Curso: Publicidade e Propaganda
Disciplina: Marketing
Professor(a): Marcos Vinícius P. Alves
A comunicação e o marketing
como ferramentas estratégicas de gestão social
Ricardo Voltolini*
Transformar
causas
em
marcas
fortes
que
tenham
longevidade,
personalidade, consistência e sejam uma referência afetiva no cotidiano das
pessoas. Este parece ser o principal desafio da comunicação aplicada à atividade
do terceiro setor neste fim de século e de milênio. Um desafio – vale destacar – tão
grande quanto aqueles que nos impõem os problemas sociais do país,
responsáveis
diretos
por
uma
desconfortável
posição
no
ranking
de
desenvolvimento humano da ONU.
Causas sociais são muitas no Brasil. E as instituições para defendê-las não
param de crescer. Há, segundo estatísticas, cerca de 220 mil organizações
empunhando a bandeira de causas com evidente valor, a grande maioria das quais
desconhecida do conjunto da sociedade. Causas boas, plenamente justificáveis,
não significam marcas fortes. Pelo simples fato de que a sua força depende do
significado que as pessoas conferem a elas. Uma marca é, acima de tudo, o que
se diz e o que se pensa a seu respeito.
Qualquer pessoa conhece pelo menos mais de uma instituição social idônea
que, apesar do valor inegável de seu trabalho, apenas sobrevive – e a duras penas
– com grande dificuldade de fazer-se notada e de mobilizar pessoas. Possuem boa
causa, mas não boa marca. Sua luta é pela sobrevivência, não pelo crescimento.
No novo contexto de profissionalização do terceiro setor, vão se destacar aquelas
que desenvolverem uma identidade e uma personalidade próprias, superando o
enorme desafio de comunicar o seu valor a um número cada vez maior de
simpatizantes, adeptos ou seguidores.
A atividade social vive hoje, no Brasil, um momento muito semelhante ao do
mercado de produtos e serviços: com o aumento da oferta de causas sociais, as
instituições têm procurado chamar a atenção de um grupo cada vez mais seletivo
de pessoas interessadas em apoiá-las, razão pela qual tornou-se tarefa urgente
distingui-las, diferenciá-las a partir da agregação de novos valores, comunicá-las
com clareza e planejá-las estrategicamente.
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A comunicação assumiu, portanto, um papel importante na gestão de uma
instituição social. É disso exatamente que procura tratar o presente texto.
Marketing
Antes de abordar especificamente a comunicação e as suas possibilidades
como ferramenta estratégica para a gestão de instituições sociais, convém
apresentar o marketing - ao qual está conceitualmente ligada. A intenção é evitar o
risco da simplificação de tentar explicar a parte sem mostrar o todo.
Há pouco mais de cinco anos, a simples menção à palavra marketing
provocava comichões, rancores de toda ordem e um forte sentimento de repulsa
nos dirigentes de instituições sociais. Ainda há – é claro – preconceitos e dúvidas
quanto à sua utilidade. Mas já se admite, pelo menos no campo das idéias, discutir
a possibilidade de que – afinal de contas – este instrumento chamado marketing,
típico do mundo das empresas privadas, pode, quando bem empregado, contribuir
muito para a área social.
Nada como o tempo para botar as coisas nos lugares certos. E corrigir
distorções. Uma das mais graves distorções relacionadas ao marketing – e isso se
deve basicamente aos efeitos colaterais do marketing político – foi atribuir-lhe um
certo poder nefasto de manipulação de mentes, uma capacidade de impingir a
seres humanos adultos e pensantes idéias, causas e pessoas superficiais, sem
conteúdo, de má qualidade. "Só tem marketing, não tem conteúdo" é uma
expressão, ainda bastante utilizada, que revela o preconceito em toda a sua
plenitude. Como se fosse possível substituir a "essência" pela "aparência",
aceitando o fato de que as pessoas são presas fáceis de estímulos e ardilosas
mensagens de comunicação. Marketing passou a ser tratado como sinônimo de
ardil ou de armadilha.
É compreensível que o debate sobre marketing provoque polêmicas no
campo social. Afinal ele é em si provocativo e desconfortável na medida em que
serve a propósitos, nunca se bastando em si mesmo. Algo sobre ele, no entanto,
precisa ser explicado a fim de que se possa refletir de forma razoável sobre o seu
uso: para o bem e para o mal, o marketing é, acima de tudo, um instrumento cujos
resultados dependem tão somente da aplicação que dele se faz. E ponto.
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Como toda atividade pouco conhecida e muito rejeitada, o marketing tem
sido vítima do senso comum e das simplificações que os leigos costumam fazer de
suas aplicações, tomando-o quase sempre como uma de suas partes ou
componentes. Para definir o que é marketing, antes de tudo, é preciso passar uma
borracha nos estereótipos que têm prejudicado a sua compreensão. Marketing não
é só a propaganda nem só a venda pura e simples de idéias. Na área social, não é
só a captação de recursos para projetos, nem só a comunicação das causas,
embora esses sejam dois elementos importantes. Marketing não é só ter maior
espaço na mídia, nem só a ferramenta a que se recorre no fim de um processo para
dar visibilidade a uma causa.
Marketing é uma orientação, uma filosofia de administração, um modo novo
de ver as coisas. É a gestão de uma causa vista a partir do seu resultado final, que
é a satisfação dos vários públicos de interesse.
Muitas são as definições de marketing. Duas, no entanto, apresentam-se
como as mais clássicas. A primeira, de 1948, é da American Marketing Association
(AMA), entidade para a qual "marketing é o desempenho das atividades de negócio
que visam dirigir o fluxo de bens e serviços do produtor ao consumidor". Em 1968,
um professor norte-americano chamado Phillip Kotler criou uma definição mais
genérica, que derruba muros, amplia horizontes e permite pensar a ferramenta
aplicada não só a produtos e serviços, mas a idéias e causas sociais: "Marketing é
o conjunto de atividades que tem por objetivo a facilidade e a realização de trocas".
Simples e precisa.
Sem mencionar as palavras "produto" ou "negócio", Kotler já parecia querer
ensinar que o marketing – em sua dimensão filosófica – é uma ferramenta que
pode ajudar a planejar as condições necessárias para que pessoas e organizações
troquem entre si, partindo do princípio elementar de que toda troca pressupõe
contrapartidas e que a melhor relação se dará sempre que cada parte souber o que
a outra deseja, espera e valoriza. É um ensinamento simples, prático e útil.
Mas se é, de fato, um ensinamento simples e útil para a gestão de causas
sociais, por que não é praticado e, mais do que isso, aceito em muitas instituições
sociais?
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As explicações podem ser as mais variadas. Entre elas, vale a pena destacar
quatro.
A primeira refere-se ao fato de que o marketing desconforta porque exibe
uma nova abordagem de gestão, mais profissional, em um campo caracterizado
por vícios históricos de amadorismo e improvisação.
A segunda diz respeito ao fato de que ele propõe reavaliações capazes de
ressaltar fraquezas e necessidades de mudanças de práticas, equívocos e
conflitos. Não por outro motivo, alguns planos de marketing costumam naufragar
quando pregam alterações mais profundas no modo de prestar um serviço, de
captar recursos ou mesmo de gerir a entidade.
A terceira está relacionada à idéia, muito importante, de que o marketing
coloca o olhar de fora sobre a organização. A enorme dificuldade de as instituições
aceitarem o novo, aliada a uma cultura "centrada no umbigo", que proíbe enxergarse de fora para dentro, contribui para que o marketing seja tratado normalmente
como elemento estranho e, muitas vezes, inoportuno. É espantosa a aversão de
alguns dirigentes em avaliar o trabalho de sua instituição a partir do nível de
satisfação dos parceiros e dos beneficiários; comportamento que apenas reforça
um valor "fora de moda", da velha cultura assistencialista, em que o pouco que se
dava devia ser visto como muito e que a simples ação de dar já se justificava em si
mesma.
A última causa refere-se ao fato de que o marketing, como instrumento
gerencial, pressupõe controle e mensuração de resultados com base em critérios
objetivos. Acostumados a exercer controle total sobre os processos de gestão, a
mudar rumos ao sabor de circunstâncias do dia-a-dia e a alterar planos a partir de
decisões unilaterais e subjetivas, alguns dirigentes resistem à idéia de submeter as
instituições que administram a um planejamento de trabalho mais autônomo,
construído com o grupo de colaboradores a partir de uma interpretação muito mais
próxima da realidade do que de vontades pessoais e, portanto, mais suscetível a
julgamento de resultados.
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Marketing e comunicação
Mas, enfim, qual é a relação da comunicação com o marketing? Em que momento
do planejamento de marketing ela entra?
A comunicação está para o marketing assim como o motor para um
automóvel. É uma parte fundamental. Sem ela a "troca" sugerida pela definição de
Kotler simplesmente não funciona, pois não se sabendo o que a outra parte – o
parceiro, o beneficiário e a sociedade – quer, espera e valoriza na sua causa não
se consegue determinar uma oferta com claro valor de utilidade social. Não se
consegue, por tabela, atrair a atenção e o interesse de apoiadores. Não se obtém
a legitimação pública. Não se consegue, enfim, realizar a missão em sua plenitude.
A comunicação – não por outro motivo – é um dos itens mais importantes de
um bom plano de marketing, que normalmente deve conter as seguintes etapas:
1) Análise de ambientes interno e externo, com base nos pontos fracos e fortes da
instituição e nas ameaças e oportunidades apresentadas para a sua causa.
2) Desenvolvimento do produto social com base em uma leitura da missão e da
formatação dos serviços prestados em sintonia com as necessidades dos públicos
de interesse da instituição
3) Estabelecimento de objetivos claros e específicos, organizados por ordem de
prioridade, mensuráveis e adequados ao porte, à estrutura e aos recursos
disponíveis.
4) Definição de estratégias (ações, programas e campanhas) para atingir os
objetivos propostos que podem incluir desde a ampliação de um serviço até o
aumento das fontes de captação de recursos.
5) Monitoração para avaliar se os resultados reais estão sendo atingidos conforme
o esperado no planejamento e se há necessidade corrigir ações e caminhos.
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Como fazer com que a comunicação transforme-se em uma ferramenta
estratégica para a gestão de uma instituição social? Deixando de tratá-la como uma
função periférica – à qual se recorre no final de tudo, com o propósito marcado de
"ajudar a vender a idéia" – e incorporando-a efetivamente ao planejamento
estratégico da instituição. A comunicação não deve estar na ponta das folhas, mas
na raiz da gestão. Nunca limitada a uma visão utilitária menor e pontual, mas
vinculada à análise dos ambientes, à missão, ao "produto social, aos objetivos e às
estratégias que sustentam o trabalho – participando da definição de cada um
desses pontos e sendo, ao mesmo tempo, definida por eles.
No atual estágio de desenvolvimento do terceiro setor no Brasil, uma
ferramenta de gestão, como a comunicação, só alcançará um bom nível de eficácia
se for utilizada com profissionalismo. Profissionalismo não se resume a apenas
contratar um profissional – embora esta seja uma decisão sábia e valiosa. Mais do
que isso, significa fazer bem feito o que deve ser feito, observando os requisitos
necessários, não queimando etapas e olhando para o processo de planejamento
como um conjunto de peças integradas, diferentes, mas complementares.
* Jornalista, consultor do Senac-SP e professor de Marketing e de Comunicação aplicados à Atividade Social
nessa instituição; professor de Marketing Social na FEA-USP. A versão completa deste texto foi publicada no
Guia de Gestão da Fundação Abrinq.
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