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CONHECIMENTO E SENSAÇÃO NO TEETETO
Daniel Reis Lima Mendes da Silva
Mestre em Filosofia pela UFSCar
O Teeteto é classificado pela maior parte dos estudiosos como um diálogo que
teria sido escrito quando o filho de Ariston e Perictione contava aproximadamente 60
anos de idade1 tendo já escrito grande parte das obras que compõe os argumentos em
torno dos quais se configura aquilo que os estudiosos costumam se referir como Teoria
das Formas.
O Teeteto2 perfaz em conjunto com o Parmênides, o Sofista e o Político, os
chamados diálogos “metafísicos”, ou “críticos”, grupo que antecede o último dos três
períodos em que se costuma dividir a filosofia de Platão: o período tardio ou da velhice.
Hoje o entendimento de parte significativa dos estudiosos é a de que esses quatro diálogos
1
Os dados acima apresentados sobre a idade aproximada de Platão quando escrito o Teeteto e outros
diálogos além de sua trajetória política e origem familiar segue a leitura de: The life of Plato of Athens,
Debra Nails pag. 1 – 13 in. Blackwell Companion to Plato, Blackwell Publiching, 2006, Oxford.
“O Teeteto é o principal campo de batalha da maior disputa entre as alternativas de interpretação da
obra de Platão” Chappell (2004), White (1998), Borges (2009), Santos (2008), Fine (2003) entre outros
explicitarão em pormenor essa contenda. A disputa se dá entre os chamados Unitaristas e Revisionistas e
tem como centro não apenas a posição cronológica de cada diálogo dentro de seus grupos de escritos, mas
se Platão altera ou não as doutrinas expostas no Fédon e na República, principalmente a relação de Platão
com a teoria das Formas. Resumidamente os Unitaristas postulando que ela se mantém em toda a extensão
de seus escritos e os Revisionistas alegando que Platão apresenta não só momentos de incerteza como efetua
eventuais modificações na intenção de refinar a teoria visando obter uma resposta mais clara sobre como
as Formas podem ser unidades de uma multiplicidade e revisar sua teoria da participação; no Teeteto, por
Platão não recorrer às Formas, segundo essa corrente, se daria ali o momento de revisão mais óbvio. Ao
lado de uma leitura Unitarista estariam Aristóteles, Proclus e os comentadores antigos e medievais,
Berkeley, Scheleiermacher, Ast, Diès, Ross e Cherniss ao lado dos revisionistas estariam Ryle, Robinson,
Owen, McDowell, Bostock e muitos dos comentadores contemporâneos de língua Inglesa, de um modo ou
de outro este esquematismo não atinge diretamente o objeto de nosso trabalho, mas acataremos a posição
Unitarista tanto no que diz respeito a sua cronologia - como diálogo de transição para velhice - quanto no
que toca ao não abandono ou revisão da Teoria das Formas, este sim um ponto para nós mais importante
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foram compostos antes do Filebo, do Timeu3 e das Leis, e depois dos diálogos do período
médio, que incluem entre outros, o Mênon, o Crátilo, o Fédon, o Banquete, a República
e o Fedro4.
A procura de uma definição para o que seja conhecimento (epistême)
perpassa o diálogo, este objetivo não é atingido, entretanto as teses apresentadas indicam
caminhos que vão pautar os debates daquilo que posteriormente virá a ser chamado de
epistemologia.
O jovem Teeteto apresenta-nos sua primeira “tentativa” de responder a
questão do que seja o conhecimento (146c-d) citando uma lista de conhecimentos teóricos
e práticos; Sócrates menciona a discrepância entre uma pluralidade de exemplos de
conhecimento de uma definição do que é conhecimento em si mesmo. E afirma de modo
categórico que não se pode conhecer “o saber dos sapatos” quem não sabe o que seja
“saber”, ou seja, ninguém tem autoridade para dizer o que é determinado conhecimento
particular sem que saiba o que o conhecimento em si mesmo é, ou, dito de um modo mais
dramático todo conhecimento especializado fica interditado se o próprio conhecimento
como tal é não for definido impondo-se assim como necessidade delinear o conhecimento
em geral antes de estabelecer qualquer particularidade.
O Teeteto tem deste modo, como objetivo manifesto encontrar uma
definição de caráter universal do que seja o conhecimento, meta esta que fracassa,
3
A posição do Timeu é até hoje igualmente fonte de muita controvérsia, incidindo em algumas
interpretações do Teeteto. Por um lado a estilometria nos afirma que o Timeu está ligado ao Filebo, sendo
integrante do grupo de diálogos composto na velhice. De outro, OWEN, G.E.L (num famoso artigo
intitulado “The Place of Timaeus in Plato’s Dialogues”, de 1953) contestou fortemente os argumentos
estilométricos sobre o Timeu, defendendo que este foi escrito antes do Parmênides e do Teeteto, iniciando
uma polêmica, com fortes seguidores de parte a parte, que não se esgotou até o presente momento.
4
A respeito dos debates mais atuais sobre a ordem interna dos diálogos de cada grupo ver entre outros:
BRANDWOOD (1992) p.90-120 e BOSTOCK (2005) p. 1-10
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obtendo-se apenas conclusões negativas; três definições são propostas e nenhuma julgada
adequada, a saber, “conhecimento é aìsthesis”, “conhecimento é opinião verdadeira”
(alethès dóxa) e “conhecimento é opinião verdadeira acompanhada de explicação
racional” (lógos). A primeira definição a qual Platão dedica a maior parte da obra,
“parece-me que o que sabe algo apercebe aquilo que sabe e, tal como agora parece, saber
não é outra coisa que não percepção” 5 (Teeteto 151E4) será a única que trabalharemos
em nossa apresentação.
Nosso trabalho tem como propósito uma tentativa de delimitação do conceito
de aìsthesis no interior da primeira tentativa de definição do conhecimento que equivale
aìsthesis a epistême, buscando estabelecer os limites desta em termos cognitivos para
Platão. Para tanto, faremos uma apresentação crítica do desenvolvimento da
argumentação de Platão sobre a resposta de Teeteto compreendendo a identificação de
epistême e aìsthesis, apresentaremos as teses atribuídas a Protágoras e a Heraclito como
base de sustentação da definição de Teeteto, faremos uma discussão sobre o domínio da
aìsthesis em intersecção com a dóxa e a phantasía e apontamentos sobre o problema da
identificação entre ser e parecer ser que perpassará toda a primeira parte do texto até
quase seu fim e como ela se reflete na definição final de aìsthesis como sensação,
discutiremos como se estabelece o vínculo entre as teses apresentadas no decorrer do
texto: a de Teeteto, Protágoras e Heráclito e o modo como elas são decisivas para
estabelecer o limite das sensações. Enfim, acreditamos que uma compreensão mais
5
Em geral seguirei a edição portuguesa de Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri (2008 Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa) nela se traduz o termo episteme como saber, no entanto para uma
compreensão mais próxima de nossa imagem conceitual o mesmo termo pode ser entendido como
conhecimento, daqui em diante passarei a traduzi-lo deste modo, assim a definição acima pode ser lida
como: “Parece-me que o que conhece algo percebe aquilo que conhece, e, tanto quanto me é dado ver no
momento, conhecimento não é outra coisa que não percepção” nos casos que julgar mais adequado em
termos de clareza, utilizarei a tradução bilíngüe Anglo-Americana de Harold North Fower (1921 Loeb
Classical Library – Harvard/Cambridge University Press, London) com a devida indicação.
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acurada do conceito de aìsthesis em seus diferentes contextos na definição de Teeteto
pode nos levar a um patamar de clareza maior em relação ao modo como o mesmo
compreendia o domínio do sensível.
BIBLIOGRAFIA:
BRANDWOOD, L. Stylometry and Chronology. In: The Cambridge Companion to
Plato. Cambridge: Richard Kraut, 1992, p. 90-120.
BURNET, J. Early Greek Philosophy. Cambridge: A&C Black, 1908. 296p
BURNYEAT, M. Protagoras and self-refutation in Plato’s Theaetetus. Phil. Rev.,
v.LXXV, n.2, p.172-195, 1976.
CHAPPELL, T. Reading Plato´s Theaetetus Indianapolis: Hackett, 2004.
CHERNISS, H.F. The relation of the Timaeus to Plato’s later dialogues. New York:
The John Hopkins University Press, 1957.
FINE, G. False belief in the Theaetetus. In:__________. Plato on knowledge and forms:
selected essays. New York: Oxford University Press, 2003. p. 213-251.
Mc DOWELL, J. Plato Theaetetus. Oxford: OUP, 1973.
NAILS, D. The life of Plato of Athens. In: Blackwell Companion to Plato. Oxford:
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1953, p. 79-95.
PLATO. Theaetetus. Sophist. 10. ed. London: Harvard University Press, 2006 (Loeb
Classical Library, VII).
ROBINSON, R. Form and error. Philos. Rev., v.59, p.3-30, 1950.
SALZI, P. La sensation: Étude de sa genése et de son role dans la connaissance. Paris :
Alcan, 1934.
SANTOS, J.T. Para ler Platão. São Paulo: Loyola, 2008 (Tomo 1-2).
SANTOS, J.T. Sujeito epistêmico e sujeito psíquico na filosofia platônica. Princípios, v.
11, n. 15, p. 65-82, 2005.
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