Globalização e Inovação Localizada: Experiências de Sistemas Locais no
Âmbito do Mercosul e Proposições de Políticas de C&T
SISTEMAS REGIONAIS DE INOVAÇÃO:
O CASO DE MINAS GERAIS
Mauro Borges Lemos
Clélio Campolina Diniz
Nota Técnica 06/98
Rio de Janeiro, março de 1998
Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IE/UFRJ
Comissão corrdenadora: José Eduardo Cassiolato
Helena Maria Martins Lastres
Gustavo Lugones
Judith Sut z
Coordenação Geral: Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil
Patrocínio: Organização dos Estados Americanos
Globalização e Inovação Localizada, IE/UFRJ
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A presente Nota Técnica faz parte do Projeto de Pesquisa Globalização e Inovação Localizada:
Experiências de Sistemas Locais no Âmbito do Mercosul e Proposições de Políticas de
C&T. O objetivo central desta pesquisa é o de analisar as experiências de sistemas locais
selecionados no âmbito do Mercosul, visando gerar proposições de políticas de C&T aos níveis
nacional, supra e subnacional. Para tal delineia-se um conjunto de objetivos subordinados, os quais
podem ser divididos em dois grupos principais. O primeiro grupo inclui os objetivos mais gerais
relacionados à necessidade de desenvolver mais aprofundadamente o quadro conceitual empírico e
teórico que norteia a discussão proposta. Neste caso, a análise incluirá o exame de experiências
internacionais (fora do Mercosul), destacando-se quatro tópicos principais de pesquisa:
(i)
(ii)
(iii)
(iv)
a dimensão local do aprendizado, da capacitação e da inovação;
processo de globalização e sistemas nacionais, supra e subnacionais de inovação;
papel de arranjos produtivos locais e sua capacidade; e
novo papel e objetivos das políticas de desenvolvimento científico e tecnológico, tendo em vista
as dimensões supranacional, nacional, regional, estaduale local.
Já o segundo grupo de objetivos refere-se à necessidade concreta de (a) identificar e analisar as
experiências específicas com arranjos locais de inovação em países do Mercosul; e (b) discutir
soluções alternativas quanto à adoção de políticas de desenvolvimento - que considerem, não apenas as
questões nacionais e supranacionais de aumento da competitividade e da capacitação industrial e
tecnológica no cenário crescentemente globalizado, mas também se preocupem com os desafios e
oportunidades relativos ao aprendizado nas dimensões locais, estaduais e regionais e nacionais nestes
países.
Participam do projeto diversas instituições de pesquisa do Brasil, da Argentina e do Uruguai. O projeto
é financiado pela Organização dos Estados Americanos, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia do
Brasil e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil
José E. Cassiolato (IE/UFRJ-Brasil) - Coordenador Geral
Helena M.M. Lastres (PPCI/IBICT/UFRJ-Brasil) - Coordenador Adjunto
Judith Sutz (Universidad de la Republica - Uruguai) - Coordenador Adjunto
Gustavo Lugones (Universidad de Quilmes - Argentina) -- Coordenador Adjunto
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INTRODUÇÃO
O objetivo do presente artigo é apresentar a experiência do sistema de inovação de Minas Gerais. A seção 1
descreve a posição econômica do Estado, sua especialização produtiva e seu potencial de crescimento. As
principais características do arranjo institucional do sistema estadual de inovação são discutidas na seção 2. As
seções 3 e 4 analisam dois casos de sucesso de arranjos locais de inovação, o caso da rede vertical de
subcontratação da FIAT na Região Metropolitana de Belo Horizonte e o do pólo eletro-eletrônico do município
de Santa Rita do Sapucaí. Na seção de conclusão são sugeridas algumas diretrizes de política industrial para uma
estratégia de capacitação tecnológica dos potenciais agentes inovadores locais.
1. MINAS GERAIS: POSIÇÃO ECONÔMICA E POTENCIAL DE CRESCIMENTO
Estado de Minas Gerais é localizado no sudeste brasileiro com uma população de 16 milhões de habitantes e
uma área de 588 mil quilômetros quadrados, que representam 7% e 10% da população e área do Brasil,
respectivamente.
Desde o final dos anos sessenta, o Estado tem experimentado um período de rápido crescimento econômico, o
qual resultou em um aumento da participação no PIB brasileiro de 8% em 1970 para 10% em 1995,
aproximando-se do Rio de Janeiro, a segunda maior economia estadual do país. Atualmente possui uma
participação de 13% no total das exportações brasileiras. Esta melhoria de sua posição econômica relativa foi o
resultado de uma mudança significativa da estrutura industrial estadual em direção a uma maior diversificação
produtiva, que de uma especialização inicial em indústrias chamadas de “base”, como mineração, metalurgia,
minerais não-metálicos e de energia elétrica, passou por uma diversificação horizontal para as indústrias
automobilística, mecânica, eletroeletrônica e serviços de telecomunicação.
A localização geográfica central de Minas Gerais é estratégica, pois é o elo natural de ligação entre o Estado de
São Paulo e uma parte substancial do hinterland brasileiro, compreendendo boa parte do Centro -Oeste e do
Nordeste brasileiros. Desde o início dos anos setenta esta vantagem locacional na integração do mercado
nacional foi explorada através de um arranjo institucional do governo estadual, que implementou políticas
públicas de planejamento para atrair investimentos em setores dinâmicos e desenvolver economias intraregionais de aglomeração, tendo como base estrutural a implantação de um amplo programa de investimentos
em infra -estrutura e capital social básico. O ápice destas políticas convergiu com mudanças nos rumos do
desenvolvimento regional brasileiro em direção à desconcentração das atividades econômicas, inclusive
industriais. De acordo com Diniz (1994), a reversão da polar ização da região metropolitana de São Paulo
(RMSP) induziu investimentos para regiões contíguas integradas ao principais eixos do sistema brasileiro de
transportes. O eixo oeste integra a região agrícola mais importante de Minas Gerais, o Triângulo Mineiro, e o
eixo leste integra a região Sul, próxima à divisa de São Paulo, e sua área central polarizada pela região
metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que compreende a capital do Estado e seu complexo mínerometalúrgico.
A reversão da polarização reforçou, portanto, a integração produtiva de Minas Gerais com o pólo industrial
paulista, especialmente nos setores automobilístico, mecânico e agroindustrial. Existe também a possibilidade
de ampliar esta integração na divisão inter-regional do trabalho para outras regiões do Estado, como a área do
pólo siderúrgico do Vale do Aço e a área de indústrias tradicionais da Zona da Mata, cuja instalação da
Mercedez Benz no seu principal pólo regional, o município de Juiz de Fora, poderá reativar sua integração com
as economias da RMRJ e da RMBH.
O perfil atual de especialização produtiva da economia estadual é caracterizado por algumas
aglomerações ou clusters industriais relevantes, que refletem combinações bem sucedidas de
vantagens locacionais e de especialização produtiva dentro da economia nacional.
Sem dúvida, a principal aglomeração industrial da economia mineira é o “complexo mínerometalúrgico”, o qual congrega um número significativo de grandes empresas nacionais e internacionais
na área de mineração, siderurgia e refratária como Cia Vale do Rio Doce, Minerações Brasileiras MBR, Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais - Usiminas, Cia Siderúrgica Belgo-Mineira, Aços
Especiais Itabira - Acesita, Aços de Minas Gerais S. A. - Açominas, Mannesmman e Magnesita. As
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plantas industriais destas empresas localizam-se dentro de um raio de aproximadamente 100 km
incluindo a RMBH, o que historicamente tem possibilitado o surgimento de uma rede de fornecedores,
destacando-se o desenvolvimento de uma indústria bens de capital especializada no fornecimento de
máquinas e materiais de reposição para este complexo (Diniz, 1981).
Um segundo cluster tradicional no Estado é o agroindustrial que, em contraste com o anterior, é
relativamente desconcentrado espacialmente. O complexo cafeeiro no Sul de Minas e o complexo
grãos-aves no Triângulo Mineiro são aglomerações espaciais agroindustrial com fortes efeitos sobre o
desenvolvimento dos sistemas de inovação local nestas regiões, inclusive possibilitando o surgimento de
empresas tecnológicas líderes a nível nacional, como a Granja Rezende na área de genética animal.
Organizações de cafeicultores, cooperativas no Sul de Minas e as associações no Triângulo, em
parceira com centros de pesquisa da Embrapa e escritórios regionais da Emater (antes IBC), tem sido
particularmente importantes na introdução de novas variáveis adaptadas aos condicionantes
edafoclimáticos locais e à introdução de novos métodos de cultivo (por ex., o “adensamento”).
Por sua vez, o cluster automobilístico é mais recente, sendo a instalação da FIAT no Estado em 1974
um marco no processo de diversificação industrial da economia mineira. Os impactos deste cluster na
RMBH têm sido significativos, especialmente a partir da estratégia desta empresa de “mineirização”
dos fornecedores no final dos anos oitenta. Certamente, o estabelecimento da Mercedez Benz em Juiz
de Fora poderá ser um passo decisivo para a ampliação espacial de seus efeitos aglomerativos, através
da formação de um “corredor automobilístico” na BR-040. A dúvida, neste caso, é sobre o real
objetivo do Grupo Daimiler Benz para o Brasil, se “tático” em função do regime automotivo ou
“estratégico” em função do acesso ao mercado latino-americano.
Fora da base estritamente manufatureira, estão os setores de energia e telecomunicações que
poderiam ser genericamente denominados de cluster de serviços industriais, liderado pelas subsidiárias
do sistema Eletrobrás e Telebrás, a Cemig e Telemig. Estas empresas têm tido um papel chave no
desenvolvimento industrial do Estado, com significativo acúmulo via aprendizado de capacitação
tecnológica e indução à capacitação de seus fornecedores. O processo recente de privatização destas
empresas coloca novos elementos nas suas estratégias de P&D.
Além destes clusters de dimensão estadual, existem aglomerações industriais locais interessantes do
ponto de vista da análise de arranjos locais de inovação, onde a partir de oportunidades históricas
exploradas, foi possível o desenvolvimento de aglomerações especializadas com algum sucesso em
termos de sua inserção no mercado nacional e mesmo internacional. Talvez o caso mais conspícuo seja
o do complexo eletro-eletrônico no Município de Santa Rita do Sapucaí.
Para efeito deste trabalho, serão analisados os casos dos arranjos locais de inovação da Rede FIAT de
fornecedores na RMBH e o Eletro -eletrônico em Santa Rita do Sapucaí, ficando os demais casos como uma
agenda prospectiva de estudos.
2 O SISTEMA INSTITUCIONAL DE INOVAÇÃO DE MINAS GERAIS
Similar à experiência nacional, este sistem a regional de inovação é enviesado para as instituições públicas em
detrimento de instituições privadas de P&D. As universidades e instituições de pesquisa federal têm um papel
central neste sistema e, consequentemente, a pesquisa básica predomina sobre a pesquisa aplicada,
particularmente a voltada para o desenvolvimento de produtos, o qual é um esforço inovativo restrito a um
pequeno número de grandes firmas, as quais, mais recentemente, vêm organizando departamentos específicos
de P&D (Diniz e Lemos, 1997).
2.1 Educação fundamental
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A educação fundamental ainda constitui-se em um grande "gargalo" para o sistema de inovação do Estado, com
reflexos negativos sobre a qualidade da oferta de mão-de-obra básica. Como mostra a Tabela 1, a taxa de
analfabetismo da população acima de 14 anos era de 18,2% em 1991. Por outro lado, a porcentagem de
matriculas acima do número de pessoas no estrato de 7-14 anos reflete não apenas que as pessoas naquele
estrato estão efetivamente matriculadas mas também o efeito de ret enção, isto é, a existência de um grande
número de matrículas na escola primária de pessoas acima de 14 anos (20%), incapazes de progredir nas séries
educacionais em virtude da evasão e repetência.
Tabela 1
Matrículas escolares por grupo de idade em Minas Gerais, 1991
Grau
n o de
matrículas (a)
População por grupos de idade (b)
7-14
básico
3 167 845
secundário
357 292
superior
145 683
15-19
20-24
2 929 155
1 598 802
1 461 154
(a/b)
(a-b)
%
diferença
108
+ 238 690
22
- 1 241 506
10
- 1 315 471
Fonte: Anuário Estatístico de Minas Gerais, 1994Obs 1: Total Minas Gerais população em 1991: 15 743 152; 2: taxa de analfabetismo em 1991: 18.2%.
Uma outra séria deficiência deste sistema é a baixa proporção de alunos que chegam ao ensino médio, apenas
22% da população de 15-19 anos, em contraste com os países desenvolvidos e os NICs asiáticos, cuja proporção
se aproxima de 100%. Além da alta evasão, o efeito retenção nas escolas primárias também é responsável por
este fenômeno, podendo ser estimada em 30% a proporção de alunos com mais de 19 anos no total dos
matriculados.
Como esperado, este fenômeno replica no ensino superior, onde a proporção de matrículas em relação à
população de 19-24 anos representa apenas 10%, percentual este abaixo da média brasileira de 12% e muito
inferior ao dos países desenvolvidos, onde 30 a 40% dos jovens desta faixa etária frequentam o curso superior.
De fato, esta situação no Estado é ainda pior se levarmos em conta que um número significativo de matrículas
são provenientes do estrato de idade acima de 24 anos.
Em relação à qualidade, as elevadas taxas de repetência, evasão e o elevado tempo médio para conclusão
indicam as sérias deficiências do ensino fundamental no Estado. No caso do ensino médio, acrescenta-se ao
insuficiente nível de cobertura a inexistência de oferta de vagas em um grande número de municípios e a
predominância na oferta existente de cursos noturnos e a elevada relação aluno/turma.
2.2 A rede de ensino superior
A rede de Minas Gerais é uma das mais desenvolvidas do país, sob a liderança de seis universidades públicas
federais e seis escolas isoladas federais, que concentram 35% das matrículas, 46% dos professores e a quase
totalidade das pesquisas e programas de pós-graduação. O setor privado, por sua vez, possui 56% das
matrículas, 47% dos professores, nenhum curso de pós-graduação e atividades de pesquisa e baixo nível de
ensino, com exceção da Universidade Católica, com um padrão de ensino próximo às universidades públicas e
algumas áreas de excelência, como o curso de engenharia. Ao contrário de São Paulo e em segundo plano Rio
de Janeiro e Paraná, o Estado de Minas Gerais vem aplicando poucos recursos no ensino superior, sendo que as
duas universidades estaduais (UEMG e UNIMONTES) e algumas escolas estaduais isoladas no interior possuem
menos de 10% das matrículas, além de um pequeno gasto por aluno de pouco mais de 3000 reais, em contraste
com o gasto per capita da UFMG de 16000 reais.
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é muito diversificada, sendo o maior centro de formação de
recursos humanos de ensino superior e de pesquisa científica do Estado. Ela concentra 50% e 60% dos cursos de
mestrado e doutorado, respectivamente, possuindo a maioria deles classificação A no sistema de avaliação da
CAPES. Especificamente, possui vários departamentos de excelência na área de ciências "duras", como física e
biologia, e de ciências aplicadas, como os departamentos de ciência da computação, medicina veterinária e
metalurgia, com alguma experiência acumulada de projetos conjuntos com o setor privado.
Por outro lado, a maioria das demais instituições federais no Estado são fortemente especializadas em algum
campo de ciências aplicadas.
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A Universidade Federal de Ouro Preto foi a primeira instituição de ensino superior fundada no Estado, em
1876, e seu núcleo de excelência continua a ser mineralogia e metalurgia. Como Carvalho (1978) observa, ela
teve um papel histórico em graduar recursos humanos para a formação inicial do quadro de elite dos
funcionários públicos do Estado e forneceu engenheiros a nível nacional durante a primeira fase de
industrialização do país. Um papel similar no campo da agronomia, solos e genética de planta e animal tem
sido cumprido pela Universidades Federais de Viçosa e de Lavras. Estas instituições participaram ativamente da
constituição do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária sob a coordenação da EMBRAPA, responsável pelo
desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira nos últimos 25 anos, incluindo a conquista tecnológica
das terras de cerrado em Minas Gerais e Brasil Central (Lemos, 1992).
As outras duas universidades federais, mesmo estando distantes dos níveis de excelência das quatro citadas,
estão localizadas em regiões estratégicas do desenvolvimento do Estado. A Universidade Federal de
Uberlândia localiza-se na região agroindustrial do Triângulo Mineiro, de rápido crescimento econômico, e tem
contribuído para o formação de recursos humanos qualificados para este mercado regional de trabalho em
expansão. Por sua vez, a Universidade Federal de Juiz de Fora é um importante apoio de recursos humanos
para a revitalização da estagnada região da Zona da Mata Mineira, estando sua cidade-pólo de Juiz de Fora
localizada em uma posição privilegiada entre os pólos industriais metropolitanos do Rio de Janeiro e Belo
Horizonte.
As escolas isoladas federais do Estado são muito especializadas: Itajubá (EFEI) em engenharia elétrica,
Diamantina (FAOD) e Alfenas (EFOA) em odontologia, Uberaba (FMTM) em Medicina e São João Del Rey
(UFSJR), recém-transformada em universidade federal, em humanidades.
Pelo descrito acima, fica claro que o sistema de ensino superior do Estado é um grande patrimônio para o
desenvolvimento científico e tecnológico da economia estadual, tanto na formação de recursos humanos
qualificados como para o desenvolvimento de pesquisa básica e aplicada. Entretanto, a tradição histórica do
ensino superior brasileiro tem dificultado uma ligação mais estreita entre a universidade sediadas no Est ado e
as necessidades do desenvolvimento econômico e social regional, sendo as histórias de sucesso, como a da
pesquisa agropecuária, uma exceção para lançar alguma luz sobre a forma de construir a "ponte" entre a ciência
e tecnologia no Estado.
2.3 As instituições de pesquisa pública
A segunda parte do sistema institucional de pesquisa pública do Estado compreende as instituições de pesquisa
pública. Como mostra a Tabela 2, a maioria delas pertence ao governo do Estado e seus campos de atuação são
áreas típicas de pesquisa pública, como saúde, agricultura, informação e estatística e fomento. As filiais de
instituições federais nas áreas de agricultura e saúde, EMBRAPA e FIOCRUZ, são muito efetivas no
desenvolvimento da pesquisa pública aplicada no Estado, suplantando em muito a capacidade e espectro de
pesquisa de suas congêneres do governo estadual.
Tabela 2
Principais institutos de pesquisa de Minas Gerais
Instituto
Tipo
Ano de fundação
Área de pesquisa
Nº de pesquisadores
Orçamento estimado US$
Milhões (1996)
CETEC
Estadual
1972
Industrial
187
19
FJP
Estadual
1969
Sócio-econômica
300
20
EMBRAPA
Federal
1972
Agricultura
153
42
EPAMIG
Estadual
1974
Agricultura
90
20
FAPEMIG
Estadual
1986
Fomento
N/A
36
FUNED
Estadual
1907
Saúde
207
27
CPqRR/FIOCRUZ
Federal
N/A
Saúde
70
N/A
Fonte: pesquisa de campo
Com exceção da Fundação de Amparo para o Desenvolvimento da Pesquisa (FAPEMIG), estas instituições
refletem uma experiência histórica de pesquisa em Minas Gerais. O Centro Tecnológico de Minas Gerais
(CETEC), criado nos anos setenta surgiu do Instituto de Tecnologia Industrial do Estado fundado na década de
quarenta, enquanto a Empresa de Pesquisa Agropecuária (EPAMIG), fundada em 1974, originou-se da tradição
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em pesquisa agropecuária do Estado, iniciada pelo Horto Florestal em 1818. Por sua vez, a Fundação João
Pinheiro (FJP), criada na década de setenta, absorveu o antigo Instituto de Estatística do Estado. No campo da
Saúde, a Fundação Ezequiel Dias (FUNED) resultou em 1939 de uma filial da Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ), que após a transferência da FUNED para o governo do Estado criou uma nova filial, o Centro de
Pesquisa Renê Rachoud. Outras instituições federais são os centros de pesquisa da EMBRAPA, um dos quais
oriundo do antigo Instituto de Pesquisa Agrícola do Centro -Oeste (IPEACO).
Como característica comum, estas instituições se desenvolveram sob os auspícios e a roupagem doutrinária dos
programas de substituição de importações, concebidos com base no papel de liderança do Estado na promoção
do desenvolvimento. No auge do crescimento econômico dos anos setenta, a maioria destas instituições foram
reforçadas em seu papel, especialmente aquelas relacionadas ao planejamento regional e desenvolvimento
tecnológico. Uma dimensão da importância destas instituições no período era o número de técnicos do corpo
permanente, chegando o CETEC e a EPAMIG a terem 600 e 300 pesquisadores, respectivamente, em contraste
com pouco mais de 100 que possuem atualmente.
Desde os anos oitenta, estas instituições tê m sido duramente atingidas pelo cortes de despesas do Governo
Estadual, em uma conjuntura de crise fiscal crônica. Acrescente-se que o modelo institucional do
intervencionismo estatal, que sustentou estas instituições de pesquisa, perdeu fôlego com a nova orientação do
desenvolvimento brasileiro, focado nos mecanismos de mercado em detrimento do planejamento estatal do
período de substituição de importações. Assim, estas instituições, como legado do arranjo institucional deste
período, tenderam ao esvaziamento de suas funções.
A história recente destas instituições retrata esta realidade. A Fundação Ezequiel Dias (FUNED), por exemplo,
possui atualmente um número limitado de técnicos e cientistas, cujo foco se restringe à monitoramento
sanitário e produção industrial farmacêutica e imunológica, a qual fornece vacinas e remédios não lucrativos à
iniciativa privada. O funcionamento de seus cinco departamentos (monitoramento, produção industrial,
pesquisa, administração central e escola de saúde) não possui uma estrutura matricial, sem a definição de
prioridades comuns sob a mesma coordenação.
Esta perda de objetivos-fim está também presente no Centro Tecnológico (CETEC), o qual deveria desenvolver
pesquisa industrial. De acordo com seu ex-presidente, a maior dificuldade é estabelecer parcerias duradouras
com as empresas, o que resulta em capacidade ociosa de alguns laboratórios. O Departamento de Metalurgia
ilustra bem este dilema. Considerado um laboratório de excelência e o mais avançado do CETEC, tem tido
dificuldades para atrair as empresas siderúrgicas do Estado, como a USIMINAS E ACESITA, para projetos
conjuntos de pesquisa, principalmente após suas privatizações.
Uma trajetória um pouco diferente é a da Empresa de Pesquisas Agropecuárias (EPAMIG) que, em conexão com
a EMBRAPA, tem uma tradição de forte ligação com a pesquisa básica das universidades e de difusão de
inovações para os agricultores em sua rede de extensão rural, compondo com estas instituições o Sistema
Estadual de Pesquisa Agropecuária (SEPA-MG), com grande dinamismo na geração e difusão de tecnologia
agropecuária durante a década de setenta e primeira metade dos anos oitenta. Entretanto, os cortes
orçamentários, a precarização da carreira profissional e a perda de prioridades contribuiram para reduzir seu
papel inovativo na agricultura estadual. Seu número de pesquisadores é, atualmente, apenas um terço daquele
dos anos setenta e suas linhas de pesquisa são excessivas em relação aos pesquisadores na ativa. Tal
desequilíbrio tem dificultado ganhos cumulativos de especialização, fundamental para o desenvolvimento de
novas variedades prontas para a difusão. Além disto, sua tradicional ligação com a EMBRAPA e laboratórios
das universidades foi enfraquecida, criando uma crescente defasagem de conhecimento em relação a seus
parceiros. Finalmente, mas não menos importante, seu padrão de geração de tecnologia determinado pela
oferta ("technology -push pattern") está ultrapassado para acompanhar os novos desafios do agro-negócio no Estado,
sendo que o forte encadeamento entre a agroindústria e os agricultores impõe uma abordagem mais interativa
do processo inovativo, onde o lado da demanda deve ser levado em conta.
Talvez, uma das instituições estaduais que mais tenha sofrido o esgotamento do estilo de desenvolvimento
dirigido pelo Estado, típico dos anos setenta, seja a Fundação João Pinheiro (FJP), que durante aquele período
teve papel ativo no planejamento econômico estadual. Depois de passar por uma longa crise na década de
oitenta, parece que está descobrindo uma nova inserção institucional, enfocando sua atuação em produção de
estatísticas e treinamento profissional, para formação de servidores públicos de nível superior, através da
“Escola de Governo”. Até o momento, sua área de pesquisas e planejamento não se recuperou da crise de
objetivos-fim e prioridades, deixando de ser a intelligentsia planejadora do Estado .
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Por fim, a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) é relativamente recente no sitema de
inovação do Estado. Montada com base no modelo FAPESP, seus recursos financeiros são orçamentários e
provenientes de uma proporção fixa da arrecadação estadual, estando por isto mesmo vulnerável à crise fiscal
do governo do Estado. Fundada em 1986, sofreu nos anos iniciais escassez de recursos, sendo que nos anos
noventa tem conseguido um comprometimento do governo com sua estabilidade orçamentária. O resultado
tem sido um papel crescente no financiamento da pesquisa básica e aplicada nas universidades e institutos, não
apenas para cobrir despesas correntes de pesquisa, mas também equipamento fixo e laboratórios. Isto tem
permitido, em grande medida, a "sobrevida" das instituições estaduais acima descritas, garantindo uma
renovação de sua infra-estrutura laboratorial e o pagamento de bolsas para estudantes de pós-graduação, que
em parte supre a crescente escassez de pessoal qualificado destas instituições. Recentemente, a FAPEMIG tem
dado o primeiro passo para financiar empreendimentos conjuntos de departamentos científicos e empresas,
voltados diretamente para o desenvolvimento tecnológico. É um arranjo institucional envolvendo pequenas e
médias empresas, instituições de pesquisa, a agência de fomento e o agente financeiro, o Banco de
Desenvolvimento do Estado, BDMG. Este repassa a fundo perdido o valor máximo de R$ 100 mil por projeto,
valor que entra como contrapartida da instituição de pesquisa, e financia o valor equivalente para a empresa.
Até o final de 1997 foram realizados dois editais, com uma avaliação dos resultados considerada positiva pelos
agentes envolvidos, em particular as empresas.
Esta iniciativa sinaliza o desenho de uma política estratégica de colocar as instituições do setor privado no lugar
central do sistema de inovação do Estado, contribuindo para aprofundar nas instituições públicas de pesquisa
uma crise de identidade, para a qual soma-se o moral baixo trazido pelos cortes orçamentários, idade média
avançada, aposentadorias sem renovação, desmantelamento das equipes e baixos salários. Para sua
revitalização, estas instituições devem procurar um novo papel no arranjo institucional emergente, onde o
desafio do desenvolvimento é visto como o esforço compartilhado entre o setor público e privado, devendo as
políticas de planejamento regional serem voltadas para melhorar a atratividade locacional do Estado à luz de
novas oportunidades de investimentos, ao invés da intervenção direta do Estado na realização dos
investimentos, os quais estavam desvinculados das política em C&T estrito senso, típica das políticas públicas
“duais” (investimento de um lado e C&T de outro) do passado recente.
2.4 Empresas
Como já salientado pela literatura (Albuquerque, 1995), o setor empresarial representa a parte mais fraca do
sistema nacional de inovação brasileiro. Este viés institucional é replicado no sistema estadual, muito embora a
presença de grandes empresas no Estado possa ser uma vantagem para a reversão deste quadro.
De fato, algumas grandes empresas possuem ou departamento de P&D ou divisões de engenharia de produção
operando no Estado, como a mineradora Vale do Rio Doce, as grandes companhias siderúrgicas Usiminas,
Acesita, Açominas e Belgo Mineira, a Magnesita no setor de não-metálicos, as Centrais Elétricas de Minas
Gerais na área de geração e transmissão de energia, a multinacional montadora de automóveis FIAT, e a
CENIBRA em papel e celulose. Além disto, existem empresas médias de base tecnológica de expressão nacional,
como a Granja Rezende e a Biobrás, na área de genética e biotecnologia, respectivamente. Além dos esforços de
adoção tecnológica, os gastos de P&D destas empresas também são direcionados para melhoramento e
desenvolvimento de novos produtos, inclusive a FIAT, que tem trazido projetos de desenho básico, como o do
carro mundial “Pálio”, para o trabalho de co -design entre a matriz na Itália e a subsidiária brasileira.
Estas empresas têm se beneficiado de novos incentivos para investimento em P&D. A mais importante é a Lei
Federal 8661, que reduz o imposto de renda pessoa jurídica para gastos em P&D. A Tabela 3 apresenta uma
amostra selecionada de dez grandes empresas sediadas ou com forte comprometimento de investimentos de
suas filiais no Estado que já foram beneficiadas pelo Programa de Desenvolvimento Industrial da referida lei,
com um gasto estimado para os próximos 5 anos de US$ 278.9 milhões. No entanto, o aparato fiscal de
incentivos à P&D privado tem resultados duvidosos do ponto de vista alocativo. Em primeiro lugar, observa-se
que os maiores beneficiários são as grandes empresas, que usam estes incentivos mais para redução de custos
do que para ampliar seu esforço em novos desenvolvimentos de processos e produtos. Uma segunda
ineficiência alocativa é a falta de prioridade setorial, pulverizando em geral a distribuição de incentivos.
No outro extremo, está o programa conjunto FAPEMIG-BDMG para investimento em P&D de pequenas e
médias empresas, no valor de R$ 2,1 milhões a fundo perdido, com o valor máximo de R$ 100 mil por projeto, e
financiamento de longo prazo “casado” para a empresa -parceira no mesmo va lor. Como já descrito, este
programa induz parcerias universidade-empresa, através do esquema de co-projetos de desenvolvimento
científico aplicado à novos produtos tecnológicos, onde os pesquisadores são financiados a fundo perdido e o
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empresário tem o direito ao empréstimo. Uma última experiência de novos arranjos institucionais na área de
P&D é das incubadoras de empresas tecnológicas, com algumas histórias de sucesso na Região Metropolitana de
Belo Horizonte. Um delas é da incubadora de biotecnologia e química fina sob a direção de Fundação Biominas,
que atualmente conta com 16 empresas incubadas, as quais na sua maioria surgiram de spin-offs de empresas de
médio porte sediadas no Estado, como a Biobrás, ou dos departamentos de biologia e genética da universidade.
A estratégia básica destas empresas é buscar sinergias com empresas de maior porte ou congêneres para reduzir
o custo de seus projetos e entrar em nichos de mercado ainda não explorados pelas empresas estabelecidas.
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Tabela 3
Grandes Empresas Selecionadas com Projetos de P&D
aprovados pela Lei Federal 8661
Minas Gerais 1996
EMPRESA
P&D INVESTMENTO (US$ Milhões)
Fiat
186.2
Cemig
56.3
Magnesita
18.3
Belgo-Mineira
6.9
Acesita
3.6
Rhodia-Ster Fipack
3.1
Rhodia-Ster Fibras
2.6
Fosfértil
0.7
Alcan
0.7
Ultrafértil
0.5
TOTAL
278.9
fonte: BDMG, 1996
Na área de treinamento de mão -de-obra, existe uma longa tradição no Estado de cursos profissionais de curta
duração desenvolvidos pelo sistema “S” das instituições empresariais e escolas técni cas agrícolas, como mostra
a Tabela 4.
Tabela 4
Educação Profissionalizante em Minas Gerais, 1995
Entidade
Número
de
treinamento
unidades
de Matrículas
SENAC
15
252 815
SESI
62
7 798
SENAI
35
25 507
SEBRAE
6
ESCOLAS AGROTÉCNICAS
11
769
4 503
Fonte: Pesquisa de campo
O quadro acima aponta para a possibilidade de um papel mais ativo no esforço de P&D pelas empresas
privadas do Estado, ilustrando a existência de janelas de oportunidade para alterar o padrão de
desenvolvimento tecnológico di rigido pelo Estado. A abertura comercial tem exposto as empresas brasileiras à
forte competição internacional e, com isto, colocado nas suas agendas a questão da atualização tecnológica.
Como é bem conhecido pela literatura, a preocupação com a atualização tecnológica dos países retardatários
não é apenas a de novos desenvolvimentos de produtos, mas o esforço de adoção e melhoramento, os quais
envolvem aprendizado por treinamento, adaptação e uso (Katz, 1987; Bell, 1984). Desta forma, o amplo esforço
de atualização tecnológica deve incorporar todos os setores tradicionais e tamanhos de empresas, nos quais a
difusão ainda joga um papel decisivo para a redução da defasagem tecnológica.
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Globalização e Inovação Localizada, IE/UFRJ
10
Nesta perspectiva, a agenda para o desenvolvimento tecnológico em Minas Gerais deveria contemplar um
estreitamento de objetivos-fim entre instituições públicas de pesquisa e departamentos de P&D das empresas.
Tal esforço deveria incluir um treinamento massivo de força de trabalho ao nível de educação
profissionalizante e básica direcionada para a maior capacitação das empresas e setores com grande defasagem
tecnológica. Nesta nova agenda, as grandes empresas já capacitadas e localizadas nos setores mais competitivos
da economia estadual deveriam exercer uma papel de liderança no redesenho institucional do sistema de
inovação de Minas Gerais.
Em seguida serão analisados dois estudos de sistemas locais de inovação de relevância para a economia
estadual. Como veremos, não existe uma conexão direta entre políticas provenientes do apa rato institucional de
tecnologia do Estado e estes arranjos locais de inovação, os quais surgiram a partir de agentes locais que
souberam criar oportunidades para o desenvolvimento de economias de aglomeração tecnológica, quer seja ao
nível micro -locacional, como ilustra o caso de Santa Rita do Sapucaí, ou a partir de iniciativas de um grande
agente internacional com base operacional local, o qual difunde suas inovações tecnológicas e organizacionais
para sua rede de transações com agentes locais, caso este ilustrado pela nova relação da FIAT AUTOMÓVEIS
com sua rede local de fornecedores.
Estes casos evidenciam que o sucesso ou eventual fracasso destas experiências locais de desenvolvimento
tecnológico pouco ou nada dependem da ação consciente e direcionada do setor público estadual de fomento e
promoção tecnológica, haja vista que a natureza genérica de sua política tecnológica não possibilita
flexibilidade para a intervenção localizada e focada do aparato institucional existente ao nível estadual.
Consequentemente, as ações públicas de fomento, nestes casos, se restringem ao poder público municipal, que
articulado aos agentes locais privados procura desenvolver o sistema local de inovação.
3. O CASO DA REDE FIAT DE FORNECEDORES
Uma experiência recente de desenvolvimento de uma rede vertical de subcontratação entre
fornecedores de pequeno e médio porte e grande empresa usuária é a da rede FIAT de fornecedores
em Minas Gerais.
O esforço inovativo da FIAT do Brasil na introdução do “sistema de produção flexível”, na sua
unidade de montagem de Betim-MG, tem resultado em mudanças substantivas na sua linha de
montagem e na relação fornecedor-montadora, através da reorganização do processo interno de
trabalho, ampliação da subcontratação e introdução do sistema “just-in-time” na relação com os
fornecedores.
O efeito aglomeração destas mudanças ao nível local tem sido significativo, tendo em vista a rápida
expansão da escala de produção da montadora a partir de 1985. No período de dez anos, a produção
expandiu de 420 veículos/dia em 1985 para 1400 em 1995, resultando em duplicação do market-share
doméstico da montadora para 30% e consolidação da posição de principal exportador da economia
estadual, com 10% do total de US$ 5,7 bilhões exportado em 1996.
3.1 Formato organizacional e atores envolvidos: arcabouço conceitual
O formato organizacional da rede FIAT assemelha-se com o que a literatura recente de “distritos
industriais” tem denominado de “centro-radial” (Markusen, 1995), no qual uma grande empresa cliente
centraliza o destino da produção de uma rede de pequenos e médios fornecedores, localizados em um
raio geográfico concêntrico. Segundo Markusen (1995:21-22), o dinamismo das economias regionais
com esse formato associa-se à posição da firma-chave em seu respectivo mercado nacional e
internacional, o que subordina outros negócios locais à sua sorte. O caso da rede FIAT enquadra-se no
tipo de distrito “centro-radial” em que as pequenas e médias empresas do raio de fornecedores são
altamente dependentes da grande empresa-cliente.
10
Globalização e Inovação Localizada, IE/UFRJ
11
Esta idéia não é muito diferente da “empresa motriz” de Perroux (1959), caracterizada tanto pela
relação de dominação econômica de uma grande unidade ou grupo de capital sobre unidades de menor
porte, como pelo papel de pólo de irradiação de inovações desta grande unidade. Assim, influenciado
pela visão do Schumpeter “maduro” (1943), Perroux enxerga a grande empresa motriz como a
instituição capitalista geradora e difusora por excelência de progresso técnico.
Neste caso, a idéia aqui subjacente da rede FIAT de fornecedores como um “sistema de rede” vai
muito além de uma simples relação de compra e venda entre fornecedores de insumos e usuários
produtores de bens finais de consumo.
De um lado, a denominação “distrito industrial centro-radial” pressupõe que esta relação de troca
ocorra em um espaço geográfico determinado, com um grau de acessibilidade ao mercado nacional e
com características específicas de organização de mercado de trabalho, que em boa medida refletem
um nível determinado de densidade urbana e economias externas de escala. O arranjo institucional
entre o setor público e privado local tende a favorecer a obtenção destas economias, haja vista que a
empresa-chave trata com os governos municipal e estadual uma agenda restrita aos pontos das suas
jurisdições que a afetam (Markusen, 1995: 24).
De outro lado, a relação perrouxsiana de dominação é bem mais ampla do que uma relação
oligopsônica de preços entre grande e pequena empresa. Pressupõe também uma hierarquia dos
canais de difusão de inovações entre os agentes envolvidos, em que a trajetória tecnológica e
organizacional da grande empresa influencia fortemente a trajetória dos fornecedores através do
processo de learning-by-interaction fornecedor-usuário (Lundvall, 1988), em um ambiente
institucional específico de trocas onde a conformidade de qualidade do produto é estabelecida pelo
usuário. Por outro lado, a estrutura oligopolística da empresa-chave impõe uma certa rigidez na
diversificação produtiva da economia local, principalmente na esfera das firmas fornecedoras, que
tendem a estabelecer o que Freeman (1974) denomina de “estratégia tecnológica dependente” em
relação à empresa-chave e, no caso de uma quase-firma subsidiária, à sua matriz fora do “distrito”.
O uso deste arcabouço conceitual para analisar o desenvolvimento do sistema de rede da FIAT em
Minas deve ser mediado pelo contexto histórico de instalação da montadora no Estado, em 1974.
Como se sabe, o Estado de Minas e sua região metropolitana em particular não possuíam qualquer
tradição no setor automotivo até a década de setenta, cabendo ao governo estadual uma participação
decisiva na decisão locacional da montadora na RMBH, através de um ampla gama de incentivos que
criaram vantagens suficientes em detrimento de outras alternativas locacionais, principalmente no
interior do Estado de São Paulo (Diniz, 1981).
A incipiente aglomeração automotiva local resultou em um lento processo de instalação de empresas
de autopeças na região, sendo que no final da década de oitenta mais de 70% dos fornecedores da
FIAT ainda se encontravam fora do Estado.
3.2 O Projeto J
A chamada “mineirização” dos fornecedores da subsidiária da FIAT em Minas ocorreu no contexto de
um projeto mais amplo de restruturação tecnológica e organizacional do setor automotivo brasileiro no
início dos anos noventa (Posthuma, 1993), liderado pelo grupo FIAT, que introduziu duas importantes
inovações na sua unidade industrial em Betim, município da RMBH. A primeira, de natureza
tecnológica, constituiu-se na introdução em escala mais ampla da automação microeletrônica nas
linhas de montagem. A segunda, de natureza organizacional, deu-se com a introdução do just-in-time
interno, significando a integração de todas as áreas da empresa, mudanças na gestão da força de
trabalho e descentralização das decisões da empresa em todos os níveis da fábrica. Com isto, foi
11
Globalização e Inovação Localizada, IE/UFRJ
12
possível o desenvolvimento do sistema de “produção flexível” em substituição ao esquema “fordista”
de “produção em massa”.
Esta restruturação organizacional e tecnológica significou um enxugamento das atividades não
essenciais da montadora, com desverticalização da sua unidade de produção. Uma nova relação com
os fornecedores foi estabelecida, consubstanciada no Projeto J que integra cinco sub-projetos:
mineirização; terceirização, sistemas de peça, nacionalização, racionalização do parque.
A “mineirização” tem resultado na relocalização geográfica dos fornecedores próximo à unidade
industrial. Uma ampla pesquisa de campo realizada pela Fundação João Pinheiro (1994) identificou um
universo de 71 empresas de autopeças no Estado em 1993. Mais de dois terços destas empresas estão
localizadas na RMBH e vinte na região Sul de Minas, nos municípios limítrofes ao Estado de São
Paulo. A distribuição por destino da produção segundo a localização indica que a quase totalidade das
empresas da RMBH são fornecedoras da FIAT e as do Sul fornecem na sua grande maioria para o
mercado nacional de reposição e para as montadoras paulistas. Por outro lado, o estudo de Camargo
(1996) atesta que as novas empresas estabelecidas no Sul de Minas desde 92 são na sua maioria
fornecedoras FIAT, exclusivas ou não.
Observa-se neste universo uma predominância de empresas nacionais de médio porte e uma presença
crescente de empresas de capital estrangeiro e joint-ventures, que vêm se instalando nos últimos anos
para atender as exigências tecnológicas e de qualidade do Projeto J. Muitas destas empresas
subsidiárias recém instaladas já operam em parceria com a matriz européia da FIAT, em esquema de
fornecimento de linhas de produtos desenvolvidos em projetos conjuntos de P&D (Camargo, 1996).
Com base no cadastro do Instituto de Desenvolvimento Industrial do Estado - INDI, as empresas de
autopeças com projetos de investimento no Estado apresentaram um aumento significativo dos
investimentos na RMBH nos anos 93, 94 e 95, em função do programa de “mineirização”,
ultrapassando em volume os investimentos no Sul de Minas, que no período 85/92 possuía um volume
3.8 vezes maior do que o da RMBH. Certamente, os tipos diferentes de exigência do “just-in-time
externo” segundo o sistema do componente, que resulta em diferentes formas de contrato fornecedormontadora (exclusividade ou não), explicam esta relocalização dos investimentos da indústria de
autopeças no Estado do Sul de Minas para a RMBH. De uma lógica locacional baseada no efeito
desconcentração da RMSP na década de oitenta, passa-se nos anos noventa para uma lógica voltada
para a redução do tempo de circulação de mercadorias na forma de peças e componentes fornecidos à
empresa cliente.
O grande salto da produtividade do trabalho na indústria de autopeças mineira, a partir de 1992, que
dobra em relação a 19851, é explicado pelas novas formas de gestão e organização das empresas
estabelecidas e o maior grau de automação das empresas entrantes, resultado do desenvolvimento da
rede vertical de subcontratação da FIAT (Camargo, 1996).
3.3 Rede vertical de subcontratação e “just-in-time”
Os subprojetos “terceirização”, “sistema de peças” e “racionalização do parque” compõem o desenho
organizacional da rede de subcontratação da FIAT.
1 A proxy da produtividade do trabalho dada pela relação faturamento/emprego passa de US$ 22,40 por empregado em 1985 para
US$ 42,30 em 1994 (Camargo, 1996: 85).
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Globalização e Inovação Localizada, IE/UFRJ
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A terceirização ocorreu através da transferência de atividades realizadas pela montadora para seus
fornecedores, que resultou em fusões de fornecedores, estabelecimento de novos métodos internos de
gestão e na transferência intra-industrial de atividades entre as empresas de autopeças (Ibid.).
No entanto, o processo de “terceirização” em curso não representa simplesmente a externalização
para terceiros de atividades anteriormente realizadas internamente, onde transações realizadas dentro
da hierarquia da empresa passam a ser realizadas pelo mercado. Mais do que isto, representa uma
rede vertical hierarquizada de relações contratuais cujo formato tecno-organizacional é dado pelo
“sistema de peças”.
O sistema de peças é constituído por um sub-conjunto completo de peças e componentes a serem
transportados para a linha de montagem final do veículo na planta industrial da montadora. É
organizado segundo o tipo de material: materiais termoplásticos que produzem os sistemas de painel,
para-choque, ventilação, etc; materiais elétricos que produzem o sistema de chicotes elétricos;
materiais forjados que produzem os sistemas de motor, suspensão, câmbio, e direção; e
usinagem/soldagem/montagem que produzem os sistemas de escapamento, tanques, etc.
A estrutura de fornecedores é hierarquizada, sendo que os fornecedores de primeira linha se
relacionam diretamente com a montadora e são responsáveis pelo fornecimento de sistemas prontos. A
partir daí é estabelecida uma rede vertical de sub-contratação dentro de cada sistema de peças, onde
um número limitado de fornecedores de primeira linha ou líderes estabelecem sua rede de firmas
fornecedoras subcontratadas com plantas industriais distintas e localizadas separadamente (Camargo,
1996: 80). O objetivo da FIAT é reduzir o número de fornecedores diretos para 100 em 97, de total de
500 antes da estruturação da rede em 89 (Ibid: 105).
Esta estrutura hierarquizada de fornecimento criou as condições organizacionais para a FIAT
introduzir em toda a sua extensão o just-in-time em sua linha de montagem. Ao nível interno, ocorreu
a integração de todas as áreas da empresa, mudanças na gestão da força de trabalho, e
descentralização das decisões da empresa em todos os níveis da fábrica. Ao nível externo está se
desenvolvendo uma relação vertical sincronizada entre clientes e fornecedores, desde a planta
industrial da montadora para seus fornecedores de primeira linha e destes para os fornecedores de
segunda linha.
No entanto, o just-in-time da FIAT ainda está longe do modelo japonês de estoque zero, onde existe a
“entrega sincronizada do produto certo, com a qualidade requerida, na hora certa, no lugar certo”. Isto
porque ainda é incipiente o desenvolvimento do just-in-time intra-firma na planta de cada fornecedor e
o just-in-time inter-firmas dentro da hierarquia verticalizada de fornecedores. Segundo Oliveira (1996),
a terceirização se expandiu mais rapidamente entre a FIAT e as empresas de autopeças do que entre
elas. Mesmo assim, este processo tem se acelerado, desde 1992, por pressão da montadora, pois o
desenvolvimento insuficiente de just-in-time entre sua rede de fornecedores constitui-se em um
“gargalo” para sua inovação organizacional.
Mesmo assim, a nova logística da rede tem permitido a redução ao mínimo dos estoques no galpão da
montadora, possibilitando a ampliação do espaço físico das linhas de montagem e aumento da
produção/dia de veículos. O aumento do fluxo de informações fornecedor-FIAT tem garantido a
colocação da peça na linha de montagem na hora certa e uma alteração mais rápida do mix de produto,
em geral comunicado com alguma antecedência (1 semana) ao fornecedor. Outra alteração importante
foi a transferência da responsabilidade da administração dos estoques para o fornecedor de primeira
linha, que coordena os estoques de todo o sistema de peças. Para evitar o risco de interrupção do
fornecimento, as fornecedoras mantém um estoque de 2 a 5 dias, ocorrendo neste caso a transferencia
de custo financeiro do giro do estoque para o fornecedor. Um problema no caso do just-in-time da
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Globalização e Inovação Localizada, IE/UFRJ
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FIAT é fato de parte dos fornecedores de segunda linha estarem em localidades mais distantes, como
SP ou Sul de Minas. Com isto, os de primeira linha, que necessariamente se localizam na RMBH,
estão forçando a relocalização de seus fornecedores (Camargo, 1996).
Ao nível dos insumos para os produtores de autopeças, apenas os de menor valor agregado, os
siderúrgicos, estão disponíveis na economia estadual, enquanto os de alto valor são provenientes de
São Paulo ou importados. Dado a necessidade de sincronização vertical do just-in-time no
fornecimento do sistema de peças, impõe-se um nível de estoque de insumos e matérias-primas, não
disponíveis em curto espaço de tempo, com o aumento dos custos unitários. A instalação do “porto
seco” em Betim visou facilitar as importações destes insumos (Ibid: 112).
3.4 Relações contratuais
As recentes pesquisas de campo sobre os fornecedores de primeira linha da FIAT realizadas por
Camargo (1996) e Oliveira (1996) revelam que em geral fazem parte de grupos econômicos com
sólida estrutura econômica e financeira, a maioria de origem estrangeira, com relações contratuais de
fornecimento feitas ao nível de suas matrizes no exterior. Muitas destas empresas possuem plantas
industriais em outras localidades, como RMSP, interior de São Paulo e Paraná, sendo que as nacionais
provenientes de São Paulo em geral se associaram a grupos estrangeiros para se instalarem na
RMBH, em função de exigências de especificação de produtos feitas pela montadora para se
qualificarem como de “primeira linha”. A grande maioria destas empresas localizam-se na RMBH e
fornecem para a montadora com total ou quase exclusividade.2
A relação contratual do esquema de subcontratação da FIAT é o que a literatura sobre teoria dos
contratos denomina de “contrato incompleto” (Williamson, 1985). É estabelecido um “acordo de
intenções” entre a fornecedora e a FIAT ao invés de contratos completos, como ocorre com seus
fornecedores de partes de sistema de peças, fixando intenções de preços, projeto a ser executado e
especificações para controle de qualidade. Os contratos de fornecimento são de prazos mais longos,
com características de compartilhar metas e compromissos mútuos de longo prazo, muitas vezes
decorrentes de acordos mais amplos entre montadora e autopeças a nível internacional.
O valor das peças tomam como referência os preços mundiais e as planilhas de custos, que são abertas
com definição de metas (“taraste”) a serem atingidas em determinado prazo. As metas de redução de
custos e preços são feitas através de uma “carta de intenções”, em contraste com o sistema
tradicional, onde a montadora realiza uma licitação de preços entre os concorrentes.
A FIAT define o projeto a ser executado, estipulando qualidade e preço, que pode ser negociado desde
que aberta a planilha de custo, principalmente para as empresas de menor porte. No caso das
fornecedoras de sistemas completos, mais agressivas em inovação tecnológica e organizacional e
pertencentes a grandes grupos de autopeças, os projetos são de parceria, com rateio de custos e
ganhos, sendo a relação menos assimétrica e o espírito de maior cooperação. Neste caso, Oliveira
(1996: 119) observa que “existe um forte intercâmbio entre engenheiros e operários das empresas de
autopeças e das montadoras”3.
2 No caso das empresas localizadas no Sul de Minas o destino da produção de peças e componentes é mais diversificado.
3 A experiência de uma empresa fornecedora entrevistada por Oliveira é ilustrativa desta nova relação: “A FIAT desenvolveu um
novo automóvel especificando os projetos que seriam produzidos pelos seus fornecedores. O departamento de engenharia de um
fornecedor constatou algumas falhas no projeto da montadora e o modificou. Depois de vários aperfeiçoamentos no projeto, a
fornecedora resolveu produzi-lo em caráter experimental. Nesse momento, foram os operários que criaram várias sugestões para
aperfeiçoar o processo produtivo e, quando foi remetido o primeiro protótipo para a montadora, seus operários também realizaram
sugestões para facilitar o trabalho na linha de montagem. Como o prazo estava acabando, a montadora resolveu reunir os operários
de ambas as empresas para que eles desenvolvessem a melhor maneira de manufatura-lo” (Oliveira, 1996: 119).
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Globalização e Inovação Localizada, IE/UFRJ
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No entanto, as experiências de co-design entre montadoras e fornecedores em países hospedeiros,
como o Brasil, evideciam grandes limitações, haja vista que na grande maioria dos casos é uma relação
entre empresas subsidiárias, ou seja, “quase-firmas”, com pequena autonomia e capacitação para o
desenvolvimento de produtos.
Assim, a elaboração de projetos é no esquema de co-design entre montadora e fornecedor, sendo que
na maioria dos casos este co-design é feito entre as matrizes. No esquema anterior, a montadora
elaborava o projeto e enviava ao fornecedor para a execução. O novo esquema possibilita o processo
de aprendizado tecnológico pela interação fornecedor-usuário (learning-by-interaction), tornando
possível uma “ponte” entre o fluxo de conhecimento adquirido pelo primeiro na exceção do projeto
(learning-by-doing) e aquele adquirido pelo segundo no uso do produto (learning-by-using). Mesmo
que a estratégia tecnológica do fornecedor seja essencialmente “dependente” (Freeman, 1974) em
relação à empresa usuária (“chave” ou “motriz”), o fluxo cruzado de informações dos aprendizados
recíprocos interfere nas “trajetórias tecnológicas” (Dosi, 1988) das empresas envolvidas na relação
contratual.
Baseado nesta relação de cooperação no estilo hierarquizado vertical dos “distritos centro-radiais”4 , o
controle de qualidade passa a ser feito pela própria empresa fornecedora, ao invés do controle
tradicional da montadora. Isto é o mais racional na nova estrutura de fornecimento hierarquizado do
sistema de peças, onde as empresas de primeira linha são responsáveis pelo fornecimento de sistemas
prontos, cabendo a elas o controle de qualidade na rede vertical de sub-contratação. O for necimento
dos sistemas pode-se dar através de contratos com fornecimento flexível ou através de um plano de
intenções, menos preciso mas com prazos mais longos de garantia de fornecimento. As implicações
desta nova estrutura é uma relação mútua de compromissos fornecedor/usuário mais duradoura, que
influencia os planos de longo prazo do primeiro, como as decisões de investimento e sua localização
geográfica. Segundo algumas empresas entrevistadas por Camargo (1996), o acordo ou contrato de
longo prazo foi central para decisão de investimento em nova planta em uma nova localização próxima
à montadora.
A cooperação e co-reponsabilidade tem levado a FIAT não apenas a terceirizar partes de seu processo
produtivo, como também parte da mão-de-obra operacional, em que os fornecedores, além de
entregarem os sistemas completos, montam e fazem outras tarefas na linha de montagem da
montadora. Segundo Oliveira (1996: 120), mesmo sendo um processo incipiente, três empresas
fornecedoras mantém atualmente parte de seus operários dentro da FIAT, sendo “escolhidos a dedo”,
segundo o entrevistado. Entretanto, mesmo com trabalhos conjuntos de equipes montadorafornecedores, existe significativa diferença salarial entre mão-de-obra qualificada de mesmo nível
(Ibid.).
Sob o arcabouço da teoria dos contratos, este esquema de contrato “incompleto” entre a FIAT e os
fornecedores se enquadra no caso em que existe uma transação de uma tecnologia-produto realizada
pelo mercado, que requer uma salvaguarda de proteção, dado a especificidade do ativo. Neste caso, a
salvaguarda contra o risco do contrato incompleto é a regularidade das transações entre fornecedorusuário, que suporta e sinaliza a continuidade das intenções de cooperação. Segundo Williamson (1985:
34-35), a freqüência, recorrência e reciprocidade das transações criam uma relação de trocas bilateral,
ao invés da transação unilateral de uma simples compra e venda de mercadorias, possibilitando com
isto um equilíbrio na distribuição dos riscos comerciais. Neste caso, o custo da salvaguarda é
substituído pela reciprocidade cooperativa, possibilitando uma redução do preço vis-à-vis o produto
transacionado por uma relação de mercado sem salvaguardas. No caso sob estudo, pode-se afirmar
4 Em contraste com o esquema horizontal simétrico dos distritos marshallianos (Markusen, 1995).
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Globalização e Inovação Localizada, IE/UFRJ
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que é esperado que os preços intermediados na rede de sub-contratação da montadora sejam inferiores
àqueles transacionados no livre mercado5 .
3.5 Inovações na produção
A introdução de automação microeletrônica na linha de produção dos fornecedores ainda é incipiente e
concentrada em poucas empresas, especialmente no caso de comando numérico computadorizado
(CNC), robôs e controlador lógico programável (CLP), equipamentos considerados os mais
importantes no “chão de fábrica” (Oliveira, 1996: 89). Segundo (Posthuma, 1991), a escala explica em
parte o nível diferenciado de automação de empresas de autopeças. Fora do “chão-da-fábrica”, o
maior esforço tem sido na introdução de desenho assistido por computador (CAD - computer assisted
design) e automação em controle de qualidade, ainda limitada e concentrada nas empresas de
“primeira linha” de maior porte, com suporte e assistência técnica de suas matrizes (Oliveira, 1996:92).
Recentemente a FIAT pressionou os fornecedores para adotarem o CAD visando à adequação ao
Projeto 178, carro mundial da “família Palio”, sendo a difusão deste equipamento facilitado pela
redução de tarifas de importação de produtos microeletrônicos (Ibid.: 90). Por sua vez, as redes de
informática de microcomputadores estão bem difundidas, viabilizando a operação de sistemas “on
line” com a FIAT;
Segundo as empresas pesquisadas por Oliveira (1996), um dos objetivos importantes das empresas que
introduziram equipamentos de automação foi garantir flexibilidade, qualidade e redução de tempo para
lançamento de novos produtos, atendendo as exigências de mudança de mix e conformidade de produto
da FIAT, o que significou inclusive a terceirização de parte do departamento de engenharia de algumas
empresas para a introdução do CAD.
Ao nível das mudanças organizacionais, a introdução do just-in-time (JIT) foi significativa entre as
empresas da amostra (Ibid.). Os maiores avanços foram na introdução de JIT externo “para frente”
com a FIAT, que ao introduzir seu JIT interno induziu seus fornecedores para o JIT de fornecimento.
A introdução do JIT interno, integração de todas as áreas da empresa articulada com mudanças na
gestão da força de trabalho e descentralização das decisões da fábrica, está numa fase intermediária,
enquanto o JIT externo “para trás” com empresas fornecedoras subcontratada está em fase mais
atrasada, o que explica o nível ainda elevado de estoques que a maioria das empresas de “primeira
linha” vem operando (Camargo, 1996). Algumas empresas que já introduziram o JIT interno
conseguiram redução em até 50% dos estoques, além de melhoria do controle sobre o processo de
trabalho e a qualidade; possibilitando também maior flexibilidade tanto do mix de produtos quanto do
volume de produção. Principalmente para as empresas de menor porte; a FIAT tem dado suporte
técnico, gerencial e, em alguns casos, financeiro (Oliveira, 1996: 110-111).
A introdução de JIT interno tem desencadeado outras mudanças organizacionais, as “ferramentas de
qualidade”, como novos princípios de gestão da produção, como células de manufatura
(multiqualificação e polivalência), melhoramento contínuo (Kaisan), círculos de controle de qualidade
(CCQ), qualidade total (QT), diagramas de causa-efeito e sugestões de melhorias. O resultado
generalizado entre as empresas entrevistadas foi o aumento substancial da produtividade do trabalho.
Por fim, o JIT interno tem levado a um amplo processo de terceirização destas empresas, sendo
algumas áreas totalmente terceirizadas, como serviços de apoio, e outras parcialmente terceirizadas,
como assistência técnica dos novos equipamentos eletrônicos; ferramentaria, engenharia, atividades de
P&D e administração de recursos humanos (Ibid.).
5 Como diz Williamson (1985:35), “inasmuch price and governance are linked, parties to a contract should not expect to have
threir cake (low price) and eat it too (no safeguard)”.
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4. O CASO DE SANTA RITA DO SAPUCAÍ
4.1 Posição geográfica e breve histórico da cidade
Santa Rita do Sapucaí está localizada no sul do Estado de Minas Gerais, a aproximadamente 200 km
da cidade de São Paulo, 350 km da cidade do Rio de Janeiro e 400 km de Belo Horizonte. Do ponto de
vista do seu entorno micro-regional, está no caminho da ligação Pouso Alegre-Itajubá, distante
aproximadamente 20 km da primeira e 40km da segunda e, portanto, com acesso fácil, por um lado, ao
eixo da Rodovia Fernão Dias (São Paulo-Belo Horizonte), onde estão as áreas de expansão industrial
do sul de Minas Gerais e, por outro, ao eixo da Dutra (São Paulo-Rio de Janeiro), na altura de PiqueteLorena e, portanto, à área industrial do Vale do Paraíba Paulista.
Historicamente, a região tinha como atividades básicas a pecuária leiteira e a agricultura de café, em
função das quais se criou uma aristocracia agrária, da qual se originaram alguns políticos de peso
nacional, a exemplo dos ex-presidentes Delfim Moreira e Wenceslau Brás, o que teria efeitos sobre o
desenvolvimento da região em geral e de Santa Rita do Sapucaí, em especial.
Até a década de 1950, Santa Rita do Sapucaí era uma pequena cidade cuja atividade básica estava
vinculada ao setor agrário. Em 1960, sua população era de 18 mil habitantes, dos quais quase 10 mil
viviam no meio rural. Por outro lado, a proximidade de Santa Rita do Sapucaí às cidades de Itajubá e
Pouso Alegre, ambas de maior tamanho e dotadas de melhores serviços, inibiam a possibilidade de
Santa Rita do Sapucaí desenvolver atividades mais modernas e concorrenciais às cidades vizinhas.
Ainda na década de 1970, quando se iniciou o processo de expansão industrial do sul de Minas, em
função da reversão da polarização industrial da área metropolitana de São Paulo, supunha-se que Santa
Rita do Sapucaí poderia cumprir apenas o papel de cidade dormitório para os trabalhadores das
cidades de Itajubá e Pouso Alegre, que cresciam de forma acelerada (INDI, 1988, apud Demattos,
1990).
4.2 Uma empresária schumpeteriana e o futuro de Santa Rita do Sapucaí
O fator marcante e desequilibrador da dinâmica econômica da cidade de Santa Rita do Sapucaí foi, a
nosso ver, a presença de uma empresária “schumpeteriana”. Dona Luiza Rennó Moreira, natural do
município de Santa Rita do Sapucaí, descendente e herdeira de cafeicultores ricos, sobrinha do expresidente Delfim Moreira, esposa de diplomata, mulher culta e sem filhos, que havia vivido vários anos
no exterior, inclusive no Japão. Ao voltar ao Brasil, decide fazer alguma coisa em prol do futuro da
juventude de Santa Rita do Sapucaí. Consta que a mesma tinha uma grande preocupação com a
formação cultural e profissional e que, decidiu buscar alternativas para a cidade, tendo sido induzida a
abrir uma escola técnica de eletrônica, considerada atividade de futuro em função das transformações
tecnológicas mundiais. Consta ademais, que a mesma influenciou o Governo Federal (Presidente
Juscelino Kubitscheck) a regulamentar o funcionamento dos cursos médios de eletrônica no Brasil.6
O resultado prático foi a criação da Escola Técnica de Eletrônica “Francisco Moreira da Costa”, a
qual começou a funcionar em 1959, construída com recursos próprios de Dona Sinhá e entregue à
administração de padres jesuítas. Esta escola, funcionando em tempo integral, incluindo moradia para
os estudantes do interior e mantida com os recursos financeiros e patrimoniais transferidos por Dona
6Segundo relatos verbais de moradores e lideranças da cidade de Santa Rita do Sapucaí, obtidos por ocasião de pesquisa de campo
realizada na cidade, Dona Sinhá havia procurado a Petrobrás com a idéia de se criar um curso de química industrial mas que teria sido
induzida a optar pela eletrônica por apresentar maiores perspectivas. Veja também, Demattos (1990).
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Sinhá ou obtidos com seu apoio (Perobelli, 1996) teria se transformado em um modelo de sucesso. Em
fase de rápida industrialização, apesar da crise econômica da primeira metade da década de 1960, e de
grandes transformações tecnológicas, os ex-alunos da ETE encontrariam um amplo mercado de
trabalho e, alguns anos depois de iniciada a escola, os mesmos poderiam ser encontrados em várias e
importantes empresas, especialmente no setor de telecomunicações que viria a se expandir de forma
acelerada na década de 70.
O sucesso da ETE na formação de trabalhadores especializados e a proximidade com Itajubá, onde já
existia a Escola Federal de Engenharia de Itajubá (EFEI), especializada na área de engenharia elétrica,
induziu certa aliança entre professores de Itajubá e políticos da região para a criação de uma escola
superior de engenharia na área de eletrônica, nascendo o Instituto Nacional de Telecomunicações
(INATEL), em 1965.
4.3 O papel da ETE e do INATEL para o desenvolvimento do Pólo Industrial de Santa Rita
do Sapucaí
O ETE foi dotado de laboratórios atualizados, seguindo os padrões de escolas semelhantes em países
industrializados. Por sua vez, o INATEL, seguindo padrões similares, teve a grande vantagem, logo
após sua implantação, da retomada do crescimento industrial brasileiro e, em especial, do setor de
telecomunicações. As grandes multinacionais, vendedoras de equipamentos, e as empresas
prEstadoras de serviços na área de telecomunicações (a maioria estatais) necessitavam de técnicos
preparados para a montagem e operação de uma geração sofisticada de equipamentos. Assim, não só
os engenheiros formados pelo INATEL seriam requisitados pelas empresas vendedoras de
equipamentos e operadoras dos sistemas, como as próprias grandes multinacionais teriam todo o
interesse em doar laboratórios ao INATEL a fim de capacitar pessoal na montagem e operação de
seus equipamentos, o que facilitou enormemente a montagem dos laboratórios do INATEL7 . De
forma semelhante, algumas das grandes operadoras de serviços de telecomunicações no Brasil
estabeleceram convênios de cooperação com o INATEL, inclusive para reciclagem e capacitação de
pessoal. Em 1990, por ocasião de pesquisa de campo, o INATEL já possuía dezoito laboratórios de
ensino e pesquisa, sendo dois de física, três de eletrônica básica e circuitos, um de química, um de
eletrônica digital, um de microprocessadores, um de microondas, um de centrais telefônicas, um de
telefonia, um de máquinas elétricas, um de televisão, um de antenas e propagação, um de redes
telefônicas, um de minicomputadores (hardware), um de iniciação à eletrônica e, por fim, o
Laboratório Livre de Eletrônica, que funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano (Demattos, 1990).
Tanto a ETE quanto o INATEL dão acesso aos seus laboratórios para ex-alunos e pesquisadores,
tendo também, constituído incubadoras de empresas. Através destas, fornecem aos interessados
acesso às instalações laboratoriais e espaço administrativo para a incubação de empresas.
4.4 A relação entre as empresas e as instituições de ensino e pesquisa
Como se mencionou, a ETE e o INATEL trabalharam sempre com a filosofia de forte articulação com
o sistema empresarial. Do ponto de vista das grandes empresas externas à região, a ETE e o INATEL
mantiveram estreita relação, tanto com as empresas produtoras de equipamentos (multinacionais
principalmente) quanto com as empresas prEstadoras de serviços na área de telecomunicações
(estatais, em geral). Com as primeiras, pelo interesse destas em capacitar o pessoal na área de
montagem e operação de seus equipamentos, da qual resultou a facilidade na obtenção (muitas vezes
através de doações) e montagem dos laboratórios. Com as segundas, também na capacitação para
7Em visita ao INATEL, em 1990, estes fatos foram narrados a um dos autores deste documento pelo então diretor daquela
instituição.
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montagem e operação dos equipamentos e na capacitação de pessoal. Em ambos os casos, aquelas
empresas passaram, também, a ser excelente mercado de trabalho para técnicos e engenheiros
formados pela ETE e pelo INATEL. Estas condições fortaleceram o relacionamento institucional,
contribuindo para viabilizar a expansão do sistema educacional de Santa Rita do Sapucaí. Neste
particular, cabe mencionar vários convênios firmados, principalmente entre o INATEL e empresas
operadoras de telecomunicações ou instituições de pesquisa, a exemplo da TELEMIG, com o
DENTEL, para homologação de equipamentos, com o Centro de Telecomunicações da PUC-Rio, com
o Centro de Pesquisas da Telebrás (CPqD), entre outros.
Do ponto de vista dos pesquisadores e empresas locais, a ETE e o INATEL mantiveram sempre uma
política de fácil acesso aos seus laboratórios e bibliotecas, seguindo o padrão mundial em áreas
caracterizadas por formação de pólos e parques tecnológicos, a exemplo do Vale do Silício, nos
Estados Unidos, e de outras instituições e experiências internacionais. Cabe mencionar, neste sentido,
o Laboratório Livre de Eletrônica, do INATEL, mantido aberto durante as 24 horas e nos 365 dias do
ano. Adicionalmente, ambas as instituições mantêm incubadoras, através das quais fornecem acesso
aos laboratórios e bibliotecas bem como área para incubação e assistência gerencial.
Por iniciativa conjunta da ETE -INATEL e da Associação Industrial de Santa Rita são realizadas,
anualmente, duas feiras. A primeira, denominada PROJETE, destina-se a mostrar a criação dos alunos,
seja na concepção de novos produtos, seja de serviços. A segunda é uma feira industrial, destinada a
mostrar os produtos da indústria local.
A facilidade no relacionamento entre as empresas, os pesquisadores e as instituições de ensino e
pesquisa talvez seja a melhor explicação para o surgimento e desenvolvimento de um grande número
de pequenas e médias empresas em uma cidade de pequeno porte, como é o caso de Santa Rita do
Sapucaí. Registre-se, neste sentido, que aproximadamente 80% dos sócios majoritários das indústrias
de Santa Rita são ex-alunos da ETE ou do INATEL.
Por fim, talvez estimulado pelas próprias características do desenvolvimento da cidade e pela natureza
das instituições de ensino e das empresas, foi criada a Faculdade de Administração, em 1971 e de
Informática, em 1979, fundindo depois na atual Faculdade de Administração e Informática (FAI),
complementando a formação especializada da região.
Como decorrência do crescimento industrial da cidade, baseado em indústrias de base tecnológica e da
presença do sistema educacional e de pesquisa, com grande número de professores e alunos, na
década de 1980 houve uma ruptura política na cidade, com a transição do domínio político da
aristocracia agrária para um novo grupo ligado ao sistema educacional e às novas empresas de base
tecnológica que surgiam na região. Este novo grupo político que assumiu a Prefeitura de Santa Rita do
Sapucaí teve papel decisivo no apoio às novas iniciativas, identificando e preparando novas áreas para
a localização de indústrias, preparando infra-estrutura, fornecendo incentivos, inclusive o pagamento de
aluguel de galpões industriais para algumas das novas indústrias e montando uma política de
divulgação da potencialidade de Santa Rita, criando, inclusive, o slogan “vale da eletrônica”.
4.5 O surgimento e desenvolvimento do Pólo Industrial de Santa Rita do Sapucaí
O crescimento industrial de Santa Rita do Sapucaí esteve relacionado com um conjunto de fatores. Em
primeiro lugar, o processo de reversão da polarização da área metropolitana de São Paulo, decorrente
do aumento de custos (salários, preço da terra e dos aluguéis, controle de poluição, congestionamento
de tráfego) e pelo clima político da pressão sindical, conjugado com o desenvolvimento da infraestrutura em outras partes do país, induziu o processo de desconcentração industrial, com a
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emergência de novas áreas industriais e crescimento em outras, com tendência de reaglomeração da
Região Centro-Sul do país (Diniz, 1993; Diniz e Croco, 1996).
Neste caso, a região do sul de Minas Gerais foi uma das beneficiadas, pela proximidade geográfica
com a própria área metropolitana de São Paulo e com os maiores mercados do país, pela
disponibilidade de infra-estrutura e uma rede urbana bem distribuída, mercado de trabalho, ausência de
pressões políticas e sindicais, entre outros.
Neste contexto, Santa Rita do Sapucaí passou a ser uma alternativa locacional adequada,
especialmente para indústrias do segmento eletrônico e de telecomunicações, decorrente do mercado
de trabalho especializado, das instituições de ensino e pesquisa na área, segurança e tranquilidade,
ausência de greves, facilidade de relacionamento com outras empresas etc. (Perobelli, 1996).
Assim, ligada à ETE, nascia, em 1978, a primeira indústria, denominada Linear e que viria a ter um
grande sucesso, inclusive exportador e que serviria de exemplo e estímulo à criação de outras
empresas. Entre 1978 e 1985 seriam criadas 14 empresas e, até 1989, o total atingiria 45 empresas em
funcionamento, das quais 11 na área de engenharia e projetos, com um total de 1.146 trabalhadores
(Demattos, 1990). Consta que a crise econômica do início da década de 1980, criando dificuldades de
emprego, teria estimulado alguns dos formandos a buscar alternativa própria, da qual surgiram várias
iniciativas no período. Em 1995, em pesquisa elaborada por Perobelli, baseada em dados da
Associação Industrial de Santa Rita, foram identificadas 82 empresas industriais, com um total de 2.355
trabalhadores, sendo 38 empresas na área de eletrônica, com um total de 1.086 pessoas ocupadas e 24
empresas na área de serviços para a indústria eletrônica, com 127 pessoas ocupadas. Ligadas ao
mesmo segmento foram ainda identificadas três empresas metalúrgicas, com 128 pessoas ocupadas e
nove empresas classificadas como outros ou diversos, com 494 pessoas ocupadas (Perobelli, 1996).
A viabilidade econômica de pequenas e médias empresas na área de eletrônica e telecomunicações
estava, por sua vez, vinculada à identificação de nichos de mercado que não fossem de interesse das
grandes empresas, podendo ser, inclusive complementar a elas. Seu surgimento e crescimento estava,
também, relacionado à situação política do país, com mercado protegido e com uma Lei de Informática
que protegia e beneficiava vários segmentos ligados à microeletrônica, informática e
telecomunicações.
4.6 Desafios e perspectivas do pólo industrial de Santa Rita do Sapucaí
Nos últimos anos tem havido uma relativa estagnação do parque industrial de Santa Rita. Em primeiro
lugar, pela dificuldade de dar o salto na pesquisa, já que a ETE é uma escola de segundo grau e o
INATEL e a FAI possuem apenas cursos de graduação, não havendo um sistema de pós-graduação e
pesquisa sistematizado na cidade. Em segundo lugar, pela abertura da economia o que, embora em
menor escala, vem atingindo as empresas da região.
Neste sentido, embora atingidas pela abertura, as empresas de Santa Rita não sofrem o impacto da
privatização do setor de telecomunicações já que aquelas empresas estão em “nichos” de mercado e
vendem principalmente para o setor privado e para o mercado em geral. Isto é, não são clientes das
grandes empresas prEstadoras de serviços em telecomunicações. Se isto representou uma limitação à
expansão de seu mercado, no passado, hoje garante certa estabilidade para a produção regional.
O grande desafio está realmente na competição com os produtores externos, tanto no Brasil pela
entrada de produtos importados, quanto no exterior pela força da competição externa e pela
sobrevalorização do Real.
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Apesar de tudo isto, a base educacional e produtiva, a localização geográfica e outras vantagens locais
indicam que Santa Rita tem potencial para continuar expandindo seu parque industrial em indústrias do
segmento de telecomunicações e atividades correlatas.
CONCLUSÃO
As diretrizes para um novo desenho institucional de inovação em Minas Gerais deveriam levar em conta estas
experiências concretas de arranjos locais de transferência, adaptação, melhoramento e geração tecnológica, de
tal forma a definir políticas focadas a partir da identificação de “gargalos” insti tucionais destes arranjos. No
caso de Santa Rita do Sapucaí, por exemplo, a partir de um amplo diagnóstico dos impactos negativos da
abertura, dever-se-ia pensar formas especiais de estímulo fiscal e creditício às exportações e mecanismos locais
de proteção industrial às importações concorrentes, desde que fiquem claras as possibilidades de aprendizado e
capacitação das empresas dos setores-alvo.
O caso da Rede FIAT ilustra outro aspecto relevante do desenvolvimento tecnológico, qual seja, as limitações da
transferência tecnológica de empresas multinacionais em países e regiões de industrialização recente. Se de um
lado o sistema organizacional just-in-time facilita o aprendizado através da interação grande usuário e
fornecedor local, por outro lado, é um limitador do desenvolvimento de empresas locais inovadoras, tendo em
vista o critério seletivo das empresas chamadas de “primeira linha”, que em geral são subsidiárias de
fornecedores internacionais ou joint ventures parceiras da matriz da empresa-mãe. A política tecnológica do setor
público estadual poderia funcionar, neste caso, como um mecanismo atenuador deste fator limitador, através de
sua função regulatória e de promotor de incentivos.
No plano mais geral, um novo desenho institucional do sistema estadual de educação deveria levar em
conta a base educacional, as instituições inovadoras, a base produtiva estabelecida e as oportunidades
tecnológicas direcionadas para ampliar a base de exportação da economia mineira.
A internalização de P&D nas empresas é o maior desafio para estabelecer este novo desenho
institucional. Duas dimensões do esforço inovativo são particularmente importantes. A primeira é a
exploração das relações inter-firmas para o desenvolvimento sistemático do aprendizado entre
fornecedores e usuários, dimensão esta ainda pouco presente nas transações das firmas locais. O caso
da Rede FIAT estudado fornece alguma luz nesta direção.
Uma segunda dimensão do esforço inovativo local é a exploração de economias de aglomeração
tecnológicas na âmbito micro-espacial a partir das capacitações tecnológicas existentes no ambiente
econômico-institucional local. O desenvolvimento do pólo eletro-eletrônico no município de Santa Rita
do Sapucaí ilustra esta possibilidade, baseada no entendimento das especificidades culturais e
históricas dos agentes locais e na capacidade de explorá-las para o estabelecimento de um arranjo
institucional bem sucedido.
Da experiência prévia de P&D das grandes empresas e instituições locais, caberia ao setor público e
entidades empresariais, como FIEMG e SEBRAE, assumirem um papel educativo de difusores da idéia
de P&D como uma atividade de rotina das firmas. Em adição aos incentivos federais existentes, como
a Lei 8661, dever-se-ia também estruturar um mecanismo sistemático de financiamento da pesquisa
industrial das firmas no Estado, nos moldes da política recente da FAPEMIG de fomento a parcerias
de instituições de pesquisa e empresas, onde é possível a exploração de externalidades inovativas
locais, através de efeitos spill-over e spin-off do conhecimento acumulado nas universidades, cujo
desenvolvimento futuro poderia ser beneficiado de feedbacks pela demanda inovativa das empresas
locais.
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