PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2015.0000667318 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 2100848-39.2015.8.26.0000, da Comarca de Franca, em que é agravante BANCO DO NORDESTE DO BRASIL SA, é agravado H. BETTARELLO CURTIDORA E CALÇADOS LTDA. (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL). ACORDAM, em 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V.U. Declara voto vencedor o 3º desembargador.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FRANCISCO LOUREIRO (Presidente) e ENIO ZULIANI. São Paulo, 9 de setembro de 2015. Pereira Calças RELATOR Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Comarca : Franca – 2ª Vara Cível Agravante : Banco do Nordeste do Brasil S/A Agravada : H. Bettarello Curtidora e Calçados Ltda. (em recuperação judicial) Interessado : Ernesto Volpe Filho (administrador judicial) VOTO Nº 27.794 Agravo de instrumento. Recuperação judicial. Realização de ativo. Pretensão à alienação de imóveis de propriedade da agravada, mas gravados com garantia hipotecária. Necessidade de concordância expressa por hipotecário. parte Situação do que credor não se caracteriza no caso, tendo em vista a concordância condicionada manifestada pelo agravante. Inteligência do art. 50, § 1º, da Lei nº 11.101/05. Súmula nº 61 desta Corte: “Na recuperação judicial, a supressão da substituição garantia somente será ou sua admitida mediante aprovação expressa do titular”. Decisão reformada. Agravo a que se dá provimento. Vistos. 1. Trata-se de agravo de instrumento que BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A tira dos autos da recuperação judicial de H. BETTARELLO CURTIDORA E CALÇADOS LTDA. Insurgese contra a decisão copiada às fls. 18/19, que autorizou a PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO alienação de dois imóveis de propriedade da recuperanda, mas hipotecados em seu favor, como forma de realização do ativo da sociedade e cumprimento do plano de recuperação judicial. Alega que não concordou expressamente com a venda, tendo-a, na verdade, condicionado a uma série de requisitos, os quais não foram contemplados pelo juiz ao deferir a prática do ato. Na linha do que dispõem o art. 50, § 1º, da Lei nº 11.101/05, e a Súmula nº 61 desta Corte de Justiça, sustenta que a anuência do credor hipotecário é indispensável à supressão ou à substituição da garantia, e, no caso, não houve tal anuência. Pede, portanto, o provimento do agravo para as alienações sejam obstadas, sob pena de nulidade. Às fls. 254/255, suspendi os efeitos da decisão agravada até o julgamento final do presente recurso a fim de obstar a alienação do imóvel situado no município de Franca, Estado de São Paulo, matriculado sob o nº 77.717, no Cartório de Registro de Imóveis de Franca, bem como do imóvel situado no município de Aracati, Estado do Ceará, matriculado sob o nº 5.953, no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Aracati. Instados a se manifestar, a agravada e o administrador apresentaram contraminuta, pugnando pelo desprovimento do recurso (fls. 260/271 e 278/295). Em parecer da lavra da i. Promotora de Justiça designada LUCIANA FERREIRA LEITE PINTO, o Ministério Público opinou pelo provimento do recurso (fls. 311/313). Relatados. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 2. O agravo merece provimento. Ressalvado magistrado sentenciante, a o entendimento manifestação pessoal do condicionada do agravante a respeito da possibilidade de autorizar a venda dos imóveis de propriedade da recuperanda não pode ser tomada como concordância expressa para efeito de liberação da garantia hipotecária constituída em seu favor. De acordo com o art. 50, § 1º, da Lei nº 11.101/05: “Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.”. A regra foi refletida na Súmula nº 61 desta Corte de Justiça, que cristalizou o entendimento das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial sobre a matéria: “Na recuperação judicial, a supressão da garantia ou sua substituição somente será admitida mediante aprovação expressa do titular.”. No caso, embora tenha se manifestado no sentido de admitir a alienação dos imóveis pertencentes à recuperanda, gravados com garantia hipotecária em seu favor, o agravante condicionou a expedição de sua efetiva anuência ao atendimento de diversas condições (fl. 180 nos autos de origem), as quais foram reproduzidas à fl. 5 dos autos do presente agravo: “a) anuência para a alienação dos imóveis, desde que haja penhora judicial suficiente para cobertura do saldo devedor da operação n.º A8000021301/001; b) celebração de acordo nos autos da recuperação, nos PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO termos aqui propostos, com a presença da recuperanda e parecer favorável do administrador judicial e do Ministério Público; c) destinação dos valores da venda dos imóveis para pagamento, à vista, da quantia de R$ 4.000.000,00, para liquidação das operações FNE A600004201/001, FNE - A700004501/001 e de Recin n.º A700004501/002, em função dessa alienação; d) o saldo remanescente da operação n.º A600004201/001, será liquidado com pagamento em 10 parcelas mensais, considerando a alienação do imóvel de matrícula n.º 77.717, localizado no município de Franca, cuja proposta de compra foi feita para pagamento em 10 prestações mensais; e) pagamento do IOF incidente sobre as operações; f) manifestação do administrador judicial, solicitando a possibilidade de alienação, considerando as propostas apresentadas, nos termos do art. 144, da Lei n.º 11.101/2005, bem como a destinação dos recursos para pagamento do credor hipotecário, ora peticionante, nos termos do art. 149, da Lei n.º 11.101/2005; g) apresentação de demonstrativo de débito, com os valores devidamente atualizados, no prazo de 10 dias, bem como de minuta de acordo; h) homologação do acordo, nos termos aqui propostos, pelo juízo da recuperação judicial.”. Neste sentido, sem atendimento de tais exigências, evidente que não se pode considerar perfeito o ato de liberação da garantia. Destarte, será dado provimento ao agravo a fim de impedir a alienação do imóvel situado no município de Franca, Estado de São Paulo, matriculado sob o nº 77.717, no Cartório de Registro de Imóveis de Franca, bem como do imóvel situado no município de Aracati, Estado do Ceará, matriculado sob o nº 5.953, no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Aracati, nos termos da fundamentação acima. 3. Isto posto, pelo meu voto, dou PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO provimento ao agravo. DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS RELATOR PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Voto nº 27181 Agravo de Instrumento nº 2100848-39.2015.8.26.0000 Comarca: Franca Agravante: BANCO DO NORDESTE DO BRASIL SA Agravado: H. Bettarello Curtidora e Calçados Ltda. (Em Recuperação Judicial) Interessado: Ernesto Volpe Filho DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR 1. O meu voto acompanha na parte dispositiva o do eminente Desembargador Relator Pereira Calças, para também dar provimento ao recurso, embora por razões diversas. Não resta dúvida, como salientou com a habitual pertinência o voto do Eminente Desembargador Pereira Calças, que o artigo 50, parágrafo 1º. da L. 11.101/05 subordina a alienação de bens objeto de garantia real à aprovação expressa do credor garantido. Tal dispositivo legal é confortado pela Súmula 61 deste Tribunal de Justiça de São Paulo, do seguinte teor: “Na recuperação judicial, a supressão da garantia ou a sua substituição somente será admitida mediante aprovação expressa do titular”. 2. O dispositivo legal e a súmula que o prestigia, acima referidos, têm razão de ser. Não se trata de simples alienação de imóveis hipotecados, com preservação da garantia real em face de terceiros adquirentes. O artigo 50, parágrafo 1º. da LRF e o artigo 1.475 do Código Civil (é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO hipotecado), contêm preceitos opostos. A aparente antinomia tem razão de ser. Enquanto na LRF a hipoteca se extingue com a alienação do ativo, recebendo o adquirente o imóvel livre e desembaraçado, no regime do Código Civil a hipoteca acompanha a coisa em poder de terceiro, razão pela qual, por força da sequela, não há prejuízo ao credor hipotecário. Parece razoável e plausível, portanto, a aquiescência do credor hipotecário quanto à alienação do imóvel hipotecado no regime da LRF. 3. O que se indaga é se tal aquiescência está ao inteiro alvitre do credor hipotecário, ou, ao contrário, pode configurar abuso de direito. Entendo que o artigo 187 do novo Código Civil, que disciplina o abuso de direito, constitui norma de ordem pública e tem plena incidência ao regime especial da LRF. O artigo 187 do novo Código Civil positivou a teoria objetivista do abuso de direito, ao enquadrá-lo como o exercício de um direito que excede manifestamente a sua função social, econômica, a boa-fé e os bons costumes. É o desvio da destinação econômica e social de um direito, ou seja, o seu exercício anormal, em desacordo com o fim que a norma jurídica tinha em vista quando protegeu aquela atividade (ver, por todos, Vladimir Mucury Cardoso, O Abuso de Direito na Perspectiva Civil-Constitucional, in Princípios do Direito Civil Contemporâneo, diversos autores coordenados por Maria Celina Bodin de Moraes, Renovar, os. 74/77). Segundo a lição clássica de Josserand, a figura do abuso constitui no exercício do direito de forma contrária ao fim social ou econômico do próprio direito (Relatividad y abusos de los derechos, in PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Del abuso de los derechos y otros ensayos, Temis, 1.999, p. 1/3). Parece claro que a finalidade da norma positivada no artigo 51, parágrafo 1º. da LRF é evitar a extinção da garantia hipotecária, enfraquecendo a posição do credor garantido. Claro, porém, que a análise do abuso de direito passa necessariamente pelo fato de o credor hipotecário se encontrar sujeito aos efeitos da recuperação judicial e vinculado à consequência novativa da aprovação do plano pela assembleia geral de credores. No caso concreto, entendo que algumas das condições para prestar anuência à alienação do imóvel hipotecado são notoriamente abusivas, em especial a inclusão do pagamento integral de créditos quirografários habilitados e não habilitados na recuperação judicial. Evidente que o pagamento integral dos créditos quirografários, não albergados pela garantia hipotecária, constitui clara condição abusiva e que inclusive viola o princípio da paridade entre os credores da mesma classe. Sob tal prisma, portanto, entendo superáveis parte das condições manifestamente abusivas e por isso ilícitas postas pelo credor hipotecário. 4. A razão que me leva a acompanhar o Eminente Desembargador Relator a dar provimento ao recurso é outra. O problema é que a alienação de ativos imobilizados e permanentes da recuperanda, nos termos da Lei nº 11.101/05 (LFR), deve seguir o que dispõem os seus artigos 60 e 142, normas cogentes, que não podem ser afastadas pela vontade das partes. . A forma e os procedimentos da alienação (arts. 60 e PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 142 da LRF) são de ordem pública, de tal modo o seu afastamento convencional seria nulo e impugnável por credores, ou mesmo reconhecido ex officio pelo Juiz. O que se discute são os efeitos da alienação de ativos feita ao arrepio das regras do art. 142 da LRP. Discutem doutrina e jurisprudência sobre a forma de alienação de ativos permanentes de empresas em recuperação judicial. O entendimento amplamente majoritário é no sentido de que devem ser observadas as regras do art. 142 da LRP, pena de invalidade (FABIO ULHOA COELHO, Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação Judicial de Empresas. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 171). Destaco que a matéria não é nova nesta Câmara Empresarial e foi enfrentada de modo minudente em aresto relatado pelo Eminente Desembargador Pereira Calças, que fixou o seguinte: “Nos termos do artigo 60 da Lei nº 11.101/05, o magistrado poderá determinar a venda de unidades produtivas isoladas, desde que observado o procedimento de hasta pública, previsto no art. 142 daquela mesma lei. É bem verdade que os artigos 144 e 145 da Lei de Recuperações e Falências preveem modalidades alternativas de alienação de ativos, cabendo ao magistrado simplesmente homologar a modalidade de realização do ativo, caso a assembleia geral de credores tenha previamente manifestado sua concordância com a transação. Contudo, os artigos supramencionados tratam da realização de ativos da massa falida, e não da venda de bens de PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO empresas em recuperação judicial, hipótese esta que, consoante acima observado, é especificamente regulada pelos artigos 60 e 66 da Lei nº 11.101/05. A despeito de ser bastante discutível a aplicabilidade dos artigos 144 e 145 da Lei n 11.101/05 às recuperações judiciais, tendo em vista que o artigo 60 daquela lei menciona que a alienação de unidades produtivas de empresas em recuperação judicial seguirá especificamente o rito previsto no artigo 142 (i.e., leilão por lances orais, propostas fechadas e pregão), nada mencionando acerca da eventual incidência dos mecanismos alternativos de realização de ativos previstos nos artigos 144 e 145 ao instituto da recuperação judicial, os autos demonstram estar ausentes os requisitos previstos naqueles artigos. Isto porque, ao contrário do que sustenta a recorrente, a alienação do imóvel pela agravada à agravante não foi especificamente autorizada pela assembleia-geral de credores. O plano de recuperação judicial aprovado (fls. 28/81) apenas menciona, em termos bastante genéricos, que a recuperanda venderá todos seus ativos não operacionais (dentre eles o imóvel denominado "Unidade I"). Todavia, não indica os termos e condições em que a "Unidade I" será vendida, aliás, não há nem sequer menção de que o bem será alienado à agravante” (AI 0253722-82.2011, j. 22/11/2011). Parece-me claro, diante do que acima expus, a insuficiência se simples avaliações unilaterais dos dois valiosos imóveis e de interessados na sua aquisição. A venda deve dar-se mediante propostas, na forma do PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO artigo 142 da LRP, podendo até mesmo os compradores já interessados participar do certame e lá ofertar seus lances em paridade de condições com terceiros. Essa a razão pela qual também dou provimento ao recurso, para suspender a venda de unidades produtivas. Dou provimento. FRANCISCO LOUREIRO Terceiro Juiz PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Este documento é cópia do original que recebeu as seguintes assinaturas digitais: Pg. inicial Pg. final Categoria Nome do assinante Confirmação 1 6 Acórdãos Eletrônicos MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALCAS 1BDAF2F 7 12 Declarações de Votos FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO 1BDCEFD Para conferir o original acesse o site: https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informando o processo 2100848-39.2015.8.26.0000 e o código de confirmação da tabela acima.