06/2011 Ag. Reg. no RE 626.328 Min. Luiz Fux 06/2011 Ag. Reg. no Re. 607.381/SC Min. Luiz Fux 08/2011 Ag. In. n. 843160/MG Min. Luiz Fux 04/2012 Ag. REg. no RE n. 668.724/RS Agte: Ministério Público do Estado de Minas Gerais Agdo: Departamento Municipal de Saúde Pública – DEMASP Agte: Estado do Rio Grande do Sul Agdo: Germana Pereira Ferreira Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello Min. Maurício José Corrêa 02/1999 AI n. 232.469/RS Agte: Município de Porto Alegre Agda: Loreni de Fátima Santos Serpa 10/1999 RE n. 247.900RS Reqte: Estado do Rio Grande do Sul Reqda: Ida Maria Lorez Huber 02/2000 Ag.Reg. em Agravo de Instrumento n. 238.328-RS RE n. 195.1923-RS Agte: Município de Porto Alegre 03/2000 Agte: Estado do Paraná Agdo: Ministério Público do Estado do Paraná Agte: Estado de Santa Catarina Agdo: Ruth Maria Rosa Agda: Carlos Fernando Becker Recte: Estado do Rio Grande do Sul Recdo: Rodrigo Skrsypcsak 09/2000 RE n. 273.042RS Rectes: Estado do Rio Grande do Sul e Município de Porto Alegre Recdo: Carlos Alfredo de Souza Luize 12/2007 RE n. 566.471 RG/RN 08/2011 RE n. 368.564/DF Recte: Estado do Rio Grande do Norte Recda: Carmelita Anunciada de Souza Recte: União Recdo: Maria Euridice de Lima Casale 03/2012 RE n. 657.718 RG/MG Reqte: Alcirene de Oliveira Reqdo: Estado de Minas Gerais 05/2012 Ag. Reg. no RE n. 635.363/RS Agte: Município de Caxias do Sul Agdo: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul 08/1999 RE n. 236.000/RS Reqte: Estado do Rio Grande do Sul Reqdos: Alex Lopez de Souza e outros 222 Min. Maurício José Corrêa 09/1999 RE n. 236.644/RS Reqte: Município de Porto Alegre Reqdo: Carlos Alberto Ebeling Duarte Min. Maurício José Corrêa 08/2000 Ag. Reg. no RE n. 259.508/RS Agte: Município de Porto Alegre Agdo: Patrício Palácio de Souza Min. Nelson Jobim 02/2001 AgRg. no RE n. 255.627-RS Agte: Município de Porto Alegre Agdo: Carlos Alberto Ebeling Duarte Fonte: Supremo Tribunal Federal347 347 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 24 out. 2013.