ARTE, POLÍTICAS PÚBLICAS E MERCADO DE TRABALHO SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli 1 – UNICAMP/BR – [email protected] O artista sempre esteve sujeito a estruturas sociais que lhe possibilitaram a realização do trabalho artístico em determinadas condições históricas, sistemas de interações nomeados por Norbert Elias – configurações -. Explica o autor: ―O que designamos por ‗estruturas‘ quando consideramos as pessoas enquanto sociedade, são ‗configurações‘ quando os consideramos enquanto ‗indivíduos‘ em sociedade.‖ (Elias, 1994, p. 212). A dinâmica, os problemas, as tensões e seus controles na sociedade e nos fenômenos sociais, não podem ser considerados de forma abstrata, em relação aos indivíduos. (id.ibid., pp. 272) O autor expressa a singularidade da sociologia configuracional por meio da análise de vários estudos, entre os quais destaca-se a reflexão sobre Mozart e seu contexto histórico, político e social. Recuperá-los, possibilita reelaborar indagações sociológicas de mesma natureza para compreender as relações do artista, não mais na sociedade da corte, mas no contexto do Estado e do mercado capitalista, procurando descobrir suas configurações fundamentais que imprimem uma orientação e uma morfologia específica. (Elias: 1975, p. 263). DA CORTE AUSTRÍACA ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESTADO E MERCADO As tensões no processo de produção da arte concretizada por um artista burguês, na sociedade da corte, são analisadas por Norbert Elias enquanto expressão da estrutura de conflitos de padrões diferenciados de comportamentos, sentimentos, interesses entre a corte e os grupos burgueses. 1 Projeto Temático ―Trabalho e Profissão no campo da cultura: professores, músicos e bailarinos‖. Coordenação: Liliana Rolfsen Petrilli Segnini. Pesquisadora Principal: Aparecida Neri de Souza. Agência de financiamento FAPESP – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo. Período: agosto de 2003 a dezembro 2007. A pergunta central deste projeto foi metodologicamente elaborada considerando diferentes recortes comparativos: profissões de dois tipos (arte – músicos, bailarinos, técnicos - e, ensino – professores do ensino técnico - ), com especificidades a diferenciá-las em cada campo; dois países – Brasil e França - , com trajetórias históricas singulares com implicações significativas no presente; múltiplas possibilidades de inserção no trabalho - quer seja em relação aos vínculos institucionais ou a duração dos mesmos, subdividindo-os em estáveis e precários- ; observou também diferenças nas relações sociais de sexo, considerando-as consubstanciais às relações sociais de classe, de etnia e geracional. A pesquisa recorreu ao cruzamento de vários métodos de pesquisa para construir o objeto que desafiava os pesquisadores: dados institucionais – estatísticos, políticas públicas, normas e regulamentos -, se somaram a questionários e entrevistas de longa duração. Ainda assim se mostraram insuficientes face à relevância das observações etnográficas realizadas em aulas, ensaios, espetáculos, aproximando as condições cotidianas do fazer artístico ou ensinar, das práticas profissionais dos artistas e dos professores, possibilitando compreender a construção de redes de cooperação e ou de conflitos, sobretudo estabelecidas no não dito, em olhares, gestos, sorrisos encorajadores, ironias. Freqüentemente analisado sob o equivocado registro de vocação ou dom, interrogou as especificidades do trabalho em arte e em educação. Em que medida estes campos se aproximam criando um tema convergente de indagações ou expressam dimensões singulares para a análise sociológica? Esta comunicação é um dos recortes analíticos realizados. SEGNINI, L. R. P. ARTE, POLÍTICAS PÚBLICAS E MERCADO DE TRABALHO. In: SIMPOSIO INTERNACIONAL PROCESO CIVILIZADOR, 11., 2008, Buenos Aires. Anais... Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 2008. p. 545-557. 545 A partir da vida de Mozart, enquanto indivíduo, artista na corte austríaca, o autor recupera as dimensões ontogênicas naquele momento histórico e elabora um modelo teórico de análise: recuperar as pressões sociais que agem sobre o indivíduo, não tão somente enquanto narrativa histórica, mas como estudo sociológico que recupera a configuração de uma época. (Elias, 1994) ―Na Alemanha como na França, os músicos eram muito dependentes dos favores, da proteção e, por conseqüência do gosto dos círculos aristocráticos e do patriciado burguês urbano que o imitava. De fato, até a geração de Mozart, para ser socialmente reconhecido como artista, e ser ao mesmo tempo capaz de alimentar sua família, um compositor tinha que assegurar uma posição na rede das instituições da corte e da aristocracia e seus prolongamentos‖. Em uma grande ―maison‖ principesca, ressalta Elias, ―os músicos eram tão indispensáveis quanto os confeiteiros, cozinheiros ou criados (valet de chambre), ocupavam o mesmo status que os últimos na hierarquia da corte. (...) Esta era a estrutura fixa, o quadro oferecido para se desenvolverem, não importa qual fosse o talento musical individual‖ (Elias, p. 22/23). Mozart toma a decisão de deixar Viena e seu mecenas para ser autônomo, por sua própria conta, em um mercado de trabalho que não havia ainda integrado esta possibilidade. Assim, Elias destaca um primeiro princípio de tensão entre a produção artística e o trabalho cotidiano realizado por Mozart, em um contexto que não reconhecia nem a superioridade de seu valor artístico, nem a necessidade de independência, nem material e nem estética, dos criadores e intérpretes. (Heinich, p 47) É um desafio para a sociologia reelaborar, no presente, as questões propostas por Elias às redes de instituições da corte e da aristocracia, em termos de configurações, relações de dominação e exploração, relações de trabalho. O que significa, no presente, ―ser socialmente reconhecido como artista, e ser ao mesmo tempo capaz de alimentar sua família‖, na sociedade moderna, salarial? Como os trabalhadores artistas se inscrevem na sociedade salarial, sobretudo no período mais recente, quando ―uma nova questão social‖ (Castel, ) é observada no contexto de mudanças – mundialização e privatização da cultura - , por exemplo? Enfim, como o campo das relações de trabalho artístico - música e dança – contribui para a compreensão da sociedade no presente e da própria sociologia. A relevância do Estado nas políticas públicas que fortalecem o mercado No quadro institucional brasileiro, o Estado representa a principal instituição suporte financeiro na concretização das atividades artísticas; no entanto, sobretudo nos últimos vinte anos, é observado, cada vez mais, crescente e relevante presença das grandes corporações, de capital estatal ou capital privado, no financiamento do trabalho artístico. Nos dois países observa-se crescente incentivo, por parte do Estado, à participação do capital das grandes corporações na implementação das políticas culturais. (Segnini, 2006, pp. 321 a 327) No Brasil, pela primeira vez em sua história, a Constituição Federal de 1988 (art. 215), determina que o ―Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais‖. 546 Observado o crescimento dos números referentes ao heterogêneo mundo denominado cultura2, é possível afirmar o cumprimento da Lei Maior, em várias dimensões, desde a formação de artistas, destacadamente dança e música no ensino superior, à multiplicação de diferentes manifestações culturais, inclusive de espetáculos ao vivo, recorte específico desta análise. Esta afirmação exige cautela e a observação cuidadosa dos números e das ações políticas e sociais. Qual é o sentido da participação do Estado no crescimento do campo cultural, artístico, nos últimos 20 anos? Quais as especificidades que assume no Brasil? Reitera as formas de racionalização observadas em outros países ocidentais e capitalistas? Desde o princípio, o processo de desenvolvimento do capitalismo é simultaneamente um processo de racionalização. Com o vaivém, de permeio às surpreendentes situações, juntamente com as relações, os processos, e as estruturas próprias do capitalismo, ocorre o desenvolvimento de formas racionais de organização das atividades sociais em geral, compreendendo as políticas, as econômicas, as jurídicas, as religiosas, as educacionais e outras. Aos poucos, as mais diversas esferas da vida social são burocratizadas, organizadas em termos de calculabilidade, contabilidade, eficácia, produtividade, lucratividade. (Ianni, 2001, pp. 145) Chin-tao Wu, pesquisadora taiwanesa, analisa as formas de racionalização expressas nas estratégias das corporações para fazerem da arte um grande negócio, reafirmando, com outros argumentos e a propósito de um período histórico mais recente, pós-guerra, as discussões já presentes na obra de Benjamin e de Adorno sobre da relação entre arte e mercado. (Benjamin 1983; Adorno, 1999) Benjamin analisa ―a obra de arte na época de suas técnicas de reprodução‖ (1983, ,pp.5), para salientar o papel político que esta desempenha no contexto de regimes políticos autoritários, como o nazismo.. No entanto, sua análise não se restringe à ―estes paroxismos do poder‖, conforme os nomeou Arendt (1981); suas reflexões são relevantes no presente. A passagem da função ritual da arte à função política, do valor de culto (valor de uso) para o valor de exibição (valor de troca), constitui duas das expressões com implicações também na análise do trabalho do artista do espetáculo ao vivo. Adorno, apesar de discordar em alguns aspectos da análise de Benjamin (a considerando otimista em relação ao possível papel revolucionário do cinema, por exemplo) analisa a cultura de massa, expressão da ―indústria cultural‖, termo cunhado em 1947, no texto escrito com Horkheimer, ―A Dialética do Iluminismo‖. A dimensão negócio na exploração dos bens culturais, a torna vulgar e funcionalista, reduz a cultura a uma mercadoria estandardizada, o ouvinte da música, politicamente dócil. A arte deixa de ser fonte de contestação utópica e ganha sentido enquanto instrumento de repressão das massas. ―A modificação da função da música atinge os próprios fundamentos da relação entre arte e sociedade. Quanto mais inexoravelmente o princípio do valor de troca subtrai aos homens o valor de uso, tanto mais impenetravelmente se mascara o próprio valor de troca como objeto de prazer”. (Adorno, 1983: pp. 166-191) 2 É reconhecido que por cultura compreendem-se múltiplos e diversos pontos de vista sociais, estéticos, políticos e econômicos que expressam profissões, valores e significados que vão além da arte. 547 A análise de Chin tao Wu dialoga com as análises de Benjamin e Adorno e todos possibilitam um diálogo com Norbert Elias, autor que orienta a indagação metodológica neste texto. Qual é a configuração observada no presente no campo artístico? A autora privilegia um outro momento histórico, igualmente relevante para a compreensão da relação arte e mercado. Ela compara os modelos de gestão cultural da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, em especial durante a década de 80, com a eleição de governos comprometidos com a concepção política da supremacia do mercado e crescente intervenção do mundo empresarial, incentivada por representantes do Estado. Nesta perspectiva, coube ao Estado criar condições institucionais para que a vida social fosse regulada pela lógica financeira de mercado, mesmo em instâncias tradicionalmente compreendidas públicas, republicanas, como cultura, saúde, educação. Formas de racionalização, afirmaria Ianni, apoiado em Marx e Weber. (Ianni, op. cit). Wu salienta a inter-relação de interesses que convergiram entre si, possibilitando esta opção política. Destaca que os interesses dos governos neoliberais nas propostas de livre mercado se somaram aos interesses das grandes corporações em aumentar sua influência no âmbito cultural, minimizando custos por meio da renúncia fiscal e maximização de seus lucros, por meio da divulgação de suas marcas. Para a autora, os interesses pessoais dos altos executivos das grandes corporações em perpetuar o status já adquirido de dominação, tanto no âmbito da própria corporação quanto no social; enfim, de classe social. ―A Arte é necessária para tornar grande uma companhia‖ - slogan de um projeto artístico da empresa de cigarro Philip Morris, apresentado ao presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, quando este lhes outorgou a Comenda Presidencial de Serviços às Artes, honraria recém criada pela administração. Nesta ocasião, a Fundação Filantrópica texaco, a Fundação Dayton Hudson se somaram à Philip Morris, na ênfase atribuída pelo Estado ao papel proeminente do papel empresarial. (Wu, 2006, pp. 75) No Brasil, as políticas públicas que engendraram as configurações presentes nas análises de Chin Tao Wu, se delineiam com maior clareza e eficácia institucional e legal após 1995, iniciadas nos oito anos de mandato do governo Fernando Henrique Cardoso .(Cesnik, 2002, pp. 5) No entanto, é necessário reconhecer que houveram múltiplas manifestações no mesmo sentido político desde o pós II Guerra. Em 1946, por exemplo, foi criada uma das principais instituições de apoio ao trabalho artístico do Brasil até o presente – SESC – Serviço Social do Comércio, por iniciativa de um grupo de empresários que reconheciam a relevância das mudanças nas formas de gestão das forças produtivas em um contexto de democratização: ―Os mais lúcidos representantes do empresariado brasileiro perceberam que os novos tempos exigiam novos métodos nas relações entre capital e trabalho. A época em que a questão social era um caso de polícia estava superada. Esses empresários entenderam que somente através de uma relação harmoniosa entre as forças produtivas daria ao país condições de superar os graves problemas com que se defrontava. (...) Para encontrar soluções para os problemas sociais que enfrentavam, as lideranças empresariais do comércio, indústria e agricultura reuniram-se na cidade de Teresópolis na Primeira Conferência das Classes Produtoras – I Conclap. Nessa reunião foi aprovada a CARTA DA PAZ SOCIAL, que deu forma à filosofia e ao conceito de serviço social custeado pelo empresariado. Começava a nascer assim uma iniciativa absolutamente inédita em todo o mundo e na história da relação entre 548 capital e trabalho. A proposta contida na CARTA DA PAZ SOCIAL foi submetida ao Governo Federal. E, naquele mesmo ano de 1946, no dia 13 de Setembro, o Presidente Eurico Gaspar Dutra assinava o Decreto-Lei n° 9.853 que autorizava a Confederação Nacional do Comércio a criar o Serviço Social do Comércio - SESC. (...) Hoje, o SESC está presente em todas as capitais do País e em cidades de pequeno e médio porte. Em muitas delas, é a única alternativa da população para serviços de educação, saúde, cultura, lazer e assistência.‖ (SESC, Nossa História, site http://www.sesc.com.br, consulta realizada em 01/12/2007) A relevância do SESC no financiamento e organização do trabalho artístico no Brasil só cresceu e se intensificou, representando, no presente momento histórico, um dos mais concorridos espaços de trabalho da maioria dos artistas brasileiros e estrangeiros, quando em apresentação no país. Inúmeros exemplos podem ilustrar esta afirmação, independentemente das diferentes orientações políticas destes artistas, desde os mais críticos aos mais conservadores. Por exemplo, entre tantos outros, o reconhecido Théâtre du Soleil, dirigido por Ariane Mnouchkine, apresentou no mês de outubro de 2007, em temporada de duas semanas, o espetáculo Ephemèredes, no SESC Belém, em São Paulo. A crítica política e social constitui um dos temas centrais em suas apresentações. A proposta de modernização das relações de trabalho elaborada pelos empresários fundadores do SESC, expressa na Carta da Paz Social, encontrou, entre os intelectuais de esquerda, sobretudo artistas, o fortalecimento de um posicionamento crítico, nomeado por Ridenti de ―brasilidade (romântico) revolucionária‖. ―Talvez se possa falar na criação de uma ―estrutura de sentimento‖ compartilhada por amplos setores de artistas e intelectuais brasileiros a partir do final dos anos 1950, e de como ela se transformou ao longo do tempo‖. (RIDENTI, 2005, p.82). Desta forma, o autor procura diferenciá-la de conceitos mais formais como a visão de mundo e/ou ideologia, por compreender que ―os quais se referem as crenças mantidas de forma sistemática, ao passo que uma estrutura de sentimento daria conta de significados e valores tal como são sentidos e vividos ativamente‖(id.ibid.) O distanciamento temporal possibilita a compreensão da estrutura de sentimento de uma dada época, definida, a partir da categoria elaborada por Raymond Willians, enquanto ―[...] visão de mundo ampla, ―uma resposta a essa transformação mais lenta e profunda – de ordem econômica e social – que é o advento do capitalismo‖, e que se desenvolve em todas as partes do mundo até nossos dias (Lowy e Sayre, Apud Ridenti, op.cit. , p.83) O movimento cultural e político nos 1960, no Brasil, pode ser caracterizado como romântico-revolucionário. A idéia de transformação era valorizada, a construção de um homem novo idealizava um passado, fazia referências ao homem do povo, com raízes rurais. Estava na pauta dos artistas e intelectuais a questão da identidade nacional e política do povo brasileiro. “Naquele contexto brasileiro, a valorização do povo não significava criar utopias anticapitalistas passadistas, mas progressistas; implicava o paradoxo de buscar no passado (as raízes populares nacionais) as bases para construir o futuro de uma revolução nacional modernizante que, ao final do processo, poderia romper as fronteiras do capitalismo”. (RIDENTI, 2005, p.84) 549 A estrutura de sentimento de brasilidade foi construída no bojo da entrada da sociedade na modernidade capitalista e, como era de se esperar, nem todos os artistas e intelectuais se engajaram na proposta. ―Essas peculiaridades e lutas de indivíduos e grupos que compartem ou não uma mesma estrutura de sentimento podem ser compreendidas lançando mão da idéia de campo para Bourdieu, como espaço de concorrência entre agentes em busca de legitimidade, prestígio e poder – ou seja, de capital social”. (RIDENTI, 2005, p.96) Com o aumento da repressão no regime instaurado em 1964 desaparecia da sociedade brasileira o ambiente que fez florescer aquele tipo de sentimento, sua desestruturação inicia-se depois de 1964, com a consolidação da indústria cultural no Brasil, pois havia surgido um segmento de mercado ávido por produtos culturais de contestação à ditadura, tais como dança, livro, música, teatro, cinema, revista, jornal. De modo que a ―estrutura de sentimento de brasilidade revolucionária‖, anti-mercantil, encontrava, contraditoriamente, aceitação no mercado e foi por ele incorporada. Além disso, em 1968 é redigido o AI-5, seguido de sucessivas derrotas da esquerda esmagada pela ditadura que paralelamente à repressão, realizava o ―milagre econômico‖ que consolidaria a denominada modernização conservadora. Nos anos de 1970 e 1980 os artistas de esquerda vão sofrer o que o autor denomina ―rearranjo pragmático‖. A modernidade conservadora levará a institucionalização do artista e do intelectual impedindo que esse ator social se manifestasse de forma autônoma reprimindo assim seus sonhos revolucionários não mais por meio de formas autoritárias de poder, mas pelas políticas liberais comprometidas com a expansão do mercado, implantadas por meio de políticas públicas. Quanto à forma, legítimas, democráticas, quanto ao conteúdo, privatizadoras. Na tensão entre Estado e Mercado, o Estado possibilitou condições para a supremacia do Mercado. O MECENATO DAS GRANDES CORPORAÇÕES E AS ARTES NO BRASIL3 O relevante papel do Estado no crescente financiamento das artes no Brasil será analisado por meio dos objetivos e mecanismos de financiamento do Programa Nacional de Cultura, vinculado ao governo na esfera da União. Este texto não objetiva discutir políticas públicas de financiamento à arte, mas somente trazer subsídios para seus objetivos – análise das configurações observadas no presente - delinear o contexto no qual se inscreve o artista e seu cotidiano de trabalho, a partir dos anos 90. PROGRAMA NACIONAL DE APOIO À CULTURA O Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), criado em 1991, objetiva fomentar e promover a produção cultural no país e é formado por três mecanismos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), o Incentivo Fiscal (Mecenato) e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart).4 No entanto, foi somente no ano de 1995, 3 Mecenato – derivação do nome de Caius Cilius Mecenas, ministro de Caio Julius Augusto, Imperador de Roma, no período 74 aC a 8 d.C., responsável pela política, até então inédita que compreendia as questões de poder e de cultura indissociáveis. O governo deve proteger as manifestações artísticas e à arte cabe um papel no âmbito do poder. (Mendes, Cândido. In: Cesnik, 2002, pp.1) 4 Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991- Lei Rouanet – ―Restabelece princípios da Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC e dá outras providências.‖ Fonte: www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/lei_rouanet, consulta realizada em 22/10/07 550 com o início do governo Fernando Henrique Cardoso, que a União passou efetivamente a criar condições institucionais objetivando a efetiva implementação da lei. Entre elas, destaca-se a criação da Secretaria de Apoio à Cultura, no MINC. (Cesnik, 2002, p.5) A comparação entre dois dos mecanismos ativos de implementação de políticas do Estado, duas fontes diferenciadas quanto ao espírito das leis que os constituem, possibilita melhor compreensão do sentido atribuído às políticas públicas nos últimos anos, mais precisamente desde o início dos anos 90, sobretudo a partir de 1995. Os recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC), comparados com os captados pela Lei do Mecenato - Incentivo à Cultura (lei Rouanet) -, oriundos da renúncia fiscal, são tomados como exemplos e argumentos nesta análise5. O período analisado compreende 1996 a 2006. O Fundo Nacional de Cultura (FNC) ―é o mecanismo de financiamento que possibilita ao Ministério da Cultura investir diretamente nos projetos culturais, mediante a celebração de convênios e outros instrumentos similares, tais como concessão de bolsas de estudo e o Programa de Intercâmbio cultural. O FNC possibilita o financiamento de até 80% do projeto, sendo os 20% restantes contrapartida do proponente”.6 Os investimentos em cultura, ―reembolsáveis ou a fundo perdidos‖ encontram-se nesta rubrica e são eles que possibilitam . Os dados referentes à execução orçamentária do Fundo Nacional de Cultura – FNC – expressa um crescimento equivalente a 8 vezes no período compreendido entre 1996 (16 milhões de reais) a 2006 (138 milhões de reais). No entanto, apesar do crescimento indicado no Fundo Nacional de Cultura, estes valores estão muito aquém dos captados por meio do Mecenato, os quais indicam uma outra dimensão à expansão das atividades da cultura, sobretudo em artes. A Lei Federal de Incentivo à Cultura é conhecida como Lei Rouanet ou Mecenato. Trata-se da base de toda a política de relações entre o Estado e o capital corporativo, até mesmo estatal, por meio de renúncia fiscal para investimento em cultura. ―O mecenato é um programa de apoio à cultura, por meio de incentivo fiscal e projetos culturais, instituído por uma faculdade da União em conceder a pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação de parcelas do Imposto sobre a Renda, a título de doações ou patrocínios, em projetos culturais previamente aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) e homologados pelo Ministro da Cultura.‖ (Cesnik, 2002, p 26). Portanto, trata-se de recurso público, direcionado de acordo com a capacidade de elaboração de projetos dos diferentes grupos e exigências dos patrocinadores. As demandas qualificadas, elaboradas de forma predominante por grupos artísticos consolidados e com expressão na mídia, assumem relevância maior, a partir de 1995, do 5 Para uma análise do histórico do incentivo à cultura no Brasil e suas leis no âmbito federal, estadual e municipal ver: Cesnik, Fábio de Sá. Guia do Incentivo à Cultura. Barueri: Editora Manole, 2002 6 Disponível em http://www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos, consulta realizada em 26/10/07 551 que as políticas públicas de caráter universal, recriando as desigualdades econômicas regionais existentes no país, no que tange ao financiamento das atividades culturais. Considerando os dados disponíveis referentes ao período 1996 - 2006, é possível perceber a crescente e constante captação dos recursos por meio da política de renúncia fiscal traduzidas não só em valores (de R$ 160 milhões para R$ 875 milhões), mas também em número de projetos e incentivadores. Evolução da Captação de Recursos Lei Federal de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet Período 1996/2006 O crescimento do numero de incentivadores é também observado: do reduzido número de 43, em 1994, para 13.875 incentivadores, em 2006. No mesmo período considerado para comparação, ou seja, de 1996 até 2006, é observado a destacada importância da Petrobrás, empresa pública, no financiamento das atividades das atividades culturais. Nestes anos respectivos ela representou, respectivamente, 16% e 26%, registrando assim também um crescimento relevante no conjunto do valor captado. Os indicadores selecionados permitem a afirmação de que o Mecenato, após XXI séculos da elaboração das propostas políticas de Caius Mecenas, estas se reatualizam, mas não perdem seus objetivos. Cabe ao Estado transferir recursos públicos para as grandes corporações definirem as diretrizes da relação entre arte, política, mercado. Também as empresas públicas participam do processo, como Petrobrás e Banco do Brasil, o que possibilita afirmar que mais do uma opção econômica, trata-se de uma opção política liberal de gestão das artes por meio das decisões corporativas. Desde 1997, as empresas deduzem 100% do valor aplicado do imposto de renda. O crescimento dos valores captados no campo da música, em valores absolutos, passou de R$ 20 milhões, em 1996, para 150 milhões de reais, em 2006. Crescimento semelhante é observado em artes cênicas, onde se inscreve a dança, registrando 173 milhões, em 2006. Quais as implicações observadas para o trabalho do artista da dança ou da música no contexto acima analisado, no qual as políticas públicas privilegiam o mercado? Quais constrangimentos se submetem os artistas na realização do seu trabalho? O que reivindicam neste contexto? Em que medida legitimam o sentido do financiamento observado no contexto da privatização da cultura? 552 A relevância que assume o mercado, observada no financiamento do trabalho artístico no Brasil, é reiterada na constituição do mercado de trabalho do grupo de artistas bailarinos e músicos. Para analisá-la, serão destacadas as principais características do mercado de trabalho do grupo Profissionais dos Espetáculos e das Artes, no qual se inserem, disponíveis nas estatísticas nacionais. O MERCADO DE TRABALHO DO ARTISTA EM TEMPOS DE LIVRE MERCADO 78 O vínculo de trabalho salarial é uma das expressões da sociedade, no presente. A definição moderna do assalariamento implica em condições e relações sociais, institucionalizadas pelo Estado e expressas no mercado de trabalho. Castel reconhece que políticas públicas garantiram o reconhecimento estatístico das relações de trabalho (e de não trabalho) e legislação específica, regulamentando-as. Entre as condições selecionadas pelo autor, destacamos: 1. “A identificação precisa do que os estatísticos chamam de população ativa: identificar e mensurar aqueles que estão ocupados e aqueles que não o estão, as atividades intermitentes e as atividades em tempo integral, os empregos remunerados e os não remunerados” (...) (Castel, 1999, p. 420). 2. “A inscrição em um direito do trabalho que reconhece o trabalhador como membro de um coletivo dotado de um estatuto social além da dimensão puramente individual do contrato de trabalho” (id. Ibid: 434). As análises estatísticas se fizeram necessárias, sobretudo face à insuficiência de dados no Brasil sobre o conjunto de atividades selecionadas nesta pesquisa. No entanto, entrevistas com diretores artísticos e administrativos, coreógrafos e regentes, com artistas da música e da dança, nos dois países, se somaram às observações etnográficas de ensaios e realização de espetáculos ao vivo e possibilitaram maior compreensão do objeto. MERCADO DE TRABALHO DOS “PROFISSIONAIS DO ESPETÁCULO E DAS ARTES” Trabalho flexível, sem carteira, por conta própria caracteriza o trabalho do artista no Brasil e outros países industrializados, como por exemplo, a França, país no qual a instável condição do artista, cada vez mais submetido à lógica de mercado, é traduzida pela sua condição de intermitente do espetáculo e dos contratos CDD – Contrato de Duração Determinada. 9 Conhecer, sistematizar, classificar o mercado de trabalho de um país significa elaborar parâmetros que informam relações econômicas, políticas e sociais. Trata-se de 7 Trabalho apresentado em sua primeira versão no Colóquio Internacional ―Novas Formas do Trabalho e do Desemprego: Brasil, Japão e França numa Perspectiva Comparada‖ na Mesa Redonda 2 ―As relações de gênero no trabalho e no desemprego‖ título Trabalho e profissão em arte:Divisão internacional do trabalho e relações de gênero nas heterogêneas vivências do trabalho precário, São Paulo, 11 de setembro 2006 8 Trabalho apresentado em sua segunda versão no Séminaire public 2006-2007 Genre et précarisation les nouvelles formes de travail en question GTM- Genre, Travail, Mobilités CNRS Université Paris 10Université Paris 8 título « Contributions à la sociologie à partir du travail des artistes musiciens et des danseurs » Coopération scientifique internationale CNRS- FAPESP, outubro 2006 553 uma das políticas públicas elaboradas pelo Estado, no processo de consolidação do mercado de trabalho urbano e industrial, reafirmando Castel (Segnini, 2005) e contribuído para com a análise às questões centrais deste texto, inspiradas em Norbert Elias: o que significa, no presente, ―ser socialmente reconhecido como artista, e ser ao mesmo tempo capaz de alimentar sua família‖, na sociedade moderna, salarial? Como os trabalhadores artistas se inscrevem na sociedade salarial? No Brasil, a composição das ocupações que constituem o mercado de trabalho dos ―Profissionais dos Espetáculos e das Artes‖, privilegiou a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO 2002, descrição base das estatísticas nacionais. O grupo selecionado é constituído pelas ocupações dos Produtores de Espetáculos, Diretores de Espetáculos e Afins, Cenógrafos, Atores, Artistas de Dança (exceto Popular), Músicos Compositores, Arranjadores, Regentes e Musicólogos, Músicos Intérpretes. È possível destacar algumas evidências na tentativa de evidenciar a inserção do artista na configuração observada na sociedade salarial, a partir dos dados disponíveis. Entre elas destacaremos: - acelerado crescimento do número de artistas (música e dança, inclusive), comparando com mercado de trabalho no país. - reduzido índice de trabalho formal e predominância do trabalho intermitente, freqüentemente precário. - diferenças de sexo que informam as bases estatísticas das relações de gênero em música e dança. No Brasil, a população ocupada no período - 1992 a 2001 - cresceu 16%, enquanto os grupos ―Profissionais dos Espetáculos e das Artes‖, 67% (PNAD/ IBGE, 2006). No entanto, ainda é bastante restrita a participação dos Profissionais dos Espetáculos e das Artes, no total dos ocupados no país. No Brasil, dos quase 83 milhões de ocupados, somente 215.000 (0,26%) inscrevem-se neste grupo ocupacional; entre eles, 7.039 (3,3%) são artistas da dança e 110.709 (51,6%), músicos. O MUNDO DO ESPETÁCULO COMO ESPETÁCULO DO MUNDO DO TRABALHO A organização predominante do trabalho nos espetáculos ao vivo – por projeto – e o crescimento do número de artistas muito acima do crescimento da população ocupada, contribui para a insegurança do artista no mercado de trabalho, crescimento da competitividade. Trata-se de uma das características, reiteradamente analisada por diversos autores, do mercado de trabalho no presente. O trabalho com registro em carteira, considerado formal, no Brasil compreende 37,5% dos trabalhadores ocupados; em Artes e Espetáculo esta porcentagem é reduzida para 11,5% (PNAD, 2004). O crescimento citado no setor refere-se ao trabalho intermitente, realizado por projeto, de cachê em cachê. As diferentes denominações, nas estatísticas brasileiras, para o trabalho sem vínculo empregatício – sem carteira e conta própria – somam 84,8% do trabalho do grupo dos Espetáculos e das Artes, enquanto para as outras ocupações no país, representam 40% dos trabalhadores. Ocultam múltiplas formas de inserção no trabalho, entre as quais, destacam-se nas entrevistas, o crescente número de ―editais‖, ―fazer um cachê‖. Trabalho que nem sempre é reconhecido como de qualidade para quem o executa, mas uma forma de se manter na rede de relações que possibilitam acesso a outros trabalhos, com outros grupos, e quem sabe, amanhã um desafio artístico mais interessante. Conseguir renda é uma das motivações fundamentais para tanto. 554 No entanto, uma inversão de nomenclatura, que expressa relações sociais e formas de compreendê-las, é observada quando analisamos a participação dos artistas no trabalho em música e em dança, por posição na ocupação, comparado com o conjunto de ocupações dos Espetáculos e das Artes. Os bailarinos trabalham predominantemente em grupos de dança, sem carteira assinada; os músicos procuram trabalho individualmente, mesmo os que complementam renda com cachês, pois já são membros permanentes de orquestras. O emprego permanente de músico está diretamente vinculado à existência de orquestras, conforme sublinham Ravet (2000) e Coulangeon (2004), a propósito do contexto francês. No Brasil, ao contrário da França, esta condição não significa evidência de contratos de trabalho estáveis. É necessário analisar caso a caso, como o do Theatro Municipal de São Paulo, cuja orquestra e balé foram objeto de análise nesta pesquisa.(Segnini, 2006) ―A orquestra é nosso cartão de visitas‖ informam os músicos no Brasil e na França, na procura de outros trabalhos temporários, editais, cachês. O telefone celular, neste processo de procura de trabalho, é considerado um instrumento fundamental. No Brasil, os números que informam o mercado de trabalho formal, com registro em carteira, em dança e música, expressam o pequeno número de profissionais no país nesta situação e divergem dos dados da PNAD – Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio que registram 12.928 músicos e 901 bailarinos que se declaram com contrato formal de trabalho, entre 134.870 músicos e 7.039 bailarinos no país. O Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da RAIS, único registro de trabalho formal no país, informa que registra que, em 2004, somente 4.066 profissionais da música estão inscritos em empregos formais, 2.556 também na região sudeste10. Na dança, somente 2.103 profissionais, dos quais 649 na região sudeste. No entanto, de acordo com os dados da RAIS, no período 2002 a 2004, é observado o crescimento do emprego formal em dança; enquanto na música é registrada a supressão de 2.089 postos de trabalho. Este dado refere-se ao encerramento de orquestras, entre elas, a da Rádio e Televisão Cultura do Estado de São Paulo, por razões políticas, apoiadas em dados econômicos. No contexto da dança, ao contrário, 966 postos de trabalho com vínculo empregatício formal foram criados (o equivalente a contratos de duração indeterminada na França). Uma das hipóteses para a compreensão deste crescimento está na expansão dos postos de trabalho do bailarino-docente no ensino superior. Conforme dados do Ministério da Educação no Brasil, na década de 90, as matrículas no ensino superior em dança, cresceram de 352 para 4002, sendo que 2.893 (72%), nas universidades públicas e 1.109, nas universidades privadas. Movimento semelhante, com menor intensidade, é observado no ensino superior de música, sem provocar mudanças positivas na participação do músico no mercado formal de trabalho. No mesmo período – década de 90 – as matrículas no ensino superior de música cresceram de 3.324 para 4.144, sendo que 83% no ensino público. O ensino da dança e da música no Brasil construiu um caminho na contra corrente do ensino superior no 10 Os números que informam quantos bailarinos e músicos são considerados profissionais no Brasil são imprecisos e controversos. No entanto, números regionais possibilitam a confirmação do quão exíguo é o emprego formal para as duas categorias artísticas: de acordo com o Fórum Permanente de Música do Rio Grande do Sul, 27.000 músicos eram cadastrados, em 2005, só na Ordem dos Músicos do Rio Grande do Sul. 555 país, no qual foi registrado um crescimento de 250% das instituições privadas, nos anos 90. O ensino da música ou da dança é uma das possibilidades de trabalho para o artista no universo da multiplicidade de atividades que realiza mesmo inscrito em um emprego formal, mas, sobretudo quando vivencia vínculos temporários de trabalho. O ensino pode ser uma opção profissional, mas frequentemente é descrito nas entrevistas enquanto estratégia para obtenção de renda, possibilidade de projetos de longo prazo, constituição de redes de contato. No período selecionado, 1989 a 2004, é observado o crescimento da participação das mulheres nos contratos que caracterizam o emprego formal tanto em dança (de 62% para 68%), como em música (de 19% para 31%), conquista recente em um mercado formal em retração. A análise dos dados possibilitam a compreensão de que o trabalho com acesso a direitos – denominado frequentemente formal, estável – é possível somente para um número restrito de músicos e bailarinos, no total de profissionais existentes no país. Entre eles, nesta condição de trabalho, cresce a participação das mulheres em música e dos homens, em dança, possibilitando observar, mesmo que timidamente a diminuição das diferenças de sexo. No entanto, as desigualdades entre eles – relações de gênero – são reafirmadas nas entrevistas, não analisadas nesta comunicação pelos seus próprios limites. Considerações finais Neste capítulo foi possível compreender a relevância da lógica liberal, do livre mercado, das grandes corporações observadas em diferentes expressões, nas políticas públicas, no financiamento e no mercado de trabalho que informam o campo artístico – música e dança –. No entanto, é importante salientar que estas características já estavam presentes desde o século XIX, desde que o Estado, e não mais a Corte, assume a política que organiza e financia a Arte e o artista; mas, nas últimas duas décadas, as referidas características se exacerbam e expressam o paroxismo da lógica liberal e das grandes corporações. A histórica instabilidade do artista, em termos de direitos relacionados ao trabalho, se intensifica no período. Esta comunicação informa também aspectos da pesquisa a serem retomados, melhor compreendidos, pistas futuras de análise, tais como as cooperativas de artistas e, os Pontos de Cultura, as Câmaras Setoriais, na tentativa de responder as perguntas relativas às novas configurações das políticas e da organização do mercado de trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, T.W. A INDÚSTRIA CULTURAL‖, IN: COL. SOCIOLOGIA, TRAD. G. COHN, SÃO PAULO: ÁTICA, 1994 BENJAMIN, W. ―A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução‖, in col. Os pensadores, trad. José Lino Grunnewald, São Paulo, Abril Cultural, 1980. CASTEL R. (1998), « As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário», São Paulo, Vozes. COULANGEON P. (2004), « L‘expérience de la précarité dans les professions artistiques : le cas des musiciens interprètes », Sociologie de l’art, opus 5, nouvelle série Le travail artistique, Paris, L‘Harmattan. 556 ELIAS N. (1995), Mozart. Sociologie d’un génie, Paris, Le Seuil. HIRATA H. 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