Sistema de telemedição rural “turtle” – Experiência da Enersul
Luiz Carlos Santini Jr.
Sistema de telemedição rural “turtle” – Experiência da Enersul
Autor: Luiz Carlos Santini Junior
ABSTRACT
A Enersul, concessionária de distribuição que atende a mais de 90% do estado de Mato
Grosso do Sul, possui em torno de 60.000 unidades consumidoras rurais em uma área superior a
300.000 km2. Em razão da grande extensão da área rural e acessos precários os quais dificultam a
leitura do medidor de energia, foi definida a necessidade de implantar um sistema de telemedição
para atender esta importante área da companhia. O sistema de telemedição escolhido foi o turtle,
desenvolvido pela empresa americana Hunt Technologies. Utiliza a tecnologia de transmissão de
dados pela própria rede elétrica de distribuição através de sinal de baixíssima freqüência, entre 5 a
10 hz. Permite a telemedição de clientes situados a longas distâncias, as redes rurais da Enersul
possuem muitas vezes distâncias superiores a 200km. Os dados obtidos de forma automática são
concentrados em um ponto de coleta, normalmente uma subestação de energia, a partir de então as
informações são disponibilizadas na rede corporativa através de um servidor apropriado. Em 2005 a
companhia já contava com mais de 2.000 unidades consumidoras rurais neste sistema em 2 regiões
diferentes. Para 2006 a previsão é expandi-lo para 5.000 unidades em mais 3 regiões. Em função
dos resultados animadores obtidos, a previsão da companhia é utilizar este sistema em todas as
unidades consumidoras rurais no médio prazo, destacando-se os seguintes benefícios:
•
Redução de perdas comerciais provocadas por erro de cadastro, erro de leituras, ausência de
leituras, detecção de defeitos no medidor entre outras;
•
Redução do custo operacional do processo comercial em virtude de que as informações para
faturamento fluem de forma automática e eletrônica desde o medidor até o sistema de faturamento
da concessionária;
•
Eliminação de ocorrências comerciais tais como: faturamento por média e faturamento pela
taxa mínima;
•
Detecção de falta de energia em consumidores rurais ou em uma região.
PALAVRAS CHAVE
Telemedição, transmissão de dados à baixa freqüência, power line communication, processador
digital de sinais, leitura de energia, faturamento de energia elétrica.
1 – INTRODUÇÃO
A distribuição de energia elétrica no Brasil tem passado por muitas mudanças nos últimos
anos, desverticalização, privatização de companhias, maior fiscalização por parte das agencias
reguladoras,
maior
exigência
por
parte
dos
consumidores,
participação
de
investidores
internacionais, entre muitas outras mudanças. Há uma necessidade cada vez maior em investimento
em novas tecnologias, que visam principalmente à utilização eficiente dos recursos disponíveis,
melhora no atendimento e retorno financeiro atrativo.
A Enersul foi privatizada no final de 1997, desde então se iniciou um agressivo programa de
investimento, que garantiram a companhia bons índices de continuidade e qualidade, rentabilidade e
diversos prêmios nacionais como reconhecimento a eficiência, exemplo dos prêmios ABRADEE [1] e
Revista Eletricidade Moderna [2].
Uma das características marcantes da distribuidora é a sua extensa área de concessão, aliada
a uma baixa concentração de clientes, resultante do fato de estar atuando num estado com
predominância das atividades econômicas relacionadas ao meio rural.
O acesso às propriedades rurais normalmente é bastante precário, seja pelo estado das
estradas de terra, pela condição climática que apresenta um verão bastante chuvoso, seja pela
extensa área alagada denominada Pantanal que corresponde a quase 30% da área do estado; ou
até mesmo, pelos problemas conhecidos como “porteira fechada”, onde em função da invasão de
propriedades por grupos denominados de “sem terra”, ou até por populações indígenas reivindicando
junto ao governo demarcação de seus territórios, isto causa os proprietários rurais a trancarem as
porteiras de suas propriedades, para que em caso de tentativa de entrada de pessoas alheias, fique
caracterizada a invasão de terras, tal fato dificulta o acesso da concessionária as propriedades,
sendo necessário agendar com o proprietário a permissão de acesso.
O fornecimento de energia elétrica deve ser com qualidade, e os serviços prestados como;
atendimento e leitura da energia consumida pelos clientes deve ser o melhor possível. Para os
clientes situados em áreas rurais, há regras diferentes para leitura, como a autoleitura efetuada pelo
próprio cliente e passada via telefone para a concessionária, as regras para faturamento da energia
consumida pelo cliente são fixadas pela portaria 456 da ANEEL [3]. Ocorre que, em alguns casos é
obrigatório faturar o cliente pelo valor mínimo de sua classe, como exemplo; se o cliente não
apresentar a autoleitura, ou a concessionária não conseguir acessar o medidor para leitura por mais
de 4 meses consecutivos na área rural o histórico de consumo é perdido, sem que a concessionária
consiga recuperar o valor de energia por ele consumida.
Como forma de garantir uma constância de leitura mensal de boa qualidade dos seus clientes
rurais de baixa tensão, diminuindo o faturamento de clientes pelo valor médio ou pelo valor mínimo
de sua classe, a Enersul decidiu que telemedição rural era uma de suas prioridades.
2 – TELEMEDIÇÃO DE ENERGIA
Existem atualmente 3 tecnologias distintas para telemedição de energia elétrica:
a) Rádio
Esta tecnologia pode ser aplicada de diversas formas distintas, seja através de polling,
onde uma estação transmissora manda um comando para um conjunto de rádios receptores
instalados em uma determinada região geográfica, sendo que um medidor de cada vez
responde, transmitindo uma informação de leitura ou memória de massa. Pode também ser
aplicada uma solução ponto a ponto, onde um rádio transmissor comunica com apenas um
rádio receptor, através de um único enlace.
b) Telefone
Esta solução pode ser com aplicação de telefonia fixa ou celular, geralmente é utilizado
um gateway junto ao medidor, que é programado com determinadas configurações de rede ou
numero de telefone. Num horário ou data pré-determinada toma a iniciativa de comunicar com
um receptor. Esta solução é normalmente menos dispendiosa que a solução de rádio, pois é
utilizada a infra-estrutura já existente das companhias de telefone.
c) Power Line Comunication PLC
A transmissão de dados e voz é feita pela própria rede de transmissão de eletricidade.
Esta solução já tem uma longa história, desde há muito tempo às concessionárias utilizam sua
infra-estrutura de transmissão de energia elétrica para transmissão de voz, medições de
energia, sinais de proteção e controle entre subestações de energia. A solução neste caso é
aplicada a sistemas elétricos de potencia, onde as linhas possuem menos conexões com
equipamentos, são melhores controladas e menos sujeitas a ruídos. A transmissão é limitada a
velocidades entre 9.600 até 64.000 bauds sendo afetada pelos efeitos de absorção ou reflexão
do sinal pelos componentes elétricos.
Neste paper será apresentada a experiência da Enersul na solução de autoleitura de medição
AMR utilizando a tecnologia PLC aplicada para telemedição de seus clientes rurais.
3 – TECNOLOGIA DE TELEMEDIÇÃO AMR VIA PLC
A tecnologia escolhida pela Enersul para telemedição de seus clientes rurais é a tecnologia
PLC turtle desenvolvida em 1994 pela Hunt Technologies [4] e que vêem sendo largamente aplicada
em concessionárias dos Estados Unidos.
No passado esta tecnologia era mais conhecida como DLCT ou Distribution Line Carrier
Technology. Reduzindo dramaticamente a largura da banda de freqüência para algo em torno de
10kHz e modificando a arquitetura do sistema, ocorreram melhorias significativas em confiabilidade,
tamanho, e o custo do sistema PLC foi reduzido.
Um problema que surgiu com a aplicação do DLCT é que quando as freqüências utilizadas
tornam-se menores, o custo e tamanho dos transmissores torna-se maior. Como resultado esta
tecnologia ficou limitada para envio de sinais a partir de uma subestação em direção aos clientes ou
equipamentos instalados na rede, pode ser bom para controle de equipamentos porem não serviria
para leitura de medidores situados nos consumidores.
Uma das soluções encontradas para a redução na banda de freqüência foi a tecnologia UNB
Ultra Narrow Bandwidth, ou seja, banda de freqüência ultra estreita. A Hunt technologies aprimorou
esta tecnologia relativamente nova para utilização em aplicações PLC. Os sinais no sistema UNB,
que operam numa faixa de freqüência de 5-10Hz tem as vantagens de alcance de longa distância e
confiabilidade do ripple carrier systems como o DLCT, porem os transmissores desenvolvidos para o
UNB tem um custo muito inferior. Por utilizarem amplamente a tecnologia digital, podem ser
construídos em menores dimensões, podendo ser encaixados sem problema dentro dos medidores
existentes no mercado. Os medidores não precisam ser interrogados ou polled por uma central,
porque estão continuamente transmitindo um sinal, da mesma forma que uma estação de televisão
ou rádio faz. Cada transmissor tem a sua própria freqüência fixada dentro de uma largura de banda
predefinida de apenas 0,0015Hz, desta forma milhares de transmissores podem estar enviando o
sinal continuamente pelo fato de utilizarem uma banda de freqüência ultra-estreita.
A tecnologia UNB apresenta vantagens porque o seu segredo é que comunica a uma
velocidade muito baixa [5], conforme as teorias básicas da comunicação, a largura de banda é um
espaço muito importante, é como um território valioso e limitado. Outra característica importante para
comunicação é que a mensagem contendo o dado deve ser superior ao valor do ruído inerente ao
meio de transmissão. Quando os dados são transmitidos muito lentamente, ele ocupa uma banda de
freqüência muito estreita, assim pode “perfurar” através dos ruídos como uma flecha. No sistema
turtle este principio é levado ao extremo, transmitindo os dados a uma velocidade incrível de 0,0005
bauds, isto é o suficiente para transmitir uma leitura, ou uma informação discreta como uma simples
interrupção de linha, permitindo cobrir grande distancias de centenas de Quilômetros.
Tabela 1 – Comparação da largura de banda de freqüência
Sistema de comunicação
Largura de banda aproximada Analogia
ou taxa de baud
distância.
Televisão
6MHz
600 milhas
Radio FM
200kHz
20 milhas
Radio AM
10kHz
1 milha
Radio SSB
3kHz
1.500 pés
Emetcon PLC
76,2 Baud
38 pés
física
com
TWACS PLC
15 Baud
7,5 pés
Código Morse
100 Hz
50 pés
Ripple PLC
5 Baud
30 polegadas
Medidor Turtle UNB
0,0005 Baud
0,003 polegadas (fio de cabelo)
a
Graças à tecnologia UNB foi possível desenvolver transmissores de baixo custo e de pequenas
dimensões, que permitem a transmissão de sinal em grandes redes de distribuição com inúmeros
transformadores e bancos de capacitores a uma freqüência muito baixa e utilizando uma potencia
também baixa comparada com outras formas de transmissão de dados via PLC, enquanto que um
rádio operando na freqüência de 3kHz possui uma potência de 100 Watts a transmissão UNB possui
uma potência de apenas 0,0003 Watts.
As aplicações que se tornaram possíveis com a tecnologia UNB:
•
Leitura automática de medidores (AMR);
•
Informação sobre falta de energia;
•
Identificação de fases do sistema elétrico;
•
Gestão de curva de carga, com valores de demanda máximo e mínimo.
figura 1 – Diagrama da aplicação do sistema turtle
O equipamento mais importante para o sistema UNB é o seu receptor, localizado no inicio da
linha de distribuição, normalmente numa subestação de energia e conectado a rede elétrica através
de um transformador de corrente. O receptor monitora a corrente das linhas e dentro de seu
compartimento um processador digital de sinal (DSP), que é um computador especializado em
analisar fisicamente o espectro e formas de ondas funciona analogicamente como um receptor de
rádio, monitorando continuamente 2.880 canais, cada canal correspondendo a um diferente medidor.
Foi graças aos avanços da microeletrônica relacionada aos DSP’s que tornou possível o
desenvolvimento de receptores com tal tecnologia. Um receptor pode abrigar até 9 processadores
através de expansão, podendo pela multiplexação de freqüências “ouvir” até 25.920 medidores numa
mesma rede elétrica de distribuição.
Os componentes normalmente utilizados no sistema turtle são:
a) Transmissores instalados nos medidores;
b) Receptor instalado na subestação;
c) Medidores de tensão com transmissores instalados ao longo da rede elétrica para medição
de qualidade de fornecimento;
d) Aplicativo servidor de dados instalado na concessionária para armazenamento das leituras,
emissão de relatórios e controle do sistema.
4 - APLICAÇÃO DA TECNOLOGIA TURTLE NA ENERSUL
A implantação da telemedição se iniciou em 2004 na região de Terenos, a partir de uma linha
de distribuição de 34,5kV originada numa subestação de energia elétrica da cidade de Campo
Grande. Em 2005 o projeto foi estendido para outras regiões conforme uma prioridade onde há maior
dificuldade para leitura e conseqüentes perdas comerciais. Até o final de 2006 é prevista uma
quantidade aproximada de 5.000 clientes lidos através da telemedição rural.
Algumas regiões apresentam extensas redes rurais com distâncias envolvidas superiores a
140km e acesso através de serras ou pelo pantanal.
Embora seja um investimento relativamente vultuoso, que depende da configuração da rede
elétrica a ser telemedida, é um consenso nas áreas comerciais da companhia, que dentro de alguns
anos todos os clientes rurais deverão ser telemedidos através da tecnologia PLC. As avaliações
econômicas já efetuadas apontam para um retorno financeiro atrativo, que pode ocorrer entre 5 a 7
anos.
Tabela 2 – Evolução da expansão do sistema turtle
Ano
Região
2004
Terenos
1.700
2005
Bonito
1.300
2006
Água Clara, Aquidauana e 2.400
Chapadão
figura 2 – Regiões em implantação
Quantidade
Na figura 2 são apresentadas as áreas a serem cobertas pelo sistema de medição turtle até o
final do ano de 2006.
Destacamos a região de Bonito onde está sendo aplicado à tecnologia, sendo que os clientes
rurais estão situados a uma distancia de até 150km em linha reta da subestação fornecedora de
energia da Enersul, representando uma região de acesso muito difícil.
figura 3 – Região de Bonito
Neste paper destacamos alguns resultados verificados após o término da substituição dos
medidores eletromecânicos convencionais pelo medidor com tecnologia turtle na região de Bonito.
Resultados principais:
a)
Num universo de 62% dos clientes onde foi instalada a telemedição notou-se um
incremento de 12% no faturamento de energia elétrica;
b)
Nesta região onde aproximadamente um quarto dos clientes são rurais e passaram a
ser telemedidos, notou-se uma redução das perdas comerciais em 50%;
c)
Notou-se uma redução de despesas de serviço de leitura em até R$ 82.000,00 ao ano;
d)
Notou-se uma recuperação de receita da ordem de 8.320 kWh/ano
5 - CONCLUSÕES
A solução de telemedição utilizando a tecnologia de banda ultra-estreita, embora apresente
uma transmissão de dados muito lenta, atende plenamente as necessidades de leitura de clientes do
grupo de baixa tensão, onde o envio de uma leitura a cada um ou dois dias já é o suficiente. Tal
tecnologia não serviria para transmissão de arquivos de memória de massa de grandes clientes ou
sistemas de medição de fronteira.
Podem ser exploradas outras facilidades ainda não utilizadas na Enersul, como verificação de
faltas de energia, determinação da curva de carga do cliente, gerenciamento de carregamento de
transformadores e linhas e verificação da qualidade de fornecimento de energia elétrica. A
telemedição permite uma melhor gestão do atendimento aos clientes situados em áreas de difícil
acesso, é possível, entre outras vantagens conferir o consumo de energia do cliente praticamente
todos os dias.
Com o projeto turtle notou-se a necessidade de maior especialização dos técnicos de serviço
de campo. Para verificação do transmissor instalado nos medidores dos clientes são necessários a
utilização de notebooks ou PDA’s com software apropriado. Diferentemente dos medidores
tradicionais eletromecânicos, os transmissores e receptores são equipamentos eletrônicos que
requerem cuidados especiais. Outro cuidado importante é que por utilizarem uma freqüência fixa de
transmissão de dados, deve-se ter um cuidado especial em evitar que dois medidores com a mesma
freqüência sejam instalados numa mesma rede elétrica.
Notou-se um aumento das solicitações de serviço por parte da área de faturamento da
companhia, pois enquanto que um medidor eletromecânico pode ficar durante muito tempo instalado
em campo, sem que seja notado qualquer defeito, um transmissor turtle defeituoso, já causa perda
da informação no faturamento, sendo prontamente notado o problema. Isto de certa forma contribui
para redução das perdas devido medidor com defeito, assim as áreas de campo são mais cobradas
para uma solução mais rápida possível.
A tecnologia existente por si só, já é suficientemente atrativa, no entanto espera-se que possa
num futuro próximo permitir o envio de mensagens aos endpoints instalados nos medidores dos
clientes, poderia até enviar um comando de desligamento do cliente, o que seria um corte de
fornecimento remoto. Também se espera que os transmissores que atualmente trabalham com uma
freqüência fixa, possam no futuro ser substituído por transmissores com possibilidade de ajustar a
freqüência de forma automática, desta maneira impediria o conflito de dois medidores com mesma
freqüência de transmissão instalados numa mesma rede elétrica, facilitando a retirada e reinstalação
de medidores, e as manobras da rede elétrica, que são factíveis de acontecerem.
6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] ABRADEE. Premio melhor distribuidora de energia elétrica das regiões Norte e Centro Oeste nos
anos de 2001, 2002 e 2003. Melhor evolução de desempenho 2002
[2] Revista Eletricidade Moderna. Premio melhor distribuidora de energia elétrica das regiões Norte e
Centro Oeste nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003.
[3] AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL. Resolução ANEEL Nº 456 de 29 de
Novembro de 2000.
[4] Turtle Basics. Hunt Techologies, pub n. 0480-105, rev. 3 Aug 99.
[5] B. P. Lathi. Modern Digital and Analog Communication Systems. Oxford Series in Electrical and
Computer Engineering.
[5] Simon Haykin, Communications Systems, 2000.
[5] Ray Horak, Harry Newton, and Mark A. Miller. Communications Systems and Networks. 2002.
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