UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
UELITON VAGNER ROCHA DE ARAÚJO JÚNIOR
O DISCURSO RELIGIOSO “ARCAIZANTE” EM O “ORTO DO
ESPOSO”: UMA ABORDAGEM FILOLÓGICA
JOÃO PESSOA
2006
O DISCURSO RELIGIOSO “ARCAIZANTE” EM O “ORTO DO
ESPOSO”: UMA ABORDAGEM FILOLÓGICA
UELITON VAGNER ROCHA DE ARAÚJO JÚNIOR
O DISCURSO RELIGIOSO “ARCAIZANTE” EM O “ORTO DO
ESPOSO”: UMA ABORDAGEM FILOLÓGICA
UELITON VAGNER ROCHA DE ARAÚJO JÚNIOR
O DISCURSO RELIGIOSO “ARCAIZANTE” EM O “ORTO DO
ESPOSO”: UMA ABORDAGEM FILOLÓGICA
Dissertação de mestrado realizada por
Ueliton Vagner Rocha de Araújo Júnior
apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras, Área de
Concentração em Linguagem e Ensino,
do Centro de Ciências Humanas, Letras
e Artes da Universidade Federal da
Paraíba, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre, sob a
orientação do Prof. Dr. Juvino Alves
Maia Júnior.
JOÃO PESSOA - PB
2006
TERMO DE APROVAÇÃO
UELITON VAGNER ROCHA DE ARAÚJO JÚNIOR
O DISCURSO RELIGIOSO “ARCAIZANTE” EM O “ORTO DO
ESPOSO”: UMA ABORDAGEM FILOLÓGICA
Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Mestre em Letras, Área
de Concentração Linguagem e Ensino, no Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
Aprovação: João Pessoa, ______ de ___________ de 2006.
___________________________________________________________________
Elisalva Madruga Dantas
Coordenadora PPGL/UFPB
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Juvino Alves Maia Júnior - UFPB
Orientador
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Milton Marques Júnior – UFPB
Examinador
___________________________________________________________________
Prof ª Dr ª Marinalva Freire da Silva - UEPB
Examinadora
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Arturo Gouveia de Araújo
Suplente
para a prof. ª Eurídice Rocha de França Araújo,
para Francisca Aires, minha mãe,
Eurídice, minha irmã e meus sobrinhos,
à memória de Ueliton Vagner Rocha de Araújo , meu
pai e de Belino, meu avô paterno.
AGRADECIMENTOS:
A publicação desta dissertação seria uma injustiça, se não manifestasse
meus
agradecimentos, que são muitos, a todos aqueles que, de uma forma ou de outra,
colaboraram com o meu trabalho e me incentivaram durante todo o percurso:
ao Prof. Dr. Juvino Alves Maia Júnior, por interceder sempre que possível , por
confiar e acreditar em meu trabalho;
à Prof.ª Dr ª Marinalva Freire da Silva, de quem aprendi durante minha passagem na
UEPB o amor às palavras e o gosto pela pesquisa filológica;
à coordenadora da PPGL/UFPB , Prof ª Elisalva Madruga Dantas, pelo carinho e
compreensão;
a todos os meus professores do Curso de mestrado da UFPB, pela qualidade e valor
de suas aulas e sugestões;
a todas as secretárias da PPGL/UFPB, pelo atendimento prestado, até nos horários
fora do expediente;
a France Murachco, professora de latim da UFCG, pela ajuda nas traduções em
francês;
a todos os meus colegas de trabalho e funcionários da UEPB (Campus III –
Guarabira) pelo apoio e amizade,
aos meus alunos da UEPB (Campus III – Guarabira) e de outras instituições onde
trabalho, que torceram por mim;
aos meus familiares que suportaram pacientemente minhas ausências, em especial, à
minha tia “Teca” e à prima Candice Geysa Diniz pelo apoio.
Verba volant, scripta manent.
RESUMO
A obra o Orto do Esposo, em seu Livro I, Do nome de Jhesu, composto de cinco
capítulos, possui uma peculiaridade de construção discursiva baseada em um código de
linguagem arcaizante, focada no oral / escrito, ininteligíveis a priori ao leitor moderno.
Assim, atualizar este Livro em uma edição crítica, a partir deste aspecto, focalizando e
remetendo a fontes diversas, de acordo com sua predisposição discursiva, torna o discurso
religioso medieval compreensível e relevante ao leitor. Pretende-se analisar a linguagem da
obra sob uma perspectiva retórico-discursiva, definir seu contexto pragmático lingüística e
ideologicamente, e demonstrar a modernidade das imagens presentes neste discurso da
Literatura de Exempla, retomado constantemente pelos meios de comunicação. Ao
comparar essas linguagens, centralizando-se em passagens discursivas, aplicando-se
pressupostos teóricos adequados, torna o ensino de língua materna atrativo e significativo,
sem desprezar as contribuições das modalidades do latim, que também são registradas na
atualidade jornalística na formação da língua portuguesa, fazendo jus aos antigos
gramáticos.
Palavras-chave: Filologia , Discurso, Literatura de Exempla
RESUMEN
La obra el Orto do Esposo, con su Libro I , Do nome de Jhesu, compuesto de cinco
capítulos, possee una peculiaridad de construcción discursiva basada en un código de
lenguaje aracaico, centrado en el oral / escrito, ininteligible a priori al lector moderno. Así,
actualizar, este Livro en una edición crítica, a partir de este aspecto, evidenciando y
remitiendo a fuentes diversas, de acordo com su predisposición discursiva, hace el discurso
religioso medieval comprensible y relevante al lector. Se pretiende analizar el lenguaje de
la obra bajo una perspectiva retórico discursiva, definir su contexto pragmático lingüistica e
ideológicamente, así como também demostrar la modernidad de las imágenes presentes en
este discurso de la Literatura de Exempla, retomado constantemente por los medios de
comunicación. Al comparar estos lenguajes, centralizándose em pasajes discursivos,
aplicándose presupuestos teóricos , hace la enseñanza de la lengua materna atractiva y
significativa, sin desprezar las contribuciones de las modalidades del latín , que también
son registradas en la actualidad periodística en la formación de la lengua portuguesa,
haciendo jus a los gramáticos antiguos.
Palabras-claves: Filología , Discurso, Literatura de Exempla
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................12
CAPÍTULO 1 ................................................................................................................17
1.0.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................17
1.0.2 CORPUS DO NOME DE JHESU CAPITULO PRIMEYRO..............................29
1.0.3 CORPUS DO NOME DE JHESU CHRISTO CAPITULO SEGUNDO ............. 35
1.0.4 CORPUS DO NOME DE JHESU CAPITULO TRECEYRO .............................39
1.0.5 CORPUS DO NOME DE JHESU CAPITULO QUARTO..................................45
1.0.6 CORPUS DO NOME DE JHESU CAPITULO QUINTO...................................49
1.0.7 ESTADO LINGÜÍSTICO NO LIVRO I DO ORTO DO ESPOSO .....................53
CAPÍTULO 2 Do código de linguagem do Hortus Sponsi:
precisando as circunstâncias .......................................................................................68
2.0.1 Hortus Sponsi: Do lingüístico ao literário inter-relacionados ...............................68
2.0.2 Hortus Sponsi: Biografia de Hortus ......................................................................68
2.0.3 Hortus Sponsi: Dos elementos simbólicos ............................................................ 69
2.0.4 Hortus Sponsi: Sobre a língua literária no século de sua composição ..................73
2.0.5 Hortus Sponsi: Sobre a importância da Gramática no século de sua composição 73
2.0.6 Hortus Sponsi: Sobre a importância artística de sua linguagem ...........................76
2.0.7 Hortus Sponsi: Sobre a teoria das correspondências.............................................77
2.0.8 Hortus Sponsi: Sobre mudanças fonéticas no tempo............................................80
2.0.9 Hortus Sponsi: Do seu “religioso” ........................................................................82
2.1.0 Hortus Sponsi: Do seu gênero e estudos retóricos ................................................86
2.1.1 Hortus Sponsi: Da interação texto e leitor............................................................. 91
2.1.2 Hortus Sponsi: Do autor anônimo como tradutor..................................................94
2.1.3 Hortus Sponsi: Sobre sua edição corrigida , tendências e critérios .......................100
CAPÍTULO 3 ................................................................................................................105
3.0.1 Hortus Sponsi: A sintaxe “arcaica”da ordem das palavras ...................................105
3.0.2 Hortus Sponsi: Aspecto semântico da frase ..........................................................110
3.0.3 Hortus Sponsi: Aspecto sintático da frase .............................................................113
3.0.4 Hortus Sponsi: Estrutura “normal” da frase padrão ..............................................115
3.0.5 Hortus Sponsi: fator intelectual de construção das idéias .....................................119
3.0.6 Hortus Sponsi: fator biográfico-religioso..............................................................121
3.0.7Hortus Sponsi: A “sintaxe” do discurso religioso “arcaizante” .............................123
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................134
5 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................138
6 ANEXO.......................................................................................................................142
17
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este trabalho parte da idéia expressa por Milton (1998, p.80) que cita Pound,
afirmando que Traduções são uma maneira excelente para estudar o desenvolvimento
de uma língua.
Num contexto filológico , as edições críticas podem muitas vezes se confundir
com tradução , para um leitor desavisado. Não é fácil para o leitor estabelecer limites
entre a tradução e a atualização textual, esta um trabalho filológico, pois segundo
relatório da UNESCO, diz Olmi (2001, p.56): inclui trabalhos de filologia entre as
traduções literárias.
Desta maneira, para os leitores de um modo geral, as atividades de atualização
não passam de simples tradução, pois quando se deparam com textos escritos em
linguagem medieval, pensam que a versão em um mesmo código, trata-se de uma
tradução.Sabe-se que a tradução se vale de códigos diferentes e a atualização do texto,
se apropria do mesmo código. Pode-se afirmar que tanto a tradução quanto a atualização
auxiliam o estudo do desenvolvimento de uma língua em diferentes códigos lingüísticos
ou no mesmo código lingüístico.
Para Maingueneau (1995, p.104), a maneira como a obra gere a língua faz parte
do sentido dessa obra. Esse sentido é relevante ao trabalho do tradutor e filólogo: saber
decifrar o que as obras têm a dizer.
Segundo R. Robin, citado por Maingueneau (1995, p. 105):
Quer se escreva numa única língua ou numa língua
estrangeira, o trabalho de escrita sempre consiste em
transformar sua língua em língua estrangeira, em convocar
uma outra língua para a sua língua, língua diferente, língua
do outro, outra língua. Maneja-se sempre o hiato, a nãocoincidência, a clivagem.
18
Assim , insere-se a obra Orto do Esposo, da literatura medieval portuguesa
escrita em português arcaico do fim do século XIV ou início do século XV, que é
ininteligível ao leitor contemporâneo por parecer escrito em “ língua estrangeira”. Na
Universidade, há um grande desinteresse dos alunos em estudar textos literários
medievais portugueses por não se dominar a fase medieval da língua portuguesa,
também denominada arcaica. Essa literatura associa o oral e o gráfico. Assim ,
conforme Maingueneau (1995, p.91):
num universo dominado pela oralidade, o autor reatualiza, em função de
circunstâncias particulares, algo que ouviu de outros recitarem, costura pedaços
(fórmulas, listas, episódios...) preexistentes.
A Filologia emerge e se engrandece nestas particularidades do texto, pois
abrange um largo enfoque crítico e metodológico que prima por essa escrita fonética
que quer estabilizar-se rumo ao sentido da obra, voltado ao leitor. Deste modo, em
termos modernos, ela possui um caráter multidisciplinar ou transdisciplinar.
Sobre a Filologia enquanto disciplina, posiciona-se Ilari (1999, p.13) em nota
prévia a triste realidade:
Algumas décadas atrás, a Lingüística (ou “Filologia”)
Românica ocupava, na formação do professor de Português,
um lugar privilegiado, com outras disciplinas referentes à
história da língua...Mais recentemente, o ensino tem tomado
por base teorias que encaram a língua por um ângulo
sincrônico, valorizando seu caráter sistemático ou procurando
expressar com rigor suas regularidades.
É comum os alunos de Letras saírem da graduação sem noção alguma do
medieval, em nível de língua e em literatura, o que é lamentável . E são para estes
leitores e demais pesquisadores que este trabalho foi
elaborado . Partindo-se de
pressupostos teóricos clássicos e contemporâneos, nos moldes discursivos, procurou-se
realizar uma edição crítica através de uma atualização filológica voltada às atividades de
reflexão e ensino de língua materna . Para tanto, pretende-se abordar o discurso
19
religioso “ arcaizante” em o Orto do Esposo: uma abordagem filológica, tomando-se
como objeto de estudo os diversos arcaísmos tão próximos de nós por conter elementos
diafásicos próprios de certos grupos da zona rural, e distante, ao mesmo tempo, por
estar escrito em português arcaico necessitando ser compreensível. É nestes aspectos,
entre outros, que reside a importância dos textos para a Filologia.
No capítulo 1, encontram-se normas de transcrição para textos medievais
portugueses, o texto atualizado do Orto do Esposo, Livro 1 , composto de cinco
capítulos , intitulados DO NOME DE JHESU , seguido de notações histórico-teóricas
sobre este código de linguagem , mostrando sucintamente as características fonéticas,
morfológicas e sintáticas de modo geral.
Na literatura e Cultura, a importância da obra está no próprio desenvolvimento
da língua da prosa. Ver capítulo 2. Do código de linguagem do Hortus Sponsi:
precisando as circunstâncias.
Parte-se do emprego da palavra Orto e Esposo, tanto lingüístico como
literariamente falando, abordando-se do simbólico, até chegar na grande metáfora não
dicionarizada da literatura medieval portuguesa: Orto do esposo. Destaca-se o
tratamento da linguagem , comparando-se com a linguagem jornalística, para fazer com
que esse discurso religioso tenha sentido para o leitor , despertando seu interesse em
desenvolver estudos posteriores nesta área do conhecimento. Com a palavra esposo temse o inverso, buscou-se na própria modernidade das encíclicas papais, para demonstrar
como este discurso é bem presente na questão da fé em seu mistério, vindo culminar em
edição da Veja , como também em outros veículos de comunicação, persiste esse
Mysterĭum Fidĕi. Abordam-se questões também modernas sobre estética da recepção,
comunicação entre texto e leitor, a questão de tradução na composição da obra e no final
uma reflexão, alertando o leitor da necessidade de correção das edições com duas
20
tendências e visões sobre normas de edição baseadas no aspecto fonético, que orientará
pesquisas posteriores.
O capítulo 3 intitulado Hortus Sponsi: Por uma sintaxe discursiva do
português “arcaico” discute a importância da fuga dos estudos sintáticos de esquemas
muito mecanicistas. Mostra que o conceito de arcaísmo é relativo com exemplos
abundantes, mostrando a necessidade de respeitar o grupo fraseológico da composição e
disposição da obra na particularidade de sua criação e expressão estética oriundas do
latim quanto construção das frases, exemplificado nos discursos religiosos, o padrão
normal da frase portuguesa, comparando-se Huber (1986) e Pádua (1960) e mostrando a
freqüência das demais modalidades da ordem das palavras, com uma discreta
abordagem teórica da ordem direta e uma ordem rara no português arcaico. É nesta
contribuição lingüística, entre outras, a importância da obra. São discutidas também
questões próprias da natureza da teoria literária e da narrativa como discurso
modalizante aplicáveis perfeitamente ao corpus analisado , a referência como
circunstância, o sistema temporal do verbo a partir do latim e sua implicação no
discurso no jogos do tempo do discurso e da narrativa e por fim aborda-se a polifonia
discursiva, essência do Orto do Esposo.
Os três capítulos se concatenam harmoniosamente no objetivo de revelar a
importância da Filologia nos estudos clássicos, como um instrumento poderoso para
estes estudos na área da linguagem , retomando a tradição negligenciada por muitos e
defendida por poucos.
Felizmente, na pós-graduação em Lingüística, Letras e Artes, essa realidade está
mudando. Veja-se o que diz o Guia do Estudante Pós-graduação & MBA, edição 2005,
p.38: Talentos de norte a sul
21
Os horizontes do país ficaram mais amplos. Já não é preciso morar na Região
Sudeste para ter acesso a uma boa formação nos muitos campos
de estudo que
compõem esta área.
A matéria destaca os estudos clássicos em Letras da UFRJ de letras clássicas e
vernáculas, dedicados às línguas e literaturas grega e latina, em que um dos projetos
desenvolvidos é a pesquisa de textos renascentistas escritos em latim e outra linha
pesquisa a poesia grega dramática, a lírica e a épica.
Neste contexto, a UFPB iniciou em 2004 estes estudos de mestrado na área
Linguagem e Ensino, vindo a firmar-se na sua atual linha Literatura e Cultura,
enquadrando-se à frente das pesquisas no Nordeste, evidenciando uma verdade já não é
preciso morar na Região Sudeste e sobre essa boa formação indicada pelo Guia e tão
almejada pelos pesquisadores .
Fica registrada assim, a importância dos estudos da Filologia na Lingüística, na
Literatura, e na Cultura, para “aqueles” que ainda não se convenceram. Sendo este
estudo um convite à abordagem filológica do texto, uma contribuição a todos que se
interessarem pelos estudos clássicos em sua difusão e pesquisa .
Capítulo 2 Do código de linguagem do Hortus Sponsi: precisando as circunstâncias
2.0.1 Hortus Sponsi: Do lingüístico ao literário inter-relacionados
22
O Orto do Esposo, da literatura medieval portuguesa, é uma das fontes de
documentação da religiosidade popular e é um texto multíplice pela sua diversidade de
temas e visão de mundo que exprime determinadas circunstâncias.
Para Bassetto (2001, p.53)
Circunstâncias são todas as variáveis que “estão ao redor” de
algo. Situar um documento em seu contexto histórico,
cultural, social e político pode facilitar a compreensão da
mensagem, esclarecer tópicos e alusões, além de alinhar autor
e obra segundo as diversas correntes filosóficas, literárias,
políticas etc. aqui também se aplicam critérios internos e
externos.
Pretende-se “contextualizar” o Orto do Esposo em circunstâncias além de
históricas, sociais e culturais via religiosidade que remetem a fontes diversas e fazem
destacar valores da sociedade e da cultura medieval portuguesa, caracterizando aspectos
lingüístico-literários em interação.
2.0.2 Hortus Sponsi: Biografia de Hortus
Para tanto, a biografia da palavra latina Hortus feita por Leão (1961:55) é
necessária para compreender sobre seu diferente emprego no tempo e no espaço, quanto
ao aspecto semântico :
Hortus queria dizer primitivamente, “cerca; depois, propriedade cercada, jardim,
horta”; no plural, produtos da horta, legumes.
Este significado primeiro, confrontando-se com o título da obra pouco tem a
acrescentar .Já em um documento português – Portucaliae Monumenta Historica,
Diplomata et Chartae, doc. n° 127 escrito em latim bárbaro, do século X (980),
encontra-se o plural ortos citado pela pesquisadora extraído de José Pedro Machado
Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa,Editorial Confluência, Lisboa, 1959:
23
Et nostras uineas iuxta illa ecclesia cum suas aquas et suos ortos.
O iuxta posposto não é forma usual do latim clássico . O esperado é que ficasse
posicionado após a conjunção coordenativa aditiva et. Como se trata de uma forma
escrita em latim bárbaro, já anuncia o posicionamento da ordem das palavras no
português a ser formado nos moldes do latim vulgar.
Ainda que no recorte feito na sentença por Leão não se sabe o contexto do que
vem antes da conjunção et , percebe-se que há nesta passagem a importância de três
elementos na cultura portuguesa respectivamente: vinhas, igreja , águas e hortos, ao
redor da igreja enquanto instituição. Ou seja, três elementos da natureza, com destaque
às vinhas,- terreno onde planta a uva-, águas e hortos.
2.0.3 Hortus Sponsi: Dos elementos simbólicos
É preciso
entender estes elementos simbólicos na composição do discurso
religioso que se vale destes, no caso terra e água para a construção de acordo com as
necessidades retórico-discursivas. Traduzindo a sentença temos:
Junta às nossas vinhas aquela igreja com suas águas e seus hortos.
Em que o elemento natureza “vinhas” junto a “ igreja” se fundissem, como se
fosse um só elemento nutridor do corpo e espírito acompanhado das águas e hortos.
Sobre a utilização dos símbolos nas religiões , título de artigo publicado no
jornal Mundo Jovem Ano XLIII n º 354 de março de 2005, diz Pinheiro; Follmann
(2005,p.16):
Símbolo é um sinal de reconhecimento. É um código
de identificação. Por exemplo, os primeiros cristãos se
reconheciam mutuamente pelo desenho do peixe. Em grego,
“ICHTUS” significa peixe e forma também as iniciais da
expressão: Jesus Cristo, de Deus Filho, Salvador (Iesus
Christos Theos Uios Soter)
24
E é esta natureza simbólica que justifica em parte a escolha do Livro I, para
corpus, como também fica registrada a modernidade temática colocada pela expressão
em torno do nome de Cristo no discurso jornalístico, apropriando-se da etimologia
grega do mesmo nome, apresentando uma verdade na qual dificilmente pode-se
contestar, destacando-se certos valores expressos na antiguidade clássica , retomados
freqüentemente em nossos dias nos diversos discursos veiculados socialmente.
Para reforçar este caráter simbólico Do nome de Jesus, há um artigo intitulado
As faces de Jesus, assinado por Isabela Boscov, na Revista Veja , edição1783, ano35, n
º 51 de 25 de dezembro de 2002, p.90 que trata sobre um dos maiores mistérios ligados
a Jesus - Ressurreição:
De acordo com Lucas, na segunda vez em que apareceu, comeu até peixe
assado.
E a etimologia grega do nome Cristo é retomada por ela:
Daí o título Cristo – em grego, “o ungido” – ter se agregado a seu nome desde
cedo.
No corpus em análise em seu capítulo I do sermão ocorre essa imagem sugestiva
:
Oleo espargido he o teu nome. Ca , asy como o oleo
cria e matem o lume e cria a carne e abranda a door, bem asy
o nome Jhesu he luz e mãyar e meezinha, ca elle luze quando
he preegado e da mantiimẽto a [a ] alma quando em elle cuida
e abranda-a e hũta-a quando o chama.
Atualizado em:
Óleo espalhado é o teu nome. Porque, assim como o
óleo alimenta e mantém a luz e alimenta a carne e abranda a
dor, bem assim o nome Jesus é manjar e remédio, porque ele
brilha quando está pregado e dá alimento à alma quando nela
cuida, abranda-a e unta-a quando o chama .
Na mesma revista Boscov afirma:
25
Nos primeiros séculos da Igreja, Jesus era quase sempre representado num
trono, com uma esfera que simboliza o mundo nas mãos . Era o chamado Pantocrator,
a palavra grega para “senhor de todas as coisas”.
No sermões do capítulo I e IV do Orto do Esposo, respectivamente, há implícito
essa sugestão do Pantocrator:
Jhesu Christo, que he começo e fim de todalas cousas
o uulto do Senhor uee todalas cousas
Sobre esses efeitos estéticos em torno de Cristo, nos dois discursos, explica
Boscov:
Sob forte influência da filosofia helênica, o que se acentuava aí não era a
dimensão humana de Jesus, mas, o contrário, a sua majestade – a garantia de que o
mundo seria regido por uma ordem eterna e superior.
Sobre a transição da imagem de Cristo entre a Antiguidade e Idade Média,
Boscov afirma:
Mas o que emergiu dele, nos séculos XII a XIV, é um outro Jesus – o Cristo
humano. Vêm dessa época as imagens de Cristo crucificado e a ênfase nas suas chagas,
seu sangue e sua dor.
É o que se verifica no sermão e o último exemplo respectivamente do corpus, no
capítulo I:
E este nome tragia Sam Paulo por candea ante os gentiis e ante os reis, onde diz
Sam Bernardo: Rogo-te que me digas donde ueeo tanta lux de fe ẽno mũdo seno do
nome de Jhesu Christo1 preegado.
Atualizado em:
1
B não tem Christo.
26
E este nome trazia São Paulo por candeia ante os pagãos e ante os reis, conforme
diz São Bernardo: Rogo-te que me digas de onde veio tanta luz e fé no mundo senão do
nome de Jesus Cristo pregado.
Enno || nome de Jhesu Christo nado da Uirgem, crucifixo, morto, e que resurgio
e sobio aos ceeos, uee! E entom disse Dinis ao cego estas palauras, e o cego logo uyo, e
Dinis logo creeo a ffe de Jhesu Christo, e depois foy martir glorioso.
Atualizado em:
Em nome de Jesus Cristo, nascido da Virgem, crucificado, morto e que ressurgiu
e subiu aos céus, veja! E então disse Denis ao cego estas palavras, e logo o cego viu, e
Denis logo acreditou sobre a fé em Jesus Cristo e depois tornou-se mártir glorioso.
É interessante notar que no mesmo capítulo que abre o livro I estão
representadas as duas imagens sobre o nome de Jesus, o Pantocrator e o Humano,
marcando respectivamente as dimensões divina e terrestre, construídas em dois
parágrafos no sermão, marcando-se assim, o caráter retórico do discurso, que persiste no
decorrer da leitura, delineando-se uma estrutura fundamental na pregação.
Sobre este duplo aspecto existente no Orto, Boscov diz:
A doutrina que foi se cimentando nos primeiros
séculos da Igreja ensina que Cristo tem uma dupla natureza: é
integralmente divino e integralmente humano. É divino
porque é uma das três formas de Deus – a Santíssima
Trindade, composta por Pai, Filho e Espírito Santo -, e como
tal, existe desde antes da Criação. Jesus é, assim, Deus
encarnado em homem, e por ser Filho é que seu sacrifício tem
poder para redimir toda a humanidade de seus pecados. Mas
Jesus é também humano porque nasceu de uma mulher e
viveu entre os homens. E, mais importante, porque se
entregou à cruz com um temor e um coração humanos.
É de extrema importância para o leitor compreender este aspecto para se ter uma
idéia do corpus enquanto construção, na formulação dessas imagens harmoniosas que
não se opõem com o objetivo ético e pragmático de ensinar e moralizar.
27
2.0.4 Hortus Sponsi: Sobre a língua literária no século de sua composição
Sobre A língua literária no século XV no item fatores educativos e culturais em
Portugal diz Paiva (1988, p.9):
a) O latim, na época funcionava como língua internacional, servindo de veículo
de comunicação da filosofia, da ciência e das letras; por conseqüência, foi um dos
elementos mais relevantes da educação e da cultura;
b) Na Igreja seu uso já se tornara corrente de há muito e, como a hegemonia do
ensino sempre estivera em suas mãos, em todas as escolas monacais e episcopais, o
estuda da língua latina tinha presença constante;
c) Sobre o ensino durante a Idade Média, registra-se que, em 1269, o abade D.
Frei Estevão Martins organizou as escolas alcobacenses, determinando que no
mosteiro houvesse aulas de Teologia, Lógica e Gramática (língua latina), não só para
religiosos.
d) Da Universidade de Coimbra, estabelecida por D. Dinis, em Lisboa, no
século XIII, têm-se informes mais circunstanciados por uma carta do rei, datada de
1309, que regulamentava os Estudos Gerais.
2.0.5 Hortus Sponsi: Sobre a importância da Gramática no século de sua composição
Sobre a Importância da Gramática, continua Paiva (1988, p.9):
a) A iniciação aos conhecimentos elementares da Gramática, nos Estudos
Gerais, consistia em aprender a ler e a escrever em latim; quanto à língua portuguesa,
28
embora convertida em língua oficial desde o reinado de D. Dinis, continuava a ser
aprendida ;
b) A Gramática era, pois, elemento imprescindível no elenco das sete artes
liberais que compunham, nos cursos universitários , o Trivium – Gramática, Dialética e
Retórica – e o Quadrivium – Música, Aritmética, Geometria e Astronomia;
c) Seu estudo desenvolvia-se em dois graus: no primeiro, os alunos aprendiam a
ler na Cártula (Cartulla), espécie de cartilha, passavam às Regras, talvez de
composição escrita, e , em seguida, ao estudo de sintaxe, nas Partes ou Partes orationis
e ao Gaton;
d) Deste Gaton há uma tradução castelhana, Castigos e Enxempros de Caton,
impressa em 1531. Tratava-se de um manual de sentenças e máximas, que servia ao
mesmo tempo de “vocabulário de leitura, de pauta escrita e de coleção de
ensinamentos morais”;
e) No segundo grau, completava-se a aprendizagem com os “livros maiores”, de
nivel mais elevado, todos versando assuntos gramaticais e outros correlatos;
f) Quanto aos dois graus, no alvará de outubro de 1357, dirigido por D. Pedro I
ao reitor da Universidade de Coimbra, com a determinação expressa de que
“bacharéis e escolares” ao darem aulas particulares, só tinham licença de usar os
livros “menores”.
Para exemplificar e facilitar o entendimento da prática considerada por Paiva nos
itens anteriores, no livro I, corpus do estudo, ocorrem duas frases nominais em que os
respectivos predicativos do sujeito são elementos da natureza, com valor simbólico:
Hic Iesu nomen manducare est
Iesu nomen medicina est.
Este nome Jhesu he manyar
O nome Jhesu he meezinha
29
Em que o primeiro predicativo tem origem provençal, conforme o capítulo
anterior, possivelmente da forma latina manducare, e o segundo é originado do latim
clássico que resultou na palavra mezinha (“remédio”) do português moderno,conforme
Faraco (1998, p.28):
latim clássico medĭcīna → latim corrente *medecina → port. pré-histórico
*medezina → *meezina → port. proto-histórico meezĩa → port. arcaico meezinha →
port. moderno mezinha.
Vale ressaltar que esta última forma, a moderna, é dicionarizada, vindo-nos provar que
o conceito de palavra arcaica isolada é relativo, pois a forma moderna se deu a partir da
queda de um e geminado da forma arcaica . Esta discussão sobre a relatividade do
conceito de arcaico será retomada com pormenores, no próximo capítulo.
Outra observação pertinente feita por Faraco é que o asterisco precedendo a
palavra, em lingüística histórica, indica que se trata de uma forma hipotética, obtida por
reconstrução, e não de uma forma atestada em documento.
Por este exemplo medĭcīna, segundo Faraco(1998,p.28-29) é possível
representar vários dos processos gerais de alterações fonético-fonológicas da longa
história latim → português:
a) ĭ ( i breve) passa a e;
b) ī ( i longo) permaneceu como vogal alta;
c) d intervocálico, como outras consoantes sonoras no mesmo contexto ,
desapareceu;
d) k (grafada c) intervocálica seguida de i tornou-se fricativa e se sonorizou,
confluindo para z;
e) n intervocálica nasaliza a vogal anterior e desaparece;
30
f) no contexto ĩ forte + vogal, desenvolve-se a consoante nasal palatal ň (grafada
nh);
g) duas vogais idênticas, justapostas pela queda de consoante intervocálica,
passam por crase.
As alterações fonético-fonológicas do latim ao português garantem a
expressividade da frase através dos traços prosódicos e conseqüentemente ela adquire
um efeito estético de musicalidade de acordo com a disposição das palavras na frase e
oração, ainda que não se perceba tal efeito na prosa.
2.0.6
Hortus Sponsi: Sobre a importância artística de sua linguagem
Sobre o fator artístico da linguagem na ordem das palavras, posiciona-se Padua
(1960, p.31-34):
a) A linguagem é instrumento de arte, e é-o muito principalmente pela
colocação das palavras;
b) A linguagem realiza sua ação de elemento artístico nas manifestações mais
habituais;
c) A linguagem, espontaneamente, procura determinadas formas que melhor
sirvam a tendência ao Belo,a uma certa harmonia e o mais perfeito equilíbrio;
d) A linguagem continuamente transparece um valor musical, e este tem ainda
muita importância relacionado com o ritmo - o que há de mais individual e
característico nas línguas- conceituando-o com Lerch:
é a alternativa de sílabas, palavras ou partes da
oração mais fortemente pronunciadas e menos fortemente
pronunciadas. O ritmo é considerado agradável quando uma
sílaba, palavra ou parte da oração acentuada é seguida de uma
ou mais não acentuadas. Porque depois de se ter pronunciado
uma sílaba, palavra ou parte da oração forte, a voz está, por
31
assim dizer, gasta. Exige-se uma pausa e esta é feita, desde
que uma pausa natural não tenha surgido, por sílabas,
palavras ou partes da oração fracamente acentuadas.
e) Na prosa, o ritmo passa mais despercebido; no entanto, quando se trata de
uma prosa declamada, tem já muito valor, pois as palavras impressionarão
correspondente à perfeição rítmica com que foram ditas;
f) Quanto às figuras de estilo, encontramos assim construções paralelas,
repetições, marcando o desejo de insistir sobre qualquer representação, intelectual ou
afetiva; encontramos, outras vezes, construções cruzadas, fazendo salientar noções
opostas.
2.0.7 Hortus Sponsi: Sobre a teoria das correspondências
Comentando sobre a teoria das correspondências, Gomes (1998, p.19) cita um
fragmento da obra Du ciel et de l´enfer do místico sueco, Emmanuel Swedenborg,
dizendo que tudo na natureza teria um sentido simbólico e tudo manteria estreita
correspondência com o mundo celeste:
Todas as coisas que existem na natureza, desde o
que há de menor ao que há de maior, são correspondências. A
razão para que sejam correspondências reside no fato de que
o mundo natural, com tudo o que contém, existe e subsiste
graças ao mundo espiritual, e ambos os mundos graças à
Divindade.
Assim, na literatura medieval, esses predicativos na frase manyar e meezinha
possuem uma capacidade sugestiva, dão musicalidade e expressividade à Divindadesujeito, nome Jhesu, garantindo um ideal de mundo medieval, aproximando-se das
características do Simbolismo bem posterior, lógico que na poesia.
32
Assinala sobre o Simbolismo, Gomes (1998, p.15) dizendo que a essência
misteriosa das coisas só é possível de ser captada pela palavra evocadora, pela palavra
que supera a limitação da linguagem comumente utilizada pelos homens.
É o que justifica em termos literários, simbolicamente falando o título Orto do
Esposo, em que o primeiro Orto refere-se ao mundo terreno e o segundo Esposo ao
mundo celeste. E é essa a razão que justifica a biografia do termo que abre este capítulo.
Considerando-se o conteúdo da citação de Gomes, filologicamente falando , vale
destacar que temos um caminho contrário na escola Simbolista com o método Palavras
e Coisas, mais especificamente, como diz Ilari (1999, p.31) que os estudiosos da língua
considerem com mais interesse as “ coisas”, em oposição a uma tradição que se
preocupou exclusivamente com as palavras.
Para o mesmo pesquisador:
a onomasiologia, consiste no levantamento de todas
as expressões que designam um mesmo objeto ou conceito.
Este estudo leva naturalmente a representar o vocabulário
como um conjunto de “campos semânticos” estruturados por
relações de sinonímia e oposição.
Assim, as relações entre manyar e meezinha são “sinonímicas” da expressão
nome Jhesu.
A onomasiologia para Bassetto (2001, p.76):
é o estudo das denominações, se propõe a investigar os
vários nomes atribuídos a um objeto, animal, planta, conceito
etc, individualmente ou em grupo, dentro de um ou vários
domínios lingüísticos. Seus objetivos são, portanto,
semânticos e lexicológicos, buscando descobrir os aspectos
vivos e as forças criadoras da linguagem.
33
As relações de sinonímia e oposição manifestam-se na estética simbolista para
Swedenborg, citado por Gomes (1998, p.20) os animais da terra em geral
correspondem às afeições; os que são dóceis e úteis, às afeições boas; os que são
selvagens e inúteis às afeições más.
Vale frisar que tais relações são bem explícitas e dispostas na estética da
literatura medieval nestes pares de opostos.
Parece ser esta a utilidade da obra: hũũ liuro dos fectos antygos e das façanhas
dos nobres barõees e das cousas marauilhosas do mũdo e das propiedades das animalias.
Com essa passagem, citada por Maler (1964, p.21), fica evidente um destaque e
conseqüentemente uma preocupação do autor implícita com as propiedades das
animalias que para a estética simbolista essas propriedades correspondem às afeições.
É interessante notar esta aproximação de duas escolas distanciadas no tempo e
no espaço que complementam-se em um eixo temático comum: a questão da divindade
e do religioso.
Assim, Gomes interpreta Swedenborg, dizendo que descarta a idéia de que os
objetos do real tenham um sentido em si; na realidade, não passam eles de símbolos do
mundo espiritual, da Divindade.
Para Maler (1964, p.21), o autor na composição da obra mistura o profano com o
espiritual:
trabalhei-me de fazer este liuro das cousas cõteudas
ẽnas Escripturas Sanctas e dos dizeres e autoridades dos
doutores catholicos e de outros sabedores e das façanhas e
dos exemplos dos sanctos homẽẽs. E co esto mesturey as
cousas que me tu demandaste, asy como pude, segundo a
bayxeza do meu ẽtendimento e do meu saber.
34
Outros elementos da natureza terra e água são explorados no Livro II em 14
capítulos , em que se pode citar alguns:
Cap. III.. Das plantas do horto da Santa Escritura. Exemplo.
Cap. VII. Dos frutos do horto da Santa Escritura. Exemplo.
Cap. XII. Dos quatro rios do horto da Santa Escritura: Geon, Físon, Tigre e
Eufrates. Exemplo.
Nota-se que a palavra horto é abundantemente empregada, merecendo uma
atenção, pois no prólogo do referido livro há uma comparação alegórica entre a Santa
Escritura e o Paraíso Terreal, para poder ajudar o entendimento da expressão Orto do
Esposo.
2.0.8 Hortus Sponsi: Sobre mudanças fonéticas no tempo
Citando Niedermann, Leão aborda a mudança fonética do vocábulo Orto:
no começo do período literário latino, o h era mudo.
Justamente por não ser fonema, raramente se escreve na fase
arcaica da língua portuguesa: o h que hoje vemos no início de
horto e huerto é reconstituição, devida aos estudos latinos que
tiveram o apogeu no Renascimento.
Renascimento este, em que Maler (1964, p.23) aborda enquanto período em
Composição e Fontes do Orto do Esposo:
Indiretamente porém podemos dizer que o Orto do Esposo
tem um certo interesse pela história da evolução da
civilização portuguesa. É que a obra revela uma curiosidade
incipiente no público cultivado – e neste público devemos
contar a irmã do autor que lhe encarregou repetidas vezes que
escrevesse o livro – pelas cousas mararauilhosas do mũdo e
das propiedades das animalias, uma curiosidade um apetite
intelectual que podemos considerar como anunciador do
Renascimento e do Século de Ouro português. É pena que
nosso anônimo estivesse ligado demais à sua ideologia
teológica para melhor satisfazer o desejo de sua irmã.
Voltando-se ao aspecto fonético do termo hortus diz Leão (1961, p.56):
35
O italiano conserva o timbre aberto que o latim vulgar dera
ao o breve tônico em português houve metafonia: por
influência do u final fechou-se o timbre da vogal tônica
hŏrtu->hôrto (...) Em espanhol verificou-se a ditongação da
vogal aberta uma das características do vocalismo castelhano:
hortu > huerto.
Citando Pidal, Leão sintetiza: a série de correspondências fonéticas foi a
seguinte: latim clássico ŏ > latim vulgar ó > romance uo, depois ue,contextualizando
com Cintra na obra A linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo, Livraria Sá da Costa,
Lisboa,1959:
Nos foros de Alfaiates, antiga vila portuguesa da região de
Ribacoa, pertencente a Leão até 196 e só então ocupada por
Portugal – foros que remontam à época leonesa – encontra-se
um exemplo de uortho, a par de uertho. Já nos foros de
Castelo Rodrigo – que, embora também se situem quase no
mesmo momento histórico, representam uma mistura do
galego-português e de leonês – pode-se ler, várias vezes, orto
e, uma vez, horto (devendo-se explicar o h inicial pela
presença da grafia latina no espírito do copista).
Houve assim, um emprego cultural do termo orto entre o português, leonês e o
galego-português que possivelmente influenciou e inter-relacionou as formas de hortunas línguas românicas: ital . orto,fr . ant ., prov. e cat. ort , esp. huerto, port horto(arc.
orto),cf. Leão(1961, p.55).
Continuando a abordagem dos aspectos fonéticos no Ibero-romance, diz
Bassetto (2001,p.271):
Na fonética, o português e o galego conservam o
sistema de sete fonemas vocálicos, encontrado também no
catalão e no provençal, ainda que com menor nitidez e
alcance fonológico, particularmente na oposição entre os
pares /e/ e /ẹ/ e /o/ e /ọ/. Por manter clara esta distinção, o
português e o galego desconhecem totalmente a ditongação
espontânea, comum no castelhano (...); observe-se que na
Ibéria apenas o castelhano tem essa ditongação. A ausência
dessa ditongação e a conservação das vogais finais, em
oposição ao catalão, fazem do português( e do galego em
parte) a língua mais arcaizante dentre as línguas da região.
36
É desta língua arcaizante e conservadora nos aspectos fonéticos, que foi
composta com uma grafia também fonética, o discurso religioso no Orto do Esposo,
justificando assim, o título da dissertação – O discurso religioso arcaizante em o Orto
do Esposo: uma abordagem filológica - vindo chamar a atenção para a sua
singularidade de obra enquanto código de linguagem por possuir diversos arcaísmos
lingüísticos relevantes no estudo de uma variedade lingüística do português medieval
que de certa maneira perdura no falar de certos grupos da zona rural e merecem um
tratamento especial pelo pesquisador.
2.0.9 Hortus Sponsi: Do seu “religioso”
Vale salientar que para Jung citado por Nichols (1999, p.297) a origem latina da
palavra “religioso” significa considerar cuidadosamente. Dentro deste ponto de vista,
a abordagem filológica também seria essencialmente um labor religioso, não pela
doutrina religiosa em si, mas sim, pelos cuidados que o pesquisador deve ter e
qualidades que deve possuir na análise dos fatos.
Ao se falar no discurso religioso, Leão (1961,p.57) cita o emprego de Hortus no
evangelho de São João, na Vulgata:
Haec cum dixisset Iesus , egressus est cum dicipulis suis trans torrentem
Cedron, ubi erat hortus in quem introivit ipse et discipuli eius .
Traduzido por: Como tivesse dito Jesus essas coisas, ele saiu com seus
discípulos pela torrente Cedron, onde havia um horto no qual ele mesmo entrou com
seus discípulos.
37
É interessante perceber que até neste trecho da Vulgata os elementos terra –
horto – e água – torrente Cedro – estão harmoniosamente dispostos na composição do
discurso especificando ao nomear a torrente onde havia um horto.
Quanto ao emprego de Horto na literatura medieval portuguesa Leão
prossegue:
Horto teve emprego metafórico na literatura medieval portuguesa, em obras de
tendência moralizante, coletâneas de exemplos e milagres, como o Orto do Esposo. A
imagem se fazia, também, à custa de outras palavras semanticamente aparentadas (...)
A razão do título o próprio autor anônimo explica:
E puge nome a este liuro Orto do Esposo, scilicet Jhesu
Christo, que he esposo de toda fiel alma, porque asy como
emno orto ha heruas e aruores e fruitos e especias de muytas
maneyras para delectaçõ e mãtimẽto e meezinha dos corpos ,
bem asy em este liuro som conteúdas muitas cousas pera
mãtimẽto e deleitaçom e meezinha e cõsolaçõ das almas [dos
homẽẽs] de qualquer condiçom
Para Maler (1964,p.22), a palavra hortus e sinônimos empregava-se muito
amiúde como título de compilações de diferentes classes (...) e Esposo indica
claramente o cunho religioso e místico que o autor quis dar à obra inteira.
Para Leão (1961,p.58), o horto é, pois, o próprio livro, coleção de bons
exemplos que a alma vai colher, para deleite e sustento. A metáfora não foi
dicionarizada.
Percebe-se que o conceito de Leão foi fidedigno ao trecho acima no aspecto
semântico-lexical e Maler foi mais específico quando restringe Hortu como título de
compilações de diferentes classes.
Levando-se em consideração os dois posicionamentos pode-se afirmar que o
Orto do Esposo é um livro que foi elaborado com fins doutrinários por um autor
anônimo que evocou diversas vozes de materiais sacados de diversas fontes, isto é seria
uma obra polifônica em que fosse construída textualmente em linguagem simples a
38
palavra de Jesus, que he esposo de toda fiel alma, assim, metaforicamente falando o
Esposo seria uma imagem alegórica do próprio Jesus , e o Horto seu livro, voltado aos
homens de qualquer condição, ou seja a humanidade. Modernamente, esta metáfora de
Jesus como esposo é reforçada na modernidade em uma encíclica papal Mysterĭum
Fidĕi, O mistério da Fé, registrada e traduzida por Rónai (2002, p.113):
Mysterĭum fidĕi, ineffabĭle nempe Eucharistĭæ
donum, quod a Sponso suo Christo tamquam immensæ
charistatis pignus accepit, Catholĭca Ecclesĭa velŭt
thesaurum, quo nihil pretiosĭus, sancte iugĭter custodivit
eique novam solemnissĭmamque fidĕi et cultus exhibŭit in
Concilio Vaticano II professionem .
De Cristo, seu esposo, a Igreja Católica recebeu a
inefável dádiva da Eucaristia, Mistério da Fé, o mais
precioso dos tesouros, testemunho da caridade imensa,
tesouro que ela guardou com suma veneração, tributando-lhe
nova e solenissima profissão de fé e de culto quando do
Concílio Vaticano II.
O contexto o próprio Rónai esclarece: Primeiras palavras de uma encíclica do
Papa Paulo VI sobre a doutrina e o culto da Santíssima Eucaristia datada de 3 de
setembro de 1965.
No Orto do Esposo, a imagem de Cristo como esposo, aparece no sermão do
capítulo quatro, quando o anônimo cita Salomão:
Outrossy, este nome Jhesu he espantoso, porque ha en sy poderio e dereytura, e
porem aquelles que som direytos amã Jhesu Christo, onde diz Salomõ2 ẽnos Cantares
do Amor, falando do esposo Jhesu Christo: Os que som direitos amam ty3.
Atualizado em:
Também este nome Jesus é espantoso, porque há em si poderio e retidão, e por
isso aqueles que são direitos amam Jesus Cristo, onde diz Salomão nos Cantares do
Amor, falando do esposo Jesus Cristo: Os que são direitos amam a ti.
2
3
B Salamõ.
B a ti, mas a foi entrelinhado por outra mão.
39
Não é por acaso que o autor anônimo dedicou após o prólogo, o livro primeiro,
composto de cinco capítulos intitulados Do nome de Jhesu atualizados neste trabalho
no capítulo anterior, pois esta metáfora Mysterĭum Fidĕi é constantemente retomada
nos discursos não só religiosos, como também na atualidade jornalística.
Em termos macrotextuais pode-se denominar o Orto do Esposo como texto
multíplice,conforme Calvino (2002,p.132), que substitui a unicidade de um eu pensante
pela multiplicidade de sujeitos, vozes, olhares sobre o mundo.
Este é um conceito moderno, como também é moderno o termo que Maler
(1964:22) emprega ao tratar-se da cultura, da leitura e da fama de erudição do autor
anônimo ao chamar de divulgação científica a obra.
Este termo foi bem empregado pois, basta o leitor consultar o vol. III de Maler
sobre a composição e Fontes do Orto do Esposo para se ter uma noção da
grandiosidade e da riqueza do material que o anônimo teve à sua disposição para
compor a obra . Tanto isso é verdade que o próprio Maler afirma: o Orto do Esposo é
um típico representante do gênero ascético moralizante e caracterizado por uma certa
tendência didática e enciclopédica.
2.1.0 Hortus Sponsi: Do seu gênero e estudos retóricos
Quanto ao gênero da obra: o Exempla, bem delineado com o Sermão e os
Exemplos, posiciona-se Reboul (2000, p.57) na Idade Média vai constituir-se uma nova
retórica da narração; desliga-se do gênero judiciário, mas insere-se na da pregação, com
os exempla, histórias geralmente fictícias que ilustram o tema do sermão.
Sobre a maneira de como eram os estudos de retórica , citando Carvalho,
afirma Paiva (1988,p.16):
40
Os estudos de retórica a serviço da religião faziam-se quer pela leitura dos clássicos,
quer através de sermonários, repertórios de textos, coletâneas de exempla (exemploshistorietas, apólogos, parábolas ,fábulas etc e artes praedicandi (artes de pregar) .
Há uma metáfora com Hortus ,- Hortus conclusus - no item c. Escola e Educação
do tema maior Conhecimento, Educação e Instrução no Dicionário de sentenças gregas
e latinas de Tosi (2000,p.180) que significa Jardim cercado:
Essa expressão é usada atualmente para indicar um campo
restrito de trabalho intelectual, em que determinada pessoa é
ciosa especialista; além disso, em italiano,Coltivare il suo
orticello [cultivar o seu jardinzinho] é usado para quem
cuida com inigualável competência de um setor específico,
sem grandes aberturas mentais.
Pode-se afirmar que o autor do Orto apear de anônimo, cultivou seu jardinzinho
pois para Maler deve ter tido uma cultura de certo nível, por dispor de uma biblioteca
bastante rica e variada, composta pelo menos de algumas das obras mais necessárias
para uma orientação na cultura daquela época.
Para Maler(1964,p.21):
Havia nesta biblioteca livros sobre a história da Antiguidade
e dos tempos coetâneos, havia ali vários tratados de caráter
religioso, estudos de filosofia e ciências naturais, coleções de
anedotas e lendas piadosas, florilégios de autoridades
clássicas e patrísticas, etc.
Assim, não se pode refutar a possibilidade do autor ter sido um especialista .
Maler levanta a hipótese dele ter desempenhado no mosteiro de Alcobaça o
magistério.Por ter-se perdido os registros dos membros do convento é impossível
averiguar esta suposição.
Destacando o convento de Alcobaça – possível lugar onde o autor possivelmente
teria sido professor, diz Hauy (1989,p.27-28):
41
Antes do século XIII, além dos cartórios, só nos conventos se
permitia o trabalho de produção dos manuscritos. Em
Portugal, os conventos com oficinas de manuscritos foram
principalmente os de Lorvão, Santa Cruz de Coimbra e
Alcobaça. Neste último formou-se a maior livraria medieval
portuguesa. Representaram também esses conventos os focos
de uma atividade cultural importante, a que se denominou
literatura médio-latinista, monástica ou clerical, responsável
pela tradução do latim, de obras religiosas, morais e
didáticas.
Contextualizando a língua literária no século XV, e conseqüentemente
relacionando língua e cultura no desenvolvimento da prosa, e mostrando o objetivo
específico dos mosteiros de Alcobaça e Santa Cruz na época, destaca Paiva (1988, p.9):
Para o desenvolvimento da língua da prosa contribuíram
diversas fontes, entre as quais as mais importantes foram as
que resultaram de traduções do latim, feitas por religiosos,
principalmente, dos mosteiros de Alcobaça e de Santa Cruz,
centros afamadíssimos de cultura.
Destinadas a instruir e edificar os fiéis sobre assuntos
religiosos, e já não entendendo eles o latim, estudado e
conhecido, na época, apenas pelos clérigos, tais traduções
foram de suma importância para o enriquecimento da
cultura e da língua, mormente pelo fato da alargarem o
vocabulário, fornecerem exemplos de construção sintática e
de tipos de frase, além de outros processos de ampliação de
capacidade expressiva.
Já em Maler(1964, p.34) a habilidade do anônimo como tradutor:
resulta então que o seu domínio do latim, como era de esperar
,é respeitável(...) e com atenção à forte dependência das
autoridades na Idade Média também não se pode excluir a
possibilidade de que o tradutor haja preferido seguir a
expressão lingüística do seu modelo literalmente, até com o
perigo de não serem compreendidas as suas palavras.
Abordou-se a questão da competência do autor em uma área específica. Houve
casos em que o autor não teve grande abertura mental haja vista que nos meados do
século XIV, em razão de diversos acontecimentos históricos, o galego-português cedeu
lugar à língua portuguesa. Cf. Paiva(1988, p.8), tendo que compor sua prosa, seguindo
seu modelo e estilo pessoal.
42
A passagem que permitiu “periodizar”o Orto do Esposo segundo M. Martins,
citado por Maler (1964,p.17) é a seguinte:
aas vezes o aleuãntamento do poboo destrue e desfaz os officiaes e os
poderosos. E como prova disso acrescenta:Esto se faz cada dia, e poucos anos ha que
uimos esto com nossos olhos ẽ estes regnos de Portugal depois da morte delrey dom
Fernando.
Isto significa que o autor anônimo não estava tão ligado assim à sua ideologia
teológica para melhor satisfazer o desejo de sua irmã.,ou seja, posicionou-se
politicamente apesar da forte dependência das autoridades da Idade Média, o que fazse necessário transcrever-se literalmente de Maler a nota de rodapé:
A seguir, o autor fala em Pedro o Cruel de Castilha e é interessante observar
como, em meios clericais portugueses, se julgava a política deste rei.
Assim, como escritor e tradutor, nosso anônimo não era “alienado”
politicamente, então a questão de estar ligado demais à sua ideologia teológica dito
anteriormente por Maler (1964,p.23) é relativa ,pois o autor não podia se expor ao
estender-se no assunto por possível represália das autoridades da Idade Média:
Baseando-nos na argumentação do Orto do Esposo, sobre a
pessoa do seu autor, este permanece anônimo. E não é uma
perda muito sensível. Porque do ponto de vista literário e
histórico o seu livro carece de toda a originalidade. Foi
composto por um homem que mostra na sua obra
pouquíssimo interesse pela sua época e que por isso não nos
ensina nada sobre ela. Fechava os olhos a tudo que o rodeava.
(...) Só por acaso deixa escapar a alusão que nos permite datar
o livro.
A alusão histórica referida por Maler (1964, p.17) atualizada é :
as vezes o levantamento do povo destrói e desfaz os oficiais e os poderosos. Isto
se faz cada dia, e a poucos anos vemos isto com nossos olhos nestes reinos de Portugal
depois da morte do rei D. Fernando.
43
Foi esta situação político-historica que permitiu precisar de certa maneira o
término da composição do Orto do Esposo:
Temos, pois, por esta alusão à sublevação do povo contra a rainha D. Eleonora
Telles, a certeza de que o Orto do esposo foi terminado o mais tarde por volta de 1390,
provavelmente na segunda metade da década 1380-1390.
Sobre não traçar limites rigorosos entre os diversos períodos da língua
portuguesa Hauy (1989, p.19),citando respectivamente Vasconcelos em Lições de
filologia portuguesa e Huizinga em O declínio da Idade Média, aborda:
Uma língua não nasce em dia e hora certa, nem
evoluciona, num momento, de um estado a outro
(Vasconcelos).Todas as vezes que se quis traçar uma linha
nítida de separação entre a Idade Média e o Renascimento,
pareceu necessário ir fazendo recuar essa demarcação. Foi-se
verificando que já existiam desde o século XIII as idéias e as
formas que se estava habituado a considerar características do
Renascimento. E por outro lado o Renascimento, quando
estudado sem idéias preconcebidas, encontra-se cheio de
elementos cujas características são indubitavelmente
medievais (Huizinga).
Sabendo do término da composição obra, pode-se afirmar que o Orto do Esposo
é uma obra de transição tanto lingüisticamente como no âmbito literário, embora ela
seja classificada simplesmente como prosa doutrinal por Spina (1961,p.11):
Entre a produção poética trovadoresca e a dos poetas
palacianos do Canc. Geral medraram outras formas literárias
e outras individualidades, mas de importância secundária: a
prosa doutrinal de caráter religioso em fins do século XIV e
princípios do século XV, cujas obras mais representativas são
o Orto do Esposo, o Boosco Deleitoso e o Livro da Corte
Imperial..
A respeito da prosa, em outro momento, distingue as novelas de cavalaria e
tratados doutrinais da caráter religioso, posiciona-se ao emitir um juízo de valor Spina
(1961,p.19):
A prosa, que ensaia literariamente seu aparecimento em fins
do século XIV e princípios do século seguinte, surge
representada, nesta primeira época, pelas novelas de cavalaria
e pelos tratados doutrinais de caráter religioso; uma, literatura
de ficção, importada; outra, literatura apologética e didática;
aquela mais importante do que esta do ponto de vista estético;
mas ambas produção anônima.
44
Se o Orto do esposo é desprovido de valor estético ou literário; lingüisticamente
, para Maler(1964, p.36)não o é: Seja como for, o estudo da língua do Orto do Esposo
não é desprovido de interesse, sendo esta prosa uma das primeiras tentativas para
formar da língua portuguesa o instrumento flexível que devia chegar a ser no
Renascimento.
Silva Neto (1970, p.417) parece ter a mesma convicção da importância do
estudo da língua no Orto do Esposo, porque, em termos numéricos, dos cinco exemplos
de arcaísmos mais expressivos, ele retirou quatro presentes na obra , em que o primeiro
caso de “arcaísmo” analisado, o substantivo çopo, “coxo”, faz parte do corpus em
análise:
O nome de Jhesu he de muyta uirtude, ca este he o nome que deu uista aos cegos
e ouuydo aos surdos e o andar aos çopos4 e fala aos mudos e uida aos mortos, e todos o
poderio || do diaboo afugentou dos corpos a uirtude deste nome Jhesu.
Atualizado em:
O nome de Jesus é de muita virtude, pois é este o nome que deu vista aos cegos e
ouvidos aos surdos e o andar dos coxos e fala aos mudos e vida aos mortos, e afugentou
dos corpos todo o poderio do diabo em virtude deste nome Jesus.
Para o leitor, o substantivo çopo “coxo”, possivelmente causará estranheza,
embora este substantivo seja dicionarizado. Assim, não seria um arcaísmo, por estar
presente no português moderno, vindo reforçar a tese de que não há arcaísmo referente à
palavra e esse conceito é relativo, conforme visto anteriormente. Para algumas
comunidades rurais, esta palavra é de uso corrente na oralidade, podendo estar em
desuso em outras comunidades.
4
em B outra mão riscou copos e escreveu por cima coxos.
45
Observando-se a nota de rodapé no manuscrito B, forçaria uma atualização para
“corpos”, pela falsa analogia com copos, ou pela palavra corpos estar presente após o
verbo afugentou, pois a repetição do léxico é freqüente na literatura medieval na mesma
oração.
É por esta razão que foram mantidas e corrigidas todas as notas de rodapé, para
que o leitor tenha discernimento da variação lexical, enriquecendo seu domínio
vocabular.Caso desconheça a palavra, pode perfeitamente consultar o glossário do
editor ou qualquer dicionário moderno de português para constatar que há esta forma
coxo para “manco”. Vale destacar que essa palavra é de uso regional no nordeste
brasileiro, vindo reafirmar que a questão do arcaísmo é mesmo relativa, dependente da
cultura e mundividência do leitor.
2.1.1 Hortus Sponsi: Da interação texto e leitor
Ao apresentar uma posição teórica entre a comunicação que se estabelece entre
texto e leitor, Olmi (2001, p.32-3) cita M. Coulthard (1992):
ao produzir um texto que poderá ser lido por milhares de
leitores, o autor não cria para nenhum desses leitores reais.
Pelo contrário, ele constrói um leitor ideal em sua mente,
atribuindo-lhe o conhecimento de fatos, a memória de certas
experiências , suas preferências ou seus preconceitos e um
determinado nível de competência lingüística.
Excetuando-se as autoridades da Idade Média, o leitor ideal da obra seria uma
possível irmã – companheyra da casa diuinal e hũanal -que seria uma freira cf. M.
Martins, Um tratado medievo-português do Nome de Jesus, in Brotéria,50 (1950),
citado por Maler(1964, p.22) que adverte:
Poder-se-ia objetar que não se deve tomar literalmente aquela
asserção do livro lhe ter sido encargado por uma sua irmã.
46
Sabendo-se que o plágio era na época do Orto do Esposo um
procedimento absolutamente natural e espalhadíssimo, não é
impossível que até a pretensão de que o Orto do Esposo devia
o seu nascimento à requisição repetida duma irmãã e
conpenheyra da casa diuinal e hũanal pudesse ser tomada
pelo autor nalguma fonte. Porque sabemos que na livraria dos
monges de Alcobaça figurava um livro intitulado Castello
perigoso, do qual existem hoje dois mss. Na Bibli. Nacional
de Lisboa. Esta obra mística foi acabada em 1368 (v.J. Leite
de Vasconcellos, Crestomatia arcaica, pág 57) e esteve
portanto ao alcance do autor do Orto do Esposo; seria
singular que a não tivesse lido. Ora bem, do Castello
perigoso, ou melhor, do seu original francês Chasteau
perilleux, talvez também conhecido do autor do Orto do
Esposo.(...) Poderia ser que a pretensão exposta no prólogo
de que a obra foi escrita para uma irmãã e conpenheyra da
casa diuinal e hũanal do autor, pera leeres e tomares espaço e
solaz ẽnos dias em que te cõuem cessar dos trabalhos
corporaes, não seja mais do que um plágio, sem fundo real
.Parece-nos difícil crê-lo, mas também não temos a
possibilidade de refutar tal suspeita.
Continuando o raciocínio sobre texto e leitor, diz Olmi (2001,p.33):
A partir desse momento, todos os recursos expressivos
utilizados pelo autor serão selecionados em virtude desse
leitor ideal, de forma que todo texto, ao ser concluído,
definirá seu leitor ideal. Por esta razão, Coulthard define o
tradutor como alguém que, partindo de um texto inacessível a
um determinado grupo de leitores, tenta produzir um novo
texto que seja acessível a esses leitores. Vista por esse
ângulo, a tradução pode dar-se não só de uma língua para
outra, mas também de forma intralingüística . Isto pode
ocorrer com textos arcaicos(...) que não podemos tomar aqui
como traduções, no sentido restrito do termo.
Maler refere-se sobre a curiosidade do público cultivado incluindo o da possível
irmã, cita o Orto do Esposo como pertencente aos começos da literatura didática
portuguesa, para ele quase o único mérito do livro. Porém, o mais relevante em seu
comentário é a afirmação de que a obra gozou de certa popularidade no séc. XV.
Consta-nos, por exemplo, que el-rei D. Duarte possuía um exemplar da obra, e outro o
Condestável D. Pedro.
Implicitamente, Maler (1964,p.24) preocupasse com as relações texto e leitor.
Difundidas muito tempo depois pelos pressupostos da Estética da Recepção , iniciada
na Alemanha, em que defende a idéia em termos gerais de que o sentido de um texto é a
experiência do leitor.
47
Maler levanta, em nota de rodapé, a hipótese de que a obra também pode ter
contribuído à popularidade da obra a abundância das citações de autoridades clássicas.
Assim não se pode excluir a possibilidade de que o Orto do Esposo tenha exercido certa
influência literária e cultural, mas tal influência não se pode demonstrar com certeza.
É exatamente este alcance no âmbito literário que somente estudos sobre a
receptividade da obra , não foi possível verificar e mensurar.
Essa influência literária e cultural, diz respeito à Estética da recepção, na qual,
precisamente, nos diz Eagleton (1997,p.102):
A mais recente manifestação da hermenêutica na Alemanha é
conhecida como a “ estética da recepção”, ou “teoria da
recepção”(...) A teoria da recepção examina o papel do
leitor na literatura e, como tal, é algo bastante novo. De
forma muito sumária, poderíamos periodizar a história da
moderna teoria literária em três fases: uma preocupação
com o autor (romantismo e séc. XIX); uma preocupação
exclusiva com o texto (Nova Crítica) e uma acentuada
transferência da atenção para o leitor, nos últimos anos. O
leitor sempre foi o menos privilegiado desse trio –
estranhamente, já que sem ele não haveria textos literários.
2.1.2 Hortus Sponsi: Do autor anônimo como tradutor
Sobre a questão da tradução e do autor do Orto do Esposo como tradutor
posiciona-se Maler em dois momentos:
Apesar de sérios esforços não achei nesta literatura nenhuma
obra da qual o Orto do Esposo seria uma tradução, e deve-se
descartar-se tal suspeita(...).Consta-nos que o Orto do
Esposo é tradução, não de um livro inteiro mas sim de um
sem-número de citações mais ou menos longas tomadas de
livros e compilações compostos pela maior parte em latim.
No Manual de Filologia Portuguesa, a respeito da Publicação de textos,
posiciona-se sobre o Orto do Esposo, Silva Neto (1977, p.206):
Orto do esposo, tradução ( ? ) portuguesa de Fr.
Hermegenildo de Tancos, manuscrito do códice alcobacence
n º CCXXIII ant. – 198 mod., da Biblioteca Nacional de
Lisboa, fls 1- 1555. Publicam-se trechos Teófilo Braga nos
Contos tradicionais do povo português, Lisboa, 1915, p. 8-9
da 2a. ed., e J. J. Nunes na Crestomatia Arcaica,Lisboa, 1932,
p. 52-53. A respeito desse texto medieval cumpre ler o
substancioso artigo do Pe. Mário Martins na Brotéria,XLVI,
48
1948, p.164- 176. Publicou uma edição crítica o lusófilo
sueco Bertil Maler.
É exatamente a edição crítica de Maler que está sendo levada em consideração
para análise. Até o presente momento, não se tem outra informação se há uma outra
edição crítica da mesma obra feita por outro editor, apesar de esforços neste sentido.
Vale salientar também a questão da dúvida que é evidenciada por Silva Neto na
questão de o Orto ser uma tradução portuguesa feita por Hermegenildo de Tancos.
No posicionamento de Maler há uma ambigüidade sobre este aspecto: ora
negando, ora afirmando que é tradução não de um livro inteiro mas sim de um semnúmero de citações mais ou menos longas tomadas de livros e compilações compostos
pela maior parte em latim.
Parece ser essa idéia truncada de Maler que justifica o uso da interrogação
após a palavra tradução na informação de Silva Neto.
Para clarear a questão do ser ou não tradução: foi dito anteriormente que o
autor escreveu sua obra através de diversas fontes para as quais, ele teve de contribuir
com seu estilo inovando lingüisticamente o latim aos moldes do português. Só que há
um detalhe: as “traduções” foram compostas no nível da frase, da sentença como se
fosse uma colcha de retalhos a que o autor deu uma costura pessoal dispondo no texto
um estilo evocado de várias vozes e não de uma única. Assim , a obra não pode ser
considerada como tradução no sentido específico do termo.
Sobre o autor , exímio tradutor de latim, continua anônimo e esse
Hermegenildo de Tancos a que Silva Neto se refere, seria o copista para Maler.
A própria palavra tradução traz modificações semânticas no tempo e no espaço
da antiguidade aos dias atuais. A este respeito diz Olmi (2001,p.69):
Já temos o latim (interpres, interpretari) que assimila no
mesmo termo a operação realizada sobre a modalidade oral
e escrita. O término da latinidade marcará aproximadamente
a distinção específica entre o intérprete que opera sobre a
língua e o tradutor que trabalha na língua escrita. Essa
49
distinção é válida até hoje, pois trata-se de atividades bem
distintas que operam em bases sempre mais diferenciadas,
até opostas ou contraditórias.
O período da latinidade, posterior ao fonético tratado no início do capitulo
anterior deste trabalho, é chamado de etimológico por Vázquez Cuesta , Luz, (1971,
p.370):
O período etimológico, ou melhor dito pseudo-etimológico, é
pois a adaptação da ortografia grega e latina que se levou a
cabo com um total depreciação pela fonética destas línguas e
em ocasiões com pedante ignorância, caracterizando-se pela
tendência em deixar a escrita da pronunciação para fazê-la
retroceder até a sua origem.
Ainda que esta prática havia começado já bastante antes em
um pequeno grupo de palavras e especialmente em obras
traduzidas do latim (escripto por escrito, feicto por feito,
nocte por noite, reigno por reino), é com os escritores e
impressores do Renascimento que alcança o máximo vigor,
perdurando, no entanto, até quase nossos dias.
Foi exatamente a escrita etimológica que praticou o anônimo produzindo uma
obra pelo seu próprio punho utilizando-se na escrita uma ortografia ou voz fonética,
com inovações na língua portuguesa na transposição de palavras do latim ao português
que no processo de leitura pode-se perceber e caracterizar muitas formas de latim
modificado , ou seja, formas conservadoras na escrita de determinadas palavras,
embora o período fosse fonético. Por isso, deve-se ter cautela ao tratar sobre
periodização de uma maneira rígida.
Para Maler (1964, p.34)
por meio da comparação com o latim, podemos ver de vez em
quando como o tradutor pugna por dar voz portuguesa a
uma voz latina que ele não podia ou não se atreveria a
trasladar tal qual. Assim para traduzir ineffabilis não pode
achar melhor do que que ele nõ sabia falar nem dizer.
A referida passagem refere-se ao penúltimo exemplo do capítulo I do corpus:
E emduzia os outros que creessem aquello meesmo, marauilhando-sse muito como se
uia assy mudado e dizendo e jurando que era mudado e tragido aa ffe de Jhesu Christo
per hũa uirtude que el nõ sabia falar nem dizer. E asy foy fecto fiel per este nome Jhesu.
50
Sendo atualizado assim:
E induzia os outros que naquilo mesmo, maravilhando-se muito como tinha mudado e
dizendo e jurando que estava mudado e trazido à fé de Jesus Cristo por uma virtude que
ele não sabia falar nem dizer. E assim foi feito fiel por este nome Jesus.
Se respeitarmos e conservarmos a voz latina ficaria:
E induzia os outros que naquilo mesmo, maravilhando-se muito como tinha mudado e
dizendo e jurando que estava mudado e trazido à fé de Jesus Cristo por uma virtude
inefável. E assim foi feito fiel por este nome Jesus.
Percebe-se nesta passagem que o autor fez uma escolha tradutória, preferindo
substituir a palavra do latim ineffabilis > port. inefável, que quer dizer inexprimível; por
uma oração introduzida pelo pronome que: que el nõ sabia falar nem dizer, com valor
semântico de explicação e reforço pela redundância (falar...dizer). Assim, fica claro que
foi possível no período do português arcaico, aplicar formas analíticas a partir de uma
única palavra sintética , no desenvolvimento de um raciocínio que poderia ficar
incompreensível ao leitor, se fosse conservada o sintetismo da palavra .
Em Fontes do léxico português, de acordo com Vázquez Cuesta; Luz, (1971,
p.285):
o núcleo principal do vocabulário português está constituído
por palavras que são provenientes do latim. Destas, umas
entraram em época remota – apreendidas diretamente dos
lábios dos colonizadores pelos primeiros habitantes da
Península – e outras foram tiradas dos escritores clássicos e
introduzidas artificiosamente na língua, não sofrendo já
nenhuma ou maior parte de alterações fonéticas normais
nela. São os chamados latinismos ou cultismos.
Há uma introdução rara de latinismo e sobre este aspecto diz Maler (1964,
p.36):
Só alguma vez é que cremos surpreender nele – o autor – alguma tendência neste
sentido, como quando admite tal qual a palavra.
51
Em outras palavras, no exemplo anterior o autor substituiu uma palavra por
uma expressão, valendo-se de uma forma inovadora; já no exemplo a seguir ele
mantém a forma conservadora da expressividade da palavra latina fluxus > port. fluxo
não desenvolvendo em frase ou em expressão desenvolvida, no sermão do capítulo
terceiro:
Ca este nome, chamado, tyra o temor e da forteleza, refrea a sanha e5 amãsa o
jnchaço da soberua e saa6 a chagua da ẽveia e restringe o fluxo da luxurya e apagua a
chama della e tempera a sede da auareza e afugenta todo o proydo do deseio de toda
torpidade.
Atualizado em:
Porque este nome chamado, tira o temor e dá fortaleza, refreia a ira e amansa
o inchaço da soberba e sara a chaga da inveja e restringe o fluxo da luxúria e apaga a
chama dela e modera a sede da avareza e afugenta todo o prurido do desejo de toda
torpidade.
Sobre o quase único mérito da obra, expresso por Maler de pertencer aos
começos da literatura didática portuguesa destacando que do ponto de vista literário e
histórico o livro carece de originalidade, já foram feitas anteriormente diversas
considerações complementadas na posição de Spina sobre valor estético, etc., sendo
difícil e penoso precisar e construir uma abordagem que leve em consideração os
pontos de vista de uma maneira integral. É o que justifica a dificuldade de subdivisão
deste próprio capítulo, pois não se pode dividir caminhos que percorrem juntos:
lingüístico e literário, um desencadeando no outro em conjunto, naturalmente na
formação e mudança da língua portuguesa, e na formação de uma língua nos moldes
da prosa religiosa didática .
5
6
falta em B.
mão posterior modernizou em B saa em sara.
52
Se a obra não possui relevância em um ou outro aspecto, do ponto de vista
lingüístico, ela merece destaque, e sobretudo no que diz respeito à construção da frase,
que também possui seus aspectos e critérios específicos. Isto será desenvolvido no
próximo capítulo.
Quanto à construção da obra, posiciona-se Maler (1964, p.36)
o autor tinha pouquíssimos modelos vernáculos em que
estudar a maneira de expressar um raciocínio um tanto
complicado; o que achava ao seu dispor foram crônicas,
lendas e talvez alguma narrativa de aventuras, escritas todas
elas num estilo que não convinha ao seu propósito. Por
conseguinte tinha de elaborar ele mesmo a sua prosa, coisa
que seguramente não era fácil.
Quando Maler fala de modelo vernáculo, parece dizer respeito implicitamente
ao critério lingüístico: questões de escolha e disposição dos textos, tradução de partes
dos mesmos, etc, quando se trata do labor literário e da construção e classificação
como prosa propriamente dita, entramos no âmbito literário, que em conjunto constituise a essência da filologia de extrair o conteúdo dos textos em sua integralidade,
respeitando-se forma em que estes se apresentam, como também a apresentação e
construção do seu conteúdo.
Parece que é assim que se deve encarar os estudos filológicos na modernidade,
observação das variáveis conjuntamente com suas circunstâncias, devendo-se ter
cautela na emissão de determinados juízos de valor, e quando emiti-los, deve-se fazê-lo
por respaldo teórico consistente e confiável, que convide o leitor a percorrer e entender
o raciocínio dos autores e editores das obras, não só aceitando e respeitando os
respectivos posicionamentos, mas percebendo outros não vistos na construção de um
espírito crítico via leitura, objetivo do ensino de língua e literatura . Este cuidado é
requisito de suma importância quando se trata de uma obra religiosa da Idade Média,
em que muitos teóricos se mostram preconceituosos não achando relevante estuda-las,
e pior colocar os estudos que se voltam a estas obras em uma posição marginal, fato
53
que ocorreu com a Filologia enquanto disciplina e os estudos filológicos e a aceitação
e eleição da lingüística . Sobre esta diz Olmi (2001,p.84)
Os postulados básicos da lingüística serão
certamente de grande utilidade para observar aqueles
aspectos detectados em todas as línguas estudadas (alguns
milhares até hoje). Apesar de estruturalmente diferentes,
todas as línguas possuem um denominador comum: todas
querem dizer “ quase as mesmas coisas”. Quase, porque em
cada cultura certas “verdades” ou conceitos são vistos sob
óticas diferentes: basta observar as formas idiomáticas, os
provérbios, as gírias, por exemplo, de modo que o tradutor
precisa pôs em ação todo o seu conhecimento lingüístico e
cultural voltado para aquela língua, a língua a ser por ele
traduzida, assumindo posições e tomando decisões próprias.
A observação acima é estendida e valida também ao editor do texto como
também ao filólogo analista das edições de textos arcaicos ou clássicos.
Há um questionamento sobre o trabalho de tradução que harmoniza-se com o
trabalho filológico em Olmi (2001, p.69):
Será a exegese religiosa a conduzir o trabalho da tradução
para uma definição cada vez mais apurada que terá por base
as diversas categorias tradutórias: versão, versão linear,
interpretação, paráfrase, passando à retórica formal clássica
e sobrevivendo até o início do século XIX, no meio de
acaloradas discussões, tendo em vista a natureza do processo
que configura um problema duplo: literário e lingüístico.
Duplo porque o Orto do Esposo traz questões primordiais de cunho literário, como
iniciação à literatura didática portuguesa , recepção da mesma, periodização literária,
autoria e outras questões de gênero discursivo; e lingüístico, sobre a formação da
língua portuguesa desmembrando-se do galego-português, periodização lingüística,
construção das frases e orações no período arcaico, conceito de arcaico , ordem das
palavras do português arcaico e etc.
A resposta é sim , acrescentando-se o triplo: o filológico, de acordo com a
natureza e o tipo de estudo específico empreendido. Foi esse o critério que pesou mais
no estabelecimento do livro I, composto de 5 capítulos.
54
2.1.3 Hortus Sponsi: Sobre sua edição corrigida, tendências e critérios
O leitor tem em mãos uma edição corrigida, embora Maler (1964,p.5) diga que
felizmente, as erratas, na maioria dos casos não prejudicam a compreensão do texto.
Foram observadas e feitas as correções propostas pelo editor, tanto nas notas
de rodapé como no corpus do texto, em respeito ao leitor ou pesquisador interessado,
dispensando-se as diversas consultas em erratas.
As correções são necessárias, pois , quanto mais se distanciar do texto, mais
erros se cometem, principalmente nas variações de escrita nos manuscritos A e B
expressas nas notas.
Quanto ao plano da edição de Maler, ele adota para a transcrição do texto as
normas aconselhadas por Serafim da Silva Neto e outros.
Ideologicamente, essa posição pode perpassar uma tendência conservadora,
principalmente sobre a alteração dos elementos fonéticos do texto na grafia. Veja-se o
que diz Picchio (1979,p.253):
No campo das edições de texto em prosa, a tendência “conservadora” tem um
esforço paladino no filólogo brasileiro Serafim da Silva Neto, o qual aceita as normas
fixadas já por Leite de Vasconcelos.
Sobre a edição crítica do Orto do Esposo adotado especificamente, a
pesquisadora não faz nenhum juízo de valor, ela recorda Maler e se refere como edição
de prosa religiosa.
A propósito dos problemas que dizem respeito aos critérios de publicação,
apresenta as tendências, Picchio (1979, p.250):
Aqui, como noutros setores, opõem-se , em infindas
gradações, os adeptos de duas tendências: da que deseja
uma edição textual absolutamente aderente ao original, até
no aspecto gráfico, e da que quer um texto que seja
inteligível ao leitor moderno, graças a recursos gráficos que
55
não incidam no entanto na específica realidade fonética do
texto transcrito.
Quanto à fidelidade do texto, a postura seguida por Picchio (1979, p.250) é a
de evitar-se o uso do adjetivo fiel, não se posicionando ou tomando partido a favor ou
contra certa tendência:
Pois ambas as escolas entendem , cada uma a seu
modo, ser escrupulosamente fiéis ao original. A primeira na
medida em que dele não se afasta a não ser dentro dos
limites do indispensável (separação de palavras, desfazer de
abreviaturas, adoção da maiúsculas para nomes próprios,
pontuação); a segunda porque, considerando o sinal gráfico
estreitamente ligado a uma realidade contingente, apresenta
ao leitor de hoje um texto transcrito de tal modo que, no
caso,hipocritamente convencional, de o autor poder ouvir a
leitura.
Sobre essa “peleja” das tendências, diz Picchio (1979,p.251):
Objetam os adeptos da primeira tendência à
segunda: um texto vale como realidade histórica,
simultaneamente fonética e gráfica; qualquer alteração a um
arbítrio injustificado e injustificável. Contrapõem os
segundos: no momento em que a técnica moderna nos
permite reproduzir os textos mecanicamente, qual a
vantagem de uma edição crítica que não se distingue
praticamente de uma transcrição diplomática? A realidade
gráfica é irreproduzível enquanto ligada a hábitos
individuais do copista, não reproduzíveis com recursos
tipográficos, não esquecendo que ela se destinava antes do
mais à leitura, e que essa leitura deve ser facilitada, e não
dificultada, pela convenção gráfica.
Fechando a discussão, Pichio admite que essas tendências ou escolas nos
legaram excelentes e exemplares edições e já estavam condignamente representada em
Portugal entre os grandes mestres de começo do século pelo posicionamento das
“normas”, a exemplo de Carolina Michaëlis que uniformiza a grafia na edição do
Cancioneiro da Ajuda.
Quanto às normas conservadoras “opostas” as de Carolina, Picchio
(1979,p.252) cita Leite de Vasconcelos:
Leite de Vasconcelos é absolutamente explícito na
defesa da tese oposta: “No nosso país...está...enraizado o
56
preconceito de que os livros antigos, quando se reimprimem,
devem ser totalmente modernizados na fonética e nas flexões,
para que o público os possa saborear. Tal preconceito
todavia, é imbecil e fútil: é imbecil, porque cada livro
representa o estado mental da sua época – e alterar a língua
dele corresponde a dar da época idéia falsa; é fútil, porque
em Portugal o povo não sabe ler, e as pessoas de pouca ou
até mediana instrução não lêem senão jornais de 10 réis e
cartazes de espetáculos. A edição de um livro antigo é
unicamente destinada a indivíduos de certa educação
intelectual, e para que esses entendam o que lerem não se
torna necessário cometer barbaridades nos textos”.
Espera-se que com essa discussão preencha a lacuna no capítulo anterior deste
trabalho, quando foram apresentados o Livro I, composto de cinco capítulos
atualizados, e as normas de transcrição sem um comentário que situasse o leitor ou
pesquisador interessado a respeito do estabelecimento e das edições de textos antigos
portugueses.
Assim, recomenda-se ao público interessado, a leitura integral do artigo de
Picchio, já citada, intitulado A margem da edição de textos antigos portugueses,
respaldado na bibliografia de Maria Adelaide Valle Cintra, na segunda edição da
coleção do “ Centro de Estudos Filológicos” de Lisboa . Como também o Plano da
edição e Notas Preliminares no Glossário da edição de Maler.
Sobre as normas seguidas conclui Picchio:
Nos últimos trinta anos, as normas seguidas na edição de textos arcaicos
conheceram todas as gradações, desde a fidelidade infiel à infiel infidelidade.
Sobre os manuscritos, Maler estabelece o seguinte esquema:
O (original perdido)
|
X (perdido)
⁄
\
A
B
57
É de extrema relevância que o leitor se familiarize com as alternâncias de
escrita nos manuscritos A e B indicadas freqüentemente nas notas de rodapé, pois
podem indicar variações em curso, abrindo uma gama de possibilidades de estudos
textuais. Sobre essa área de estudo , diz Faraco (1998, p.120):
depreender variações na grafia e na estrutura de textos
antigos ou mesmo correções em manuscritos do passado ( o
escritor ou copista poderia estar se corrigindo para evitar
uma forma estigmatizada em seu tempo) é valioso indicador
de uma fase de mudança em progresso no passado e,
portanto, pode contribuir para a delimitação de fases
intermediárias, iluminando o problema da transição.
É por esta razão que houve a necessidade de corrigir-se as notas de rodapé da
edição de Maler, como também no próprio corpus e juntamente com as normas de
transcrição, de difícil acesso, oferecem suporte aos interessados à análise de variação
nos textos históricos, como também uma linha de crítica textual, denominada crítica
genética que se vale dos conhecimentos filológicos da Edótica, mas com outros
propósitos ligados à gênese do texto e seu processo “psicológico” de criação.
Capítulo 1
1.0.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
58
NORMAS DE TRANSCRIÇÃO PARA TEXTOS MEDIEVAIS PORTUGUESES
Maria Helena Lopes de Castro, Isabel Vilares Cepeda, Virgílio Madureira, Ivo José de
Castro
(Lisboa)
SUMÁRIO: 1. Vocalismo; 2. Consonantismo; 3 Oscilações gráficas; 4. Intervenções do
editor; 5. Particularidades dos textos originais.
1. Vocalismo
1.1 – Vogais simples
1.1.1
– Orais:
u e i quando aparecem com valor consonântico, serão transcritas,
respectivamente, v e j.
Ex.: salvo por saluo ; igreja por igreia.
Y: em todos os casos será transcrito i; excepcionalmente, poderá valer j e, como
tal, será transcrito. Ex.: mim por mym ; igreja por ygreya.
1.1.2
– Nasais:
1.1.2.1.- em sílaba interior:
a) antes de consoante: serão transcritas por vogal seguida de m ou n, mesmo
quando no original aparecem representadas por vogal com til.
Ex.: campo por campo, canpo ou cãpo, emmigo por ẽmigo ou emmigo; anno por
ano ou ãnno, vento por vemto , vento ou vẽto.
b) antes de vogal de timbre diferente: serão representadas por vogal com til, quer
seja esta a grafia original, quer no texto original a nasalidade esteja representada por
uma consoante nasal.
59
Ex.: lũa por lũa ou luna; jejũemos por jejunemos ; ẽader por emader, enader ou
ẽader.
1.1.2.2.- em sílaba final: transcrever-se-ão por vogal seguida de m:
-ã, -am, -an : -am
-ẽ, -em, -en : -em
-ĩ, -im, -in : -im
-õ, -om, -on : -om
-ũ, -um, -un : -um
Ex.: pam por pã , pam ou pan; etc.
1.2 – Vogais geminadas
1.2.1.1- etimológicas: serão mantidas em todos os casos em que se encontrarem no texto
original. No caso de haver oscilação entre formas que mantêm essas geminadas e outras
que as simplificam , conserva-se-á a referida oscilação.
Ex.: padeiro, aa << à >>, aaquela << àquela>>, creer ; seerei e serei, etc.
1.2.1.2. – não etimológicas: serão sempre transcritas como vogais simples,mesmo que,
para alguns textos, se possa suspeitar que, na intenção do escriba, a geminação
representava abertura ou tonicidade da vogal.(Em alguns casos, o fato será devidamente
registrado na Introdução.)
Ex.: taes por taaes, ó ou oh por oo, doe por dooe, ceo por ceeo, som por soom
(< SUM).
1.2.2 – Nasais
1.2.2.1 – etimológicas:
60
a) em sílaba interior, antes de consoante: serão transcritas como vogais duplas,
seguidas de m no caso de virem antes de consoante labial, e de n nos restantes casos.
Ex.: peendença por pẽedença ou peendença; viindo por vĩindo ou viindo;
voontade por võotade ou voontade.
Serão porém mantidas oscilações como viindo (vogal dupla seguida de
consoante nasal) e vĩindo (vogais geminadas das quais pode ser apenas a primeira, por
no manuscrito o sinal de nasalidade vir apenas na primeira das duas vogais).
b) em posição final,seguidas ou não de s : serão transcritas por vogal geminada
com til, mesmo que no original se apresentem seguidas de m ou n (o til será sobreposto
a ambas as vogais):
Ex.: cristãa e cristãas, homẽe e homẽes, bõo e bõos, algũu e algũus.
Nota – Nos casos da 3a. pes dos verbos creer , leer e veer, por não ser nasal a primeira
das duas geminadas, segue-se a norma indicada em 1.1.2.2
Ex.: creem por crẽe, leem por lẽe, veem por vẽe.
1.2.2.2. – não etimológicas: serão transcritas como vogais simples nasais.
Ex.: cristãos por cristãaos, ũa por ũua.
1.3 Ditongos nasais, em posição final, seguidos ou não de s: serão transcritos por vogal
seguida de o, e ou i com til sobreposto a ambas as vogais.
Ex.: irmão por irmaom ou irmaon , homẽis por homeins.
2. – Consonantismo
2.1 – Consoantes simples
2.1.1 – g :
61
a) seguido de e ou i
se corresponder à oclusiva, será transcrito gu; se corresponder à fricativa,
quando for etimológica, manter-se-á como no original; nos casos em que não o for, será
transcrito j.
Ex.: Migueel por Migeel; majestade por magestade.
b) seguido de a, o ou u
se corresponder à fricativa palatal, transcrever-se-á sempre j.
Ex.: alojado por alogado, anjo por ango.
Se corresponder à oclusiva, será mantido. Os dígrafos gu ou go , nesta mesma
posição, com valor de oclusiva, serão reduzidos a g ( ex.: sigades por sigades), a não
ser em palavras de étimo germânico (como guardar e goardar, guanhar e goanhar) em
que tais letras w ou o corresponde ou pode ter correspondido, a semivogal u. Quando
em palavras de étimo germânico, se encontrar o dígrafo go, será este transcrito por gu .
Ex.: guardar por goardar, guanhar por goanhar.
2.1.2 – qu, se for dígrafo, seguido de a ou o, será transcrito c . Ex.: ca por qua; cinco
por cinquo.
2.1.3. – h:
a) inicial etimológico: será conservado, se o original o tiver grafado; se for faltar
no original, será restituído.
Ex.: haver por aver.
Nota: de acordo com a grafia atual, o h inicial etimológico não será restituído
em casos como o de erva.
b) inicial não etimológico : será suprimido.
Ex.: é por he
62
c) se indicar hiato intravocabular mantém-se, seja ou não etimológico.
Ex.: Comprehender , veheste; mas desonor por deshonor.
d) quando tiver , ou tiver tido, o valor da semivogal i, será mantido:
Ex.: termho, saibha, superbha.
e) associado a uma consoante: será mantido em lh e nh
Nos outros casos, será suprimido (mesmo nos dígrafos greco-latinos th, ch).
Quando o dígrafo ch tiver valor de oclusiva velar surda, antes de e ou i , será
substituído por qu
Ex.: teologia por theologia , arca
por archa; querubim
por cherubim,
monarquia por monarchia.
2.1.4 - j e v , quando aparecerem com valor vocálico, serão transcritos
respectivamente i e u.
Ex.: ainda por ajnda , uvas por vuas.
2.1.5 – sibilantes
2.1.5.1 – etimológicas : respeitar-se-ão as grafias dos manuscritos mesmo nos
casos em que divirjam da atual ortografia.
Ex.: çujo; çarrar.
2.1.5.2. – não etimológicas: será restituída a forma etimológica, não se deixando
em caso algum de registrar e chamar a atenção, em nota , para a forma do manuscrito.
Ex.: serviço por çerviço, acendido por asendido , promessa por promeça.
63
2.1.5.3.- de etimologia e/ou pronuncia duvidosa: manter-se-ão as formas do
manuscrito original, com todas as oscilações que nele por ventura se encontrarem.
Ex.: mesquinho e mezquinho, cinsa e cinza ; consciência e conciencia ,
formosa e formossa
2.1.6 – implosivas
2.1.6.1 – etimológicas: serão mantidas, mas não restituídas, se faltarem.
scriptura e scritura, sancto.
2.1.6.2. – não etimológicas : suprimir-se-ão:
Ex .: escrever por esprepver , damno por dampno , coluna por colupna.
2.2 . – Consoantes geminadas
2.2.1 – em posição inicial: reduzir-se-ão a simples:
Ex.: façamos por ffaçamos.
2.2.2.- em posição medial: reduzir-se-ão a simples, exceto ss e rr , com valor,
respectivamente, de sibilante surda e de sibilante múltipla.
Também se excetuam os casos previstos em 1.1.2.1 a)
Ex.: pecado por peccado ; ofereço por offereço.
2.2.3.- R : no interior de palavra, com valor de vibrante múltipla, será transcrito
rr:
r: no interior de palavra, representando o r múltiplo: será restituída a geminada.
64
Ex.: terria por teria ; terra por terá
2.2.4. – ss e rr : depois de consoante gráfica, serão reduzidas a simples de acordo
com a ortografia atual.
Ex.: consigo por conssigo ; honra por honrra.
2.3- Grupos de consoantes
a) gn: manter-se-á. Se houver alternância com n ou in ,será mantida essa
alternância.
b) ct, precedido de vogal: transcrever-se-á it ou ut , se a forma vocalizada
aparecer documentada, ou a rima o exigir, no texto original.
Ex.: noite por nocte ; trautado por tratado.
c) pt, precedido de vogal: proceder-se-á de modo análogo ao da alínea anterior.
Ex.: aceitar por aceptar ; bautizado por baptizado . No entanto manter-se-á a
grafia do texto original em todos os casos em que a natureza e/ou emprego da própria
palavra justificar uma hesitação.
Ex.: refectoiro; fructuosa.
3- Oscilações gráficas
a) nos casos não expressamente indicados, transcrever-se-ão as oscilações que os
textos originais apresentarem.
Ex.: o caso das vogais geminadas orais não etimológicas, referido em 1.2.1.2 e o
caso das sibilantes de etimologia duvidosa, referido em 2.1.5.3.
b) no caso em que a mesma palavra apresente oscilação gráfica e abreviatura,
esta será desenvolvida segundo a maior freqüência da forma completa.
65
Ex.: capítulo, capitolo; discípulo, discipolo, disciplo; omnipotente, onipotente,
õipotente.
4 – Intervenções do editor
4.1.- Separação e reunião de palavras
4.1.1.- Separação:
a) de acordo com a ortografia atual, separar-se-ão as palavras que apareçam
unidas no texto original.
Ex.: a tempo por atempo ; em que se por enquesse.
b) formas que na ortografia atual aparecem unidas separar-se-ão para evitar
possível ambigüidade de leitura.
Ex.: em na por ẽna ou enna, nem ũa por nẽhũa; sam mente por sammente.
c) hífen: usar-se-á no caso das apoclíticas.
Ex.: di-me por dime ; sai-se <<saiu-se>> por saise
d) apóstrofo: usar-se-á em casos de elisão da vogal final de um vocábulo em
contato.
Ex.: d’ Espanha por despanha.
4.1.2.- Reunião:
a) segundo o uso atual, unir-se-ão palavras que no texto original apareçam
separadas, a não ser que o sintagma que elas constituem tenha uma valor semântico
nitidamente diverso do que tem na língua contemporânea.
Ex.: todavia por toda via , com o sentido atual; mas toda via, em duas palavras,
com o sentido de <<constantemente>> , << de toda a maneira >>; porem (sentido atual)
e por em << por isso>>.
66
b) hífen: utilizar-se-á nos casos consagrados pela ortografia atual.
Ex.: ha-de por ha de ou hades ; bem-aventurado por bem aventurado
ou
bemaventurado.
4.2. – Acrescentamentos, supressões e substituições.
4.2.1. – Os acrescentamentos que o editor do texto considerou necessários serão
insertos em itálico, e anotados, na sua leitura crítica:
a) acrescentamentos pedidos pelo contexto:
Ex.: os seus] o seus
b) apoiadas por outro texto:
Ex.: eu sei] lac A; eu sei B.
4.2.2.- As supressões consideradas necessárias serão feitas no texto e sempre
indicadas em nota:
a) supressões pedidas pelo contexto:
Ex.: corações] corarações.
b) apoiadas por outro texto:
Ex.: o mais velho] o mais velhos A; o mais velho B.
4.2.3. – As substituições necessárias serão feitas no texto crítico; a versão do
texto original virá no entanto, sempre guiada em nota.
Ex.: O caso referido em 2.1.5.2.
4.3.- Maiúsculas: será geralmente seguido o uso da ortografia atual.
67
Ex.: Grecia por grecia ; Deus por deus; etc.
4.4. – Acentuação gráfica: será introduzida apenas:
a) nos homógrafos verbais.
Ex.: cantara e cantará;
b) em esdrúxulos cuja pronúncia possa inspirar dúvidas, em casos como
postumária por postumaria.
c) na forma é do verbo ser.
d)
Em alguns outros casos de possível ambigüidade: sô << sob>>, mas so
<<só >>.
4.5.- Pontuação: sem deixar de ter em conta, se possível, a pontuação dos textos
originais, introduzir-se-á pontuação moderna que facilite a compreensão do texto.
4.6.- Parágrafos: abrir-se-ão sempre que, tal como a pontuação, facilitem a
compreensão do texto, tendo apenas em relativa conta os caldeirões dos textos originais.
5.-Particularidades dos textos originais
5.1. – Abreviaturas: serão resolvidas sem qualquer indicação especial.
5.2.- Notas: se pertencerem ao texto original ( o que se verifica pelo contexto e
pela letra), serão transcritas no corpo do texto e indicada a sua extensão no aparato
crítico; se forem de outra mão, serão apenas transcrita em nota.
68
5.3.- Entrelinhados: se forem da mão que escreveu o original, serão
incorporados no texto e indicar-se-á em nota a extensão do entrelinhado; se forem de
outra mão, apenas se transcreverão em nota.
Ex.: com] m entrel.
5.4.- Rasuras: Serão transcritas no texto, se forem da mão original, e será
anotada a particularidade; se forem de outra mão, serão apenas anotadas.
Ex.: homẽes] sobre...ras.
Este lugar ] entre este e logar, aqueste ras.
Rasura aproveitando alguma letra:
Ex.: convertudo] u ras. em i
Rasura ilegível não emendada:
Ex.: os homẽes] entre os e homẽes ras. de n. espaços.
Rasura ilegível emendada:
Ex.: homẽes] sobre ras.
5.5.- Letras ou palavras riscadas: serão assinadas em nota.
Ex.: seta] setas: s risc.
5.6.- Letras e abreviaturas duvidosas ou ilegíveis: as interpretações duvidosas
serão assinaladas com ponto de interrogação entre parênteses no texto e indicadas em
nota; do que não for possível ler, será indicada em nota a extensão de n espaços.
5.7.- Lacunas:
a) as de sentido serão assinaladas no texto por meio de (...), e em segunda ordem
de notas será indicado o possível conteúdo delas.
69
b) das lacunas materiais ou espaços em branco será apenas indicada a extensão
na primeira ordem de notas:
Ex.: os homẽes] entre os e homẽes: lac. de n. espaços.
5.8.- Mudanças de fólio e de coluna: será assinalada por um traço obliqúe, no
texto, e na margem interior, pelo número de fólio, seguido, conforme os casos, de uma
das letras a,b,c ou d, correspondentes às várias colunas, ou de uma das letras r ou v,
correspondentes às páginas.
70
[DO NOME DE JHESU]
[CAPITULO PRIMEYRO]
Ihesu Christo he uirtude e sabedorya de Deus Padre, e em elle som guardados e
escondidos todollos thesouros da sciencia e sabedoria, e porem e elle he guiador dos
olhos do coraçom de qualquer que com temor e amor7 do Senhor Deus husa aficadamẽte
ẽnas Sanctas Escripturas. E asy como pellas portas do ceeo abertas ouuira o Senhor
Deus, que fala con elle pella sua propria boca, porque, quando leemos pellas escripturas
de Deus, entom fala Deus a nos, e aprendemos as cousas uerdadeyras, per que somos
fectos sabedores em Jhesu Christo, que he começo e fim de todalas cousas. E porem o
seu nome glorioso deue seer chamado ẽ começo de toda boa obra, e ẽno seu sancto
nome deue o homẽ de fazer toda cousa, onde diz o apostolo: Jrmããos, qualquer cousa
que fezerdes, todo fazede ẽ nome do Senhor Jhesu Christo, ẽno qual uiuemos, e em elle
nos mouemos e somos.
E porẽ ẽno começo desta obra puge o nome de Jhesu Christo, e ẽno seu nome a
comecey, o qual nome he muy delectoso, onde diz Jhesu, filho de Sirac: Asi como o mel
seera doce a renẽbrãça delle, convem a saber do nome que he Jhesu, que quer dizer
saude. Onde diz Sam Lucas ẽnos Autos dos Apóstolos que nõ ha hi saude ẽ outro nehũũ
seno em Jhesu Christo. E diz Salamõ emnos Cantares do Amor: Oleo espargido he o teu
nome. Ca , asy como o oleo cria e matem o lume e cria a carne e abranda a door, bem
asy o nome Jhesu he luz e mãyar e meezinha, ca elle luze quando he preegado e da
mantiimẽto a [a ] alma quando em elle cuida e abranda-a e hũta-a quando o chama. E
porẽ diz meestre Oda que este nome de Jhesu he oleo espargido ẽnas chagas da jeeraçõ
7
e amor] B e co amor.
71
[DO NOME DE JESUS]
[CAPÍTULO PRIMEIRO]
Jesus Cristo é virtude e sabedoria de Deus Pai, e em ele estão guardados e
escondidos todos os tesouros da ciência e sabedoria, e por isso ele é guiador dos olhos
do coração de qualquer que com temor e amor do Senhor Deus usa afincadamente as
Santas Escrituras. E assim como pelas portas do céu abertas ouvira o Senhor Deus, que
fala com ele pela sua própria boca, porque quando lemos pelas escrituras de Deus, então
fala Deus a nós, e aprendemos as coisas verdadeiras, porque somos feitos sabedores em
Jesus Cristo, que é começo e fim de todas as coisas. E por isso o seu nome glorioso deve
ser chamado no começo de toda boa obra, e em seu santo nome o homem deve fazer
toda coisa, onde diz o apóstolo: Irmãos, qualquer coisa que fizerdes, tudo fazeis em
nome do Senhor Jesus Cristo, no qual vivemos, e nele nos movemos e somos.
E por isso no começo desta obra pus o nome de Jesus Cristo, e em seu nome a
comecei , cujo nome é muito deleitoso, conforme diz Jesus, filho de Sirac: Assim como
o mel será doce a relembrança dele, convém saber do nome que é Jesus, que quer dizer
salvação. Conforme diz São Lucas nos Autos dos Apóstolos que não há salvação em
outro senão em Jesus Cristo. E diz Salomão nos Cantares de Amor: Óleo espalhado é o
teu nome. Porque, assim como o óleo alimenta e mantém a luz e alimenta a carne e
abranda a dor, bem assim o nome Jesus é manjar e remédio, porque ele brilha quando
está pregado e dá alimento à alma quando nela cuida, abranda-a e unta-a quando o
chama . E por isso diz o mestre Oda que este nome de Jesus é óleo derramado nas
chagas da geração
72
humana8, ca a força deste nome Jhesu, que quer dizer saluador, da saude a todalas
ẽfirmidades e a todalas chagas da alma e do corpo, de que somos chagados pello
peccado dos primeyros padres. E este nome tragia Sam Paulo por candea ante os gentiis
e ante os reis, onde diz Sam Bernardo: Rogo-te que me digas donde ueeo tanta lux de fe
ẽno mũdo seno do nome de Jhesu Christo9 preegado. E em este nome uẽciam os sanctos
ẽmiigos da fe, asy como fez hũũ sancto bispo ẽ hũa desputaçõ, segundo || se contem ẽ
este recontamento que se segue.
Exemplo. Quando o enperador Constantino veeo a hũa cidade que chama
Bisancio, ueerõ hũũs filosafos pera o reprehenderem porque tomara a fe de Jhesu
Christo e queryã desputar sobre esto cõ hũũ sancto bispo que auia nome Alexandre .
Mais10, porque o sancto bispo nõ auia aquella arte nem tal sciencia pera disputar com os
filosafos, tomou fiança ẽ Jhesu Christo. E hũũ daquelles filosafos tomou ẽ sy todo
aquel negocio de toda a desputaçom11, e o sancto lhe disse, ante que começasse a
desputaçon: Filosapho, eu te mando logo ẽno começo, ẽ nome de Jhesu Christo que nõ
fales. E, tanto que esto disse Sancto Aleixandre, logo o filosapho ficou mudo, com a
boca çarrada , que mays nõ pode falar, a assy foy uẽẽncido.
Exemplo. Em aquelle tempo outrossy,
hũũs
daquelles filosaphos
que
desputauã contra a ffe, atreuẽdo-se ẽna sua palaura, que auia muyto aguda, escarnecia
dos sanctos sacerdotes. Mais12 hũũ uelho jnnocente e sinpliz nõ quis soffrer a soberua
daquelle filosafo e disse-lhe: Oo tu, filosapho, ẽno nome de Jhesu Christo ouue a
ensinança da uerdade! Hũũ he Deus do ceeo e da terra e de todalas cousas , que as fez e
criou co a uirtude da sua palaura e as firmou com a sanctidade de seu spiritu. Esta
palaura e uerbo, que nos chamamos Filho de Deus, auẽdo misericórdia sobre os homẽẽs,
8
B humanal.
B não tem Christo.
10
6) B Mas.
11
desputaçom] A desputaçom en sy.
12
B Mas.
9
73
humana, porque a força deste nome Jesus, que quer dizer salvador, dá salvação a todas
as enfermidades e a todas as chagas da alma e do corpo de que fomos privados pelo
pecado dos primeiros padres. E este nome trazia São Paulo por candeia ante os pagãos e
ante os reis, conforme diz São Bernardo : Rogo-te que me digas de onde veio tanta luz e
fé no mundo senão do nome de Jesus Cristo pregado. E neste nome venciam os santos,
os inimigos da fé, assim como fez um santo bispo em uma disputa, segundo contém
esta narração que se segue.
Exemplo: Quando o imperador Constantino veio a uma cidade que se chama
Bizâncio, vieram uns filósofos para o repreenderem porque tomara a fé de Jesus Cristo e
queriam disputar sobre isto com um santo bispo, que se chamava Alexandre. Mas
porque o santo bispo não tinha aquela habilidade nem tal cultura para disputar com os
filósofos, tomou confiança em Jesus Cristo. E um daqueles filósofos tomou para si a
disputa, e o santo lhe disse, antes que começasse a disputa: Filósofo, eu te mando logo
no começo, em nome de Jesus Cristo, que não fales. E, tanto que disse Santo Alexandre,
logo o filósofo ficou mudo, com a boca fechada, que não pode mais falar, e assim, foi
vencido.
Exemplo. Naquele tempo, da mesma maneira, uns
daqueles filósofos que disputavam contra a fé, atrevendo-se
em sua palavra que era muito engenhosa, insultava os santos
sacerdotes. Mas um velho inocente e simples não quis sofrer
a soberba daquele filósofo e disse-lhe: Oh tu, filósofo, pelo
nome de Jesus Cristo, ouve o ensinamento da verdade. Um é
Deus do céu e da terra e de todas as coisas, que as fez e criou
com a virtude de sua palavra e as firmou com a santidade de
seu espírito. Esta palavra e verbo, que nós chamamos Filho
de Deus, havendo misericórdia sobre os homens,
74
liurou-[o] s do error ẽ que eram e soffreu e quis nacer de molher e conuersar com os
homẽẽs e morrer por elles e vĩĩra outra uez a julguar a uida de cada hũũs . E estas
cousas creemos sem mais escoldrinhar. Pois , nõ queyras mais trabalhar em vãão pera
destroir esto que auemos por13 fe, nẽ queyras emquerer a maneira per que podem seer
estas cousas ou nõ seer. E se me nõ crees, responde a estas cousas. Tanto que esto ouuio
o fillosapho, ficou espantado e disse: Creeo. E dou muytas graças a Deus e ao uelho
porque o asy14
uẽẽcera. E emduzia os outros que creessem aquello meesmo,
marauilhando-sse muito como se uia assy mudado e dizendo e jurando que era mudado
e tragido aa ffe de Jhesu Christo per hũa uirtude que el nõ sabia falar nem dizer. E asy
foy fecto fiel per este nome Jhesu.
Exemplo. Chegou Sam Paulo aa cidade de Athenas. E os grandes filosaphos da
cidade desputauã con el sobre a fe de Jhesu Christo. E dise-lhe hũũ filosapho, que auia
nome Dignis: Se tu diseres a este cego, ẽno nome do teu deus, que receba uista e ell uir,
logo eu creerey. Mais15 nõ huses de palauras magicas, qua per uẽtura sabes tu taaes
palauras que am este poderio. E disse Sam Paulo: Pera tu tolheres toda duuida, eu te
escreuerey as palauras, e tu as dy ao cego per tua boca e16 ẽ esta guisa: Enno || nome de
Jhesu Christo nado da Uirgem, crucifixo, morto, e que resurgio e sobio aos ceeos, uee!
E entom disse Dinis ao cego estas palauras, e o cego logo uyo, e Dinis logo creeo a ffe
de Jhesu Christo, e depois foy martir glorioso.
E asy parece que o nome de17 Jhesu Christo he luz da fe catholica.
13
B per.
o asy] B assy o.
15
B Mas.
16
falta em B.
17
falta em B.
14
75
livrou-os do erro em que estavam e sofreu e quis nascer de mulher e conversar com os
homens e morrer por eles e vir outra vez a julgar a vida de cada um. E nestas coisas,
cremos sem mais examinar. Pois não queiras mais trabalhar em vão para destruir isto
que temos por fé, nem queiras indagar a maneira por que podem ser estas coisas ou não
ser . E se não me crês, responde a estas coisas. Tanto que isto ouviu o filósofo, ficou
espantado e disse: Creio. E dou muitas graças a Deus e ao velho porque assim vencera .
E induzia os outros que naquilo mesmo, maravilhando-se muito como tinha mudado e
dizendo e jurando que estava mudado e trazido à fé de Jesus Cristo por uma virtude que
ele não sabia falar nem dizer. E assim foi feito fiel por este nome Jesus.
Exemplo. Chegou São Paulo à cidade de Atenas. E os grandes filósofos da
cidade disputavam com ele sobre a fé em Jesus Cristo. E disse-lhe um filósofo, que
chamava-se Denis: se tu disseres a este cego, pelo nome do teu Deus, que receba vista e
ele vir, logo eu crerei. Mas não uses de palavras mágicas, que por ventura sabes tu que
tais palavras têm este poder. E disse São Paulo: Para tu tirares toda dúvida, eu te ditarei
as palavras , e tu as dê ao cego pela tua boca, desta maneira: Em nome de Jesus Cristo,
nascido da Virgem, crucificado, morto e que ressurgiu e subiu aos céus, vê! E então
disse Denis ao cego estas palavras, e logo o cego viu, e Denis logo acreditou sobre a fé
em Jesus Cristo e depois tornou-se mártir glorioso.
E assim parece que o nome de Jesus Cristo é luz da fé católica.
76
DO NOME DE JHESU CHRISTO
CAPITULO SEGUNDO
Outrosy, este nome Jhesu he manyar, onde diz Sam Bernardo: Dy tu,
homẽ !
Per uẽtura nõ recebes tu conforto quantas uezes te lenbras deste nome Jhesu? Certo sy.
O, qual he a cousa que asy ẽgrossa18 a alma e a mẽte daquelle que cuyda em este nome
Jhesu? O, qual he a cousa que asy repare os sentidos cansados19 do trabalho e que asy
aforteleze20 as uirtudes e que asy auiuẽte os bõõs custumes e que asy crie21 e mãtenha as
afeccçõões castas e honestas como este nome Jhesu? Certamẽte , todo manjar da alma
he seco, se nõ for espargido sobre el este oleo do nome de Jhesu, exabiida he toda
uianda da alma, se nõ for condida cõ este sal. Se escreues , nõ me sabe bem, se hy nõ
leer Jhesu, se desputas ou rrazoas, nõ acho hy sabor, se hy nõ soar ou for amẽtado22
Jhesu. Jhesu he mel ẽna boca e doce soo[m] ẽna orelha e alegria spiritual ẽno coraçõ ,
nome manso, benigno, misericordioso.
Exemplo. Hũũ caualeyro amaua muyto Jhesu Christo, e, cõ muy23 grande amor
que lhe auia, foy-sse a Jhe| rusalem e andou per todolos sanctos lugares hu Jhesu
Christo naceu, morreu e resurgiu e cõuersou e fez as outras cousas. E em fim de todo
ueeo aquel caualeyro ao monte Oliuete, hu Jhesu Christo sobiu aos ceeos, e disse asy:
Meu Senhor Jhesu Christo, nõ sey hu uaa mais depos ty. Em este luguar me faze
caminho per que uaa a ty! E, tanto que esto disse, logo lhe sayo a alma, e os seus
18
ẽgrossa] A he grosa.
A cansandos.
20
B afortelegue.
21
A primeiro cree.
22
B ẽmentado.
23
muy] B o muy.
19
77
DO NOME DE JESUS CRISTO
CAPÍTULO SEGUNDO
Da mesma maneira, este nome Jesus é manjar,conforme diz São Bernardo : Dize
tu, homem! Por ventura tu não recebes conforto quantas vezes te lembras deste nome
Jesus? Certo que sim. O qual é coisa que assim engrossa a alma e a mente daquele que
cuida neste nome Jesus? O qual é a coisa que assim repara os sentidos cansados do
trabalho e que assim fortalece as virtudes e que assim torna os bons costumes e que
assim cria e mantém as afeições castas e honestas como este nome Jesus? Certamente,
todo manjar da alma é seco, se não for espalhado sobre ele este óleo do nome de Jesus,
insípida é toda carne da alma, se não for temperada com este sal . Se descreves, não sei
bem, se então não ler Jesus , se disputas ou discorres , não acho nem gosto, se não fizer
ouvir ou for nomeado Jesus. Jesus é mel na boca e som doce na orelha e alegria
espiritual no coração, nome manso, benigno e misericordioso.
Exemplo. Um cavaleiro amava muito Jesus Cristo, e, com muito amor que ele
tinha, se foi a Jerusalém e andou por todos os lugares onde Jesus Cristo nasceu, morreu
e ressurgiu e conversou e fez as outras coisas. E no fim de tudo aquele cavaleiro veio ao
monte Olivete, onde Jesus Cristo subiu aos céus e disse assim: Meu Senhor Jesus
Cristo, não sei aonde eu vá depois de ti. Em este lugar me faça caminho para que eu vá
a ti! E, tanto que disse isto, logo lhe saiu a alma , e os seus
78
seuentes24 leuarõ-no a hũũ fisico que25 lhes disesse que entendia daquel feito, e o físico
lhe preguntou por suas condiçõões, e elles lhe diserõ que era muy alegre ẽno amor de
Jhesu Christo, e dise-lhe o físico: Certamẽte co o grande prazer foy partido per meo o
seu coraçõ . E emtam abrirõ-lhe o costado e acharon-lhe o caraçom26 aberto e partido, e
era dentro em elle escripto: Jhesu meu amor.
Exemplo. Muytas sanctas molheres, contemplando ẽ Jhesu Christo, auiam tam
grande dulçura ẽ suas almas que do fauoo do spiritual dulçor, que auiam ẽno coraçom,
saya aa boca hũũ dulçor de mel, que ellas ẽ ssy sentiam que lhes fazia lançar lagrimas
doces e conseruaua e guardava a sua mente em deuaçõ.
Exemplo. Qua [n ] do Sam Paulo foy degolado, saltou logo a cabeça fora do
corpo, e , depois que foy asy fora do corpo, chamou cõ uoz clara, per linguagem
hebrayca dos judeus, o nome de Jhesu Christo , o qual nome era a elle muy doce || ẽ
sua uida, e o elle nomeara tam ameude ẽ suas epistolas, ca el nomeou o nome de Jhesu
ou nome27 de Christo quinhentas uezes en suas epistolas. E tam grande dulçura e prazer
auia em elle e consolaçom , que tantas uezes o nomeou em sua escriptura, e na28 morte
nõ lhe esqueeceu .
24
B sergentes.
B o que.
26
B coraçõ.
27
ou nome] B ou o nome.
28
B aa.
25
79
criados levaram-no a um médico que lhes dissesse que entendia daquele feito, e o
médico perguntou-lhe por suas condições, e eles lhe disseram que estava muito alegre
no amor de Jesus Cristo, e disse-lhe o médico: Certamente com o grande prazer foi
partido pelo meio o seu coração. E então abriram-lhe a costela e acharam o coração
aberto e partido e estava escrito dentro dele:Jesus meu amor.
Exemplo. Muitas santas mulheres, contemplando Jesus Cristo, tinham grande
doçura em suas almas que do favo da doçura espiritual que tinham no coração, saía da
boca um dulçor de mel que elas em si sentiam que lhes faziam lançar lágrimas doces e
conservavam e guardavam suas mentes em devoção.
Exemplo. Quando São Paulo foi degolado, saltou logo a cabeça fora do corpo, e
depois que ficou assim, chamou com voz clara, pela linguagem hebraica dos judeus, o
nome de Jesus Cristo, cujo nome era a ele muito doce em sua vida, e ele o nomeara tão
amiúde em suas epístolas, pois ele nomeou o nome de Jesus ou nome de Cristo
quinhentas vezes em suas epístulas. E tão grande doçura e prazer e consolação tinha em
ele, que tantas vezes o nomeou em suas escrituras e na morte não lhe esqueceu .
80
DO NOME DE JHESU
CAPITULO TRECEYRO
O nome Jhesu he meezinha, onde diz Sam Bernardo: Se algũũ de uos he triste,
uenha-uos ao coraçom Jhesu, e do coraçom salte emna29 boca, e , tanto que nacer este
nome ẽno coraçom e ẽna boca, logo o lume dele afastara e derramara toda cousa escura
e triste e fara toda cousa clara e lomeosa . Se alguẽ escorregou em peccado e corre pera
o laço da morte desesperãdo30, per uentura, se chamar o nome da uida, logo respirara
pera vida? Certo ssy. Qual foy aquel que esteue em periigos e ẽ temores e chamou o
nome de Jhesu e nõ recebeu saude? Certo nehũũ. Ca este nome, chamado, tyra o temor
e dá forteleza, refrea a sanha e31 amãsa o jnchaço da soberua e saa32 a chagua da ẽveia e
restringe o fluxo da luxurya e apagua a chama della e tempera a sede da auareza e
afugenta todo o proydo do deseio de toda torpidade. Oo alma, este leitoayro as guardado
emno uaso deste nome Jhesu, certamente de muita sau|de, ca o acharas pera toda
pestelença de peccado por meezinha. Jhesu, amigo doce, conselheyro sages, forte
defensor, a este me offreço e deste me fyo, que me pode saluar e quer.
Exemplo. Hũũ homẽ foy leuado ao jnferno pera ueer as penas que hi som, e
antre aquelles que hy eram, vyo hũũ homem que era todo metido ẽ os tormẽtos, afora a
cabeça, que tijnha fora. E pregũtou-lhe33 porque nõ padecia pena ẽna cabeça, e elle lhe
disse34: Porque soya muitas uezes poer o nome de Jhesu ẽna cabeça escripto, e porem
nõ padeço pẽnas em ella.
Exemplo. Hũa uez preguando hũũ frade do nome de Jhesu muytas boas cousas,
estaua hi hũũ cidadãão que auia emfirmidade de febre. E, quando ouuiu a uirtude deste
29
A ẽ tua.
A desenparado.
31
falta em B.
32
mão posterior modernizou em B saa em sara.
33
B pergũtou-lhe.
34
B respõndeo.
30
81
DO NOME DE JESUS
CAPÍTULO TERCEIRO
O nome de Jesus é remédio, conforme diz São Bernardo: Se algum de vós sois
triste, Jesus vos venha ao coração, e com tanta força que nascer este nome no coração e
na boca, logo a luz dele afastará e derramará toda coisa escura e triste e fará toda coisa
clara e luminosa. Se alguém incorreu em pecado e corre para o laço da morte
desesperado, se por ventura, chamar o nome da vida, logo respirará pela vida? Certo que
sim. Qual foi aquele que esteve em perigos e em temores e chamou o nome de Jesus e
não recebeu salvação? Certo que nenhum . Porque este nome chamado, tira o temor e dá
fortaleza, refreia a ira e amansa o inchaço da soberba e sara a chaga da inveja e restringe
o fluxo da luxúria e apaga a chama dela e modera a sede da avareza e afugenta todo o
prurido do desejo de toda torpidade . Oh alma, este eleito tens guardado no vaso do
nome Jesus, certamente de muita salvação, porque o acharás para toda pestilência de
pecado por remédio. Jesus, amigo doce, conselheiro sábio, forte defensor, a este me
ofereço e nele me fio, que me pode salvar e quer.
Exemplo. Um homem foi levado ao inferno para ver os castigos que lá existem,
e entre aqueles que lá estavam, viu um homem que estava atormentado, fora de si. E
perguntou-lhe porque não padecia de castigo, e ele disse-lhe: Porque costumava pôr o
nome de Jesus em a cabeça escrito, e por isso não padeço de penas em ela.
Exemplo. Uma vez pregando um frade muitas coisas boas do nome de Jesus,
estava lá um cidadão que tinha enfermidade de febre . E quando ouviu a virtude deste
82
nome, escreueo o nome35 ẽna augua e beueo-a ao tempo que lhe auia de uĩĩr a sazom, e
logo o leyxou a febre.
Exemplo. Hũũ homẽ auia grande odio mortal a outro por hũũ erro que lhe fezera,
e aueo assy que este homẽ , que asy auia esta36 malquerença, veeo a ẽfermar , e ,
estando em ponto de morte, rogarõ-no muytos que lhe perdoasse pollo amor de Deus, e
elle nõ lhe quis perdoar per nehũa maneyra. E antre aquelles que o rogarõ , forõ dous
frades religiosos, e, quando virõ que nõ queria perdoar,
hũũ daqueles religiosos
screue[o] ẽna fronte delle este nome Jhesu, e logo || aquelle homẽ sanhudo foy
amãsado, em tanto que elle meesmo pidyo perdom e de grado perdoou aaquelle que lhe
auia errado, e perdeo todo o odio que ante auia, per uirtude do nome Jhesu.
Exemplo. Sancto Ignacio mandauã deytar aos leõões pella fe de Jhesu Christo, e
elle dizia: Muyto me prazeria que eu seia ferido das bestas que me som aparelhadas, e
eu as rogo que seiam trigosas pera me matarem, e eu as cõuidarey pera me comerẽ e37
que nõ façã assy a mỹ como fazẽ aos outros martires, que nõ ousam tanger os seus
corpos. E sse nõ quiserem uĩĩr, eu farey força pera seer comesto dellas, ca eu sey o que
me aproueyta. Agora começo seer descipulo de Jhesu Christo. Non deseio nehũa cousa
destas que se ueem, por tal que ache Jhesu Christo. Fogo, cruz, quebrantamẽto dos ossos
e partimẽto dos menbros e quebrãtamẽto de38 todo o corpo e todollos tormẽtos do
diaboo uenham em mĩ, tan solamẽte que eu huse e ache Jhesu Christo. E, depois que foy
deitado aos liõões e os ouuyo rogir, disse: Eu soom trigo de Jhesu Christo, quero seer
muudo cõ os dentes das bestas brauas, por tal que eu seia achado pam limpo.
35
B o nome de Jhesu.
A este.
37
B não tem e.
38
A do.
36
83
nome, escreveu o nome na água e bebeu-a ao tempo que tinha de vir a febre e logo a
febre o deixou.
Exemplo. Um homem tinha grande ódio mortal a outro por um erro que lhe
fizera, e de tal maneira que este homem que tinha esta malquerença , veio a adoecer, e ,
estando em ponto de morte, rogaram-no muitos que lhe perdoasse pelo amor de Deus, e
ele não lhe quis perdoar de nenhuma maneira. E entre aqueles que o rogaram, foram
dois frades religiosos, e, quando viram que ele não queria perdoar, um daqueles frades
escreveu em a fronte dele este nome Jesus, e logo aquele homem irado ficou calmo,
tanto que ele mesmo pediu perdão e de grado perdoou aquele que lhe tinha errado, e
perdeu todo o ódio que antes tinha, por virtude do nome Jesus.
Exemplo. Santo Inácio mandava lançá-lo aos leões pela fé em Jesus Cristo, e ele
dizia: Muito me daria prazer que eu seja ferido pelas bestas que me são dispostas, e eu
as rogo que estejam prontas para me matarem, e eu as convidarei para me comerem e
que não façam assim a mim como fazem aos outros mártires que não ousam tocar os
seus corpos. E se não quiserem vir , eu farei esforço para ser comido por elas, porque eu
sei o que me é útil. Não desejo nenhuma coisa destas que se vêem , por tal que ache
Jesus Cristo. Fogo, cruz, destruição dos ossos e divisão dos membros e destruição de
todo o corpo e todo os tormentos do diabo venham a mim, tão somente que eu use e
ache Jesus Cristo. E depois que foi lançado aos leões e os ouviu rugir, disse: Eu sou
trigo de Jesus Cristo, quero ficar mudo com os dentes das bestas bravas, por tal que eu
seja achado pão limpo.
84
E este Sancto Ignacio, antre os muytos
tormẽtos que lhe
fezerõ
sempre
muyto39 ameude nomeaua este nome Jhesu, e pella uirtude delle tanta forteleza auia |
em soffrer con paciencia, que pella dulçura do nome de Jhesu nõ sentia40 os tormẽtos. E
disse-lhe o tirãno que, se nõ cessasse de chamar o nome de Jhesu, que lhe mãdaria talhar
a lingua e dise-lhe Sancto Ignacio: posto que me talhes a lingua, nõ cessarey porem de
chamar o nome de Jhesu, porque o tenho scripto emno meu coraçom. E enton chamou
aficadamẽte os liõões, que o ueessem comer, e logo dous leõões o afogarom41 tan
solamente, mais42 nõ tangerom mais a sua carne. E, depois da43 sua morte aquelles que
lhe ouuirõ dizer que tragia scripto ẽno coraçom o nome de Jhesu Christo quiserom
prouar se era asy e tiraron-lhe o coraçom e partirõ-lho per meo e acharõ-no todo scripto
cõ o nome de Jhesu em leteras douro, em que dizia asy: Doce amor meu Jhesu Christo,
por mi crucifixo.
39
B muy.
B sentyo.
41
B afaagarom.
42
B mas.
43
B de.
40
85
E este Santo Inácio, entre os muitos tormentos que lhe fizeram, sempre muito
amiúde nomeava este nome Jesus, e pela virtude dele tanta fortaleza tinham em sofrer
com paciência, que pela doçura do nome de Jesus não sentia os tormentos. E disse-lhe o
soberano que, se não cessasse de chamar o nome de Jesus, que lhe mandaria cortar a
língua, e disse-lhe Santo Inácio: Posto que me cortes a língua, porém não cessarei de
chamar o nome de Jesus, porque o tenho escrito em meu coração. E então chamou
afincadamente os leões , que viessem comê-lo , e logo dois leões o sufocaram tão
somente, mas não tocaram mais a sua carne. E, depois de sua morte, aqueles que lhe
ouviram dizer que trazia escrito no coração o nome de Jesus Cristo quiseram provar se
era assim e tiraram-lhe o coração e partiram-no pelo meio e acharam-no todo escrito
com o nome de Jesus em letras de ouro, em que dizia assim: Doce amor meu Jesus
Cristo, por meu crucifixo.
86
DO NOME DE JHESU
CAPITULO QUARTO
Este nome Jhesu he marauilhoso, porque he nouo, e porẽ diz o propheta Ysaias:
Sera chamado a ty nome nouo, o qual nomeou a boca do Senhor Deus — falando o
propheta a Jhesu Christo em spitiru. E diz Dauid , o grande propheta: Oo Senhor, nosso
Senhor, quanto44 he marauilhoso o teu nome ẽ toda a terra! E diz o profeta Ysaias,
falando de Jhesu Christo: O seu nome sera chamado marauilhoso.
Outrossy, este nome Jhesu he muyto pera louuvar, porque he grande, onde diz o
propheta Malachias: O meu nome45 he grande ẽnas gentes, dise o Sen||hor. E diz o
propheta Dauid: Des a nacença do sol ataa o poente pera louuar he o nome do Senhor.
Outrossy, este nome Jhesu he espantoso, porque ha en sy poderio e dereytura, e
porem aquelles que som direytos amã Jhesu Christo, onde diz Salomõ46 ẽnos Cantares
do Amor, falando do esposo Jhesu Christo: Os que som direitos amam ty47. E diz outro
propheta: Tu, Senhor, asinaste ao teu nome espantoso e louuadeyro, o qual todos
temem. Ca o temẽ48 os angios, cõtemplando a tua presença, e temẽ os homẽẽs ,
atendendo o teu juizo; ham pauor os demõões, sentĩdo a tua muy grande uirtude, porque
o uulto do Senhor uee todalas cousas. E este nome Jhesu afuguẽta os demõões.
Exemplo. O emperador Diocleciano rogou a Sancto Ciriaco que desse saude a
hũa sua filha, que era muy49 maltreyta do diaboo, e Sancto Ciriaco entrou hu estaua a
filha do enperador e disse: Em nome do nosso Senhor Jhesu50 mãdo a ty, demõ51, que
44
A quanta.
nome] foi entrelinhado por outra mão.
46
B Salamõ.
47
B a ti, mas a foi entrelinhado por outra mão.
48
os ms. tremẽ.
49
B não tem muy.
50
B Jhesu Cristo
51
B demo.
45
87
DO NOME DE JESUS
CAPÍTULO QUARTO
Este nome é maravilhoso, porque é novo, e por isso diz o profeta Isaías: Será
chamado a ti nome novo, o qual nomeou a boca do Senhor Deus – falando o profeta a
Jesus Cristo em espírito. E diz Davi, o grande profeta: Oh senhor, nosso Senhor quanto
é maravilhoso o teu nome em toda a terra! E diz o profeta Isaías, falando de Jesus
Cristo: O seu nome será chamado maravilhoso.
Da mesma maneira, este nome Jesus é para louvar muito, porque é grande, onde
diz o profeta Malaquias: O meu nome é grande nas nações, disse o Senhor. E diz o
profeta Davi: Desde o nascimento do sol até o poente para louvar é o nome do Senhor.
Também este nome Jesus é espantoso, porque há em si poderio e retidão, e por
isso aqueles que são direitos amam Jesus Cristo, onde diz Salomão nos Cantares do
Amor, falando do esposo Jesus Cristo: Os que são direitos amam a ti. E diz outro
profeta: Tu, Senhor, assinaste o teu nome espantoso e louvável, o qual todos temem.
Pois temem os anjos, contemplando a tua presença, e temem os homens, atendendo o
teu juízo; têm pavor os demônios, sentindo a tua muito grande virtude, porque o vulto
do Senhor vê todas as coisa. E este nome Jesus afugenta os demônios.
Exemplo. O imperador Diocleciano rogou a Santo Ciríaco que desse salvação a
sua filha, que estava atormentada pelo demônio, e Santo Ciríaco entrou onde estava a
filha do imperador e disse: Em nome de nosso Senhor Jesus mando a ti , demônio, que
88
sayas do corpo desta moça. E o demõ52 respondeu: Se queres que eu saya, da-me uaso
em que entre! E dise-lhe Sancto Ciriaco: Se tu podes, ex o meu corpo, entra ẽ elle!
Respondeu o demo: Eu nõ posso entrar ẽno teu uaso, porque he çarrado e asinado de
cada parte. E disse-lhe Ciriaco: Ẽno53 nome de Jhesu Christo, saae della, por tal que seia
fecta uaso limpo pera o Spiritu Sancto. Entõ braa|dou o demo e disse: Oo, Ciriaco, se
me lanças daqui, eu te farey hir a Pérsia. E dise-lhe Sancto Ciriaco: Ẽno nome de nosso
Senhor Jhesu Christo, saae della! E o demo sayu logo da donzella e bauptizou-a Sancto
Ciriaco.
E a pouco tempo mandou rey de Persia por Sancto Ciriaco pera dar saude a sua
filha que era maltreyta do emmiigo. E, quando chegou a elrey de Persya e emtrou hu
estaua a filha delrrey, em esta54 ora braadou o diaboo pella boca da donzella, dizendo:
Que queres tu, Cyriaco? E dise Cyriaco: Em nome de meu Senhor Jhesu Christo, saae
della! E dise-lhe o diaboo: Cansado es, Ciriaco? Eu te aduxe a Persia asy como te
antedisse. E com grande clamor dizia o diaboo ẽno aar: Oo, nome espantoso,que me faz
sair forçosamẽte. E des aquella hora foy fecta a donzela sãã, e cõuerteo-a Sancto Ciriaco
e bauptizou-a55.
Exemplo. Hũũ sancto homẽ mãdou a hũũ demo ẽno nome de Jhesu Christo que
se partisse de hũũ luguar e se fosse morar a outro, ẽ guisa que nũca empeecesse a
nenhũũ que chamasse a gloriosa Madre de Deus. E o diaboo, tanto que esto ouuiu, feze
o mãdado do sancto homem per uirtude do nome de Jhesu.
52
B demo.
B Em.
54
B essa.
55
B baupteziou-a.
53
89
saias do corpo desta moça . E o demo respondeu: Se queres que eu saia , dê-me
recipiente em que entre! E disse-lhe Santo Ciríaco: Se tu podes, eis o meu corpo, entre
nele! Respondeu o demo: Eu não posso entrar em teu vaso, porque está fechado e selado
em cada parte.E disse-lhe Ciríaco: Em nome de Jesus Cristo, sai dela, por tal que seja
feita vaso limpo para o Espírito Santo. Então bradou o demo e disse: Oh, Ciríaco, se me
lanças daqui, eu te farei ir à Pérsia. E disse-lhe Santo Ciríaco: Em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo, sai dela! E o demo saiu logo da donzela e Santo Ciríaco a batizou.
E há pouco tempo mandou o rei da Pérsia para que Santo Ciríaco desse
salvação a sua filha que estava atormentada pelo inimigo. E quando chegou o rei e
entrou onde estava a filha, nesta hora bradou o diabo pela boca da donzela, dizendo:
Que queres tu, Ciríaco? E disse Ciríaco: Em nome de meu Senhor Jesus Cristo sai dela!
E disse-lhe o diabo: Está cansado , Ciríaco? Eu te trouxe à Pérsia assim como eu te
profetizei. E com grande clamor dizia o diabo no ar: Oh nome espantoso, que me faz
sair forçosamente. E desde aquela hora estava curada a donzela, e converteu-a Santo
Ciríaco e batizou-a. .
Exemplo. Um santo homem mandou a um demônio em nome de Jesus Cristo
que partisse de um lugar e fosse morar em outro, de maneira que nunca impedisse a
ninguém que chamasse a gloriosa Mãe de Deus. E o diabo, tanto que ouviu isto, fez o
que mandou o santo homem por virtude do nome de Jesus.
90
O NOME DE JHESU
CAPITULO QUINTO
O nome de Jhesu he de muyta uirtude, ca este he o nome que deu uista aos cegos
e ouuydo aos surdos e o andar aos çopos56 e fala aos mudos e uida aos mortos, e todos o
poderio || do diaboo afugentou dos corpos a uirtude deste nome Jhesu.
Outrosy, a uirtude deste nome Jhesu he de grande alteza e de grande excelencia,
onde diz Sam Bernardo: O nome do Saluador he nome de meu jrmãão e da minha carne
e do meu sangue, nome marauilhoso.
Este nome Jhesu subjuga todallas cousas, onde diz o apostolo: Ẽno nome de
Jhesu todo geolho se ĩcline das cousas celestiaes57, terreaaes58 e enfernaaes.
Exemplo. Em Mõpirle59 hũũ escollar nigromanteco chamou os demõees per sua
sciencia, pera dizerẽ nouas a outro escollar seu amigo que60 deseiaua ouuir recado de
sua terra, e ueo hũũ demo em semelhança de donzel61 e deu reposta ao escollar do que
lhe pregũtou. E, estando asy, passou per aly hũũ sacerdote cõ o corpo de Jhesu Christo
e, quando o diaboo sintyu a presença do sacramẽto, ficou os geolhos em terra. E quando
esto uio o escolar, disse: Hora nõ creeo que este he demo, ca se o fosse, nõ ficarya os
geolhos ao corpo de Jhesu Christo. E disse o demo: Non sabes que he escripto he: Ẽno
nome de Jhesu Christo todo geolho seia ẽclinado das cousas celestiaaes e terreaaes e
jnfernaaes? E logo despareceu62.
Exemplo. Hũũ barõ religioso leixou a esposa e o mũdo por amor de Jhesu
Christo. E tanto amor auy|a ao nome de Jhesu, que, por sua reuerença, quando quer que
o ouuya nomear, sempre ficaua os geolhos em terra co reuerença. E depois que foy
56
em B outra mão riscou copos e escreveu por cima coxos.
celestiaes] entre as linhas e por outra mão.
58
celestiaes, terreaaes] B terreaees e celestriaees.
59
B Mõplele, que parece corrigido em Mõpeler
60
A e.
61
A donzella.
62
B desapareceu.
57
91
DO NOME DE JESUS
CAPÍTULO QUINTO
O nome de Jesus é de muita virtude, pois é este o nome que deu vista aos cegos e
ouvidos aos surdos e o andar dos coxos e fala aos mudos e vida aos mortos, e afugentou
dos corpos todo o poderio do diabo em virtude deste nome Jesus.
Também a virtude deste nome Jesus é de grande altura e de grande excelência,
onde diz São Bernardo: O nome do Salvador é nome de meu irmão e da minha carne e
do meu sangue, nome maravilhoso.
Este nome subjuga todas as coisas, conforme diz o apóstolo. Em nome de Jesus
todo joelho se incline das coisas celestiais, terrestres e infernais.
Exemplo. Em Montpellier um estudante nigromante chamou os demônios por
sua ciência, para dizer novas a outro estudante seu amigo, que desejava ouvir recado de
sua terra, e veio um demo em semelhança de rapaz e deu resposta ao estudante que lhe
perguntou. E, estando assim, passou por ali um sacerdote com o corpo de Jesus Cristo,
e, quando o diabo sentiu a presença do sacramento, fincou os joelhos na terra. E, quando
o estudante viu isto, disse: Ora, não creio que este é o demo, pois se fosse, não fincaria
os joelhos ao corpo de Jesus Cristo. E disse o demo: Não sabes o que eu escrevi: Em
nome de Jesus Cristo todo joelho seja inclinado das coisas celestiais e terrestres e
infernais? E logo desapareceu.
Exemplo. Um varão religioso deixou a esposa e o mundo por amor de Jesus
Cristo. E tanto amor tinha ao nome de Jesus, que por sua reverência onde quer que
ouvia nomear, sempre fincava os joelhos em terra com reverência. E depois que ficou
92
uelho, hũa uez estando ẽno coro, ficou os geolhos em terra ao nome de Jhesu, asy como
auia em custume, e, quando se quis leuãtar, nõ pode, per razom da fraqueza da uilhice.
E logo aly chegarõ dous angeos que o leuantarõ da terra, e elle ficou muy cõsolado ẽno
seu spiritu.
Exemplo. Hũũ encantador fez uĩĩr hũũ demo a hũa molher pera lhe dar cõselho
como poderia conceber de seu marido, e o diaboo ueeo ẽ semelhãça de homem. E, ante
que o pregũtasse, pasou per aly hũũ sacerdote, que leuaua o corpo de Jhesu Christo a
hũũ enfermo. E, quando a molher ouuyu a canpaynha, que tangiam ante o sacerdote,
temeu-se e rependeu-se , e logo o diaboo ficou os geolhos em terra por reuerẽça do
corpo de Jhesu Christo. E a molher prometeu que nõ fezesse tal cousa e chamou logo o
nome de Jhesu, e per uirtude do nome ficou afortificada e liure do diaboo. E partiu-se
logo o diaboo, cõfondido pello nome de Jhesu.
Exemplo. Conta hũũ sabedor, que ha nome Plínio, que ha hũa aruore em Terra
de Jndia , que nũca apodrece a madeyra della nẽ a pode queymar o fogo. E esto he,
segundo diz hũũ doutor, porque esta ar||uor ha en sy e[n]xertado, em leteras judengas
escriptu, este nome Jhesu, e pella uirtude do glorioso nome nõ a pode queymar o fogo.
E bem asy, se o homẽ guardar firmemẽte este nome Jhesu ẽno seu coraçom,
nunca seera queymado do fogo do peccado nẽ do fogo do jnferno, e porem diz o
sabedor ẽno Eclesiástico:Senhor Deus, tu me liuraste da63 pressura da chama segundo a
multidom da misericordia do teu nome, e ẽ meo do fogo nõ64 fuy queymado.
63
64
A de.
A na entre as linhas e por outra mão.
93
velho, uma vez estando no coral, fincou os joelhos em terra ao nome de Jesus, assim
como tinha de costume, e, quando quis levantar, não pode, por razão da fraqueza da
velhice. E logo ali chegaram dois anjos que o levantaram da terra, e ele ficou muito
consolado em seu espírito.
Exemplo. Um feiticeiro fez vir um demo a uma mulher para lhe dar conselho de
como poderia engravidar de seu marido, e o diabo veio em semelhança de homem. E,
antes que o perguntasse, passou por ali um sacerdote, que levava o corpo de Jesus Cristo
a um doente. E quando a mulher ouviu a campainha que tocavam ante o sacerdote,
temeu e se arrependeu, e logo o diabo fincou os joelhos em terra por reverência ao
corpo de Jesus Cristo. E a mulher prometeu que não ia fazer tal coisa e chamou logo o
nome de Jesus, e por virtude do nome, ficou fortificada e livre do diabo. E partiu logo o
diabo, confundido pelo nome de Jesus.
Exemplo. Conta um sábio, que chama-se Plínio, que existe uma árvore na terra
da Índia, que nunca a madeira dela apodrece nem o fogo a pode queimar. E isto é,
segundo diz um mestre, porque nesta árvore há em si enxertada, escrito em letras
hebraicas, este nome Jesus, e pela virtude do glorioso nome o fogo não a pode queimar.
E bem assim, se o homem guardar firmemente este nome Jesus em seu coração,
nunca será queimado do fogo do pecado nem do fogo do inferno, e contudo diz o sábio
no Eclesiástico: Senhor Deus, tu me livraste do tormento da chama segundo a multidão
de misericórdia do teu nome, e no meio do fogo não fui queimado.
12
1.0.7 ESTADO LINGÜÍSTICO NO LIVRO I DO ORTO DO ESPOSO
Para justificar a periodização do Orto do Esposo como texto inédito do fim do
século XIV ou começo do século XV foi necessária uma análise da ocorrência dos
fenômenos lingüísticos nos cinco capítulos que compõem o livro I.
Para tanto, o capítulo 2 da obra História da Língua Portuguesa de TEYSSIER
(2004, p.29) oferece embasamento teórico sobre o galego-português (de 1200 a
aproximadamente 1350), período este que abrange a época em que o Orto do Esposo foi
composto. Convenção: para Exemplo (Ex) e Sermão (Ser). Os negritos são meus.
Segundo Vázquez Cuesta; Luz (1971, p.188)
São muito pequenas as diferenças existentes entre galego e
português que antes de 1350 deixem transparecer os textos
literários e inclusive documentais, mas durante os reinados dos
primeiros momarcas da Dinastia de Avis tais diferenças se vão
acentuando progressivamente.
Maler afirma que o Orto do Esposo foi terminado o mais tarde por volta de 1390,
provavelmente na segunda metade da década 1380 – 1390.
Assim, considerando os dois posicionamentos acima, pode-se afirmar que o Orto do
Esposo possui em sua linguagem, alguns traços conservadores remanescentes do galego,
que paulatinamente se desvencilha deste idioma, formando o português.
A partir de análise de documentos escritos, aponta Huber (1986, p.40) :
a concluir pelos documentos escritos, também as diferenças
lingüísticas entre o português antigo e o galego antigo- quer dizer,
entre os antigos textos de Portugal e os da mesma época da
província da Galiza – não são consideráveis e manifestamente só
mais tarde aumentaram, depois de a província da Galiza estar
separada politicamente de Portugal e unida à Espanha.
13
Portanto, os fatos lingüísticos do português arcaico tomam outro direcionamento a
partir do contexto histórico e devem ser levados em consideração ao analisar uma obra. É o
que se depreende dos autores anteriormente citados.
Em Generalidades dos períodos na história da ortografia portuguesa, esclarece
Vázquez Cuesta ; Luz (1971, p.188) :
A ortografia de um idioma é sempre um convencionalismo
nascido do compromisso entre duas forças que se opõem: uma
fonética e outra histórica. Se a francesa é eminentemente
etimológica e a espanhola fonética, a portuguesa foi sofrendo
através dos séculos uma série de mudanças que em ocasiões a
separaram, mas hoje tentam aproximá-la a esse padrão ideal na
qual cada grafia representa sempre o mesmo fonema e a cada
fonema corresponde uma única grafia. É causa , no entanto, da
permanente complicação da ortografia portuguesa, a própria
complexidade de sua fonologia, com grande abundância de
vogais e ditongos tanto orais como nasais, e o propósito de
manter a unidade gráfica da língua.
Assim, a ortografia é um dos aspectos que fazem um idioma ser mais inovador ou
conservador em relação aos outros da mesma família.
No Ibero – Romance, diz Bassetto (2001, p.270):
o português é mais conservador que o castelhano. No léxico,
ambos são conservadores. Já na fonética, o português e o galego
conservam o sistema de sete fonemas vocálicos, ainda que com
menor nitidez e alcance fonológico.
Sobre a grafia nos diz Teyssier (2004, p.29) O til (~), sinal de abreviação, serve
freqüentemente para indicar a nasalização das vogais, que pode vir também representada
por uma consoante nasal.
Na Gramática histórica portuguesa e espanhola de Masip (2003, p.202), o til (~)
parece provir do latim titulus , por meio do provençal tille: inscrição, título. Para ele, o til
português é um sinal diacrítico sinuoso que marca a nasalização de uma vogal. Tudo indica
que a sua origem é uma grafia estilizada de n ou m.
14
As ocorrências do emprego do (~) indicando nasalização de vogais são freqüentes
durante o decorrer de todos os capítulos e abundante nesta passagem:
Exemplo. Hũũ encantador fez uĩĩr hũũ demo a hũa molher pera lhe dar cõselho
como poderia conceber de seu marido, e o diaboo ueeo ẽ semelhãça de homem.
( Ex.Orto do Esposo Cap 5, p.13)
Segundo Teyssier, apesar das suas imprecisões e incoerências, a grafia do galegoportuguês medieval aparece como mais regular e “ fonética” do que aquela que prevalecerá
em português alguns séculos mais tarde.
Em As vogais no português arcaico e no português moderno Tarallo (1990, p.98)
analisando um texto do século XIII, datado de 1206 (?) anterior cronologicamente ao Orto
do Esposo chama a atenção das muitas vogais indicando nasalidade , e diz que tais
exemplos somente podem ser explicados como resultado do m ou n, adjacentes
originariamente às vogais em questão.
Essa explicação está em Coutinho em Pontos de Gramática Histórica, o qual
Tarallo retoma afirmando que o estudioso apresenta poucos fatos sobre as vogais durante o
período arcaico do português.
Tarallo acrescenta que a ortografia da época era de base fonética e havia grande
flutuação na escrita, especialmente durante o período analisado.
Quanto ao sistema consonantal :
Oclusivas: / p /: Eu soom trigo de Jhesu Christo, quero seer muudo cõ os dentes das
bestas brauas, por tal que eu seia achado pam limpo.
15
( Ex.Orto do Esposo Cap 3, p.10)
/ b / : Se escreues , nõ me sabe bem, se hy nõ leer Jhesu, se desputas ou rrazoas, nõ
acho hy sabor, se hy nõ soar ou for amẽtado Jhesu. (negrito meu)
( Ser.Orto do Esposo Cap 2, p.07)
/ t / : Ca este nome, chamado, tyra o temor e da forteleza, refrea a sanha e amãsa o
jnchaço da soberua e saa a chagua da ẽveia e restringe o fluxo da luxurya ...
( Ser.Orto do Esposo Cap 3, p.09)
/d /: Se alguẽ escorregou em peccado e corre pera o laço da morte desesperãdo, per
uentura, se chamar o nome da uida, logo respirara pera vida?
( Ser.Orto do Esposo Cap 3, p.09)
/ k / (escrito c ou qu) :
Pois , nõ queyras mais trabalhar em vãão pera destroir esto que auemos por fe, nẽ
queyras emquerer a maneira per que podem seer estas cousas ou nõ seer. E se me nõ crees,
responde a estas cousas. Tanto que esto ouuio o fillosapho, ficou espantado e disse: Creeo.
( Ex.Orto do Esposo Cap 1, p.06)
/ g / (escrito g ou gu): E disse Sam Paulo: Pera tu tolheres toda duuida, eu te
escreuerey as palauras, e tu as dy ao cego per tua boca e ẽ esta guisa.
( Ex.Orto do Esposo Cap 1, p.07)
16
Constritivas: / f /: E porem o seu nome glorioso deue seer chamado ẽ começo de
toda boa obra, e ẽno seu sancto nome deue o homẽ de fazer toda cousa...
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
/ v /: Se alguẽ escorregou em peccado e corre pera o laço da morte desesperãdo, per
uentura, se chamar o nome da uida, logo respirara pera vida?
( Ser.Orto do Esposo Cap 3, p.09)
/ ts / (escrito ç e c ):
E, tanto que esto disse Sancto Aleixandre, logo o filosapho ficou mudo, com a boca
çarrada , que mays nõ pode falar, a assy foy uẽẽncido.
( Ex.Orto do Esposo Cap 1, p.06)
Respondeu o demo: Eu nõ posso entrar ẽno teu uaso, porque he çarrado e asinado
de cada parte.
( Ex.Orto do Esposo Cap 4, p.11)
/ dz / (escrito z ): E porem o seu nome glorioso deue seer chamado ẽ começo de toda
boa obra, e ẽno seu sancto nome deue o homẽ de fazer toda cousa...
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
/ s / (escrito ss em posição intervocálica, e s nas outras situações):
17
Asi como o mel seera doce a renẽbrãça delle, convem a saber do nome que he
Jhesu, que quer dizer saude.
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
/ tš / (escrito ch):
E porẽ diz meestre Oda que este nome de Jhesu he oleo espargido ẽnas chagas da
jeeraçõ humana, ca a força deste nome Jhesu, que quer dizer saluador, dá saude a todalas
ẽfirmidades e a todalas chagas da alma e do corpo, de que somos chagados pello peccado
dos primeyros padres.
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
/(d)ž/ (escrito g ou j): E este nome tragia Sam Paulo por candea ante os gentiis e
ante os reis...
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
/ š / (escrito x): E, quando ouuiu a uirtude deste nome, escreueo o nome ẽna augua e
beueo-a ao tempo que lhe auia de uĩĩr a sazom, e logo o leyxou a febre.
( Ex.Orto do Esposo Cap 3, p.09)
Hũũ barõ religioso leixou a esposa e o mũdo por amor de Jhesu Christo.
( Ex.Orto do Esposo Cap 5, p.13)
18
Nasais: / m /: E emtam abrirõ-lhe o costado e acharon-lhe o caraçom aberto e
partido, e era dentro em elle escripto: Jhesu meu amor.
( Ex.Orto do Esposo Cap 5, p.13)
Laterais: [l] dental:
Se escreues , nõ me sabe bem, se hy nõ leer Jhesu, se desputas ou rrazoas, nõ acho
hy sabor, se hy nõ soar ou for amẽtado Jhesu.
( Ser.Orto do Esposo Cap 2, p.07)
/ lh /: E depois que foy uelho, hũa uez estando ẽno coro, ficou os geolhos em terra
ao nome de Jhesu, asy como auia em custume, e, quando se quis leuãtar, nõ pode, per
razom da fraqueza da uilhice.
( Ex.Orto do Esposo Cap 5, p.13)
Sobre a situação do sistema consonantal do latim ao português no período arcaico
nos diz Tarallo (1990, p.107): pouco dizem os compêndios de gramática histórica sobre os
traços fonéticos-fonológicos das consoantes portuguesas durante o período arcaico.
Citando Coutinho (1969), que apresenta algumas características gerais para o
sistema morfológico do português arcaico, diz Tarallo (1990,p.120-1):
Coutinho faz várias observações sobre os nomes e os verbos no português
arcaico que explicam a herança não-herdada do latim clássico, mas que confirmam
a manutenção do inventário morfológico a partir do latim falado. Sobre os nomes,
Coutinho observa que o português arcaico era caracterizado por uma profunda
redução no gênero. Assim, alguns substantivos eram uniformes, enquanto outros
nomes eram marcados com gênero diferente ao que sobreviveu no sistema
moderno. Alguns nomes, como ourives, que não são mais marcados formalmente
19
no plural moderno, apareciam flexionados no português arcaico. O verbo era
marcado por –des na segunda pessoa do plural, mantendo, via evolução fonológica,
a forma –tis da conjugação clássica. Os particípios presentes em –nte, vigentes no
sistema de então, seriam posteriormente reanalisados em outras partes da
gramática.
A respeito do saldo efetivo das perdas morfológicas no português moderno, Tarallo
(1990, p.121) elege a classe dos substantivos porque neles transparecerá, com grande
nitidez, a intersecção entre a fonologia e a morfologia, na passagem do latim ao português.
Em virtude de uma série de mudanças fonológicas presentes no latim falado, o
sistema morfológico se apresentava empobrecido em relação ao latim clássico: redução no
número de declinações e de casos foram duas características morfológicas apontadas para o
latim vulgar. Assim , de cinco declinações o latim vulgar conhecia somente três: a
primeira(que também recebia palavras da quinta), a segunda (incorporando as palavras da
quarta), e a terceira (também como a primeira, recebendo palavras da quinta).
Tarallo (1990) citando Coutinho(1969:225):
tal confusão entre as declinações já “reinava no próprio latim clássico, onde
alguns substantivos da quinta podiam também ser declinados pela primeira: avarities, ei
ou avaritia, ae; luxuries,ei, ou luxuria, ae; materies, ei, ou materia, ae”.
Ca este nome, chamado, tyra o temor e da forteleza, refrea a sanha e amãsa o jnchaço da
soberua e saa a chagua da ẽveia e restringe o fluxo da luxurya e apagua a chama della e
tempera a sede da auareza e afugenta todo o proydo do deseio de toda torpidade.
( Ex.Orto do Esposo Cap 3, p.08)
Assim, do latim avaritia > auareza (arcaico) e do latim luxuria > luxurya (arcaico).
20
Para Tarallo (1990,p.122), com a tendência do latim vivo e falado a obscurecer e,
aos poucos, cancelar o final ( ou os segmentos finais) das palavras, natural foi, portanto,
que tanto o número de declinações quanto o número de casos fossem reduzidos.
Assim, em Coutinho(1969, p.226-7) no começo da fase românica, as três
declinações apresentavam-se constituídas:
Primeira declinação
Nominativo
Acusativo
Singular
luna
luna
Plural
lune
lunas
Singular
annus
annu,o
Plural
anni
annos
Singular
canes
cane
Plural
canes
canes
Segunda declinação
Nominativo
Acusativo
Terceira declinação
Nominativo
Acusativo
Tarallo (1990, p.123) apresenta duas explicações para a sobrevivência do acusativo
no espanhol e no português:
...observe-se o acusativo plural em /s/ presente nos dois sistemas modernos:
evidência cabal de que foi o acusativo, e não o nominativo, que sobreviveu nesses
dois sistemas. No caso do singular, podemos dizer que a neutralização entre o
nominativo e o acusativo começou com o obscurecimento do /m/ final, indicador
do acusativo singular no latim clássico. Assim, com a neutralização entre os dois
casos no singular, a predominância do acusativo plural em /s/ nas três declinações
transformaria, pois, o acusativo no caso lexicogênico nos dois sistemas.
É exatamente a partir do acusativo que Teyssier (2004, p.36) apresenta a morfologia
dos nome e adjetivos levando em consideração em sua exposição o exposto anteriormente
21
por Tarallo (1990, p.123) aspectos
de caráter fonético que se intersecciona com o
inventário morfológico
Quanto à morfologia e sintaxe :
Morfologia do nome e do adjetivo – A queda do -l – e do - n – intervocálicos tivera
conseqüências importantes nos paradigmas:
A) Plural dos nomes e adjetivos terminados por - l –
______________________________________________________________________
Singular
Plural
______________________________________________________________________
celestial
celestiaaes (isto é, celestia-es)
terreal
terreaaes
jnfernal
jnfernaaes (isto é, jnferna-es)
(isto é, terrea-es)
Ẽno nome de Jhesu Christo todo geolho seia ẽclinado das cousas celestiaaes e
terreaaes e jnfernaaes?
( Ex.Orto do Esposo Cap 5, p.13)
B) Morfologia dos nomes e adjetivos em -on. Aqui é a queda do -n- intervocálico
que explica as formas do galego-português.
Os nomes provindos do latim –o, -onis , (leo,leonis, “leão”) tinham dado a partir do
acusativo, as formas esperadas:
______________________________________________________________________
Singular
Plural
22
______________________________________________________________________
leone- > leon(e) > leon
leones > leões
______________________________________________________________________
Veja o plural de “leão” nas seguintes passagens:
Sancto Ignacio mandauã deytar aos leõões pella fe de Jhesu Christo...
E, depois que foy deitado aos liõões e os ouuyo rogir...
E enton chamou aficadamẽte os liõões, que o ueessem comer, e logo dous leõões o
afogarom tan solamente, nõ tangerom mais a sua carne.
( Ex.Orto do Esposo Cap 3, p.9-10)
Percebe-se que há uma alternância de grafia na forma do
plural de “leão”
em que
“leõões” é uma forma mais
conservadora e próxima do latim do que “liõões” que não segue a
base latina no radical.
Teyssier adverte que, no singular, leone perdeu cedo o –
e final. Quando o –n- intervocálico caiu, havia muito tempo que
se dizia leon: o -n- não era mais intervocálico, mas final, razão
por que não caiu.
Para o pesquisador,segue da mesma maneira os adjetivos que em latim terminavam
em -anus apresentando as seguintes formas:
______________________________________________________________________
Singular
Plural
______________________________________________________________________
23
masculino: sanu- > sano > são
sanos > sãos
feminino: sana > sãa
sanas > sãas
(pronunciar sã-o, sã-os, sã-a, sã-as )
______________________________________________________________________
E des aquella hora foy fecta a donzela sãã, e cõuerteo-a Sancto Ciriaco e bauptizou-a.
( Ser.Orto do Esposo Cap 4, p.12)
Possessivos – Existia para o feminino de meu, teu, seu uma forma átona distinta da
forma tônica:
______________________________________________________________________
Masculino
Feminino
________________________________________
Tônica
Átona
______________________________________________________________________
meu
mia,mĩa, minha
mia, mha, ma
teu
tua
ta
seu
sua
sa
______________________________________________________________________
E porem o seu nome glorioso deue seer chamado ẽ começo de toda boa obra, e ẽno
seu sancto nome deue o homẽ de fazer toda cousa...
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
E diz Salamõ emnos Cantares do Amor: Oleo espargido he o teu nome.
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
24
Meu Senhor Jhesu Christo, nõ sey hu uaa mais depos ty.
( Ex.Orto do Esposo Cap 2, p.08)
E emtam abrirõ-lhe o costado e acharon-lhe o caraçom aberto e partido, e era dentro
em elle escripto: Jhesu meu amor.
( Ex.Orto do Esposo Cap 2, p.08)
E tam grande dulçura e prazer auia em elle e consolaçom , que tantas uezes o
nomeou em sua escriptura, e na morte nõ lhe esqueeceu .
( Ex.Orto do Esposo Cap 2, p.08)
O nome do Saluador he nome de meu jrmãão e da minha carne e do meu sangue,
nome marauilhoso.
( Ser.Orto do Esposo Cap 5, p.12)
Assim, o sistema dos possessivos já estava, portanto, constituído correspondendo às
formas do português moderno.
3. Os anafóricos (h)i e ende-en – Estas palavras tinham a mesma origem, o mesmo
sentido e os mesmos empregos que y e en do francês.Estes anafóricos no caso hi de acordo
com Teyssier encontram-se a cada instante nos textos em galego-português medieval.
Onde diz Sam Lucas ẽnos Autos dos Apóstolos que nõ ha hi saude ẽ outro nehũũ
seno em Jhesu Christo.
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
25
Se escreues , nõ me sabe bem, se hy nõ leer Jhesu, se desputas ou rrazoas, nõ acho
hy sabor, se hy nõ soar ou for amẽtado Jhesu.
( Ser.Orto do Esposo Cap 2, p.07)
Exemplo. Hũũ homẽ foy leuado ao jnferno pera ueer as penas que hi som, e antre
aquelles que hy eram, vyo hũũ homem que era todo metido ẽ os tormẽtos, afora a cabeça,
que tijnha fora.
( Ex.Orto do Esposo Cap 3, p.09)
Nesta passagem duas variantes do anafórico aparecem a primeira (h)i e a segunda
(h)y, esta última por influência francesa.
O vocabulário
Empréstimos do francês e do provençal – A influência da língua d`oïl e da língua
d`oc é muito forte durante o período do galego-português, e explica-se por uma série de
causas convergentes: presença da dinastia de Borgonha, implantação das Ordens de Cluny e
de Cister, chegada à Portugal de numerosos franceses do Norte e do Sul, influência direta
da literatura provençal, etc.
A última colocação de Teyssier sobre o provençal é pertinente principalmente por
causa do emprego constante do til conforme visto anteriormente em Masip (2003) via
provençal tille.
Empréstimo do francês:
26
Jhesu, amigo doce, conselheyro sages, forte defensor, a este me offreço e deste me
fyo, que me pode saluar e quer.
( Ser.Orto do Esposo Cap 3, p.09)
Empréstimo do provençal:
o nome Jhesu he luz e mãyar e meezinha, ca elle luze quando he preegado e da
mantiimẽto a [a ] alma quando em elle cuida e abranda-a e hũta-a quando o chama.
( Ser.Orto do Esposo Cap 1, p.05)
Outrosy, este nome Jhesu he manyar
( Ser.Orto do Esposo Cap 2, p.07)
Certamẽte , todo manjar da alma he seco, se nõ for espargido sobre el este oleo
do nome de Jhesu
( Ser.Orto do Esposo Cap 2, p.07)
Registra-se três variantes ortográficas para manjar: mãyar, manyar e o moderno
manjar, vindo provar a flutuação na escrita a qual Tarallo se refere anteriormente sobre a
ortografia da época arcaica.
Palavras eruditas e semi-eruditas: O recurso a empréstimos feitos diretamente ao
latim ascende a época muito remota, e nunca deixou de ser praticado.
Entre as palavras “semi-eruditas” são aquelas de entrada mais antiga na língua no
Orto do esposo são:
a) mundo:
Exemplo. Hũũ barõ religioso leixou a esposa e o mũdo por amor de Jhesu Christo.
27
( Ex.Orto do Esposo Cap 5, p.13)
b) diabo:
Exemplo. O emperador Diocleciano rogou a Sancto Ciriaco que desse saude a hũa
sua filha, que era muy maltreyta do diaboo
( Ex.Orto do Esposo Cap 4, p.13)
28
Capítulo 3 Hortus Sponsi: Por uma sintaxe discursiva do português “arcaico”
3.0.1 Hortus Sponsi: A sintaxe “arcaica”da ordem das palavras
Segundo Silva Neto (1976:226), os estudos sintáticos precisam fugir a todo e
qualquer esquematismo e têm de recair na psicologia; não podem ser encarados por
processos mecânicos.
Isto quer dizer que ao empreender-se um estudo que tem por objeto o português
arcaico o pesquisador tem que levar em consideração fatores intimamente ligados à
natureza da linguagem e disciplinas intimamente ligadas à Filologia..
Continuando seu raciocínio Silva Neto nos diz:
a par da Sintaxe é preciso levar em conta a Estilística, disciplina
que teve largo desenvolvimento nesta primeira metade do século ,
graças, principalmente, aos estudos de Vossler, Spitzer e Bally. O
segundo desses mestres assinala como teoricamente correta a
distinção entre a estilística como individual behavior e a sintaxe
como colletive mores, mas apresenta que, na prática, os estudos
de sintaxe devem tirar a sua seiva da vida do estilo. Nihil est in
syntaxi quod non fueri in stylo – escrevera ele vai para mais de
vinte anos.
Apresentando o conceito de arcaísmo chamando a atenção ao trabalho de Bally
quanto à precisão em relação aos outros pesquisadores nos diz Leão (1957:15):
Distinguindo arcaísmos referentes às palavras, ao sentido e à
sintaxe, acaba praticamente, por eliminar os primeiros.
Arcaísmo, diz, não é simplesmente sinônimo de
expressão obsoleta e rara. Como Bally considera
sempre um estado de língua determinado (sem
explicá-lo pela história), isto é, encara todos os fatos
numa perspectiva sincrônica, qualquer arcaísmo só
poderá fazer parte desse estado de língua se for ainda
29
vivo.(...)Tomemos seu próprio exemplo:brandir um
bastão à guisa de lança. (brandir un bâton en guise de
lance). A locução à guisa de é corrente, ao passo que o
substantivo guisa, que significava maneira está fora de
uso.
O emprego do substantivo guisa ocorre no último exemplo do Orto do Esposo no
capítulo 1, em que aparece fora da locução à guisa de:
E disse Sam Paulo: Pera tu tolheres toda duuida, eu te escreuerey as palauras, e tu as
dy ao cego per tua boca e ẽ esta guisa: Enno || nome de Jhesu Christo nado da Uirgem,
crucifixo, morto, e que resurgio e sobio aos ceeos, uee!
Foi atualizado para maneira embora no glossário de Maler (1964:97) a palavra
guisa para este contexto signifique modo:
E disse São Paulo: Para tu tirares toda dúvida, eu te ditarei as palavras , e tu as dê ao
cego pela tua boca, desta maneira: Em nome de Jesus Cristo, nascido da Virgem,
crucificado, morto e que ressurgiu e subiu aos céus, veja!
Houve assim uma escolha pessoal de atualização concordando com o determinante
esta ficando o sintagma desta maneira e não deste modo.
Segundo Leão (1957:15):o que diz Bally de um francês médio valeria também para
um português ou brasileiro médios.
Assim, o trabalho de atualização exige que o filólogo respeite o grupo fraseológico
ou locucional em que a palavra está inserida e fazer sua escolha de acordo com o contexto
do discurso em questão. São esses os cuidados de se atualizar um texto escrito em
30
português de Portugal para leitores do português brasileiro: preservação da mensagem
verificando forma e conteúdo frasal e oracional.
Continuando sua leitura de Bally, Leão (1957:16): revela que
guisa só é palavra viva graças ao grupo fraseológico à guisa de:
é um arcaísmo e como tal pode considerar-se índice do caráter
locucional do grupo em que aparece(...) Os arcaísmos se
reduziriam, assim, a duas categorias – os semânticos e os
fraseológicos ou sintáticos. Embora Bally não o diga
explicitamente, é o que deixa entender nos parágrafos em que se
refere ao assunto.
Percebe-se, assim que o conceito de arcaísmo é relativo: não é a palavra em si que
se arcaizou, mas sim, o seu emprego dentro do contexto da oração, e no discurso do texto e
é por isso que pode-se afirmar que há no Orto do Esposo um discurso arcaizante visto que
não há arcaísmo da palavra propriamente dita e sim do seu emprego dentro do contexto
locucional, frasal e textual, observando-se sua posição, e conseqüentemente seu
sentido.Veja-se o conceito de arcaísmo de Bally em Traité de Stylistique Française citado
por Leão(1957:15-16):
Um arcaísmo é um fato de linguagem que pego isoladamente, não é
entendido pelo falante e só torna-se inteligível por sua presença em um
grupo de palavras. Só este grupo tem sentido, o espírito não fixa mais sua
atenção na análise dos elementos desse grupo. Donde essa conclusão
importante: todo fato de arcaísmo é indício de uma unidade da qual ele é
só um elemento, isto é, o indício de uma unidade fraseológica . Com
certeza, este fenômeno não se verifica em todos os casos, mas seu alcance
não deixa de ser relevante.
Sabe-se que as preposições fazem parte de locuções e expressões, merecendo uma
explanação mais pormenorizada visto que estabelece relações entre as palavras. Assim, de
acordo com Silva Neto (1976:226) o caminhar do sintetismo para o analitismo acarretava o
desenvolvimento do uso das preposições que, assim, passavam a exprimir as funções
sintáticas dantes indicadas pelos casos.
31
O próprio título da obra serve de exemplo: Orto do Esposo equivalente ao latim
Hortus Sponsi
em que o genitivo singular Sponsi estabelece a idéia traduzida pela
preposição de em português.
A palavra esposo origina-se para Williams (1975:87) do ns mediais do lat. cl. > lat.
vulg. e port. s: sponsum > esposo.
Verifica-se, assim, a origem clássica do substantivo esposo em português via
acusativo, caso este que originou os nomes em português.
Para Dias (1970:131):
a prepos. de ligando um substantivo( ou equivalente do
substantivo, já diretamente, já por intermédio do verbo ser, julgar,
etc. (fazendo as vezes de n. predicativo)-, serve de designar a
pess. ou coisa a que a outra pertence por qualquer respeito
(posse, parentesco, etc.) (...) A prepos. de, tomada neste sentido é
em port. ( e nas demais línguas românicas) de emprego mais lato
do que o genit. possessivo do latim clássico, sendo que muitas
vezes esta relação tinha de ser expressa por uma adjetivo ou por
uma perífrase adjetiva.
Aplicando-se o que disse Williams (1975) e Dias (1970), respectivamente, ao título
da obra: Hortus sponsi.
Segundo Hauy (1989:67):
Da grande variedade de preposições registradas nos códices, muitas subsistem na
língua, outras desapareceram completamente, e a preposição per manteve-se apenas nas
combinações com o artigo definido (pelo, pela) e nas locuções: de per si , de per meio.
Quanto ao emprego das preposições, encontra-se uma construção no cap. I do livro I
intitulado DO NOME DE JESUS na Sinopse do conteúdo do Orto do Esposo de Maler
(1956:191) :
32
Toda obra deve começar pela invocação do nome de Jesus. Exemplos.
A expressão sozinha , isolada “DO NOME DE JESUS” significa “Sobre o nome de
Jesus” ou “A respeito do nome de Jesus”. O interessante é que inserida na oração a mesma
expressão do nome de Jesus complementa a palavra invocação funcionando sintaticamente
como Complemento restritivo de especificação, mudando-se o sentido.
Retomando Silva Neto (1976:227):
De tudo se colhe que as construções preposicionais foram assumindo,
cada vez mais, a função de puras distinções casuais, em desproveito do
uso dos casos. Tal mudança levava forçosamente, a alterações na ordem da
frase latina que, na feliz expressão de Marouzeau, era livre mas não
indiferente. Assim se caminhava no sentido das frases curtas e da ordem
preferencialmente direta (...)
No início deste capítulo o próprio Silva Neto afirma que os estudos sintáticos têm
de recair na psicologia, ou seja apresenta um fator psicológico em detrimento de um fator
mecânico, isto é não, propriamente lógico ou gramatical ao analisar as frases.
Implicitamente o autor possivelmente inclui ao estudo sintático-gramatical a Estilística.
Ainda que a Estilística não seja filológica em sua natureza, influenciou o método idealista
da filologia conforme Bassetto (2001).
Para a sintaxe da frase latina vulgar, considerar-se-á características gerais descritas
por Maurer Junior (1959:191-3) entre a construção da frase latina vulgar em oposição à
língua clássica, antes de abordar especificamente a frase do português arcaico.
1) A língua vulgar é analítica na construção da sentença;
2) A frase popular caracteriza-se por ser mais determinada e concreta.;
3) A disposição das palavras se simplifica e se fixa, em oposição ao latim literário,
no qual a ordem admite grande liberdade, sujeitando-se antes às preocupações de estilo do
que às exigências da gramática.
33
Já especificamente para a frase arcaica, tendo-se em vista o item 3 de Maurer
Junior, serão considerados o posicionamento teórico da obra A ordem das palavras no
português arcaico de Pádua (1960), por utilizar metodologicamente como instrumento
aspectos selecionados na prosa arcaica da frase de verbo transitivo cujos elementos
essenciais: o sujeito, o verbo e o objeto – são expressos.
Sobre a definição de frase, traz as tentativas infrutíferas de uma definição perfeita
que leve em consideração a variedade de aspectos que a envolvem, além de outros
problemas da natureza da linguagem, destaca na tentativa de tais definições, o predomínio
de determinados fatores, como: o lógico, o psicológico etc, que possuem limitações e não
são plenamente satisfatórias.
Para Padua, segundo o ponto de vista lógico, a frase seria a entidade lingüística
destinada a expressar um juízo completo.
Esse posicionamento vem cumprir com as exigências gramaticais formais ao qual o
leitor , na ausência de algum elemento essencial, deve esforçar-se por subentender
claramente a mensagem.
Na tentativa da fuga do esquematismo
dito por Silva Neto, sobre os estudos
sintáticos, surge o critério psicológico na tentativa de sair do mecanicismo, pois há que ter
em conta o sentido da frase, tanto relativamente a quem a formula, como relativamente a
quem a recebe. Pádua (1960, p.9).
Portanto, nos moldes psicológicos, a análise do problema não toma por base a frase
formal, mas todo aquele sentido primitivo, primeiramente nascido no espírito que depois a
exteriorizou.
3.0.2 Hortus Sponsi: Aspecto semântico da frase
34
Sobre o aspecto semântico da frase no processo de formulação emissor-receptor, ela
pode exteriorizar qualquer fenômeno psíquico, não só intelectual mas também afetivo, e ter
significado apenas para o seu autor.
Ao falar de autor, no caso anônimo do Orto, já foi dito em capítulo anterior que o
mesmo se dirige diversas vezes a uma suposta irmã que lhe encarregou repetidas vezes que
escrevesse hũũ iuuro dos fectos antygos e das façanhas dos nobres barõees e das cousas
marauilhosas do mũdo e das propiedades das animalias.
Maler (1964,p.23) lamenta o fato de que o nosso anônimo estivesse ligado demais à
sua ideologia teológica para poder melhor satisfazer o desejo da sua irmã.
Quanto ao significado frasal para o autor, esclarece Pádua (1960, p.9):
este, ao revelar o próprio pensamento ou sentimento, está esquecido do
mundo exterior. E é muitíssimo importante, neste aspecto, a colocação de
palavras com que brotam as frases – uma colocação geralmente impulsiva,
apresentando no princípio o que mais fortemente impressionou
determinado espírito e causando, por vezes, uma alteração radical em toda
a frase.
O esquecimento do mundo exterior, seria a prisão à ideologia teológica, e o que
mais impressionou ao autor, não foi o livro e sim os fectos antygos, as façanhas dos nobres
barõees , cousas marauilhosas do mũdo e das propiedades das animalias.
Prossegue Pádua (1960):
Outras vezes, a frase já se destina a alguém,- a irmã - mas nem por isso passa a
exteriorizar apenas elementos lógicos. Pelo contrário, destina-se a impressionar outro
espírito, quer pelo peso de argumentos, quer pela intensidade de sentimentos.
Parece ser o caso do Prólogo:
35
trabalhei-me de fazer este liuro das cousas cõteudas ẽnas
Escripturas Sanctas e dos dizeres e autoridades dos doutores
catholicos e de outros sabedores e das façanhas e dos exemplos
dos sanctos homẽẽs. E co esto mesturey as cousas que tu me
demandaste, asy como pude, segundo a bayxeza do meu
ẽtendimento e do meu saber.
O posicionamento de Pádua é concordante com o de Silva Neto quando ela diz: as
definições subordinadas ao critério psicológico são muito mais completas e expressivas do
que a definição ditada pelo critério lógico. Embora reconheça que somente este critério não
dá conta de todos os requisitos necessários para a frase ser completa, ou que abranja os
múltiplos fatores atuantes.
Pádua, citando Harri Meier afirma: esta psicologia lingüística não parte das formas
gramaticais, mas parte das intenções, dos valores semânticos, das funções das unidades
sintáticas.
Diz, Pádua:
Na frase de dois membros, o conceito mais conhecido, primeiramente
expresso, seria o sujeito psicológico; o termo que definisse a relação
existente entre os dois, quer dizer, que apresentasse o que até aí era
desconhecido seria o predicado psicológico.
É o que ocorre no início do Sermão de todos os capítulos I , II , III, IV e V, do
corpus analisado respectivamente:
Ihesu Christo he uirtude e sabedorya de Deus Padre
Este nome Jhesu he manyar
O nome Jhesu he meezinha
Este nome Jhesu he marauilhoso
O nome de Jhesu he de muita uirtude
36
Acrescenta, Pádua (1960, p.14) Numa frase organizada poderemos continuar a
distinguir sempre estes dois conceitos, até constituídos não por uma única palavra, mas
por uma expressão mais ou menos longa.
É a expressão NOME DE JHESU que é o grande leitmotiv do discurso religioso
arcaizante de toda a obra, principalmente no corpus analisado do Livro I , o que
impulsionou este estudo específico, é o que se torna evidente no decorrer da leitura de
todo o texto.
Todas estas frases respectivamente fazem parte do início do sermão, vindo atrelar
uma carga retórica ao qual este discurso se predispõe, sintetizado em sua essência com
precisão por Spina ( 1961,p.20):
O Orto do Esposo liga-se ao culto do Nome de Jesus; livro de edificação moral, sua
doutrina aparece baseada em histórias exemplares, e seu temário gira em torno do nome
de Jesus, das meditações alegóricas sobres as escrituras, e das vaidades do mundo.
Vale ressaltar que todas as frases que iniciam os respectivos capítulos do Livro I, do
corpus em apreço são nominais e regulares , ou seja , repete-se a mesma estrutura .
Levando em consideração os fatores gramaticais – fonéticos, morfológicos e
sintáticos, e artísticos, explana sobre o fonético, Pádua (1960, p.26): os elementos frásicos
de caráter nominal, tendo uma acentuação própria e independente, podem sofrer muitas
variações na disposição que apresentam na frase.
Sobre o fator morfológico, a frase organiza-se de acordo com essa constituição ou
massa, numa seqüência progressiva e crescente; em que elementos mais extensos seguem
os mais breves.
3.0.3 Hortus Sponsi: aspecto sintático da frase
37
Quanto ao fator sintático, Padua chama a atenção sobre construções especiais e
particulares pedidas por alguns verbos, oriundos do latim ou inovação das línguas
românicas.
Na prosa, destaca : o ritmo passa mais despercebido; no entanto, quando se trata de
uma prosa declamada, tem já muito valor, pois as palavras impressionarão
correspondentes à perfeição rítmica com que foram ditas.
É sabido que no latim o ritmo é rigorosamente marcado por um traço prosódico
composto de um sistema fonético baseado na quantidade de pronunciação das vogais que
são longas e breves, marcadas na escrita pelo mácron e braquia , respectivamente, trazendo
implicações no ritmo e na disposição morfológica ou até sintática das palavras na frase. O
que não ocorre no português arcaico, em que o sistema foi moldado paulatinamente pela
tonicidade das palavras em átonas e tônicas conservando-se seu ritmo peculiar em uma
cadeia morfo-fonética, não desprezando totalmente os critérios lógicos e gramaticais ,
fazendo com que os estudos lingüísticos fiquem restritos ao mero subjetivismo Mattoso
Câmara (1976,p.233) apresenta os padrões frasais:
A língua portuguesa, como as demais língua românicas, conservou o padrão frasal
básico latino, que consiste num nexo entre “sujeito” e “predicado”, segundo os termos que
a gramática latina adotou ao traduzir e acompanhar a gramaticologia grega.
Sobre as classes gramaticais diz Masip (2003, p.75) e (1999, p.139) e citando Mattoso
Câmara:
Platão(427-347 a C.) é o primeiro pensador grego a estudar a gramática de modo
ordenado. Estabelece uma divisão fundamental entre nome (ónoma) e verbo (rema), a qual
subjaz à analise sintática e à classificação lingüística posterior.
38
Vejamos alguns exemplos de ordem ascendente em latim – e descendente em
português arcaico respectivamente, para se ter uma noção de todos os fatores integrados:
Iesu nomen medicina est. O nome Jhesu he meezinha.
Hic Iesu nomen mirabilis est
Este nome Jhesu he marauilhoso.
Sobre alguns tipos ordem das palavras, Padua (1960, p.25) as divide em ordem
ascendente e descendente.
A primeira, típica do latim, é aquela em que a palavra que rege se coloca sempre
depois da palavra regida; e ordem descendente, típica das línguas românicas, é aquela em
que se verifica o fenômeno contrário, figurando primeiro as palavras regentes, seguidas das
que são regidas.
Conforme Câmara Junior (1976,p.233) na frase nominal em latim o nexo era
essencialmente expresso por meio fonológico, através do que se chama a “entoação” , isto
é, uma linha melódica ascendente, que se complementa com uma linha melódica
descendente.
Para o padrão normal português, a forma do verbo ser se intercala entre o sujeito e
o predicado.
3.0.4 Hortus Sponsi: Estrutura “normal” da frase padrão
A propósito do padrão normal português, Padua(1960, p.19) fixa a estrutura da frase
normal, vulgarmente usada na linguagem oral e na escrita:
A frase organizada apresenta-se, habitualmente, como tradução
dum pensamento completo, exteriorizado só depois de reunidos todos os
fenômenos que o constituem. Tem em geral duas partes, nas quais é de
muita importância o tom de voz, quer este se ouça realmente na linguagem
oral, quer só mentalmente quando lemos ou escrevemos. Na primeira parte
há uma subida, na segunda a conseqüente descida. A segunda parte parece
fechar o sentido, depois de ter sido completamente iluminado numa
seqüência progressiva, desde o princípio da frase até o meio – o ponto
39
onde a intensidade é mais forte. Quase sempre a esse ponto corresponde
uma pausa de repouso e expressão introdutória do membro descendente.
Depois deste, há uma pausa final. A frase completa dá, por isso, uma idéia
de ondulação, numa subida e descida gradual, acompanhando a revelação
de todo o sentido.
Essa “ordem normal” das palavras para Huber (1986,p.283):
sujeito + predicado + complemento (S P C) já se encontram no português antigocomo aliás ainda hoje acontece no português moderno – as mais diversas variações na
colocação destes membros na oração.
Assim, para complementar este estudo, faz-se necessária uma correspondência
comparativa no sistema do português arcaico quanto às possibilidades de colocação das
palavras na Gramática do Português Antigo de Huber (1986) e na obra A ordem das
palavras no português arcaico – frases de verbo transitivo de Padua (1960). Este por ser
uma estudo específico em filologia e aquele por ser a única gramática do português antigo
de que dispomos.
É importante ressaltar que Huber destaca sintaticamente o predicado ( P ),
distinguindo o do complemento ( C ), embora se saiba que o complemento quando aparece,
implicitamente faz parte do predicado.
Em Pádua a distinção é mais clara, por considerar morfologicamente o verbo ( V )
como categoria gramatical distinta do complemento ( C ).
Na correspondência: ( P ) em Huber corresponde a ( V ) em Pádua.
Neste momento é valido um questionamento se Huber estaria inadequado.Não,
trata-se somente de uma questão de nomenclatura. Se considerarmos o português moderno
em sua descrição, a nomenclatura é bem adequada e moderna. O (P) de Huber equivaleria
40
ao núcleo do predicado (NdP) em Perini (1996, p.71) na Gramática descritiva do
Português :
O verbo desempenha na oração unicamente a função de
núcleo do predicado; essa é a única função que um verbo pode
desempenhar, e somente um verbo pode ser núcleo do predicado.
Em outras palavras, o verbo é sempre o NdP da oração; e o NdP
da oração é sempre um verbo.
Essa reflexão se faz necessária para que o leitor entenda a comparação que Huber
(1986) faz entre no estabelecimento da ordem das palavras no português antigo e moderno.
Após estas considerações de ordem nomenclatural, pode-se sistematizar um quadro
comparativo e, conseqüentemente, a freqüência do emprego, em termos gerais , das
possibilidades na prosa literária arcaica, da qual faz parte o Orto do Esposo:
Huber (1986)
Padua (1960)
freqüência do emprego
1. S P C
Sujeito + verbo + complemento
( freqüente)
2. S C P
Sujeito + complemento + verbo
( freqüente )
3. C S P
Complemento + sujeito + verbo
(emprego raro)
4. P S C
Verbo + sujeito + complemento
(mais freqüente)
5. P C S
Verbo + complemento + sujeito
( menos freqüente)
6. C P S
Complemento + verbo + sujeito
(mais freqüente)
Para facilitar a análise, considerar-se-á o corpus , o Livro I do Orto do esposo, salvo
casos excepcionais, em que alguns casos relevantes apareçam em outros livros e que
contribuam para o estudo da modalidade.
41
As modalidades que serão abordadas serão a 1 por ser a ordem direta do português
antigo e moderno e a 3 por tratar-se de uma construção rara distante da moderna.
Razão da escolha: a modalidade “Sujeito + verbo + complemento” é a forma geral,
habitual de uma narrativa na prosa nos modernos moldes da linguagem e a construção
“Complemento + sujeito + verbo” é uma forma específica de construção existente no Orto,
que merece um destaque especial.
Ambas virão precedidas de uma sintética abordagem teórica, para que possam
servir de fértil embasamento aos pesquisadores quanto à análise sintática do português tanto
arcaico como do latim, com propósitos múltiplos: compreender a construção da frase latina
no que concerne ao discurso religioso, como também das línguas românicas, melhorar o
desempenho em língua portuguesa moderna a partir de reflexão sobre e na língua etc.
aplicáveis não só no Orto, mas na prosa literária medieval portuguesa, em sua
multiplicidade.
Não será preciso deter-se nas outras colocações das ordens das palavras, pois como
afirma Paiva (1988,p.81) A colocação das palavras na frase, posto que não faça parte da
sintaxe, é um dos aspectos mais característicos da fase arcaica e mesmo da época
renascentista.
Sabe-se que não se pode exagerar, pois no processo de tradução, a ordem das
palavras possui uma certa relevância, principalmente de uma língua sintética como o latim,
para uma analítica: o português.
Modalidade 1. S P C
Sujeito + verbo + complemento
( freqüente)
42
Para Pádua (1960, p.41), é esta a construção mais clara, em que a idéia é traduzida
com maior capacidade de ser perceptível. Em todas as línguas românicas ela goza desse
privilégio de clareza e representa um esforço de racionalização e disciplina.
Esta construção, durante a leitura do corpus
é a mais evidente, pois a idéia
construída pelo autor, principalmente nos Sermões do Livro I em seus respectivos capítulos
tem a importância retórica, religiosa e sobretudo didática, conforme já visto anteriormente,
que o autor tinha poucos modelos vernáculos, dando estilo , dispondo as palavras com
vistas a um público determinado. Suas idéias devem ser claras e precisas, pois corre o risco
de não serem compreendidas pelas autoridades medievais.
Segundo definição de Bidois, citado por Pádua (1960, p.40), a ordem [...] que
responde às exigências do pensamento refletido até um outro fator que não vem atrapalhar
seu funcionamento normal nem sua expressão pela língua.
Esta modalidade também é chamada de ordem direta . O motivo esclarece Pádua:
porque traduz, sem alteração, o desenvolvimento dum raciocínio. Notamos, por
assim dizer, uma paralelismo nítido entre a elaboração dum pensamento no espírito de
quem fala ou escreve, e a exteriorização desse mesmo pensamento.
Este pensamento seria o fruto do labor literário da construção de uma prosa com
fins doutrinários e que tem por primazia a clareza de idéias que foram sacadas de diversas
fontes, principalmente das autoridades eclesiásticas , garantindo o posicionamento do
discurso religioso tema do Sermão, evidenciado e prolongado nos Exemplos.
3.0.5 Hortus Sponsi: fator intelectual de construção das idéias
43
No capítulo anterior, Maler chama o Orto do esposo de obra de divulgação
científica, possivelmente pela predominância do fator intelectual de construção das idéias,
concatenização das mesmas, fontes etc. Mas não se pode exagerar, retringindo-se somente
ao critério lógico ou racional, temos de levar também em consideração o critério
psicológico proposto inicialmente por Silva Neto (1976:226) nos estudos sintáticos e em
Pádua (1960,p.42):
Na verdade, a colocação direta das palavras na frase, é a conseqüência duma construção
prévia, de caráter espiritual, cujos elementos são resultantes da própria atividade
psicológica. É a construção que exterioriza um pensamento organizado e completo.
E é essa completude que o autor anônimo preocupa-se no tema dos Sermões
construídos, elegendo a frase nominal na abertura do discurso religioso, construído
previamente , retomados e repetidos com fins persuasivos ao longo dos outros capítulos.
Sobre esta ordem, novamente, frisa Pádua (1960, p.42): É
a construção que
exterioriza um pensamento organizado e completo, citando Ginneken:
A ordem sintática ou a ordem das palavras na construção é evidentemente mais
recente e secundária. A ordem de adesões e de sentimentos ou a sucessão das unidades
independentes é mais antiga e primária tão naturalmente quanto.
Baseado também em Ginekken, Pádua (1960) torna mais clara a citação ,
apresentando o que se entende por adesão:
A adesão, o que quer que seja o nome que se queira dar, é o essencial do
pensamento, mesmo na narração concreta, a mais simples, tanto para aquele que fala,
como para aquele que escuta.
Nesse caso, aquele que escuta, estaria para o leitor da obra, em que já no Prólogo
voltado a este leitor , comenta Spina (1961, p.71) sobre o plano de construção do Orto:
44
Neste Prólogo o autor anônimo nos informa das razões da elaboração da obra
(Orto do Esposo) e do conteúdo das belas e edificantes narrativas por ele coligidas.
Então, é provável e natural que o anônimo escolha uma ordem racional de
disposição das palavras ao elaborar seu discurso nos moldes diretos, envolvendo um estilo
pessoal na forma de construção do conteúdo.
Assim, a adesão do pensamento em uma literatura de Exempla, de nosso corpus,
está contida essencialmente nos Sermões, e os Exemplos funcionariam como reforço dessa
adesão. Este conceito é de extrema importância no Orto do Esposo em que o Sermão e os
Exemplos são bem definidos e delineados pelo autor.
Para se compreender a ordem direta do português arcaico comparado aos moldes do
português moderno, diz Padua (1960, p.43): reconhecemos, sem dificuldade, que ela não é
só característica do português arcaico, mas tem um cunho absolutamente atual.
E frisa: estende-se a outros idiomas românicos, estende-se ao português, e aqui
surge não apenas na época atual, mas em perfeita continuidade de uso, desde os primeiros
textos existentes.
E é por essa razão que o capítulo anterior iniciou-se com um trecho do Portucaliae
Monumenta Histórica , para fazer a biografia do termo hortus.
Sobre esta obra, comenta Vázquez Cuesta , Luz, (1971, p.370):
Na obra Portucaliae Monumenta Histórica (recopilação do
ilustre historiador Alexandre Herculano), editada pela Academia das
Ciências de Lisboa) encontramos uma importante coleção de documentos
escritos em latim incorreto e avulgarizado que tanto interesse tem para os
filólogos. Só nos começos do século XIII começam a aparecer, alternando
com eles, outros redigidos total ou quase em português.
Como a abordagem deste trabalho é filológica, é importante para o entendimento do
discurso religioso, do latim ao português a idéia primeira de hortus, já analisada, na cultura
portuguesa, pois o Orto do esposo não deixa de ser uma recopilação de narrativas ou
45
relembrando Maler (1964,p.22): sabe-se que a palavra hortus e sinônimos empregava-se
muito amiúde como título de compilações de diferentes classes.
A propósito do latim em suas modalidades, faz-se necessário um estudo da ordem
das palavras respeitando-se sua origem, para entendermos o emprego dentro do português
arcaico por Padua (1960, p.44):
Já dentro do próprio latim, onde a existência da flexão nominal constituía uma fonte
de riqueza para a variedade da frase, visto que, devido a ela, o sentido seria sempre
perceptível e a função de cada palavra bem distinta, se encontra essa tendência para a
ordem moderna das palavras.
3.0.6 Hortus Sponsi: fator biográfico-religioso
Mais uma vez, destaca-se a importância de se fazer a biografia dos termos Hortus e
Sponsus que abre o capítulo anterior, contextualizando-os lingüística e literariamente tendo
em vista o entendimento do objeto de estudo empreendido: o discurso religioso
“arcaizante” que o anônimo deu feição portuguesa a partir do latim.
Sobre o deslocamento do verbo latino do fim para o meio da frase , conclui Padua
(1960,p.45):
podemos concluir que a ordem das palavras moderna românica estava já em
embrião antes da própria existência dos idiomas românicos, vivia em potência no latim,
desde os mais recuados tempos, e foi o resultado de um desenvolvimento progressivo dessa
força que caminhava para uma maior perceptibilidade, e ia ganhando vantagem, à medida
que desapareciam outros elementos da língua base, como a flexão nominal, fato que
46
provocava a necessidade do processo analítico e dava forças a tudo que contribuísse para a
compreensão mais clara e completa das idéias.
O curioso é que a ordem direta já é proveniente do próprio discurso religioso da
Peregrinatio ad loca sancta
dentro do latim
vulgar que vem a exemplificações de
Grandgent citada por Pádua (1960, p.45):
Haec est autem vallis ingens et planissima, in qua filii Israel commorati sunt his
diebus, quod sanctus Moyses ascendit in montem Domini, et fuit ibi quadraginta diebus et
quadraginta noctibus.
Traduzido por:
Este vale é enorme e planíssimo, em que os filhos de Israel se demoraram naqueles
dias, quando santo Moisés subiu ao Monte do Senhor e ficou ali quarenta dias e quarenta
noites.
Outro exemplo, do discurso religioso, foi extraído da Vulgata do Êxodo XXXII, 33,
34:
Cui respondit Dominus: qui peccaverit mihi, delebo eum de libro meo; tu autem
vade, et duc populum istum quo locutus sum tibi; angelus meus praecedet te.
Traduzido respectivamente por:
Então, disse o Senhor a Moisés: Riscarei do meu livro todo aquele que pecar contra
mim; Vai, pois agora, e conduze o povo para onde te disse: eis que o meu Anjo irá adiante
de ti.
47
Podemos levantar a provável hipótese de que é do discurso religioso latino que o
autor anônimo deu a forma da ordem direta portuguesa na composição de sua obra pela
incorporação de várias vozes nas ínfimas traduções incorporadas a seu discurso.
quod sanctus Moyses ascendit in montem Domini
quando santo Moisés subiu ao Monte do Senhor
angelus meus praecedet te.
O meu anjo irá adiante de ti.
Em que, segundo Pádua (1960, p.45) apresentam já essa ordem românica,
conservando ainda a flexão latina.
Modalidade 3. C S P
Complemento + sujeito + verbo (emprego raro)
Caso excepcional, distante do português moderno, ocorre no Orto do Esposo, em
uma oração conjuncional de sentido temporal, extraído de J. J . Nunes, registrado por
Padua (1960, p89):
E, tanto que as eu tomei e começey de braadar, logo aquelle moço nõ pareceu
mais, e eu creo que era angeo de Deos.
3.0.7Hortus Sponsi: A “sintaxe” do discurso religioso “arcaizante”
Retomando os estudos sintáticos, agora em moldes mais discursivos nos diz em
capítulo intitulado Sintaxe e discurso, Azeredo (1997,p.120):
Sabemos, porém, que os períodos se associam no discurso por
meios variados, que já não classificaremos como sintáticos, mas como
discursivos. Tradicionalmente, as investigações nesse terreno estiveram a
cargo da retórica e da estilística. A contribuição do estruturalismo a esses
estudos se deve notadamente à teoria literária.
48
É por esta razão que se justifica a abordagem em dois pólos integrados lingüísticoliterário do capítulo anterior, por trazer ao plano do discurso religioso a questão específica
do discurso literário em construção, discussão sobre o gênero da obra e recepção da mesma,
a questão da Divindade no simbólico aproximando-se da estética simbolista, seguido de
tratamento lingüístico paralelo.
Sobre esses dois pólos do discurso , afirma Azeredo (1997, p.121):
O discurso se situa, inevitavelmente, no ponto de tensão entre
dois pólos: a individualidade criativa do locutor/enunciador e o conjunto
de variáveis que, externas a ele, limitam, condicionam ou afetam de
diversos modos a enunciação: o código lingüístico, o interlocutor, o
tempo, o espaço, a situação social, o conteúdo, crenças e valores culturais,
o texto , o texto em processo, outros textos.
As variáveis apresentadas se materializam no discurso, segundo Azeredo (1997,
p.121), através de certos procedimentos que serão descritos didaticamente para fins de
análise, facilitando, assim, o entendimento em três categorias discursivas: A modalidade
(relações com o interlocutor e o conteúdo), referência (relações com o tempo e o espaço) e
a polifonia (relações com outros textos/discursos).
As contribuições da retórica e da Teoria literária serão enfocadas, devido a
complexidade da natureza do discurso, pela variedade de aspectos e fatores que o
condicionam, em que o corpus esteja intimamente predisposto a essas necessidades.
As expressões, quando possível, serão colocadas na forma arcaica, seguida da
moderna , para facilitar a leitura do corpus.
a) modalidade
49
Para Azeredo(1997, p.122), diz respeito à expressão lingüística de dois aspectos: as
apreciações do locutor sobre o conteúdo proposicional das orações e seus interesses e
intenções quanto às tarefas da enunciação.
Veja-se que ocorre o mesmo no que diz respeito à Teoria da Narrativa , quanto ao
discurso modalizante, para Carlos e Reis (1988, p.287):
Neste, detecta-se indiretamente a presença do sujeito da
enunciação através dos modalizadores, expressões lingüísticas que
assinalam a atitude do locutor em relação ao conteúdo proposicional do
seu enunciado.Advérbios e locuções adverbiais como samica (s) “ talvez”,
de cham “sem dúvida, certamente”, expressões do tipo é possível que , é
provável que, é incontestável que, e ainda verbos de opinião como parecer,
julgar, supor, crer, eis algumas das formas lingüísticas características do
discurso modalizante. Este tipo de discurso presta-se obviamente à
expressão de um conhecimento limitado.
É o que ocorre no final do último exemplo do livro I, capítulo 1 com o verbo
parecer:
E asy parece que o nome de65 Jhesu Christo he luz da fe catholica.
Há uma passagem, no penúltimo exemplo do Livro I, capítulo 1 deste discurso com
emprego abundante do verbo crer:
Oo tu, filosapho, ẽno nome de Jhesu Christo ouue a ensinança da uerdade!
Hũũ he Deus do ceeo e da terra e de todalas cousas , que as fez e criou co a uirtude
da sua palaura e as firmou com a sanctidade de seu spiritu. Esta palaura e uerbo,
que nos chamamos Filho de Deus, auẽdo misericórdia sobre os homẽẽs, liurou-[o] s
do error ẽ que eram e soffreu e quis nacer de molher e conuersar com os homẽẽs e
morrer por elles e vĩĩra outra uez a julguar a uida de cada hũũs .
E estas cousas creemos sem mais escoldrinhar. Pois , nõ queyras mais trabalhar em
vãão pera destroir esto que auemos por66 fe, nẽ queyras emquerer a maneira per
que podem seer estas cousas ou nõ seer. E se me nõ crees, responde a estas cousas.
Tanto que esto ouuio o fillosapho, ficou espantado e disse: Creeo. E dou muytas
graças a Deus e ao uelho porque o asy67 uẽẽcera. E emduzia os outros que
creessem aquello meesmo, marauilhando-sse muito como se uia assy mudado e
dizendo e jurando que era mudado e tragido aa ffe de Jhesu Christo per hũa uirtude
que el nõ sabia falar nem dizer. E asy foy fecto fiel per este nome Jhesu.
65
falta em B.
B per.
67
o asy] B assy o.
66
50
Essa questão religiosa entre fé e razão é retomada e tratada no discurso jornalístico
moderno, assinado por Hama, na revista Veja de 24 de dezembro de 2003. Mais
especificamente em Os gênios falam de Deus ,ver capa e artigo em anexo.
Fica evidente, assim, a modernidade do “discurso religioso arcaizante” por este
registro modal do discurso presente no Orto do Esposo, em que o filosapho seriam
representações “comparáveis” aos gênios Albert Einstein e Stephen Hawking.
O caráter ideológico é bem correspondente nos dois discursos, com uma diferença
apenas, o discurso religioso desta passagem é subjetivo e o jornalístico é objetivo, de cunho
intencionalmente “impessoal” ao se referir a mesma questão.
Comparando as duas linguagens literária e jornalística em contexto de linguagem e
ensino, ocorre no processo de leitura um processo de produção de significados, signos e
valores na vida social, conforme Eagleton (1997, p.15).
A lei de modalidade, para Maingueneau (1996, p.126), muitas vezes, contudo
,traduz mais divergências ideológicas do que uma transgressão objetiva.
A divergência ideológica, evidencia-se pelos verbos modalizantes: creemos , crees ,
creeo, creesem, este último, presente do subjuntivo, empregado como potencial, e
expressões como podem seer estas cousas ou nõ seer confirmam a lei da modalidade está
na passagem do Exemplo do Orto entre o uelho e o filosapho sobre a questão da fé.
Quanto às posições discursivas dos aparelhos ideológicos, propriamente ditos, Igreja
e Imprensa, respectivamente, percebe-se, segundo definição de Eagleton (1997, p.15), uma
conjuntura de discurso e poder. Como também, ideologicamente para Santaella (1996,
p.330) na linguagem: a ideologia toma corpo concreto, sensível, material e objetivo nas
linguagens que circulam, através dos aparelhos e por meio das instituições, no intercurso
social.
51
Por essa comparação de linguagens, pode-se construir um pensamento de identidade
com o leitor moderno, e é por isso que se fez necessária a atualização do corpus no capítulo
1 deste trabalho, com finalidade de leitura e que posteriormente serve de múltiplos
propósitos aos professores de língua e literatura portuguesas, a partir da prática e apreciação
dos textos, cruzando linguagens, pode-se construir um leitor crítico a partir de uma leitura
ética, justamente por não negar uma herança cultural ao público leitor a partir dessa
aproximação de diferentes ethos culturais.
Segundo Nunes (1998, p.175): ethos é o modo de ser e agir do homem e a
importância da leitura ética está no seu valor de descoberta e de renovação para a nossa
experiência intelectual e moral.
Essa abordagem sobre linguagem e ensino, a partir da estrutura e funcionamento da
língua, pode oferecer ao público do magistério possibilidades de dissecar as orações,
(re)definir funções, identificar relações do enunciador-enunciatário com seu próprio
enunciado e outras possibilidades que ampliarão a tarefa de se refletir e analisar outros
discursos, um instrumento importantíssimo e relevante ao leitor moderno, como também
objetivo de ensino de língua materna, retomando e não desfazendo das contribuições
anteriores.
b) referência
De acordo com Azeredo (1997, p.126), a referência constitui o conjunto dos meios
pelos quais o locutor designa no discurso as variáveis do contexto: ele próprio ( o locutor)
o interlocutor, o tempo , o espaço, o assunto.
Segundo Azeredo a partir de Reyes, o conjunto referência – polifonia faz parte de
um “entorno”, ou seja, uma ancoragem que consta de elementos lingüísticos ( que formam
52
o “contexto”, onde cabem todos os textos suscitados,aludidos, transcritos) e elementos
extralingüísticos , organizados em função do aqui e agora da enunciação.
São equivalentes às circunstâncias – variáveis que estão ao redor de algo- em
Bassetto (2001, p.53) que abre o capítulo precedente deste trabalho, quando se refere aos
critérios internos e externos, e o que se chama modernamente polifonia , filologicamente
equivale ao estudo e pesquisa das Fontes para Bassetto (2001, p.52) citações diretas e as
indiretas, as alusões, as imitações, em resumo, toda e qualquer influência de outros
autores sobre o texto.
Para Maingueneau (1995, p.121), enquanto enunciado, a obra também implica um
contexto: uma narrativa, por exemplo, só se oferece como assumida por um narrador
inscrito num tempo e num espaço que compartilha com seu narratário.
Quanto à linguagem, Maingueneau (1995,p.121) discursivamente denomina os
protagonistas da interação da linguagem, enunciador e co-enunciador, assim como sua
ancoragem espacial e temporal ( EU↔ E TU, AQUI, AGORA).
A essa situação de enunciação é denominada por Maingueneau de cenografia.
No caso da prosa doutrinária como Orto do Esposo, literatura de Exempla não é
apenas “exempla” por seu conteúdo, mas também pela maneira como institui a situação de
enunciação narrativa que a torna “de Exempla”.
Assim, para Maingueneau (1995, p.122), o que o texto diz pressupõe um cenário de
palavra determinada que ele deve validar através de sua enunciação.
Parece ser esta a cenografia no prólogo da obra:
53
trabalhei-me de fazer este liuro das cousas
cõteudas
ẽnas Escripturas Sanctas e dos dizeres e
autoridades dos doutores catholicos e de outros
sabedores e das façanhas e dos exemplos dos sanctos
homẽẽs. E co esto mesturey as cousas que me tu
demandaste, asy como pude, segundo a bayxeza do
meu ẽtendimento e do meu saber.
Retomando-se o capítulo anterior, a razão do título o próprio autor anônimo explica
também,no Prólogo:
E puge nome a este liuro Orto do Esposo, scilicet Jhesu Christo,
que he esposo de toda fiel alma, porque asy como emno orto ha
heruas e aruores e fruitos e especias de muytas maneyras para
delectaçõ e mãtimẽto e meezinha dos corpos , bem asy em este
liuro som conteúdas muitas cousas pera mãtimẽto e deleitaçom e
meezinha e cõsolaçõ das almas [dos homẽẽs] de qualquer
condiçom
A cenografia define, segundo Maingueneau (1995, p.123), as condições de
enunciador e de co-enunciador, mas também o espaço (topografia) e o tempo
(cronografia) a partir dos quais de desenvolve a enunciação.
Vale ressaltar que a cronografia refere-se à inscrição legitimante de um texto
estabilizado. É provável que a cronografia se vincule com a preocupação analítica de
precisar e estabelecer o tempo, tendo em vista a questão aspectual dos modos da língua nas
várias conotações.
Aplicando-se essa análise cenográfica nas passagens anteriores do Prólogo, temos:
Na primeira passagem, há um dialogismo generalizado em que se mistura –mesturey
- as vozes gradativas das cousas cõteudas ẽnas Escripturas Sanctas e dos dizeres e
54
autoridades dos doutores catholicos e de outros sabedores e das façanhas e dos exemplos
dos sanctos homẽẽs, passando-se pela cenografia de um compilador que sabe intervir em
sua narrativa para estabelecer uma conivência com um leitor próximo dele – a possível
irmã. Esse compilador apresenta-se como “pouco instruído” : bayxeza ( pouca altura ) do
meu ẽtendimento e do meu saber.
Na outra passagem, instaura-se a cenografia do pregador, valendo-se de um aposto
explicativo scilicet “isto é ” para construir a idéia metafórica de Jesus que he esposo de
toda fiel alma , e outra construção metafórica da topografia: orto ha heruas e aruores e
fruitos e especias de muytas maneyras para delectaçõ e mãtimẽto e meezinha dos corpos –
que se dirige almas [dos homẽẽs] de qualquer condiçom.
As referências colocam em foco questões sobre o sistema temporal do verbo,
denominado Contexto mediato e contexto imediato por Azeredo (1997, p.126) :
O verbo apresenta duas séries de formas – variações
temporais – conforme tenham por pólo de referência o contexto
mediato ou o contexto imediato. No interior de cada uma dessas
séries as formas verbais variam para representar o conteúdo como
‘perfeito’ ou como ‘potencial’. Uma terceira forma o representa
como neutro em relação a essas propriedades.
Retomando uma longa discussão do item anterior, Dubois (1974, p.97), traz a
contribuição da retórica na sintaxe das frases, em Retórica Geral, destacando o verbos
latinos veni, vidi , vinci , nas ações
Mais generalizadamente, a sintaxe continua ocupando
um território flutuante entre morfologia, lógica e semântica.
Assim, quando revela um aspecto icônico ou diagramático nos
fenômenos da sintaxe, Roman Jakobson nos conduz a uma lógica
da estrutura frásica . Na maioria das línguas, expõe ele, a ordem
das palavras corresponde, sob diversos aspectos, à lógica do
conteúdo: sucessão de verbo conforme à cronologia das ações
veni, vidi, vinci, prioridade do sujeito sobre o objeto, que assinala
o “herói” da mensagem, etc
55
Azeredo(1997, p.127) utiliza os verbos latinos veni , vidi , vinci, de acordo com o
pólo de referência dos verbos no português moderno:
Pólo de referência: contexto imediato
Processo perfeito:cheguei, vi, venci
Processo potencial:chegarei, verei, vencerei
Processo neutro: chego, vejo, venço
Pólo de referência: contexto mediato
Processo perfeito: chegara, vira, vencera
Processo potencial:chegaria, veria, venceria
Processo neutro: chegava, via, vencia
É curioso notar, em fins de análise, que o potencial é difícil de precisar seus limites
semânticos no jogo discursivo, em que as formas do presente distribuem algumas formas
do passado, dando progressão à leitura .
Para abordar o contexto mediato apenas como tempo passado, Azeredo (1997,
p.217) , citando Weinrich que distinguiu “o mundo comentado”(contexto imediato) e o
“mundo narrado” (contexto mediato).
Desta maneira, o mundo comentado é próprio do Orto do Esposo devido a questão
religiosa, cultural, na colocação dos argumentos e disposição das palavras ao defender uma
tese.
56
Distinguindo os tempos como plano do “discurso” e da “narrativa”, estabelece um
quadro Maingueneau (1996, p.46):
Discurso
Passado composto/Imperfeito
↑
Presente
↓
Futuro simples /Futuro perifrástico
Narrativa
Passado simples / Imperfeito
↓
(prospectivo)
Oral e escrito
Escrito
Uso não específico
Modalização
Uso narrativo
Modalização “zero” (= asserção)
De um modo geral , é o tempo do discurso que predomina nos sermões e exemplos
do Orto, pelos modalizadores já vistos, pela alternância passado/presente.
c) polifonia
Discutiu-se anteriormente que Orto do Esposo é um texto polifônico por natureza
em seu discurso, por ser extremamente religioso e com “status” científico. No científico
devido a evolução do conhecimento, da cultura portuguesa, um certo interesse por ela,
conforme já observado por Maler e literário como matéria de criação e repetição de
informações, um influindo no outro concatenamente.
A polifonia automatizada ocorre quando, segundo Azeredo (1997, p.129), uma
pessoa assume acriticamente o discurso alheio, tornando-se apenas um instrumento de
57
uma ideologia que ‘passa além’ através de sua boca, exemplificando com os jargões
religiosos, abundantes no Orto do Esposo, que uma pessoa repete sob a ilusão de que está
dizendo o que pensa.
Basta uma simples leitura para se comprovar este fenômeno.
Pelo que foi visto anteriormente, a modalidade, a referência e principalmente a
polifonia são marcas bem delineadas no discurso religioso , como também presentes em
outros, conforme a predisposição discursiva, estes procedimentos podem predominar
conjuntamente.
58
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obra portuguesa da Literatura de Exempla, Orto do Esposo possui um código de
linguagem própria e singular. Não é a toa que vários estudiosos a exemplo de Serafim da
Silva Neto , outros filólogos e pesquisadores a citaram constantemente sobre os diversos
“arcaísmos” nela contidos. Daí a razão deste trabalho , à luz da contribuição discursiva, não
desprezando as contribuições clássicas anteriores para não ferir a orientação filológica.
Esta estratégia faz com que o discurso religioso se torne inteligível ao leitor
moderno por remeter a fontes e abordagens atuais oriundas da Lingüística, Teoria Literária,
Estruturalismo, etc, sem perder o eixo principal: a essência filológica .
O conjunto dos capítulos foi elaborado de maneira harmoniosa no intuito de facilitar
e convidar o leitor à fonte principal: a edição completa de Maler. O que por si só já é uma
valiosa contribuição: compactar em um estudo dividido em 3 partes do livro I, composto de
cinco capítulos da edição original feita com um labor filológico conservando a voz oral do
texto. Esta foi uma preocupação constante.
Outra preocupação foi dar uma idéia ao leitor sobre a dificuldade de estabelecer
uma periodização de uma língua em fase de formação, de caráter conservador, e de cunho
literário, por isso “arcaizante” em conservar resquícios do galego-português, conforme
visto no início do capítulo 1. As normas de transcrição, de difícil acesso ao estudioso
formas colocadas para nortear estudos posteriores dando uma noção ao pesquisador do
59
convencionalismo da língua deste período para aplicação em outros textos medievais
portugueses, por exemplo, na elaboração de outras edições críticas ou antologias literárias
ou ensaios críticos, voltados às atividades de pesquisa e ensino de língua materna , com
bases teóricas consistentes e relevantes.
Um outro aspecto importante foi desenvolvido no início do capítulo 2 quanto ao
tratamento da linguagem, a partir da biografia do termo Hortus e Sponsus, foi possível
definir e “precisar” o contexto pragmático do corpus tanto lingüístico como literariamente
falando , mostrando ao leitor em que contextos tais vocábulos estiveram presentes, na
cultura portuguesa, no discurso religioso oriundo do latim, e atualmente no discurso
jornalístico e nas encíclicas papais, delineando assim, seu caráter simbólico, lingüístico e
ideológico ao demonstrar a modernidade de certas imagens ou efeitos estéticos que o texto
evoca.
A discussão sobre as interações sobre o texto e leitor prolonga-se ao chegar na
Estética da recepção, do autor como tradutor e exegese religiosa, culminando em um roteiro
seguro
sobre
edições
de
textos
portugueses,
valiosa
contribuição
por
trazer
posicionamentos concernentes à voz fonética do texto divididas em dois posicionamentos:
conservador ou inovador e “normas” a serem seguidas,estas já vistas no capítulo 1. Este
aspecto é importante ao escolher-se uma boa edição para trabalhos posteriores.A edição de
Maler, é excelente, pois , houve a preocupação de seguir regras já estabelecidas por Serafim
da Silva Neto que conseqüentemente já seguia o conservadorismo de Vasconcelos. É
importante frisar esta preocupação , porque neste trabalho não houve uma análise
comparativa com os manuscritos A e B, do Orto do Esposo conservados pela Biblioteca
Nacional de Lisboa.
60
Sabendo-se que a edição de Maler seguiu um bom encaminhamento quanto às
regras de transcrição para textos medievais portugueses não foi necessário, no momento o
cotejo com os manuscritos, indispensáveis para um trabalho com mais rigor filológico em
seu método. Porém fica registrada esta preocupação para estudos posteriores mais
aprofundados com a orientação da Edótica que é retomada em estudos literários em uma
linha de pesquisa da Teoria Literária denominada de Crítica Genética, que também possui
regras de transcrição e todo um convencionalismo, com pólos de contato oriundos das
contribuições da Filologia , sempre presente nos estudos textuais tendo o manuscrito e o
texto , como seu objeto de estudo.
O capítulo 3 parte da relatividade do conceito de arcaísmo sugerido por Bally ,
citado por Leão, adequadamente exemplificado ao culminar na questão do grupo
fraseológico do autor ao se fazer as escolhas lexicais e semânticas na composição do
discurso unindo forma e conteúdo oracionais.Seguem-se orientações teóricas da construção
da frase latina, enquanto disposição das palavras , conforma a contribuição de Maurer
Junior (1959), especificado com Pádua (1960) que utiliza metodologicamente a frase de
verbo transitivo em toda a prosa medieval literária portuguesa , em que os elementos
essenciais o sujeito, o verbo e objeto são claramente expressos. Mais adiante foi explorada
a estrutura das frases nominais do corpus que se repetem, mantendo a mesma estrutura,
mostrando o cunho ideológico da mensagem que se quer imprimir na memória do receptor.
Seguem-se outras contribuições sobre o “padrão normal”da frase ou “ordem direta”,
correspondentes em Huber e Pádua em um quadro comparativo bastante esclarecedor ao
trazer contribuições atuais da Gramática descritiva de Perini. São estudadas a partir deste
quadro duas modalidades : a ordem direta e uma ordem rara, encontrada no Orto do
Esposo, só que em outro Livro, vindo destacar a importância lingüística desta obra .
61
O capítulo 3 completa-se com uma abordagem em moldes mais discursivos
oriundos também da retórica e da estilística as quais não se pode perder de vista,
apresentando variáveis discursivas aplicáveis
ao corpus : modalidade com análise,
referência explorando-se a questão verbal português-latim em pólos de referência,
culminando com uma reflexão sobre o plano do “discurso” e da “narrativa” de acordo com
a distribuição ou jogo dos verbos, ao chegar na questão polifônica do discurso religioso,
essência sui generis do Orto do Esposo não só no corpus analisado, mas no decorrer de
toda a obra. Essa questão foi minuciosamente explorada e comentada principalmente no
que concerne a metáfora da colcha de retalhos, indicando da possibilidade de o Orto do
Esposo ser uma tradução. É a questão polifônica do discurso religioso que a faz ser uma
composição primorosa ao seguir moldes lingüísticos de estilo próprio alguns oriundos do
latim, outros, o autor pôs uma voz portuguesa na qual não se atreveu em traduzir. Isto não
acontece com outra obras,do mesmo gênero a exemplo da obra também anônima Boosco
deleytoso, que realmente boa parte é tradução de Petrarca em De vita solitária. Neste ponto
sim , há possibilidade de outros estudos envolvendo tradução propriamente dita. Voltandose a questão da polifonia as obras referidas dialogam entre si, sendo uma fértil possibilidade
de exploração de estudos referentes à composição e fontes, pois levantam-se a hipótese da
possibilidade de ser um autor único, questão de natureza filológica e só um estudo
aprofundado pode precisar ou esclarecer pontos obscuros.
Espera-se que esta contribuição acadêmica seja convidativa aos estudos nesta
perspectiva tão “conservadora” e ao mesmo tempo “inovadora” de abordagem filológica
voltada e integrada ao texto e, sobretudo, às questões de linguagem e ensino de português,
concentração deste trabalho.
62
5 BIBLIOGRAFIA
FONTES PRIMÁRIAS
MALER, Bertil (ed.). Orto do Esposo. Rio de Janeiro, MEC/INL, 1956. 2 v. (v.I: Texto
crítico; V.II: Comentários)
FONTES SECUNDÁRIAS
AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. 4 ed. Rio de Janeiro:Jorge
Zahar Editor,1997. (Coleção Letras).
BASSETTO,Bruno Fregni. Elementos de filologia românica: história externa das
línguas.v.1.São Paulo:Edusp, 2001.
BOSCOV, Isabela. “As faces de Jesus” In: Veja. São Paulo, Abril, edição 1783, ano 35,
n˚ 51, 25 de dezembro de 2002, p.90.
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o novo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
COUTINHO , Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica. 7 ed . Rio de Janeiro: Ao
Livro técnico, 1969.
CÂMARA JUNIOR, Joaquim Matoso. História e estrutura da língua portuguesa. 2 ed.
Rio de Janeiro: Padrão, 1976.
DIAS, Augusto Epiphanio da Silva. Syntaxe Histórica Portuguesa .5 ed. Lisboa: Livraria
Clássica Editora, 1970.
DUBOIS, Jacques. Retórica Geral. Trad. Carlos Felipe Moisés, Duílio Colombini e Elenir
de Barros. São Paulo: Cultrix,1974.
EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução.Trad. Silvana Vieira , Luis Carlos Borges.
São Paulo: UNESP, Boitempo, 1997.
63
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura:uma introdução.Trad. Waltensir Dutra. 3 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
FARACO, Carlos Alberto. Lingüística histórica: uma introdução à história das línguas.
São Paulo: Ática, 1991. (Série Fundamentos).
Guia do Estudante Pós-graduação & MBA. São Paulo:Abril, edição 2005. p.38.
GOMES, Álvaro Cardoso.O Simbolismo. São Paulo: Ática, 1999. n˚.240 (Série Princípios)
HAMA, Lia “Os santos, a fé e a razão”. In Veja. São Paulo, Abril, edição 1834, ano 36, n º
51, 24 de dezembro de 2003, p.118.
HAUY, Amini Boainain . História da Língua Portuguesa: I .Séculos XII, XIII e XIV..
São Paulo: Ática,1989, n º 21. (Série Fundamentos).
HUBER, Joseph. Gramática do português antigo. Trad. Maria Manuela Gouveia Delille.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
ILARI, Rodolfo. Lingüística Românica. 3 ed. São Paulo: Ática, 1999. no. 83 (Série
Fundamentos).
LEÃO, Ângela. História de palavras.Belo Horizonte:Imprensa da Universidade de Minas
Gerais, 1961.
MASIP,Viciano Vicente. Gramática española para brasileños. Tomo I. Morfosintaxis.
Barcelona: Difusion, 1999.
MASIP,Viciano Vicente. Gramática histórica: portuguesa e espanhola: um estudo
sintético e contrastivo. São Paulo:EPU, 2003.
MAINGUENEAU, Dominique. O contexto da obra literária: Enunciação, escritor,
sociedade. Trad Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1995. (Coleção Leitura e
Crítica).
MAINGUENEAU, Dominique.Pragmática para o discurso literário. Trad Marina
Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (Coleção Leitura e Crítica).
MAURER JUNIOR, Theodoro Henrique. Gramática do latim vulgar. Rio de
Janeiro:Livraria Acadêmica, 1959.
MILTON, John. Tradução: Teoria e Prática. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes. (Coleção
leitura e crítica).
NUNES, Benedito. Crivo de papel. 2 ed. São Paulo: Ática, 1998.
64
NICOLS, Sallie. JUNG e o tarô: Uma jornada arquetípica. Trad. Octavio Mendes Cajado,
16 ed, São Paulo: Cultrix, 1999.
Normas de transcrição para textos medievais portugueses. In:Boletim de filologia Tomo
XXII (1964-1973) fascículos 3 e 4 . Centro de Estudos Filológicos: Lisboa, 1973.
OLMI, Alba. Metodologia crítica da tradução literária: duas versões italianas de Dom
Casmurro. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2001.
PADUA, Maria da Piedade Canaes e Mariz de. A ordem das palavras no português
arcaico: Frases de verbo transitivo.Universidade de Coimbra, 1960.
PAIVA, Dulce de Faria. História da Língua Portuguesa: II .Século XV e meados do
século XVI.. São Paulo: Ática,1988, n º 22. (Série Fundamentos).
PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 2 ed. São Paulo: Ática.,
1996.(Básica Universitária).
PICCHIO, Luciana Stegagno. A lição do texto. Filologia e Literatura. I. Idade Média.
Lisboa: Edições 70, 1979. (Signos. 20).
PINHEIRO, Adevanir Aparecida; FOLLMANN, José Ivo. “A utilização dos símbolos nas
religiões”. In: Mundo jovem:um jornal de idéias. Porto Alegre:editora da PUC/RS, Ano
XLIII, n º 354, março de 2005, p. 16.
REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
REIS, Carlos;Lopes, Ana Cristina M . Dicionário de Teoria da Narrativa . São Paulo:
Ática, 1988. n º 29.(Série Fundamentos).
RÓNAI, Paulo. Não perca o seu latim. 10a.impressão.Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2002.
SANTAELLA, Lúcia. Produção de linguagem e ideologia . 2 ed. São Paulo: Cortez,
1996.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. 2 ed. Aumentada. Rio de
Janeiro: Livros de Portugal, 1970. (Coleção brasileira de filologia portuguesa).
SILVA NETO, Serafim da. Manual de filologia portuguesa: História, Problemas,
Métodos. 3 ed. Rio de Janeiro: Presença/MEC, 1977. (Coleção Linguagem).
SILVA NETO, Serafim da. Introdução ao estudo da filologia portuguesa. 2 ed. Revista e
ampliada. Rio de Janeiro: Grifo, 1976. n º 9 (Coleção Littera).
SPINA, Segismundo.Presença da Literatura Portuguesa. Era Medieval . 6 ed. São Paulo:
Difel, 1961.
65
TARALLO, Fernando. Tempos lingüísticos: itinerário histórico da língua portuguesa. São
Paulo: Ática, 1990.
TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. Trad. Celso Cunha. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
TOSI, Renzo. Dicionário de sentenças latinas e gregas. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 2
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VÁZQUEZ CUESTA, Pilar ; LUZ , Maria Albertina Mendes da. Gramática portuguesa.
3 ed corrigida e aumentada. Madrid, Gredos,1971.Tomo I e II. Biblioteca Románica
Hispánica. (Série III. Manuales).
WILLIAMS, Edwin B. Do latim ao português: Fonologia e morfologia históricas da
língua portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1975.
66
67
68
69
70
Download

em o “Orto Do Esposo”: uma Abordagem Filológica