AS VÁRIAS FACETAS DE UM EXPERIMENTO NO ENSINO DE QUÍMICA Marcos Antônio de Souza Santos [email protected] Alan Dumont Clemente [email protected] Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás/IFG / Câmpus Luziânia Programa Institucional de Iniciação à Docência –PIBID Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES RESUMO No modelo de ensino público atual, pode-se observar que, devido à baixa carga horária das disciplinas de química e grande conteúdo a ser abordado no ensino médio, o professor não pode se dar ao “luxo” de, a cada aula e a cada conteúdo, executar uma atividade experimental diferente, mesmo essa sendo de fácil elaboração e execução. Este erro é cometido por se achar que um experimento, por mais simples que seja, pode ser aproveitado em apenas um momento dentro do currículo do ensino médio. Qualquer experimento químico é capaz de proporcionar a discussão de diversos assuntos, dentro da matriz curricular, relacionados ao fenômeno em questão. Outro aspecto a ser observado é a falta de formação continuada dos professores de química do ensino médio, o que dificulta o aperfeiçoamento de suas capacidades docentes, onde esta descontinuidade pode causar a falta de fundamentação teórica e prática, gerando uma limitação na contextualização, na interdisciplinaridade e principalmente na capacidade de realizar pesquisas a fim de colocar em ação suas expectativas e desejos de aulas diversificadas, independente do cenário encontrado nas escolas em que lecionam, como a falta de infraestrutura. Diante do exposto, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID está oportunizando o desenvolvimento desse trabalho, onde o objetivo central é mostrar que com o único experimento o professor tem condições de abordar diversos conteúdos em diferentes momentos da matriz curricular do ensino médio, sem comprometer o pouco tempo destinado ao enorme conteúdo programático da disciplina de química a ser abordado e se viabilizar por exigir pouco tempo extraclasse do professor para prepará-lo, além de possibilitar a integralização de diversos temas por meio de uma única atividade, mostrando que o mesmo fenômeno pode ser abordado e explicado de diferentes formas e níveis de complexidade, bastando levar em consideração o conhecimento prévio do aluno no momento de sua aplicação. Palavras-chave: Experimentação, PIBID, Ensino de Química. 2 INTRODUÇÃO Reporta-se em muitos estudos as diversas possibilidades do emprego de um mesmo experimento químico na abordagem de diversos conteúdos numa perspectiva mais crítica, isto é, mais consciente de todo o processo, sua complexidade, a profundidade teórica envolvida no mesmo e as dificuldades em interpretar corretamente os fenômenos observados. Os estudantes do ensino médio constroem de forma muito particular conceitos sobre os fenômenos químicos, constituindo um conhecimento lacunar e inconsistente, fortemente apoiado em situações concretas. Assim, observamos que a experimentação se torna uma ferramenta riquíssima no desenvolvimento das atividades em sala de aula, proporcionando inúmeras possibilidades para a abordagem do vasto conteúdo de química e na explicação dos mais diversos fenômenos presentes nos mesmos. Em busca de uma abordagem bem familiar aos estudantes dos mais diversos níveis de ensino e de uma proposta de fácil execução, baixo custo e com materiais acessíveis, apresentamos neste trabalho uma proposta de estudo do impacto da aplicação de um único experimento químico, com materiais alternativos, na abordagem de diversos conteúdos abordados em sala de aula por um professor de ensino médio. Pode-se observar que, devido à carga horária desproporcional da disciplina de química, o professor do ensino médio não pode se dar ao “luxo” de a cada aula e a cada conteúdo levar um experimento diferente, mesmo esse sendo de fácil execução, pois comete-se o erro de achar que, por mais simples que seja o experimento, ele é de fácil execução e explicação. Um experimento bem trabalhado, por mais simples que seja, é capaz de abordar e discutir inúmeros fenômenos presentes no currículo do ensino médio, podendo ser aplicados em diferentes momentos, de acordo com a proposta pedagógica e do conhecimento prévio do aluno. Outro ponto a ser abordado é a necessidade de uma formação continuada por parte dos professores, capaz de proporcionar o aperfeiçoamento de suas habilidades docentes e renovação de seus fundamentos teóricos, minimizando ou evitando sua limitação na contextualização e na interdisciplinaridade dos conteúdos abordados, além de lhes proporcionar melhores condições de ensino e pesquisa, facilitando assim a aplicação de diferentes ações em sala de aula. 3 Diante do exposto, a discussão central deste estudo é mostrar que o professor de química pode trabalhar diversos conteúdos, em momentos distintos da matriz curricular, com um único experimento, possibilitando a integralização de diversos conteúdos, potencializando assim o processo de ensino-aprendizagem. PROFESSOR VERSUS CARGA HORÁRIA Devido a uma série de fatores, o ensino de Química tem preterido a utilização de experimentos didáticos. Vários fatores implicam na não realização de experimentos, como a falta de tempo do professor em preparar aulas experimentais, sua alta carga horária em sala de aula e a falta de preparação, devido ao baixo incentivo para formação continuada. Todos esses fatores geram um esgotamento no profissional docente, que não tem tempo hábil para realizar todo preparo de suas aulas, fazendo com que o ensino de química por meio da experimentação se torne uma situação de exceção em sua rotina. Ao se analisar à jornada de trabalho, indicada ao IBGE pelos professores da educação básica, observamos que tanto homens como mulheres exercem o magistério em torno de 30 horas semanais em sala de aula, ultrapassando em muito essa carga horária se considerarmos o tempo empregado na preparação das aulas, correção de provas e estudos realizados fora do horário escolar, que deveriam ser acrescidos ao tempo do trabalho para melhor dimensionamento da jornada semanal dos docentes.3 Além do fato de que muitos docentes exercem outras funções dentro do ambiente de ensino, como coordenações, conselho de classe, trabalho coletivo, reuniões de pais e responsáveis, dentre outras. Toda a sobrecarga de trabalho já mencionada, faz com que o docente se submeta à exploração de seu trabalho, onde, mesmo sem condições, deverá corresponder rapidamente às atribuições e cobranças que lhes são impostas. Assim, com esse acumulo de atividades, o docente acaba perdendo a capacidade de administrar seu tempo, impossibilitando assim o desenvolvimento de suas atividades com qualidade e dentro dos prazos a serem atingidos. Todos os pontos apresentados até aqui demonstram a incapacidade dos professores no preparo de aulas mais completas e diversificadas, aulas capazes de fazer com que o aluno busque o aprendizado e não à submissão da obrigação de aprovação nas disciplinas. 4 PROFESSOR VERSUS FORMAÇÃO CONTINUADA Esse tópico irá discutir a importância crescente do desenvolvimento profissional dos professores e as dificuldades que eles apresentam para se manterem atualizados. Mas antes, é preciso deixar claro que a formação continuada de professores, formação em serviço ou capacitação, tratada neste artigo deve ser entendida como o processo de formação complementar ou aperfeiçoamento para aqueles profissionais que estão em pleno exercício da profissão docente.1 Antes de buscar a formação continuada, é importante avaliar as possibilidades, estratégias, as limitações e aplicações. Dessa forma, o professor pode ir à busca de novos conhecimentos, a fim de dar continuidade à sua formação, vislumbrando um melhor aproveitamento dos conhecimentos adquiridos no processo de ensino-aprendizagem, além de sua aplicação no contexto escolar e na realidade social em que sua instituição de ensino se encontra. Assim, ele poderá julgar se a formação continuada empreitada irá suprir suas necessidades intelectuais, além de otimizar e diversificar suas atividades dentro do ambiente escolar. Existem fatores que vão de confronto com esses aspectos da formação continuada e que dificultam sua busca pelos professores. Essas dificuldades são apresentadas como a falta de motivação profissional, o precário plano de carreira da classe, o esgotamento físico e psicológico ocasionado, principalmente, à sobrecarga de atividades (voltamos a questão da carga horária), a falta de infraestrutura para o desenvolvimento de suas atividades, falta de apoio técnico pedagógico, número excessivo de alunos por turma, violência dentro das salas de aula, falta de segurança dentro do ambiente escolar. Tudo isso leva os professores a abandonarem a ideia de aprimorarem seus conhecimentos. Além de toda a problemática apresentada, ainda temos uma situação ao qual e delegada a escola atualmente, onde os professores têm que assumir papeis que exigem e vão além de sua formação como atividades psicológicas, atividades de assistência social, atividades de cunho hospitalar, tudo isso por não se ter presente no ambiente escolar um apoio responsável por essas atividades. Todo esse quadro nos mostra as dificuldades de uma formação continuada ser atrativa para os docentes. Devido essa situação buscamos por meio de nossa proposta demonstra que mesmo com todo esse entrave diante a formação continuada e possível o professor realizar atividades diversificadas, nos atemos aqui a experimentação, como um caminho que possibilite praticas pedagógicas significativas, de modo que a experiência 5 gerada ali possa ser socializada com os demais professores da instituição, onde ela deverá ser apropriada e reconstruída por todos aqueles que estão ali no papel de professor. EXEMPLIFICAÇÃO DA PROPOSTA: EXPERIMENTO “TROCA DE LUGARES” De tudo dito até aqui umas das intenções principais deste estudo é ressaltar por meio desta exemplificação que a experimentação constitui uma situação especial para o processo de articulação de todo conhecimento envolvido no fenômeno experimental. Sendo assim entremos agora na exemplificação, aqui nós adotaremos uma experimentação simples para demonstrar a quão rica ela é e o quão ela pode alcançar dentro do currículo de química do ensino médio além de apresentar um rico conhecimento a ser explorado em diversos conteúdos deste mesmo currículo. O experimento a ser estudado aqui é o “Troca de lugares”, que pode ser feito totalmente com materiais de baixo custo. Para a realização do experimento são necessários os seguintes materiais: Dois copos modelo petisqueira Cartão Óleo de credito usado ou qualquer material de espessura e resistência igual de cozinha Montagem e procedimento do experimento e feito da seguinte forma: a) Dispor os materiais sobre a bancada ou mesa (Figura 1); Figura1: Materiais da experimentação, óleo de soja, dois copos modelo petisqueira, água e um cartão de credito. Fonte: Arquivo próprio 6 b) Encher um dos copos com água até a sua medida máxima (Figura 2); Figura 2:Imagem de como deve ser o enchimento do copo com água. Fonte: Arquivo próprio c) Encher o outro copo com óleo até sua medida máxima (Figura 3); Figura 3: Imagem de como deve ser o enchimento do copo de com óleo Fonte: Arquivo próprio 7 d) Coloque o cartão tampando o copo que contém água (Figura 4); Figura 4: Imagem de como deve ser a parte inicial de viragem do copo de agua sobre o de óleo. Fonte: Arquivo próprio e) Após tampar o copo que contém água com o cartão vire-o sobre o copo que contém o óleo (Figura 5); Figura 5: Imagem depois de virar o copo de agua tampado sobre o com óleo. Fonte: Arquivo próprio 8 f) Alinhe os copos de forma que as aberturas de ambos fiquem o mais correta possível (Figura 6); Figura 6: Imagem de como deve ficar o alinhamento dos copos com o cartão. Fonte: Arquivo próprio g) Puxe o cartão devagar até que forme entre os copos uma fenda e vá observando até que o óleo comece a trocar de lugar (Figura 7); Figura 7: Imagem de como deve ser o tamanho e a abertura da fenda entre os copos deixado pelo cartão. Fonte: Arquivo próprio 9 h) Quando o óleo começar a trocar de lugar sesse a abertura e movimentação do cartão e observe (Figura 8); Figura 8: Imagem retratando a passagem do óleo trocando de lugar com a água pela fenda. Fonte: Arquivo próprio Realizamos após a escolha do experimento uma análise do currículo de química do Estado de Goiás, por ser onde residimos, sobre quais conteúdos o experimento pode ser trabalhado. Assim temos separados na tabela a seguir os eixos temáticos e os conteúdos contemplados: EIXOS CONTEÚDOS TEMÁTICOS Química, Densidade Tecnologia, Misturas (classificação) Sociedade e Meio Processos de separação de misturas Ligações químicas introdução Ambiente Modelagem quântica, ligações químicas e propriedades dos materiais. 10 Interações Ligações covalentes intermoleculares e Geometria molecular propriedades Polaridade das ligações e dos compostos físicas e químicas Interações intermoleculares das substâncias Interações intermoleculares e propriedades físicas das substâncias Fonte: Currículo referência da rede Estadual de Educação de Goiás Como pode ser observado na tabela acima um simples experimento realizado com agua, óleo e dois copos pode gerar um aprendizado em 9 conteúdos que são ensinados no decorrer de um ano letivo mas mantendo coerência e ligação entre todo os processos fenomenológicos presentes nele. Para deixar mais claro ainda como é possível aqui colocaremos como exemplo o uso do experimento no conteúdo de densidade, que pode ser utilizado com os alunos através dos seguintes passos de execução da atividade: 1. Formas de registro Antes de realizar o experimento com os alunos: Solicite que eles escrevam um breve relato de qual seria o motivo pelo qual óleo fica na superfície da água. Após a realização do experimento: Solicite que os alunos confeccionam um trabalho/pesquisa mais elaborado em casa. O trabalho deve conter ilustrações feitas por eles mesmos das etapas que foram realizadas no experimento, descrição dos procedimentos e o resultado obtido e pesquisa sobre a densidade de outros líquidos, além dos envolvidos no experimento. 2. Hipóteses Posso mudar a ordem de inclusão dos líquidos? Teremos o mesmo resultado? 3. Elementos para testar as hipóteses Caso haja material suficiente, permita que o grupo repita a experiência colocando os líquidos no copo na ordem inversa 4. Resultados e discussão Os alunos perceberão que os líquidos não se misturam e um se 11 sobrepõe ao outro, formando camadas facilmente visualizadas devidos a coloração diferenciada dos líquidos. O ocorrido deve-se a diferente densidade dos líquidos, onde a água é o líquido mais denso entre os dois permanecendo no fundo do copo e o óleo com densidade menor à densidade da água, permanecendo na parte superior. Com essas atividades experimentais realizadas com o mesmo experimento ainda conseguimos alcançar o desenvolvimento das seguintes habilidades nos alunos: Coordenação motora para adicionar os líquidos no recipiente; Participação/curiosidade nos questionamentos que antecedem a realização do experimento; Trabalho em equipe; Observação; Desenho; Descrição do experimento; Iniciativa para realizar a pesquisa solicitada após o experimento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos dizer que todo esse processo da utilização de um único experimento para o ensino de múltiplos conteúdos é uma alternativa viável e aceitável, devido ao fato de termos nossos professores sobrecarregados com muitas atividades demandando um uso de sua carga horaria, bem como também pelo fato de muitos estarem desestimulados a ter uma formação continuado por vários motivos, motivos estes que vão desde falta de estrutura a salários defasados, que os levam a não terem uma maior buscar pela atualização de seus conhecimentos. Foi evidenciando este cenário de nosso ensino que propusemos de forma celebre e simples o experimento “Troca de lugares” em uma maior conjuntura com as concepções contemporâneas do ensino de química, especificamente aquelas que veem e colocam atividades experimentais a serviço de resolução de muitas questões problemáticas com grande relevância e não apenas como meras representações e constatações de dados, ou para simplesmente confirmar conhecimentos inquestionáveis. Sendo assim trazemos por meio deste estudo as principais intenções de uma proposta de atividade experimental que ajude nossos professores a não abrir mão de suas atividades diversificadas que tanto estimulam nossos alunos ao estudo não só da química mais de todas as ciências, e que contemple os três aspectos do conhecimento químico, o fenomenológico, o teórico e o representacional, que aparecem de modo cooperativo na abordagem da proposta apresentada aqui. 12 REFERENCIAL 1. AMORIM, Fabrícia. SOUZA, Carla Peres. TRÓPIA, Guilherme. Interdisciplinaridade, contextualização e pesquisa-ação: influencias de um curso de formação continuada de professores de ciências na pratica docente. Disponível em <http://posgrad.fae.ufmg.br/posgrad/viienpec/pdfs/836.pdf>. Acessado em 09 de agosto de 2014. 2. Currículo referência da rede Estadual de Educação de Goiás. Disponível em <http://www.seduc.go.gov.br/imprensa/documentos/arquivos/Curr%C3%ADculo% 20Refer%C3%AAncia/Curr%C3%ADculo%20Refer%C3%AAncia%20da%20Red e%20Estadual%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20de%20Goi%C3%A1s!.pdf >. Acessado em 12 de agosto de 2014. 3. GATTI, Bernadete Angelina. BARRETO, Elba de Sá. Professores do Brasil: impasses e desafios. UNESCO, 2009. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001846/184682por.pdf>. Acessado em 09 de agosto de 2014. 4. LEAL, Cruz Murilo. Didática da Química: fundamentos e práticas para o Ensino Médio. 1° edição, Ed. Dimensão, Belo Horizonte - MG, 2010.