PROGRAMAS ELEITORAIS NO RÁDIO E AS IMPRESSÕES SOBRE A POLÍTICA PROGRAMAS ELECTORALES EN LA RADIO Y LAS IMPRESIONES SOBRE LA POLITICA Mônica Kaseker1 RESUMO Este artigo apresenta um relato de experiência de uma atividade desenvolvida com estudantes de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, da Escola de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Trata-se do planejamento e produção de uma campanha eleitoral para o rádio, na disciplina Produção Sonora em Publicidade e Propaganda, a partir da observação dos programas apresentados pelos candidatos no Horário Eleitoral Gratuito das eleições de 2012. A atividade desenvolvida pelo terceiro ano consecutivo, com turmas do 4º período, tem permitido a observação dos processos de apreensão e apropriação da política por parte dos estudantes, ao longo de discussões teóricas, observações e análises sobre a relação da mídia com a política, e de como isso reflete na formulação de estratégias e discursos de candidatos fictícios criados pelos acadêmicos. Buscando a análise crítica sobre a realidade social, os estudantes se deparam com um contexto de pasteurização e espetacularização da política, no qual as ideologias, assim como as identidades partidárias, nem sempre são aparentes e as eleições ganham aspecto cômico. Como metodologia empírica foi adotada a observação participante, a partir de anotações rotineiras por parte da autora\docente durante as atividades, além dos registros em diários de bordo realizados pelos estudantes no sistema intranet Eureka da PUCPR, análise de briefings, roteiros, jingles e gravações produzidos pelos alunos. Teoricamente, busca-se refletir sobre a democracia contemporânea, a partir de autores como Schumpeter (1965), Hirst (1992), Manin (1995) e Schwartzenberg (1978),sobre o campo político com Bourdieu (2003) e a questão da ideologia com Therborn (1987). Na atual democracia representativa, a mídia tem como prerrogativa tornar os candidatos 1 Mônica Panis Kaseker, doutora em Sociologia (UFPR), professora de Rádio da Escola de Comunicação e Artes da PUCPR. Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR. [email protected] visíveis a um público amplo e a política ganha contornos de espetáculo, cada vez mais personalista, em processos eleitorais que tornam as diferenças ideológicas opacas. A campanha eleitoral pode ser considerada o ápice ou o fundo do poço da despolitização da política. Um processo que alimenta a reprodução política com a repetição de arcaicas fórmulas comunicativas. Palavras-chave: Rádio, campanha eleitoral, democracia, política. RESUMEN Este artículo presenta un relato de experiencia desarrollada con estudiantes de Comunicación Social – Publicidad e Propaganda, de la Escola de Comunicação e Artes de la Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Trata-se del planeamiento y producción de una campaña electoral para la radio, en la disciplina Producción Sonora en Publicidad y Propaganda, a partir de la observación de los programas presentados por los candidatos en el Horario Electoral Gratuito de las elecciones de 2012. La actividad desarrollada por el tercero ano consecutivo, con grupos del 4º período, hay permitido la observación de los procesos de aprensión e apropiación de la política por parte de los estudiantes, a lo largo de discusiones teóricas, observaciones e análisis sobre la relación entre media y política, además de como esos aspectos refleten en la formulación de estrategias y discursos de candidatos ficticios criados por los estudiantes. Buscando el análisis crítico sobre la realidad social, los estudiantes se deparan con un contexto de pasteurización e espectacularización de la política, en que las ideologías, así como las identidades partidarias, ni siempre se quedan aparentes y las elecciones adquieren aspecto cómico. Como metodología empírica fue realizada la observación participante, con notas rutineras por la autora\docente a lo largo de las actividades, además de los registros en diarios de bordo realizados por los estudiantes en el sistema intranet Eureka de la PUCPR, análisis de briefings, guiones, jingles y grabaciones hechas por los alumnos. En las referencias teóricas, se busca reflexionar sobre la democracia contemporánea, a partir de autores como Schumpeter (1965), Hirst (1992), Manin (1995) y Schwartzenberg (1978), sobre el campo político con Bourdieu (2003) y la cuestión de la ideología con Therborn (1987). En la actual democracia representativa, los media tienen como prerrogativa tornar los candidatos visibles para el público amplio y la política adquiere contornos de espectáculo, cada vez más personalista, en procesos electorales que hacen las diferencias ideológicas opacas. La campaña electoral puede ser considerada el ápice o el punto más fondo de la despolitización de la política. Un proceso que alimenta la reproducción política con la repetición de arcaicas fórmulas comunicativas. Palabras clave: Radio, campaña electoral, democracia, política. INTRODUÇÃO O que é ideologia? E plataforma de governo? Como se comportam os partidos políticos e as coligações em períodos eleitorais? Por que alguns candidatos têm tanto tempo de propaganda eleitoral no rádio e outros tão pouco? Essas são algumas questões que surgiram ao longo de uma atividade proposta para uma turma de segundo ano de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da PUCPR, em que os estudantes deveriam acompanhar a campanha eleitoral de 2012 à Prefeitura Municipal de Curitiba e, a partir da observação da realidade, planejar e produzir um programa eleitoral para rádio, com candidatos fictícios, para a disciplina de Produção Sonora em Publicidade e Propaganda. Neste artigo, procura-se refletir sobre os processos de apreensão e apropriação da política por parte dos estudantes, ao longo de discussões teóricas, observações e análises sobre a relação da mídia com a política, e de como isso reflete na formulação de estratégias e discursos dos candidatos fictícios criados pelos acadêmicos. Este relato de experiência adota como metodologia a observação participante da autora/professora, a partir de anotações rotineiras, além dos registros em diários de bordo realizados pelos estudantes no sistema intranet Eureka da PUCPR, análise de briefings, roteiros, jingles e gravações produzidos pelos alunos. A pesquisa bibliográfica busca autores que analisam criticamente a democracia contemporânea, como Schumpeter (1965), Hirst (1992), Manin (1995) e Schwartzenberg (1978), o campo político com Bourdieu (2003) e a questão da ideologia com Therborn (1987). O artigo foi organizado apresentando inicialmente algumas reflexões teóricas, para em seguida descrever a experiência em si e, ao final, a partir dos primeiros feedbacks dos estudantes, em seus comentários, textos e produções, analisar algumas de suas impressões sobre a política e sobre as eleições em sua cidade e em seu país. 1. A VOZ DO POVO Na Modernidade, a democracia se desenvolveu associada à economia de mercado e ao capitalismo, tomando forma representativa. Após ser duramente contestada pelo fascismo e marxismo-leninismo ao longo de mais de 30 anos no início do século XX, a democracia representativa ocidental foi rejeitada pelos movimentos estudantis, nos anos 1960, em favor da democracia participativa e direta. De acordo com Hirst, na década de 1980 a esquerda foi forçada a aceitar o governo representativo, as eleições multipartidárias e os eleitorados amplos, abandonando a meta de construir uma sociedade socialista. (1992, p.7-8) Surge então uma nova esquerda democrática que se propõe a promover a democratização dentro dos parâmetros capitalistas em um “novo republicanismo”, a partir da ideia de que haveria uma participação ativa dos cidadãos na luta pela ampliação de seus direitos sociais e políticos, com o fortalecimento da sociedade civil organizada. (HIRST,1992) As principais características da democracia representativa são os eleitorados e partidos de massa, que permitem, segundo Schumpeter (1961), uma participação que se limita ao voto em eleições periódicas. Para o autor, a democracia de massa causa indiferença e alienação ao cidadão e a eleição se torna um instrumento de legitimação daqueles que chegam ao poder. Ainda que possa existir algum tipo de vontade comum ou opinião pública no processo democrático, os resultados ainda necessitariam de unidade e de sanção racional. O homem teria de saber de maneira definida o que deseja defender. Essa vontade clara teria de ser complementada pela capacidade de observar e interpretar corretamente os fatos que estão ao alcance de todos, e selecionar criticamente as informações sobre os que não estão. (SCHUMPETER, 1961, p. 309) O autor defende que não poderiam ser contabilizadas como decisões produzidas pela vontade do povo aquelas que têm alguma interferência ou pressão de grupos e da propaganda. O indivíduo estaria propenso a agir sob a influência da publicidade e outros métodos de persuasão, não só sob argumentos racionais. A vontade do povo poderia ser fabricada por grupos políticos e econômicos. (1961, p.320) Para Habermas, o comportamento mais apático e desprovido de argumentos do público é agravado por conteúdos digeríveis e sedutores presentes nas mídias eletrônicas a partir do século XX. Está aberto o caminho para o que o autor chama de “subversão do princípio da ‘publicidade’”, que passa a “trabalhar a opinião pública” (grifos do autor) buscando um consenso fabricado. (1984, p. 228) O comportamento eleitoral da população na social-democracia é um exemplo, para o autor, de como a comunicação constrói a opinião não-pública. Habermas afirma que os líderes de opinião nos Estados sociais democráticos são os mais ricos, mais cultos, bem colocados socialmente e politicamente interessados e que os menos informados e mais apáticos e indecisos tornam-se presas fáceis das campanhas eleitorais, sendo mobilizados ora para um partido, ora para outro. Os eleitores indecisos são conquistados não pelo esclarecimento ou pelas propostas, mas pela imagem “publicitariamente eficaz” dos candidatos. Ao longo da história, o governo representativo foi passando por uma série de transformações. De acordo com Manin, a representação política, baseada na relação entre o eleitorado e os partidos políticos, passou a ter outras características. Os partidos já não se comprometem tanto com um programa político e a cada eleição o eleitorado tende a votar de maneira diferente. As estratégias eleitorais se baseiam menos nos partidos e mais nas imagens vagas que projetam a personalidade dos líderes. “Os políticos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem aos seus eleitores.” (MANIN, 1995, p. 5) Para o autor, a partir do final do século XX vivemos uma crise de identificação entre representantes e representados e um declínio da determinação da política pública por parte do eleitorado, o que Manin denomina de democracia de público, na qual os eleitores tendem a votar em pessoas e não em partidos. Isso pode ser explicado pela influência dos canais de comunicação política que modificam a relação entre representantes e representados, estabelecendo uma comunicação direta que suplanta as mediações partidárias. Cada vez mais as decisões de voto levam em conta a percepção do que está em jogo numa eleição específica, numa dimensão reativa do voto. Os eleitores reagem mais do que se expressam nas urnas. Desta forma, a escolha eleitoral cabe mais ao político do que ao próprio eleitor. (MANIN, 1995, p. 27) A imagem é um rótulo, uma marca que deve guiar a performance dos políticos e muitos deles acabam se tornando prisioneiros de sua própria imagem, não podem mudar. “A política, outrora, era ideias. Hoje, é pessoas. Ou melhor, personagens. Pois cada dirigente parece escolher um papel. Como num espetáculo.”(SCHWARTZENBERG, 1978, p.1) A ideia da cultura do espetáculo surge com Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo, uma crítica à moderna sociedade do consumo, publicada pela primeira vez em 1967 e que ganhou destaque depois dos acontecimentos de maio de 1968. Numa sociedade das aparências, Debord aborda a negação da cultura, como a própria negação da vida real (1997). Na política do espetáculo, a publicidade ocupa um lugar de destaque. As técnicas de marketing político, aquele cuja estratégia permanente é manter o contato com o cidadão, e eleitoral, destinado a vencer uma eleição em particular, são amplamente utilizadas para motivar o eleitor ao voto. Em Formas persuasivas de comunicação política, Neusa Demartini Gomes confirma a tendência de personalização da política contemporânea até mesmo em países desenvolvidos, o que até pouco tempo atrás acontecia mais frequentemente em países com altos índices de analfabetismo. Esta prática vinha justificada pela afirmação de que os povos mais atrasados intelectualmente não podem sentir atração pelo programa político de um partido, que é algo bem mais complexo, e que poucos chegam a entendê-lo. Porém, atualmente, o que se nota como tendência universal, independente de estágio de desenvolvimento social e, no mundo todo, democrático ou não, é a personalização em que os políticos estão apostando para motivar o eleitor ao voto. (GOMES, 2000, p. 41) Com candidatos e partidos cada vez mais semelhantes, numa espécie de supermercado político, nas palavras de Gomes, a escolha do produto, neste caso leia-se candidato, é feita muito mais por impulso. Neste contexto, é importante analisar como os meios de comunicação têm reproduzido este modelo de democracia capitalista. 2. CAMPANHA ELEITORAL 2012 EM CURITIBA Nas eleições para a Prefeitura Municipal de Curitiba de 2012, participam oito candidatos: Luciano Ducci (PSB), Ratinho Júnior (PSC), Gustavo Fruet (PDT), Rafael Greca (PMDB), Bruno Meirinho (PSOL), Alzimara (PPL), Avanilson (PSTU) e Carlos Morais (PRTB). Tomando este cenário real como base, os estudantes de uma turma do segundo ano de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da PUCPR foram convidados a planejar e produzir um programa de rádio para o horário eleitoral gratuito. Divididos em nove equipes com cinco integrantes em média, os estudantes passaram a observar o desempenho dos candidatos na campanha, seja no rádio, na televisão, nas ruas ou em eventos. Cada equipe deveria observar um candidato e criar uma versão fictícia do mesmo. A nona equipe deveria criar um candidato fictício cujo perfil se distanciasse das referências existentes na campanha real, já que existiam somente oito candidatos disputando a prefeitura. A primeira tarefa solicitada aos grupos foi que desenvolvessem uma pesquisa sobre o histórico e perfil do candidato, sobre seu partido, coligação e propostas de governo apresentadas na disputa pela Prefeitura de Curitiba. Em seguida, eles deveriam criar um personagem, com nome diferente, mas histórico e perfil semelhantes. As equipes apresentaram então os briefings de campanha, contendo os pontos fracos e fortes de seu candidato e estratégias que pretendiam desenvolver. Delineadas essas características, os estudantes realizaram uma pesquisa sonora para desenvolver a linha de identificação sonora da campanha. As equipes foram motivadas então a observar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, analisando também o posicionamento dos candidatos entre si: quem eram os candidatos atacados, por quem e por qual motivo. Como resultado da observação, foi solicitado a cada estudante que redigisse um diário de bordo sobre os aspectos que mais haviam chamado sua atenção nos programas eleitorais do candidato observado. O passo seguinte foi a apresentação dos candidatos fictícios por cada uma das equipes para o restante da turma, com o objetivo de facilitar o aspecto relacional dos conteúdos, isto é, a possibilidade de críticas e ataques, assim como defesas, durante o horário eleitoral. Somente após essa aproximação, as equipes iniciaram a roteirização dos programas e a gravação de jingles e locuções. Diferente da campanha real, os programas de rádio dos candidatos fictícios teriam tempos iguais, de cinco minutos de produção, para que os grupos pudessem exercitar ainda mais a criatividade e os diferentes formatos radiofônicos nas produções. Os programas deveriam ter apresentadores, fala do candidato, posicionamento em relação aos demais com ataque e/ou defesa, além de outros quadros, e o uso de formatos informativos, como entrevistas, enquetes e agenda do candidato; publicitários, como jingles, slogans e testemunhais; e de entretenimento como quadros de humor, uso de personagens fictícios e/ou mascotes, leituras dramáticas e até radio-drama. 2.1 IMPRESSÕES SOBRE OS CANDIDATOS E SOBRE A POLÍTICA Na pesquisa inicial sobre Luciano Ducci, a equipe constata que para tentar a reeleição, o candidato filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) representa a coligação “Curitiba Sempre na Frente”, com os partidos PSB, PSDB, PPS, DEM, PP, PSD, PTB, PRB, PSL, PTN, PSDC, PHS, PMN, PTC e PRB, tendo como vice o deputado federal Rubens Bueno do PPS. E encontra em suas pesquisas a afirmação: “Desde a refundação do PSB em 1985, o partido apresenta os mesmos propósitos socialistas e democráticos” (PSB, 2012). Inicialmente a equipe repete esse discurso do partido para apresenta-lo, mas numa análise posterior percebe que a campanha se distancia desses ideais. Analisando mais de perto o programa no Horário Eleitoral Gratuito, os estudantes concluem em seus diários de bordo: “o partido que ele faz parte tem uma tradição política e força emergente em todo o país (...), porém a visão de Ducci é mais ligada ao neoliberalismo. Percebe-se que boa parte do socialismo que teoricamente faz parte dos princípios do PSB está sendo ocultado” (A.P.S.B., 2012). “Ducci integra o PSB – Partido Socialista Brasileiro, porém não fala e esconde a influência socialista de seu partido” (T.M., 2012) “Luciano é do Partido Socialista Brasileiro, porém não fala em socialismo, esconde o nome ‘socialista’ de seu partido e defende o neoliberalismo” (R.C., 2012) Os estudantes notam também uma campanha construída com base no apoio do atual governador Beto Richa e mencionam as acusações de uso da máquina administrativa e falta de transparência contra o atual prefeito em sua campanha pela reeleição. Sobre o candidato Ratinho Jr., uma segunda equipe constata logo nas primeiras observações, que a campanha explora a figura do pai do candidato, o apresentador de televisão Ratinho, para construir uma imagem “populista e carismática”, o que nos remete ao conceito de dominação carismática em Weber (1999). O autor diz que existem três tipos de dominação política exercidos sob diferentes sistemas de representações coletivas: tradicional, carismática e burocrática. Seja pela tradição, pelas normas e leis ou pelo carisma, esses poderes necessitam de mecanismos de legitimação. A liderança carismática pode ser definida como um mecanismo de origem sociocultural que envolve a fusão do real e do imaginário, dos mitos e crenças de uma população. Em sua forma “pura”, o carisma jamais poderia ser uma fonte de ganhos privados, ou troca de prestações e contraprestações. E é daí que surge a primeira contradição e dificuldade na aplicação do conceito de líder carismático aos comunicadores que usam os veículos, como o rádio, para se eleger. O carisma se aplica muito bem ao comunicador, que diante do microfone demonstra seu poder de oratória, consegue solucionar problemas emergenciais de seus ouvintes, escuta histórias tristes, consola. (WEBER, 1999) Outros aspectos notados pela equipe que acompanhou a campanha de Ratinho Jr. é que seu discurso está focado no eleitor jovem e na classe C. Um dos integrantes da equipe analisa as propostas do candidato como tendo certa coerência com o partido: “Declarou em 2010 ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, disse não ser homofóbico, mas afirmou que casamento é uma questão religiosa’ e que não podemos confundir liberdade com libertinagem’. Fatos como esse descrevem como o candidato se relaciona com o partido. Defende os ideais da igreja, mas de algum modo os mascara.” (R.F., 2012) Outro estudante relata que vê o candidato Ratinho Jr. como “um político jovem que não trabalha com a política tradicional e sua comunicação reflete esse pensamento, pois está bem ligada ao mundo digital e interativo” (R.F.F., 2012). Já outros alunos da equipe analisam o contexto de forma mais crítica: “Ele não pode ser considerado nem de esquerda, nem de direita, mas tenta agradar a todos. Seu discurso foca no ‘inovar’ a administração de Curitiba, saúde, segurança e educação. Não apresenta nada realmente inovador” (G.L., 2012) “Os principais argumentos (dos adversários) são a suposta inexperiência do candidato, suas votações em temas polêmicos na Câmara dos Deputados e algumas posições tidas como conservadoras, como sua postura contrária ao casamento gay e à adoção de crianças por casais homossexuais” (G.R., 2012) “Resumindo bem, Ratinho Jr. está utilizando-se de seus conhecimentos de comunicação, pois trabalha com publicidade, para aumentar ainda mais o carisma que tem com a massa dominante adquirida por seu pai, para conquistar um maior número de votos e levar Curitiba mais uma vez para o fundo do poço. Enriquecendo a elite abastada e desfavorecendo o povo ignorante que vota em seu nome como prefeito da cidade”. (G.R., 2012) Já a equipe responsável pelo acompanhamento da campanha de Gustavo Fruet percebe o candidato como o que possui maior rejeição no cenário eleitoral. Atribui isso ao fato de Fruet ter sido historicamente um crítico do PT e do governo federal nos dois últimos mandatos, por causa das denúncias do mensalão, e ter “virado a casaca” na campanha eleitoral de 2012. A aliança com o PT acabou gerando rejeição do eleitorado, segundo os estudantes. Apresentando algumas propostas do candidato, como a do consumo consciente e da segurança alimentar, notam assuntos complexos e uma fala prolixa por parte de Fruet, concluindo que se trata de um político pouco carismático. Lembrando que Gustavo é filho do falecido ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná, Maurício Fruet, notam que ele “apela pouco” para o nome de seu pai na campanha. Sobre a campanha de Rafael Greca, a quarta equipe identifica seu posicionamento de oposição em relação ao atual prefeito, repetindo frases ouvidas no programa de rádio: “Nessas eleições, a campanha mais cara de Ducci será derrotada pela mais simples e inteligente de Greca (...) Quanto mais pobre for a minha campanha, mais rica será a nossa prefeitura. Vote independente, vote com a cabeça e o coração” (GRECA citado por J.M., 2012) Os estudantes mencionam a experiência do candidato como ex-prefeito de Curitiba, ex-deputado federal e ex-ministro do Esporte e Turismo, sem citar questões polêmicas de seu histórico político, como o fato de seu mandato como prefeito ter sido enquanto partidário do grupo político de Jaime Lerner, adversário histórico do senador Roberto Requião (PMDB) e as denúncias de irregularidades que o envolveram durante sua atuação como ministro, nas comemorações pelos 500 anos do descobrimento do Brasil. Caso tivessem conhecimento desses fatos poderiam ter percebido contradições nos discursos reproduzidos em seus diários de bordo, ouvidos no programa de rádio do Horário Eleitoral Gratuito, como: “Curitiba não pode aceitar a atual política neoliberal e de excessivas terceirizações adotada pela atual gestão municipal” (GRECA citado por J.M., 2012) “É preciso que nossa cidade readquira a criatividade, a inventividade e o respeito que ela sempre teve diante de todas as outras cidades brasileiras. O Rafael Greca é um engenheiro experiente, já foi prefeito, um bom prefeito e se soma agora ao nosso velho MDB de guerra” (REQUIÃO citado por J.M., 2012) Nas citações reproduzidas, Greca aparece criticando uma prática que era comum na gestão do ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, na ocasião seu aliado político, a quem ele próprio sucedeu e que depois viria a ser governador do Paraná. Na época, o autor dessas mesmas críticas era Roberto Requião, governador do Estado enquanto Lerner e Greca foram prefeitos. Atualmente, tendo Greca em seu partido, Requião se refere a Greca como um candidato experiente, que foi um bom prefeito, e cuja inventividade daquele passado, antes rejeitada, precisa voltar à prefeitura. Essa distância dos temas políticos demonstrada pela maioria dos estudantes, assim como o caráter opaco dos fatos políticos, podem ser melhor compreendidos a partir de Bourdieu. O autor explica que essa abstenção e até mesmo o apolitismo expressam uma revolta perante a política, uma contestação do monopólio dos políticos. O habitus do político supõe uma preparação especial, uma aprendizagem necessária para adquirir o corpus de saberes como o domínio de uma certa linguagem e de uma certa retórica política, a do tribuno, indispensável nas relações entre profissionais (BOURDIEU, 2003, p.169). É preciso saber as regras do jogo e saber jogar. Essa dinâmica é o próprio processo de reprodução do jogo. Em outras palavras, Bourdieu descreve um jogo em que os políticos estão concorrendo entre si, ao mesmo tempo em que são de certa forma aliados, e do outro lado estão os cidadãos, numa estrutura triádica. A relação entre representantes e representados é mediatizada pelos concorrentes e, por outro lado, essa concorrência é dissimulada quando os representantes se veem obrigados a defender os interesses de seus representados. As tomadas de posição, portanto, são sempre realizadas de forma relacional, “dependem do sistema de tomadas de posição propostas em concorrência pelo conjunto dos partidos antagonistas” (BOURDIEU, 2003, p.178). As decisões dependem de suas posições no próprio campo. Essa complexidade das relações sociais presentes no campo político faz com que a cultura política permaneça inacessível à maioria das pessoas. Nas eleições de 2012 em Curitiba, os demais candidatos aparecem como “nanicos”, ou seja, em posições subalternas dentro do próprio campo político. Os estudantes percebem que sua presença é praticamente ignorada pelos candidatos que lideram as pesquisas. Com pouco tempo no Horário Eleitoral Gratuito, surgem como figuras exóticas e outsiders, utilizando o termo cunhado por Elias (2000). Bruno Meirinho (PSOL) e Avanilson (PSTU), como candidatos que dividem os votos de uma esquerda militante e socialista, Alzimara (PPL), como uma alternativa feminina, e Carlos Moraes (PRTB), que apela para um discurso bíblico em seu programa de rádio, após ter sua candidatura indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) por um conflito com seu próprio partido e que, por meio de um recurso, persistiu em continuar na campanha, entrando com recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Após recolher essas informações sobre candidatos, partidos e coligações, observar os programas eleitorais, os estudantes iniciaram o processo de produção dos programas. Embora não tenha sido concluída essa etapa até a finalização deste artigo, é interessante mencionar que todas as equipes planejaram programas de rádio que ironizavam a política e as eleições em diferentes medidas, seja na escolha do nome do candidato fictício, como Rhói Bisneto e Gustavo Poutz, seja nas propostas, como a campanha que prometia instituir a “hora da soneca” nas repartições públicas, ou mesmo na escolha das trilhas sonoras para as paródias na produção de jingles, como o uso de músicas sertanejas de sucesso como Balada, de Gustavo Lima. Mesmo estimulados a planejar programas que desenvolvessem estratégias de comunicação factíveis, a primeira tendência foi de criar campanhas no estilo “pastelão”, o que revela a forma como a maioria dos estudantes do grupo encara a política. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na atual democracia representativa, a mídia tem como prerrogativa tornar os candidatos visíveis a um público amplo e a política ganha contornos de espetáculo, cada vez mais personalista, em processos eleitorais que tornam as diferenças ideológicas opacas e quase nulas. A campanha eleitoral pode ser considerada o ápice ou o fundo do poço da “despolitização” da política. Essa ideia de desordem, remete-nos à visão de Goran Therborn sobre como operam as ideologias. Para o autor, as ideologias são processos sociais em curso, que constituem e reconstituem todo o tempo nossa identidade e nos interpelam. Um homem pode atuar com um número quase ilimitado de sujeitos, que constituem diferentes subjetividades, de acordo com cada papel desempenhado na vida social. Em cada uma dessas subjetividades é interpelado de diversas formas pelas ideologias, em termos do que é certo e do que é possível para esse sujeito. As ideologias competem e se chocam o tempo todo em nosso cotidiano, diante da complexidade das situações sociais concretas. E também sobrepõem-se, influenciamse e contaminam-se umas às outras (THERBORN, 1987, p.63-65) Portanto, as ideologias não são recebidas como algo externo a um sujeito fixo e unificado e nem elas mesmas tem esse caráter estável. "La lucha ideológica no se libra solo entre visiones rivales del mundo. Es también una lucha por la afirmación de una determinada subjetividad." (THERBORN, 1987, p.64). A experiência de produzir um programa de rádio de um candidato fictício, tomando por base um candidato real, tem sido enriquecedora para todos os envolvidos (docente e discentes), porque nos revela como as ideologias operam de forma opaca e oculta nos diferentes âmbitos de atuação social. Como futuros publicitários, mais do que dominar as técnicas de comunicação e marketing eleitorais, os estudantes precisam perceber-se como cidadãos e eleitores, sujeitos que necessitam desenvolver sua maturidade política. Ao tornarem-se comunicadores persuasivos a serviço deste ou daquele candidato, é importante que tenham consciência de como opera a política e as implicações de uma campanha eleitoral, para que não sejam somente mais um instrumento utilitário, e sim senhores de sua atuação político-social. BIBLIOGRAFIA BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difel, 2003. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. ELIAS, N.; SCOTSON, J.L. Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das Relações de Poder a partir de uma Pequena Comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. GOMES, N.D. Formas persuasivas de comunicação política: propaganda política e publicidade eleitoral. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. HABERMAS,G. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 1984. (Biblioteca Tempo Universitário 76) HIRST, P.. A democracia representativa e seus limites. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1992. MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, número 29, 1995, p. 5-34. WEBER, M. Economia e sociedade : fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de: R. Barbosa e K.E. Barbosa.Distrito Federal: Editora Universidade de Brasília, 1999. SCHWARTZENBERG, R.G. O estado espetáculo. Rio de Janeiro – São Paulo: Difel, 1978. SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1961. THERBORN, G. La ideología del poder y el poder de la ideologia. México: Siglo XXI, 1987. SITES CITADOS PSB. Disponível em www.psbnacional.org.br/fixa.asp?det=10. Acesso em 13 de setembro de 2012.