Vol. 10 - No. 2
ISSN 1678-4057 - Vol. 10, No. 2 - Jul/Dez 2011
PADRÕES DE AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS DE
SEGURANÇA PÚBLICA NA ARGENTINA E NO BRASIL
Alexandre Pereira da Rocha
Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental
UMA INTERPRETAÇÃO SOBRE OS LIMITES E
AS POSSIBILIDADES DA BUROCRACIA WEBERIANA E
DO ELITISMO DEMOCRÁTICO: TENSÕES ENTRE
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E POLÍTICA
Bruno Dias Magalhães e Emanuel Camilo de Oliveira Mara
RELAÇÕES FEDERATIVAS E INTERSETORIALIDADE
NA PROVISÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL NA ETAPA
CRECHE
Gildete Dutra Emerick
UM MODELO PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE E
DA EQUIDADE DOS GASTOS PÚBICOS TOTAIS COM
SAÚDE DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO NAS
UNIDADES DA FEDERAÇÃO BASEADO NA
DECOMPOSIÇÃO DE INDICADOR SINTÉTICO DE
EFETIVIDADE DO GASTO
Ruyter de Faria Martins Filho
Revista de Políticas Públicas
e Gestão Governamental
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ESPECIALISTAS EM POLÍTICAS
PÚBLICAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL
Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental uma carreira a serviço da cidadania
Diretor Presidente: Trajano Augustus Tavares Quinhões
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Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental : Res Pvblica / Associação
Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental.
– Ano 1, n.1 (set. 2002)- . – Brasília : ANESP, 2002- .
Semestral
ISSN 1678-4057
1. Administração Pública – Periódicos. 2. Gestão Governamental – Periódicos. 3.
Politica Pública – Periódicos. I. Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas
e Gestão Governamental. II. Título: ResPvblica.
CDD 350.005
CDU 35 (05)
Editor: Jean Paraiso Alves - Comissão Editorial: Carolina Gabas Stuchi, Daniel Gama e Colombo, Eduardo
Granha, Elisabeth Sousa Cagliari Hernandes, Kenys Menezes Machado, Gisele Gomes da Silva, Lamartine Braga,
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Gestão Governamental - ANESP. O conteúdo dos artigos publicados não necessariamente expressa a
opinião da ANESP.
Página 3
Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental
Sumário
5
Editorial
7
Padrões de Avaliação das Políticas de Segurança Pública na
Argentina e no Brasil
Alexandre Pereira da Rocha
27
Uma Interpretação sobre os Limites e as Possibilidades da
Burocracia Weberiana e do Elitismo Democrático: tensões entre
administração pública e política
Bruno Dias Magalhães e Emanuel Camilo de Oliveira Mara
41
Relações Federativas e Intersetorialidade na Provisão de
Educação Infantil na Etapa Creche
Gildete Emerick
59
Um Modelo Para Avaliação da Qualidade e da Equidade dos Gastos
Púbicos Totais com Saúde das Três Esferas de Governo nas
Unidades da Federação Baseado na Decomposição de Indicador
Sintético de Efetividade do Gasto
Ruyter de Faria Martins Filho
79
Profissionalização da Gestão Governamental
Secretaria de Recursos Humanos/MARE
Página 5
Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental
Editorial
A criação de uma escola de governo que promovesse a
formação de quadros de alto nível, com a missão de
modernizar, profissionalizar e tornar eficiente a Administração
Pública Federal, já era proposta presente, em 1982, no
estudo promovido pelo diplomata Sergio Paulo Rouanet 1.
Esse estudo constituiu-se no marco que influenciou a
concepção, em 1986, da Escola Nacional de Administração
Pública (Enap) e a constituição de uma carreira para seus
egressos: a de Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental (EPPGG).
A proposta de Rouanet para a formação de Gestores
Governamentais, como ficaram conhecidos os executivos
públicos egressos da Enap, aproximava-se a dois casos
específicos. O primeiro é o do cycle de formation des hauts
fonctionnaires, ministrado pela prestigiosa École Nationale
d’Administration (ENA), da França, e que, até fins dos anos
1980, era constituído de um curso de 29 meses. O segundo
é o do curso de formação do Instituto Rio Branco (IRB), que
era ministrado naquela época em cerca de três anos.
Em seu ato de criação (Decreto n° 93.277/1986) ficou
estabelecido, que a Enap seria a escola de governo
responsável pela formação e profissionalização dos
servidores dos escalões superiores da administração pública
federal. Já o Centro de Desenvolvimento da Administração
Pública (Cedam) se responsabilizaria pela formação e
capacitação dos servidores civis das áreas técnicas e técnicooperacionais.
O principal objetivo da Enap, portanto, consistia em
preparar servidores públicos para a execução de tarefas de
alta gerência do Governo Federal. A meta central seria
“preparar o Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, tanto em termos de uma formação teórica
aprofundada e interdisciplinar - o generalista - como de um
treinamento específico prático sobre os problemas concretos
da realidade brasileira - o especialista. A Escola deveria criar
condições para a progressiva formação de um corpo de
administradores de alto nível, capacitado para enfrentar, com
competência e determinação, os desafios da Administração
Pública” 2.
Nas palavras de Florindo Villa-Alvarez, seu primeiro diretor
de Ensino e Pesquisa, a Enap seria “uma espécie de Escola de
Estado-Maior do oficialato administrativo ... Após dois anos
de curso, essa Escola dará aos egressos uma iniciação à
última etapa de alto executivo em administração
governamental”3 .
Desde inícios dos anos 1990, os cursos de formação de
executivos públicos de carreira de diversos países, ministrados
por escolas de governo, estão sendo aprimorados. No caso
da ENA, por exemplo, após reformulação do programa de
ensino, ele passou a ser ministrado em cerca de 24 meses. Já
o Instituto Rio Branco transformou a formação de diplomatas
em um mestrado profissionalizante, em que são ensinadas a
parte teórica, em sala, e a prática, em estágios.
Outro curso brasileiro que chama a atenção pela
qualidade é o da Escola de Governo da Fundação João
Pinheiro, responsável pela formação dos EPPGG de Minas
Gerais. Na última avaliação feita pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ele
foi o único na área de Públicas a obter a máxima classificação
no Índice Geral de Cursos (IGC = 5).
Já no exterior, destacam-se, além do da ENA, o curso de
formación deI Cuerpo Superior de Administradores Civiles
deI Estado, promovido pelo Instituto Nacional de
Administración Pública (Espanha); o Corsi-Concorso selettivi
di formazione che permettono l’accesso alla carriera di
dirigente nelle amministrazioni dello Stato, ministrado pela
Scuola Superiore della Pubblica Amministrazione (SSPA/ltália);
e os Senior Executive Service Candidate Development
Programs (SESCDPs), do U.S. Office of Personnel Management
e do Federal Executive Institute, que recrutam, selecionam e
treinam os candidatos à carreira de executivos federais do
Senior Executive Service (EUA).
O curso de formação de EPPGG, concebido inicialmente
para ter duração de 3 (três) anos - tempo próximo ao do
“Ciclo de Formação de Altos Funcionários” da ENA e do curso
de formação para ingresso à diplomacia do IRB daquela
época -, foi implementado, para a formação da primeira turma,
em aproximadamente 18 meses e para as seguintes, em cerca
de 900 horas/aula (seis meses corridos). As últimas edições
foram realizadas em pouco mais de 400 horas/aula. Embora
tenham sido notáveis os esforços da atual administração
em aprimorar a Enap em todos os sentidos, nenhum outro
curso de formação de carreiras passou por tamanha
simplificação.
Portanto, urge aprimorar a formação de Gestores
Governamentais. É preciso que a administração pública
forneça as condições para que a Enap exerça plenamente o
seu papel de escola de governo, aproximando sua qualidade
à adquirida por outras escolas de governo do Brasil e do
exterior.
Assim sendo, é chegada a hora de aprimorar a formação
de Gestores Governamentais, aproximando sua qualidade à
adquirida por outras escolas de governo do Brasil e do
exterior.
A Enap tem, desde seu ato de criação, o destino de se
consolidar como uma “escola de aprendizes de estadista”,
responsável pela formação de pessoal qualificado para o
exercício de atividades de formulação, implementação e
avaliação de políticas públicas e a habilitação para o exercício
de cargos de direção e assessoramento superiores, conforme
previsto na Lei n° 7.834, de 6 de outubro de 1989.
É necessário também aperfeiçoar a formação do EPPGG
em todas as suas fases. Para a inicial, uma ideia seria seguir o
exemplo do IRB e transformá-lo em um curso de pósgraduação stricto sensu (mestrado profissional) em “políticas
públicas e gestão governamental”, com a duração aproximada
de 18 (dezoito) meses.
Já os cursos de aperfeiçoamento, promovidos pela Enap
ao longo da carreira, devem se aproximar mais ao que
estabelecia o Decreto n° 98.895/1990 e serem constituídos
de “assuntos das áreas de conhecimento e habilidades
técnicas necessárias para o exercício da gerência” das
atividades de formulação, implementação e avaliação das
políticas públicas nos seus vários níveis.
Por fim, é importante tornar a Enap referência em
formação de executivos públicos para a profissionalização
da alta administração, por meio da disponibilização de vagas
a alunos/servidores de países da América Latina, em especial
do Mercosul. Isso possibilitaria a criação e consolidação de
redes de políticas públicas e gestão governamental dentro
da região, em especial com carreiras equivalentes à de EPPGG,
como os Administradores Gubernamentales (Argentina), o
Cuerpo de Gerentes Públicos (Peru) e o Servicio Profesional
de Carrera (México).
A Administração Pública e os Gestores Governamentais
devem envidar esforços para consolidar e fortalecer a Enap.
Boa Leitura.
1 ROUANET, Sérgio Paulo. Criação no Brasil de uma Escola Superior de Administração Pública. Brasília:
ENAP/ANESP,2005.
2 SOUZA, Eda Castro de. Escolas de Governo do Cone Sul: estudo institucional do INAP (Argentina) e da Enap
(Brasil). Brasília: CEPPAC [FLACSO]/UnB, 1996.
3 RAMOS, Cosete. Escola Nacional de Administração Pública: uma proposta diferente de educação. Brasília: Depto
de Administração [FACE]-UnB/MP-ENAP, 1987.
Página 7
Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental
Padrões de avaliação das
políticas de segurança na
Argentina e no Brasil
Por Alexandre Pereira da Rocha
O trabalho analisa relatórios de avaliação de políticas públicas na área de segurança com o objetivo de
identificar padrões de avaliação. Para tanto, compara dois tipos de avaliação, sendo uma densa sobre
toda a política pública de segurança na Argentina, desenvolvida pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID); e outra, específica, sobre o programa Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP), no Brasil, desenvolvido pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A partir dos relatórios citados,
o trabalho defende a necessidade de requisitos mínimos para os estudos avaliatórios. Além disso,
debate sobre os usos e limitações da avaliação na área de segurança pública, enquanto ferramenta de
gestão, mecanismo de produção de accountability e transparência nas ações governamentais.
“A avaliação de gestão não é apenas um problema técnico ou gerencial (...). Ela é um assunto
político que concerne tanto a governantes como a governados.”
Sonia Bozzi (2001)
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Padrões de avaliação das políticas de segurança
na Argentina e no Brasil
(8)
INTRODUÇÃO
Este artigo pretende comparar dados de dois relatórios
de avaliação de políticas públicas. O objetivo é analisar
com que métodos, parâmetros e critérios os relatórios
foram produzidos. Além disso, revisa algumas
conceituações sobre a avaliação de políticas públicas,
como, por exemplo, a discussão de a avaliação ser
ferramenta integrada ao ciclo de gestão e mecanismo de
produção de responsabilidade nos governos. Observa,
ainda, aspectos relacionados aos usos que a avaliação
pode adquirir. Com, isso se pretende identificar padrões e
rotinas avaliativas.
Para tanto, adota-se como objeto de pesquisa a
análise de relatórios de avaliação de políticas e programas
realizados por instituições com histórico nesta atividade.
Os relatórios selecionados foram: Relatório 1 – Informe de
Políticas Públicas de Seguridad Ciudadana de la Argentina,
elaborado em 2006, pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID); e Relatório 2 – Avaliação do
Programa Sistema Único de Segurança Pública (SUSP),
realizada em 2005, pelo Tribunal de Contas da União, do
Brasil.
Os relatórios supramencionados avaliam políticas e
programas da área de segurança pública na Argentina e
no Brasil. Os países apontados passaram por regimes
autoritários, nos quais as políticas de segurança não
tinham caráter público. Entretanto, com a democratização
a área de segurança vem passando por mudanças que
exigem dos governos a capacidade de refletirem com a
sociedade civil sobre as políticas públicas para enfrentar de
maneira eficaz a criminalidade, diminuir os altos índices de
violência e reformas as polícias (FRÜHLING, 2003). Neste
cenário, defende-se que avaliação pode colaborar para as
mudanças nas políticas e programas de prevenção à
criminalidade, bem como proporcionar transparência e
democratização às ações governamentais na área de
segurança.
Além disso, os relatórios selecionados exemplificam
dois tipos de avaliação. O Relatório 1 faz uma avaliação
ampla das políticas de segurança pública na Argentina;
enquanto o Relatório 2 avalia especificamente o programa
SUSP do Brasil. Apesar da diferença quanto ao escopo da
avaliação, pois o primeiro relatório avalia a política de
segurança de forma genérica e o segundo pontualmente,
defende-se que esses tipos de relatório de avaliação
contribuem de forma diferente para o conhecimento das
políticas e programas.
Avaliações específicas são importantes para mensurar
os efeitos de determinados programas, enquanto
avaliações construídas a partir de uma proposição de
mediação mais ampla para captar os impactos das
diferentes intervenções governamentais na sociedade,
ainda que diversas de segurança pública. Portanto, com o
estudo comparado desses dois relatórios, pretende-se
mostrar que independente do conteúdo, do objetivo e do
escopo da avaliação, os relatórios ao adotarem
procedimentos básicos, têm condições de ofertar
conhecimentos sobre a realidade social, políticas e
programas.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A AVALIAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS
A avaliação, conforme Worthen, Sanders e Fitzpatrick
(2004), pode ser entendida segundo duas definições. A
primeira avaliação equivale simplesmente a uma
determinação do valor ou mérito de um objeto de
avaliação. A segunda avaliação é mais complexa, pois
aborda a identificação, esclarecimento e aplicação de
critérios defensáveis para determinado valor (valor ou
mérito), a qualidade, a utilidade, a eficácia ou a importância
do objeto avaliado em relação a esses critérios.
No tradicional ciclo de políticas públicas, a saber:
formação da agenda, formulação, implementação,
execução e avaliação; a função avaliativa encontra-se na
última fase. Nesta concepção, ela consiste na mensuração
e análise, a posteriori, dos efeitos produzidos na sociedade
pelas políticas públicas, especialmente no que diz respeito
às realizações obtidas e às consequências previstas e não
previstas (SARAVIA, 2006, p. 35). Entretanto, em estudos
mais recentes destaca-se que a avaliação pode ocorrer
antes, intermediariamente ou no fim. A avaliação entra na
configuração das políticas públicas como uma espécie de
diagnóstico e, na formulação da política os instrumentos
da avaliação devem ser especificados. Assim, a avaliação
deve estar integrada a todo o ciclo de gestão,
desenvolvendo-se simultaneamente a ele, desde o
momento inicial da identificação do problema (MOKATE,
2002, p. 94).
De acordo com Rua (2009), a avaliação representa um
potente instrumento de gestão na medida em que pode –
A avaliação pode ter função
complementar à dos
procedimentos de validação
ou invalidação de programas
governamentais (...) e
encaixa-se no arcabouço da
transparência, próprio da
qualidade das instituições
dos regimes democráticos. ...
e deve – ser utilizada durante todo o ciclo de gestão,
subsidiando o planejamento e formulação de uma
intervenção, o acompanhamento de sua implementação,
os consequentes ajustes a serem adotados, e até as
decisões sobre a manutenção, aperfeiçoamento, mudança
de rumo ou interrupção. Nota-se que a avaliação levanta
questionamentos e situações que podem apontar os
limites de uma dada política ou programa. Todavia,
segundo Motake (2002) não pode ser diferente, porque a
avaliação deve verificar o cumprimento de objetivos e
validar continuamente o valor social incorporado ao
cumprimento desses objetivos (MOKATE, apud RUA, 2009,
p. 1).
A avaliação é uma das fases do ciclo das políticas
públicas, e adquire cada vez mais relevância ao ser vista
como ferramenta que proporciona melhorias no ciclo de
gestão. Além disso, ela pode ter função complementar à
dos procedimentos de validação ou invalidação de
programas governamentais. A avaliação encaixa-se no
arcabouço da transparência, próprio da qualidade das
instituições dos regimes democráticos. Afinal, ela tem um
caráter informacional, seja para os cidadãos ou os
stakeholders do programa, quanto feita de modo
específico; ou então, seja para sociedade em geral, quanto
feita sobre toda uma determinada política. Com efeito,
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Padrões de avaliação das políticas de segurança
na Argentina e no Brasil
(10)
segundo Bozzi (2001), a avaliação de projetos e
programas públicos destaca-se atualmente por que se
realiza no âmbito da modernização das instituições do
Estado, as quais buscam uma gestão pública responsável.
Desse modo, na literatura recente sobre avaliação ela
aproxima-se da noção de accountability1, sobretudo nas
dimensões apontadas por Schmitter (2005), as quais são:
informação, justificação e julgamento. Para esse autor
accountability é uma relação entre dois conjuntos de
atores, na qual um deles aceita informar, explicar ou
justificar para os outros suas ações e se submeter a
possíveis sanções predeterminadas que este possa impor.
Por isso, quando funciona, a accountability envolve uma
troca mútua de responsabilidades e potenciais sanções
entre cidadãos e governantes (SCHMITTER, 2005, p. 19).
Diante disso, a literatura referente às tendências recentes
na avaliação de programas e políticas públicas também
incluem, entre as razões para se realizarem estudos de
avaliação, a questão do desempenho e da accountability.
Assim, no governo esses estudos estão diretamente
ligados à questão da efetividade, da eficiência, da
accountability e, mais amplamente, do desempenho da
gestão pública (CENEVIVA; FARAH, 2006).
As dimensões da accountability informação,
justificação e julgamento, propostas por Schmitter (2005)
formam um conjunto que se caracteriza pela prestação
responsável de contas dos resultados das políticas
públicas à sociedade. No entanto, não é só apresentação
formal do que foi feito ou não. Trata-se de informar à
sociedade sobre as políticas que estão sendo realizadas e
justificar o motivo delas. Estes elementos, por sua vez,
produzem subsídios para que seja possível o julgamento
das ações dos governantes, por parte dos cidadãos e
interessados nas políticas. Assim, a avaliação das políticas
públicas é uma prática fundamental em governos
accountables, transparentes e responsáveis.2
As abordagens de Schmitter (2005) não estão
diretamente relacionadas à avaliação de políticas públicas,
mas à compreensão do contexto político em uma dada
sociedade. Contudo, é possível depreender que a
avaliação é adotada com frequência em governos que
atuam responsavelmente perante a sociedade. Em virtude
disso, a avaliação de políticas públicas e programas
governamentais é vista não apenas como um instrumento
de gestão, mas, sobretudo, como um meio para auferir o
desempenho e estabelecer os parâmetros para a
prestação de contas da burocracia e dos governantes
(CENEVIVA; FARAH, 2006).
O estudo da função avaliativa mostra que ele foi
adquirindo funções específicas conforme as variações da
situação política e dos papéis dos governos. Isto fica
evidente no estudo histórico realizado por Derlien (2001),
que apresenta três funções básicas para avaliação, a saber:
informação, realocação e legitimação. A função de
informação está relacionada à melhoria dos programas, na
qual os gerentes têm interesse em usar a avaliação como
mecanismo de feedback. A função de realocação visa
promover uma alocação racional de recursos no processo
orçamentário. Por fim, a função de legitimação privilegia a
mediação de resultados, na qual avaliadores se convertem
em auditores.3
Nota-se nessa trajetória histórica, que mesmo
avaliação adquirindo posição de ferramenta de gestão, ela
é carregada de valores simbólicos e políticos. Na avaliação,
ressaltam-se questões e disputas relativas à definição dos
interesses prioritários e do escopo do Estado, à
competição eleitoral, ao controle das interações
intergovernamentais e à busca de acomodação de forças
e de interesses no âmbito burocrático, entre muitas outras
questões relacionadas às disputas de poder entre agentes
e principais os mais diversos (FARIA, 2005, p. 102). Desse
modo, no contexto das políticas públicas a avaliação não
pode ser vista apenas como ferramenta de gestão, mas
também como uma maneira política de os governos se
relacionarem responsavelmente com a sociedade. Logo,
ela assume relevância nos governos democráticos, os
quais têm a obrigação de prestar contas à sociedade,
informar e justificar suas ações aos cidadãos, aos
stakeholders, o que por sua vez permite a produção de
accountability.
De toda forma, a avaliação contribui para o
aperfeiçoamento, a melhoria do processo decisório, o
aprendizado institucional e/ou aumento da accountability
(RUA, 2009). Nada obstante, ressalta-se que por ser uma
ferramenta em desenvolvimento, pelo menos na América
Latina, a avaliação enfrenta indefinições no campo
acadêmico e profissional, bem como restrições de
aplicabilidade no ciclo da gestão das políticas públicas. Isso
porque, de acordo com Worthen, Sanders e Fitzpatrick
(2004), a avaliação é tanto atividade científica quanto
política, o que pode conduzir a problemas nos objetivos e
usos da avaliação.
Os relatórios selecionados para este estudo abordam o
tema segurança pública, o qual é interessante para analisar
as relações entre os aspectos técnicos e políticos da
avaliação. No caso da Argentina e do Brasil, as políticas de
segurança pública tentam afastar um passado autoritário
e encontrar um novo papel no contexto democrático,
contudo existem dificuldades no campo técnico e político
em se implementar políticas públicas inteligentes,
pluridimensionais, intersetoriais e sensíveis às
especificidades de cada localidade (SOARES, 2006, p. 102).
Durante os períodos autoritários da Argentina e do Brasil,
os temas relacionados à segurança não eram
considerados assuntos públicos, contudo com o processo
de democratização eles passaram por redefinições4.
Nesses países, hoje o debate gira em torno de segurança
pública ou cidadã, com isso o tema é discutido com os
mais variados segmentos de governos e sociedades5.
RELATÓRIOS DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS: UM POSSÍVEL ROTEIRO
A avaliação de políticas públicas, mesmo sendo o
estudo de políticas públicas uma subárea da ciência
política, é um tema multidisciplinar. Com a finalidade de
firmar um julgamento de valor, a depender da política ou
do programa avaliado, a avaliação serve e se apropria de
conhecimentos de áreas diversas, por exemplo, sociologia,
economia, administração, engenharias. De qualquer forma,
a metodologia da avaliação segue os padrões do
conhecimento científico, pois busca analisar a realidade
social ou um programa específico com objetividade. Por
conseguinte, para efeitos deste trabalho, a avaliação que
se estuda é a do tipo formal, que é aquela estruturada e
pública, sendo que suas opções se baseiam em esforços
“sistemáticos” para definir critérios “explícitos” e obter
informações “acuradas” sobre as alternativas
(possibilitando com isso a determinação do valor real das
alternativas) (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p.
38). Estas são as vantagens desse tipo avaliação: pode
contribuir para aperfeiçoar a formulação de políticas
públicas e projetos, especialmente tornando mais
responsável a formulação de metas; pode apontar em que
medida os governos se mostram responsivos diante das
necessidades dos cidadãos; e pode mostrar se as políticas
e programas estão sendo concebidos de modo
coordenado e articulado (RUA, 2003).
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Padrões de avaliação das políticas de segurança
na Argentina e no Brasil
Este trabalho defende que o relatório de avaliação
deve ter conjunto de características capazes de
estabelecer e transmitir o objetivo da análise avaliativa, isto
é, comunicar os resultados da avaliação aos interessados.
Nada obstante, destaca-se que o objetivo da avaliação
não é apenas informar, pois ela pode ter fins não legítimos,
como aponta Weiss (1998)6, ou função de educar,
convencer, fazer prestação de contas, explorar e
investigar, documentar, obter apoio, promover
entendimento, promover relações públicas. Na verdade, a
finalidade de um relatório de avaliação está diretamente
ligada ao uso que se pretende da avaliação (WORTHEN;
SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 554). Independente das
controvérsias sobre as funções da avaliação, sugere-se
que um roteiro de avaliação colabora para o alcance dos
propósitos do relatório. No Quadro 1, vemos uma
estrutura mínima de relatórios.
O roteiro proposto no Quadro 1 não objetiva engessar
o formato de relatórios, mas argumenta que se um
relatório de avaliação não contemplar tais critérios, pode
não atingir seus objetivos ou não ter a qualidade desejada.
Como observa Rua (2003), a avaliação formal não possui
uma metodologia específica. Pode lançar mão de um
conjunto de métodos de diagnóstico e análise, de técnicas
de coleta de dados. A experiência tem ensinado que a
avaliação ganha precisão quando recorre a dados
quantitativos e qualitativos. Por outro lado, a mesma
Quadro 17 – Relatório de Avaliação: “estrutura mínima”
(12)
a)
Propósitos da avaliação – definição clara de quem são os usuários, os objetivos, os critérios e os
indicadores;
b)
Perguntas de avaliação – questões específicas que delimitem o escopo da avaliação e, mesmo
assim, guardem consistência entre os objetivos e critérios da avaliação;
c)
Metodologia da avaliação – estratégia adequada para as respostas das perguntas avaliativas,
com uma estrutura lógica que possibilite a clara identificação dos critérios da avaliação;
d)
Procedimento da avaliação – tratar dos dados da avaliação com acurácia8, ou seja, precisão.
Isso reforça a confiabilidade dos dados do relatório, o que permite uma avaliação com profundidade;
e)
Apresentação e uso – forma e conteúdo adequados com pertinência e consistência lógica das
conclusões, bem como das recomendações.
Fonte: Elaborado a partir: “Avaliação de Políticas, Programas e Projetos: notas introdutórias”, de Maria das
Graças Rua, ENAP, 2003, e da Nota Técnica do IPEA, “Como elaborar o modelo lógico de programa: um
roteiro básico”, 2007.
experiência tem mostrado alguns cuidados imprescindíveis
à qualidade das avaliações.
Além disso, esse roteiro facilita a compreensão de certo
relatório de avaliação por parte dos avaliadores e dos
leitores interessados, a despeito do uso que ele possa ter.
Para tanto, em termos de métodos, parâmetros e critérios,
o relatório tem de ser capaz de: estabelecer o objetivo da
avaliação; ter a delimitação exata do objeto; informar como
a avaliação foi planejada e conduzida; destacar quais fatos
foram estabelecidos; e por fim, informar quais conclusões
foram tiradas e quais recomendações resultaram dela9. Tais
quesitos colaboram para identificar o objetivo básico de
uma avaliação, o qual é produzir julgamentos do valor do
que quer que esteja avaliado, segundo Worthen, Sanders e
Fitzpatrick (2004).
ANÁLISE COMPARATIVA DOS RELATÓRIOS DE
AVALIAÇÃO
O Relatório 1 – Informe de Políticas Públicas de
Seguridad Ciudadana de la Argentina foi desenvolvido no
âmbito do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), sendo concluído em fevereiro de 2006. Este relatório
teve por objetivo analisar a organização e funcionamento
das instituições públicas responsáveis por oferecer
respostas sobre o delito, a violência e a insegurança na
Argentina. Com uma perspectiva de sistema, abordou-se a
situação da segurança/insegurança subjetiva e objetiva no
país, na Província de Buenos Aires e na Ciudad Autónoma
de Buenos Aires, e foram descritas as iniciativas
empreendidas nos cinco anos anteriores a 2006 (TUDELA,
2006).
Teve como pesquisadores, condutores da avaliação,
Patricio Tudela e Beatriz López. O primeiro pesquisador é
PhD em antropologia cultural e tem realizado pesquisas
sobre insegurança cidadã, desenvolvimento
organizacional, gestão e reformas nas polícias da América
Latina. A segunda pesquisadora é integrante da Divisão de
Programas Sociais da Região 1 (RE1/SO1) do BID, onde
aborda pesquisas nas áreas de desenvolvimento urbano
para América Latina.
O relatório caracteriza-se por fazer avaliação ampla das
políticas públicas de segurança na Argentina10. Esse tipo de
avaliação faz parte dos relatórios de agências
internacionais de fomento, como é caso do BID. Embora
tenha escopo amplo, a avaliação divide-se na análise de
Ciudad Autónoma de Buenos Aires (CABA) e dos demais
distritos da Argentina, onde CABA, apesar das deficiências,
assume a função de controle, de objeto comparativo.
Por um lado, a avaliação caracteriza-se por ser ex-ante,
haja vista expressar uma concepção holística, interativa e
iterativa, segundo a qual a avaliação se inicia no momento
em que se define o problema ou a necessidade que
justifica a política, programa ou projeto (RUA, 2009, p. 10).
Por outro lado, ex-post por analisar os resultados de
políticas adotadas nos últimos cinco anos.
Ademais, pode-se também afirmar que assume perfil de
avaliação somativa, porquanto tem o intuito de orientar
para a escolha de objetivos e definição de prioridades,
para traçar estratégias, questionar sobre a continuação,
ampliação e encerramento de certos programas. Ou seja,
ela torna pública a situação para dar aos responsáveis pela
tomada de decisões do programa e aos interessados
potenciais julgamentos de valor ou mérito do programa
em relação a critérios importantes (WORTHEN; SANDERS;
FITZPATRICK, 2004, p. 47). É um relatório de natureza
externa patrocinado pelo BID, com a finalidade de
subsidiar a condução de novas políticas públicas.
O relatório de avaliação não aborda um programa
específico, mas analisa a situação da segurança pública a
partir da relação entre as instituições responsáveis pela
segurança pública e da implementação de alguns
programas. Para tanto, é observado o papel
desempenhado pelos órgãos: Ministério da Justiça, Polícia,
Secretaria de Assuntos Penitenciários, Secretaria de
Programação para Prevenção das Drogas e Luta contra o
Narcotráfico. Alguns programas são destacados pelos
avaliadores, por exemplo: Plan Nacional de Prevención del
Delito, Programa de Comunidades Vulnerables, Programa
de Control y Evaluación de Respuesta, Cadidad y Actitud
del Servicio Policial, reformas policiais.
O relatório – Informe de Políticas Públicas de Seguridad
Ciudadana de la Argentina tem função firmada na
utilização, pois o enfoque são os usuários, os gestores, os
decisores das políticas de segurança públicas. Os
resultados dos relatórios de avaliação do BID geralmente
são utilizados para definir programas para os países que
de alguma forma subsidia, ou seja, os resultados ajudam a
definir a estratégia de fomento e de investimento.
Entretanto, nota-se que os usuários da avaliação vão além
dos interesses do BID, pois se destinam à comunidade de
segurança pública da Argentina.
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Padrões de avaliação das políticas de segurança
na Argentina e no Brasil
Com a definição dos usuários e a identificação da
situação-problema, isto é, das deficiências do sistema de
segurança cidadã, traçam-se os objetivos do relatório que
são expostos em linhas gerais e específicas.
Objetivo general – es analizar la situación de la
seguridad ciudadana y las políticas públicas para
enfrentar la delincuencia y la violencia, así como la
inseguridad y el temor en los países mencionados.
Objetivos específicos – 1) Comprender las
características y manifestaciones de la criminalidad, la
violencia y la inseguridad y el temor asociados a ellas,
así como identificar los principales factores que
influyen estos fenómenos, y los grupos más
vulnerables a los mismos, en los contextos nacionales y
locales mencionados. 2) Analizar el enfoque
conceptual y de gestión de la Política de Seguridad
Ciudadana (...) 3) Identificar las iniciativas, metodologías
y prácticas que están demostrando ser efectivas y/o
prometedoras en el combate de la criminalidad y la
violencia, así como los principales obstáculos y los
retos que enfrenta la Política de Seguridad Ciudadana
en la actualidad y en el futuro (TUDELA, 2006, p. 7-8).
O desenho metodológico assume caráter descritivo,
com enfoque qualitativo e quantitativo. Avalia o processo
de gestão das políticas de segurança com a finalidade de
averiguar o desempenho dos órgãos responsáveis. No
formato da pesquisa avaliativa foram usados questionários
que se conectavam aos indicadores-chaves, os quais
captavam a visão da segurança pública em diferentes
setores analisados.
(14)
Este estudio desarrolla un enfoque descriptivo y
analítico-explicativo de la situación y estado de
desarrollo de la seguridad ciudadana y la(s) política(s).
Centra la mirada en la gestión del Estado en este
ámbito sobre la base de la recolección de información
pertinente y el análisis de indicadores que miden la
evolución y desempeño del sector, la búsqueda y
revisión de información secundaria y entrevistas a
informantes claves. (...) Los indicadores empleados son
el resultado de una búsqueda y selección a partir del
análisis de estudios parecidos en cuanto a propósitos,
investigaciones realizadas en ámbitos similares y la
experiencia práctica. La utilidad de estos indicadores e
índices radican en que son objetivos, permiten
estandarizar informaciones cuantitativas y cualitativas
y ayudan a construir un piso de comparación
temporal y de comparación con otros países. Son, al
mismo tiempo, una interesante guía de búsqueda de
descriptores necesarios, básicos e imprescindibles para
un diagnóstico y evaluación (TUDELA, 2006, p. 8-9).
Para mensurar a insegurança na Argentina a avaliação
adota os seguintes indicadores: percentagem de jovens
submetidos ao consumo de drogas ilícitas, taxa de
homicídios, taxa de denúncia, tendência de vitimização,
perfil das vítimas, aumento da violência em diversos tipos
de crimes. Tais indicadores mostram a percepção de
violência e se colocam como linha de base para ser
superada. Ou seja, a redução de elevadas taxas – como,
por exemplo, mortes e lesionados no trânsito, que é de 33
e 27 por dia, respectivamente, ficando entre as maiores do
mundo – configura-se com uma situação-problema a ser
enfrentada pelos programas de segurança na Argentina.
Os critérios para analisar as políticas públicas de
segurança pública adotadas pelo relatório foram:
suficiência, consistência e pertinência. Observa-se que tais
os critérios guardam coerência com os objetivos
propostos pela avaliação. Afinal, no tocante à suficiência,
nota-se a identificação de situações que dificultam a
implementação de políticas efetivas, por exemplo, a falta de
uma política e estratégia nacional para garantir a
continuidade ou implementação de instrumentos
necessários para o conhecimento das demandas de
segurança pública (TUDELA, 2006, p. 12). Quanto à
inconsistência e à falta de pertinácia, ressaltam-se as
limitações das políticas de controle policial e
recrudescimento das leis.
No se ha demostrado la consistencia, pertinencia y
relación entre la contribución legislativa y la sensación,
clima o percepción de seguridad. Las leyes, podría
afirmarse, ayudan a crear condiciones más propicias
para el ejercicio de los derechos, pero no hay evidencia
empírica que muestre una incidencia real de la
respuesta jurídico-legislativa sobre la inseguridad
objetiva y subjetiva (TUDELA, 2006, p. 52).
O relatório também cita os critérios da eficiência e da
eficácia, mas com restrições. Na verdade, o relatório faz
O relatório tem metodologia
adequada, com estrutura que
identifica os critérios da
avaliação e os conecta aos
objetivos de forma lógica.(...)
Trata-se de um relatório
consistente com formato e
conteúdo adequados à
avaliação, sobretudo na
função informativa..
advertências na medida em que coloca as limitações de
tais critérios como meio de avaliar as atuais políticas de
segurança, isto é, questiona a capacidade deles medirem a
dimensão da situação-problema.
En materia de eficiencia - objetivos, metas, impacto
y resultados - es poco lo que se puede decir, porque ni
las metas, objetivos, medios implementados y
resultados son claros. En este sentido, es fundamental
que se expliciten los principios orientadores, objetivos,
metas e indicadores de resultados y de impacto
buscados por cada institución a cargo en las iniciativas
que ejecutan o proyectan. Esto permitirá en el futuro
contar la información de base para la evaluación y
monitoreo de las mismas (TUDELA, 2006, p. 52).
O relatório tem metodologia adequada, com estrutura
que identifica os critérios da avaliação e os conecta aos
objetivos de forma lógica. Os dados encontrados na
pesquisa são tratados com acurácia, o que permite uma
visão detalhada da situação de segurança pública da
Argentina no período analisado. Trata-se de um relatório
consistente com formato e conteúdo adequados à
avaliação, sobretudo na função informativa. Faz avaliação
densa comparando os indicadores de CABA com as
demais regiões da Argentina. Ressalta-se que é elaborada
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Jul/Dez 2011
Padrões de avaliação das políticas de segurança
na Argentina e no Brasil
(16)
uma síntese apresentando as principais fortalezas,
debilidades e ameaças da estrutura de segurança pública,
o que pode facilitar as tomadas de decisão, os desenhos
dos programas. Por fim apresenta recomendações gerais e
específicas. A conclusão está de acordo com o objetivo da
avaliação e delineia o estado das políticas de segurança
pública na Argentina.
El diagnóstico de la situación general del país y de
la estructura del Estado en sus distintos niveles
muestra cifras y tendencias preocupantes. Más allá de
que los indicadores examinados revelan la brecha
entre las tasas de denuncia (estadística oficial), la
victimización (medida a través de encuestas) y el sesgo
que provoca una percepción negativa de la policía, la
justicia y la falta de protección a las víctimas, el análisis
de las cualidades y características del sistema tampoco
es positivo.
Lo anterior ratifica la necesidad de emprender
acciones en Argentina para mejorar los sistemas
requeridos para el diseño e implementación de
políticas y una oportuna toma de decisiones. Hay
varios aspectos que pueden y deben mejorarse. En
general, los ámbitos se relacionan con la forma de
hacer las cosas y con facetas técnicas de la gestión
tanto a nivel del gobierno nacional como del gobierno
de la provincia de Buenos Aires y de la Ciudad
Autónoma de Buenos Aires (TUDELA, 2006, p. 60).
O Relatório 2 – Avaliação do Programa Sistema Único
de Segurança Pública (SUSP) foi desenvolvido pelo
Tribunal de Contas da União, do Brasil, com o fim de
cumprir uma das funções institucionais desse tribunal, a
qual é justamente avaliar as políticas e programas
governamentais. Como é característico, foi desenvolvido
por uma equipe de auditores, que após a avaliação
submetem seu conteúdo ao plenário de ministros do TCU
para votação. Desse processo resultou o Acórdão nº 724/
2005-TCU.
O SUSP tem por objetivo reduzir a criminalidade e a
violência mediante a implantação de sistema único
coordenado em termos de segurança pública. O referido
programa avaliado foi identificado no Plano Plurianual
(PPA 2004/7) sob o número 1.127, é gerenciado pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do
Ministério da Justiça (BRASIL, 2005, p. 15).
O relatório do TCU avaliou um programa específico de
segurança pública, o SUSP, diferentemente do relatório
visto anteriormente do BID. As avaliações do TCU são
técnicas, consistentes e cumprem a função informacional.
No caso específico, trata-se de uma avaliação
intermediária, haja vista que o SUSP ter caráter contínuo. O
SUSP é um programa que pretende reduzir as
disparidades entre as estruturas de segurança pública e a
avaliação teve por fim verificar se houve alteração na
situação-problema11.
A avaliação do SUSP enquadra-se como formativa, que
segundo Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004) tem a
função de proporcionar informações úteis à equipe
gestora do programa ou aos planejadores, o que pode
ocasionar aperfeiçoamentos na execução ou atualizações
para maximizar os objetivos. Ou seja, a finalidade da
avaliação formativa é subsidiar o aprimoramento das
políticas governamentais em andamento. O relatório de
avaliação é de natureza externa, o qual decorreu da
seguinte determinação:
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da
União – TCU ofereceu Representação com vistas a que
esta Corte de Contas determine a realização de
auditoria de natureza operacional acerca do
cumprimento, pelo Estado, de seu dever constitucional
de defesa dos direitos humanos referentes à vida, à
integridade física e à liberdade no exercício de
atividades voltadas ao combate ao crime (BRASIL,
2005, p. 10).
Ademais, a avaliação do SUSP focalizou os objetivos,
pois analisou se objetivos do programa estavam sendo
alcançados e em que medida. Ou seja, questionou se o
SUSP modificou a situação-problema, sendo justamente
isso o que se configurou como objetivo da avaliação.
Nesse sentido, pode ser classificada como uma avaliação
de resultado, na qual se confronta os resultados previstos
e com os efetivamente obtidos (COTTA, 1998, p. 110).
O TCU realizou auditoria com o intuito de avaliar se
os mecanismos propostos pelo Sistema Único de
Segurança Pública, no exercício das atividades de
combate ao crime, contribuem para garantir o respeito
aos direitos humanos referentes à vida, integridade
física e liberdade (BRASIL, 2005, p. 9).
O usuário dessa avaliação, isto é, a quem se destina é
imediatamente a Corte de Ministro do TCU. Mas os
resultados da avaliação podem ser usados pelos gestores
do SUSP, uma vez que as auditorias do TCU visam divulgar
para órgãos governamentais, parlamentares e sociedade
civil os principais resultados das avaliações de programas
governamentais, com o intuito de verificar o desempenho
da gestão pública em áreas estratégicas do governo e em
programas prioritários e relevantes para a sociedade
(BRASIL, 2005, p. 9).
O critério adotado na avaliação é basicamente o da
suficiência, no qual se averiguou a compatibilidade dos
recursos materiais, orçamentários, financeiros, humanos e
de informações disponíveis para o alcance dos objetivos
do programa. Segundo o relatório de avaliação do TCU –
SUSP (2005), as pesquisas realizadas no âmbito deste
trabalho apontam para algumas possíveis melhorias na
utilização de indicadores como critérios para distribuição
de recursos. Foi constatado, em auditoria da Secretaria
Federal de Controle Interno (SFCI), que alguns estados
encontram dificuldades em executar a totalidade dos
recursos repassados, em razão de deficiências em suas
estruturas administrativas (BRASIL, 2005, p. 29).
Os indicadores foram desenvolvidos a partir das
auditorias nos órgãos de segurança, observando as
instalações físicas, os recursos humanos e o
aparelhamento operacional das policias. Para subsidiar os
indicadores foram elaboradas entrevistas com parte da
comunidade de segurança pública, como pode ser visto:
Durante a auditoria, foram analisados 195
questionários aplicados a policiais. Declararam-se
insatisfeitos com suas condições de trabalho 70,9%
deles. A mesma pergunta foi feita a delegados e
policiais militares graduados e, como resposta, obtevese que 56% deles estão insatisfeitos com suas
condições de trabalho (BRASIL, 2005: 14).
A pergunta avaliativa guarda coerência com os
critérios e indicadores, além de limitar o escopo da
avaliação. A pergunta deste relatório do TCU (2005) teve
por fim questionar se implantação do SUSP causou
mudanças na situação-problema e se as medidas
adotadas estão sendo suficientes. Vide:
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Padrões de avaliação das políticas de segurança
na Argentina e no Brasil
O principal objetivo desta auditoria foi avaliar se os
mecanismos propostos pelo SUSP, no exercício das
atividades de combate ao crime, contribuem para
garantir o respeito aos direitos humanos referentes à
vida, integridade física e liberdade. O trabalho voltou-se
para a análise de três questões de auditoria, que
versam sobre: suficiência e compatibilidade dos
recursos materiais, orçamentários, financeiros,
humanos e de informações disponíveis para o alcance
dos objetivos do Programa; contribuição das ações de
capacitação para a formação de policiais promotores
de direitos humanos; contribuição dos mecanismos de
controle para a redução das violações de direitos
humanos nas atividades de combate ao crime (BRASIL,
2005, p. 11).
Com essas observações sobre os critérios e
indicadores, nota-se que a metodologia abarcou uma
análise descritiva, a qual seguiu a lógica de separar estados
com resultados que apresentaram “boas práticas”
segundo os recursos disponibilizados pelo SUSP, daqueles
que não tiveram desempenho esperado pelo programa.
Foi uma análise qualitativa, por considerar a questão das
boas práticas de segurança, mas também quantitativa ao
apresentar as limitações físicas do SUSP, por exemplo,
insuficiência dos recursos. Alguns estados foram
escolhidos para serem auditados, seguindo um formato
não aleatório.
Os trabalhos de campo foram realizados em cinco
estados da federação (Minas Gerais, Pará, Pernambuco,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul). O teste-piloto foi
feito em Goiás e no Distrito Federal. A escolha dos
estados visitados considerou relatos de boas práticas,
visita a pelo menos um estado de cada região brasileira
e volume de recursos repassados pelo Ministério da
Justiça às secretarias de segurança pública estaduais,
no exercício de 2003 (BRASIL, 2005, p. 11).
A metodologia adotada se conecta aos objetivos da
auditoria, pois está de acordo com o próprio TCU: “Um
dos objetivos das auditorias de natureza operacional é
identificar boas práticas que possam ser disseminadas
entre os gestores do programa auditado e entre gestores
de outros programas federais” (BRASIL, 2005, p. 21).
(18)
Na presente avaliação do SUSP os questionários e as
auditorias trouxeram dados relevantes, os quais foram
apurados com a precisão e proporcionaram uma visão
detalhada do programa. Foi observado que, apesar de o
SUSP visar à redução das desigualdades regionais em
segurança pública, ainda persistem lapsos e pouca
coordenação entre os níveis federal, estadual e municipal.
Em virtude disso, faz recomendações que pretendem
realinhar os objetivos do programa com os resultados,
como pode ser visto, por exemplo:
Entre as recomendações, destacam-se: revisar
critérios adotados para alocação dos recursos do
Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP); firmar
convênios para o recebimento de doações de
materiais e equipamentos; otimizar a distribuição de
recursos humanos, inclusive mantendo em atividade
policiais que sofreram acidentes de trabalho; verificar
as dificuldades enfrentadas pelos estados na utilização
dos sistemas informatizados federais; desenvolver
programas que propiciem aumento da autoestima dos
policiais [...] (BRASIL, 2005, p. 21).
Os relatórios de avaliação do TCU seguem certo
padrão de confecção. Pode-se observar a sequência de
apresentação do programa a ser auditado, o que foi
avaliado, por que foi avaliado, como foi desenvolvido o
trabalho, o que o foi encontrado, e o que pode ser feito
para melhorar. Dentro dessa dinâmica, ressalta-se que é
um relatório consistente nos quesitos de informação,
realocação e legitimação.
AVALIAÇÃO: USOS E LIMITAÇÕES NA SEGURANÇA
PÚBLICA
Como pôde ser visto pela análise dos relatórios em
discussão, que a avaliação de políticas públicas é tarefa
complexa, pois requer conhecimentos de ferramentas
acadêmicas e gerencias, além de percepção do contexto
político onde se realiza a avaliação. Portanto, embora a
avaliação siga padrões de objetividade, ela pode ser
influenciada por diversos atores, como cidadãos,
stakeholders, políticos, governos; bem como pelas
situações políticas. Desse modo, compete ao avaliador ou
à agência avaliadora estabelecer claramente o escopo, o
objetivo, os indicadores, os critérios e a metodologia da
avaliação, porque assim, a despeito dos vieses, a análise
segue com objetividade. Para tal finalidade, estabelecer
uma estrutura mínima de relatório, como, por exemplo, a
sugerida no Quadro 1, é importante12.
No entanto, a objetividade da avaliação não guarda
necessariamente correlação com uso que ela pode vir a
ter. Afinal, por ser uma espécie de formadora de juízo, a
avaliação pode assumir usos diversos. Por usos da
avaliação entende-se o que é feito com os resultados da
pesquisa avaliativa. Diante disso, os usos da avaliação são
claramente transferíveis se alguém quiser utilizá-la da
mesma forma em outra área. O uso da avaliação pode
continuar o mesmo, mas a entidade que é aplicada – isto
é, o objetivo da avaliação – varia muito (WORTHEN;
SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 42).
Assim, os usos da avaliação no âmbito da segurança
pública, seguindo os exemplos de Sanders e Fitzpatrick
(2004), podem ser: “melhorar” as estruturas físicas dos
órgãos de segurança pública; “melhorar” a capacidade
organizacional das polícias, “empoderar” os cidadãos
responsáveis pelos conselhos comunitários de segurança
pública; “dar informações para a tomada de decisões
relativa a programas governamentais” para os gestores da
área de segurança pública. Isso foi expresso, por exemplo,
nas análises e recomendações dos relatórios selecionados.
Ainda no que se refere aos usos dos relatórios de
avaliação aqui discutidos, acredita-se que eles se encaixam
nos usos conceitual e de esclarecimento, segundo as
definições de Faria (2005)13. Ressalta-se que o uso é
conceitual no tocante à área de segurança pública é
aplicado aos atores interessados, por exemplo, os gestores
dos órgãos de segurança, das organizações policiais, as
organizações e profissionais da sociedade que abordam o
tema. Por sua vez, o uso para esclarecimento configura-se
porque já existe uma comunidade de acadêmicos, da
mídia e de organizações da sociedade civil que se utilizam
das avaliações para formarem sua opinião no quesito
segurança pública.14
Observa-se que uso da avaliação depende dos
interesses dos atores, sobretudo daqueles que solicitam a
avaliação, o que está muitas vezes sujeito a interferências
do cenário político. Contudo, não poderia ser diferente,
pois a política e a política pública se imbricam
continuamente. Afinal, as políticas não são adotadas ou
executadas no vazio. Ao contrário, são levadas a efeito no
contexto das instituições políticas de um dado país (BID,
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Padrões de avaliação das políticas de segurança
na Argentina e no Brasil
(20)
2007, p. 7). É por causa dessa característica que as
avaliações das políticas de segurança pública na América
do Sul, particularmente da Argentina e do Brasil,
enveredam para análises do processo de democratização.
Por conta disso, as deficiências da área de segurança
pública decorrem das limitações do Estado de direito ou
da incapacidade de coordenação das estruturas do
Estado (PINHEIRO, 2000)15. Nos relatórios de avaliação
estudados neste trabalho, observou-se que as avaliações
apontaram justamente essas limitações.
A análise dos relatórios de avaliação deste trabalho,
sobretudo na apresentação de certos parâmetros
mínimos para um estudo avaliatório, não pretende trazer
restrições aos usos da avaliação. Observa-se que a
avaliação ao ser realizada com objetividade e seguindo
parâmetros mínimos, contribui para atingir uma ou mais
das funções de informação, realocação e legitimação. Os
relatórios aqui apresentados transmitem aos atores
interessados o que de fato foi avaliado, por qual motivo foi
avaliado, o que foi encontrado e o que pode ser feito para
melhorar. Desse modo, cumpre a função de esclarecer e
de ser instrumento de comunicação entre os diversos
atores da política, bem como ser oportunidade de
aprendizagem. Destaca-se, portanto, que os relatórios
tiveram função informacional. Contudo, também
assumiram função de legitimidade na medida em que as
políticas e programas foram avaliados por órgãos
independentes e reconhecidos no contexto democrático
da Argentina e do Brasil, o qual trouxe mudanças ao
paradigma de segurança pública16. Também tiveram a
função de realocação, pois avaliam se os recursos
orçamentários estão sendo canalizados para solução dos
problemas da criminalidade e da violência.
Enfim, os relatórios de avaliação aqui analisados sobre
a segurança pública têm finalidade de informar à
sociedade e ao público interessado assuntos que antes
não eram passíveis de análise, em virtude de governos
autoritários na Argentina e no Brasil. Com a
democratização, as estatísticas sobre a violência e
criminalidade passaram ao conhecimento público, o que
causou demandas por medidas para redução dos altos
índices de violência, políticas públicas para enfrentar de
maneira eficaz a criminalidade. Portanto, os relatórios
permitem observar se as políticas e programas de
segurança pública estão alcançando tais propósitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho não teve pretensão de realizar uma
meta-avaliação, ou seja, uma avaliação de avaliações a
partir dos relatórios analisados, mas, um estudo
comparativo no quesito metodológico. No entanto, frisa a
necessidade de se questionar a avaliação, isto é, de se
fazer meta-avaliação, porque é deste mecanismo que
podem surgir melhorias na ferramenta de avaliação. Como
já foi discutido, em virtude de usos diversos ou de
limitações, a avaliação pode não interagir com o processo
de gestão pública. Além disso, ela pode produzir
resultados inconclusivos, inoportunos e irrelevantes para
os fins que se propôs17. Mesmo assim, resultados dessa
natureza determinam o fracasso de uma avaliação
específica, não da ferramenta avaliação (WORTHEN;
SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 594). Defende-se que tal
consideração é importante para as avaliações de políticas
e programas, como, por exemplo, da área de Segurança
Pública, a qual é sujeita a constantes demandas públicas
ou mudanças de ordem política18
A análise dos relatórios apresentados neste trabalho
observou que a objetividade da avaliação, sobremodo
obtida a partir de padrões, isto é, da construção de
estruturas mínimas de avaliação, contribui para o alcance
dos resultados propostos pelo estudo avaliativo e para o
fortalecimento da avaliação enquanto ferramenta de
gestão pública. Nesse quesito, destacam-se as
contribuições de algumas instituições responsáveis por
avaliações de políticas e programas governamentais,
como, por exemplo, o BID e o TCU, os quais realizam
avaliações formais e sistemáticas.
Ao fim, vale observar que, países da América Latina,
como, por exemplo, Argentina e Brasil, passam ainda por
um processo de redemocratização relativamente recente,
depois de décadas de vigência de regimes autoritários, que
percebiam a questão da Segurança Pública
frequentemente mais como uma questão de segurança
do Estado do que como segurança cidadã (KAHN, 2007).
Neste caso, as políticas e programas de segurança são
influenciados, e até limitados, por esse processo. Por isso, é
preciso que os usos da avaliação na área de segurança
pública sejam cada vez mais orientados para o
desenvolvimento da gestão pública, possibilidade de
produção de accountability e transparência nas ações
governamentais.
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Notas
1
Responsabilidade, dever de uma instituição de prestar contas diante da sociedade. Ou ainda accountability
consiste no trabalho dos políticos e dos agentes públicos de modo geral balizado por obrigações jurídicas e culturais
(vale dizer éticas) de transparência, probidade e respeito pelos cidadãos (LAMOUNIER, 2010) Disponível em: <http://
exame.abril.com.br/rede-de-blogs/blog-do-bolivar-lamounier/2011/02/09/reforma-politica-iv-vamos-tentando-veralgo-mas-a-visibilidade-ainda-e-pouca/> Acessado em 27/07/2012
Para mais informações sobre a relação entre accountability e gestão pública, vide: La responsabilización
(“accountability”) en la nueva gestión pública latino-americana. Consejo Científico del CLAD, BID, 2000. Disponível em:
<http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/UNPAN000178.pdf>. Acessado em: 17 ago 2011.
2
Para revisão sobre o desenvolvimento da função avaliação de políticas públicas, conferir: TREVISAN, Andrei Pittol &
VAN BELLEN, Hans Michael. Avaliação de Políticas Públicas: uma revisão teórica de um campo em construção. Rev. Adm.
Pública. 2008, Vol. 42, n. 3.
3
Segundo Kahn (2007): “Quem quer que trabalhe com a questão da segurança pública e das polícias na América
Latina deve levar em conta a especificidade da história recente da região, que a torna distinta de outros contextos.
Diversos países latino-americanos passam ainda por um processo de redemocratização relativamente recente, depois
de décadas de vigência de regimes autoritários, que percebiam a questão da segurança pública frequentemente mais
como uma questão de segurança do Estado do que como segurança cidadã”.
4
Vide no Brasil os trabalho da Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG). Na Argentina, a pesquisa de
Marcelo Fabián Sain, por exemplo: El Leviatán azul: policía y política en Argentina, Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores,
2008 e Reforma policial, ciudadanía y democracia. Nueva Sociedad en Bogotá, 2009.
5
Para Weiss (1998), a avaliação é um empreendimento racional realizado muitas vezes por motivos irracionais ou
pelo menos por motivos que não são informacionais.
6
Este breve roteiro foi elaborado a partir das discussões em sala de aula no âmbito da disciplina Políticas Públicas
nas Américas do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas, da Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB),
ministrada pela professora Maria das Graças Rua, no primeiro semestre 2010. Procura-se resumir neste roteiro, o que
foi ensinado com muita riqueza de conteúdo pela referida professora.
7
Termo derivado do inglês accuracy, o qual a tradução é precisão. No contexto do estudo de polícias públicas é
conhecido como “repetibilidade“ da avaliação de uma estimativa. Trata-se de uma medida da correlação entre o valor
estimado e os valores das fontes de informação, ou seja, mede o quanto a estimativa que obtivemos é relacionada
com o “valor real“ do parâmetro.
8
Essas são recomendações feitas pela Comissão Avaliando as Despesas da União Europeia. Trata-se de elementos
que a redação de um relatrio de avaliação deve conter.
9
10
Neste artigo não se debate especificamente o tema da insegurança, violência ou criminalidade na Argentina e no
Brasil, pois o objetivo é analisar as ferramentas de avaliação. No entanto, para informações sobre o tema ver Frülling
(2003) e Pinheiro (2000).
Situação-problema identificada pelo SUSP: desigualdade na distribuição de recursos nas instituições de
segurança pública, incremento da criminalidade nos anos 1990, sucateamento das polícias, entre outros.
11
12
Vide as recomendações realizadas por Maria das Graças Rua (2003).
De acordo com Faria (2005), a avaliação pode ter os seguintes usos: “Instrumental“ (depende não apenas da
qualidade da avaliação, mas também da adequada divulgação de seus resultados, sua inteligibilidade e da factibilidade
das recomendações propostas); “Conceitual“ (usualmente circunscrito aos técnicos locais do programa, a quem com
frequência não é atribuído um maior poder de decisão); “Instrumento de persuasão“ (é utilizado para mobilizar o apoio
para a posição que os tomadores de decisão já têm sobre as mudanças necessárias na política ou programa);
“Esclarecimento” (o qual acarreta, pela via do acúmulo de conhecimento oriundo de diversas avaliações, impacto sobre
as redes de profissionais, sobre os formadores de opinião e sobre as advocacy coalitions, bem como alterações nas
crenças e na forma de ação das instituições, pautando, assim, a agenda governamental) (FARIA, 2005, p. 102-103).
13
Vide por exemplo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Núcleos de Estudo de Violência nas Universidades;
movimento de direitos humanos.
14
Esse processo pode ser entendido de forma ampla, não é particularidade da área de segurança pública. Segundo
Bonzi (2001) no âmbito da reforma do Estado e processo de democratização (...) os dilemas da avaliação estão
relacionados como os problemas de legitimidade e governabilidade dos Estados latino-americanos.
15
No regime autoritário o paradigma de segurança era de defesa e segurança nacional, com a democratização
passa-se para a concepção de segurança pública ou cidadã. Nesse caso, as politicas e programas na área de segurança
pública para serem legítimos necessitam do aporte público. No Brasil o exemplo é do Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania (PRONASCI), do Ministério da Justiça. Vide: Um novo paradigma para Segurança Pública. Brasília:
Ministério da Justiça, 2009.
16
Segundo Cotta (1998, p. 118-119), as avaliações nem sempre se inserem no ciclo de gestão por apresentarem
resultados inconclusivos, inoportunos e irrelevantes. Inconclusivos em função das próprias limitações deste tipo de
estudo, inoportunos devido à morosidade do processo avaliativo e, irrelevantes por que não respondem às demandas
informacionais de todos os agentes sociais afetos à intervenção.
17
Vide a respeito disso: SOARES, L. E. Meu casaco de general: 500 dias no front da segurança pública do Rio de
Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SAPOR, L. F. Segurança Pública no Brasil, desafios e perspectivas. Rio
de Janeiro: Ed. FGV, 2007.
18
Alexandre Pereira da Rocha é graduado e mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UNB).
Doutorando em Ciências Sociais (CEPPAC/UNB). Analista Criminal da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e professor
universitário. E-mail: [email protected] ou [email protected]
Página 27
Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental
Uma interpretação sobre os limites e
as possibilidades da burocracia
weberiana e do elitismo
democrático: tensões entre
Administração Pública e Política*
Por Bruno Dias Magalhães e
Emanuel Camilo de Oliveira Marra
O presente trabalho tem como objetivo discutir as tensões existentes entre Administração Pública
e Política, mais especificamente os limites e as possibilidades presentes na relação entre o modelo
de administração burocrático weberiano e o modelo de democracia denominado elitismo
democrático. A fim de evidenciar essa problemática, partimos do pressuposto de que a
Administração Pública é uma ciência multidisciplinar, que envolve variadas áreas do saber tais
como: ciência política, história, sociologia, economia, psicologia social, administração de empresas e
antropologia. Recorremos a uma revisão bibliográfica na qual tomamos como referência autores
diversos, desde os clássicos do pensamento político, como Max Weber e Woodrow Wilson, até
estudiosos contemporâneos, como Norberto Bobbio, David Held e Gareth Morgan. A principal
conclusão deste trabalho aponta para a necessidade de se pensar a Administração Pública e a
Política em uma relação de complementaridade e tensão. Discutimos essa possibilidade
interpretativa para a burocracia weberiana e o elitismo democrático e apontamos, a título de
considerações finais, a necessidade de expandir essa abordagem para a Nova Gestão Pública e o
debate democrático contemporâneo (participacionismo e deliberacionismo).
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Uma interpretação sobre os limites e as
possibilidades da burocracia weberiana e do
elitismo democrático: tensões entre Administração
Pública e Política
(28)
INTRODUÇÃO
Em artigo publicado pela primeira vez em 1887 sobre
o estudo da Administração Pública, Woodrow Wilson
atribui a gênese desta como campo científico autônomo
devido à crescente multiplicação das ações do Estado
moderno. Conforme o autor, a substituição da forma
absolutista pela forma democrática de governo foi a
grande responsável pelo aumento da complexidade da
tarefa de administrar as ações do Estado (WILSON, 1954).
Com efeito, escreve o estadista norte americano: “O
próprio fato de termos realizado o mando popular em sua
plenitude tornou a tarefa de organizar esse mando
virtualmente mais difícil” (WILSON, 1954, p. 90). A
democracia, portanto, apesar de representar uma
evolução inevitável para Wilson, conflita com a tarefa
administrativa no sentido de que não estabelece um plano
de ação único, tomado a partir de uma opinião
monocrática, tendo antes que ser realizada “[...] através de
compromisso, por uma composição de diferenças, por
uma acomodação de planos e uma supressão de
princípios demasiado retilíneos” (WILSON, 1954, p. 91).
Diante da árdua – e às vezes confusa – tarefa de
colocar em ação diretrizes plurais, Wilson define o campo
de estudo da Administração Pública separadamente do da
Política. A esta concerne os assuntos gerais e constitutivos
do Poder, enquanto que àquela cabe suas tarefas
específicas e seu exercício cotidiano. O autor vai mais além
e afirma que à opinião pública deve ser atribuído um papel
de “crítica autorizada”, mas essa deve ser impedida de
interferir demasiadamente nos assuntos administrativos.
Nas palavras do próprio Wilson (1954, P. 94): “O problema
é tornar a opinião pública pertinente sem tolerar que ela
se torne metediça”.
De uma perspectiva diferente daquela proposta por
Woodrow Wilson em seu ensaio pioneiro sobre o estudo
da Administração Pública, o presente artigo propõe uma
leitura na qual a dinâmica da administração e da política
seja compreendida de maneira articulada. Trata-se, assim,
de uma abordagem que está, em alguma medida, em
sintonia com os estudos contemporâneos sobre as
políticas públicas, tanto da ótica da Ciência Política quanto
da Administração Pública (AVRITZER, 2007; SANTOS, 2009;
SANTOS e AVRITZER, 2009; LÜCHMANN, 2002; TATAGIBA,
2002; CAPELLA, 2007; MULLER e SUREL, 2002). Para
atingir tal intento, trabalharemos com a ideia da
Administração Pública como um campo multidisciplinar no
qual estão inseridas diversas áreas de conhecimentos, tais
como: ciência política, história, sociologia, economia,
psicologia social, administração de empresas e
antropologia (WALDO, 1964). Ao articularem-se essas
diversas áreas do saber para se discutir as relações entre
política e administração, o que pretendemos mirar, em
específico, são as tensões existentes entre o modelo de
administração burocrático weberiano e o modelo de
democracia chamado elitismo (WEBER, 1982; HELD, 1987;
BOBBIO, 1998).
Democracia e burocracia são entendidas no presente
trabalho como um ponto de vista privilegiado para uma
reflexão. Não obstante a existência de uma série de
estudos sobre esses dois temas, assumimos que a
Administração Pública está inserida em um contexto no
qual a dinâmica da Política não é plena de sentido se não
pensada junto com a dinâmica administrativa e vice-versa.
Mais que isso, ao articular-se essas duas dinâmicas,
supomos ser possível vislumbrar com maior clareza quais
são os limites e as possibilidades da democracia elitista e
da administração weberiana. Ou seja, suas tensões.
O presente artigo estrutura-se, a partir da segunda
seção, com uma contextualização da ideia de
racionalização do mundo ocidental – fenômeno
fundamental para a origem da burocracia. Ainda na
segunda seção, apresentamos os principais aspectos
destacados na literatura como característicos do
fenômeno burocrático para, na sequência, apontarmos
um dos desdobramentos do desenvolvimento da
burocracia nas sociedades modernas ocidentais, qual seja:
o desenvolvimento da democracia em seu formato elitista.
Na terceira seção, discutimos algumas tensões existentes
entre o modelo burocrático weberiano e o elitismo
democrático. Por fim, na quarta seção, destacamos a
necessidade de se pensar a Administração Pública em
sintonia com a ideia de democracia e de burocracia, bem
como evidenciamos um aparente descompasso entre as
abordagens contemporâneas de gestão e o atual debate
democrático.
Para a construção do presente artigo, foi realizada
uma revisão bibliográfica das discussões sobre Política e
Administração Pública presentes em variadas áreas do
conhecimento.
... o processo de
racionalização de Weber
reproduz-se nas sociedades
ocidentais por meio do tipo
ideal de burocracia. Esse se
constituiu de uma ampliação
progressiva dos hábitos e
costumes provenientes (...)
pelas mais variadas esferas
da vida social.
UMA LEITURA SOBRE A BUROCRACIA WEBERIANA
E A DEMOCRACIA ELITISTA
Conforme Barbosa e Quintaneiro (2002), o processo
de racionalização presente no pensamento de Max Weber
reproduz-se nas sociedades ocidentais por meio do tipo
ideal de burocracia. Esse processo se constituiu de uma
ampliação progressiva dos hábitos e costumes
provenientes da ética protestante pelas mais variadas
esferas da vida social. Em síntese, a vida metódica e
disciplinada do tipo ideal protestante engendrou um tipo
ideal de sociedade racional, instrumental e desprendida de
crenças, ilusões e metafísicas. Trata-se de um fenômeno de
ampliação gradual do saber técnico-científico nas mais
variadas esferas de sociabilidade. (WEBER, 1982; HELD,
1987; BARBOSA; QUINTANEIRO, 2002).
Catherine Colliot-Thélène (1995) chamou o processo
de racionalização das sociedades ocidentais presente na
sociologia weberiana de intelectualização e o descreveu
como:
Um mundo intelectualizado é um mundo no qual
reina a convicção de que tudo o que é e o que advém
neste mundo está regido pelas leis que a ciência pode
conhecer e a técnica científica dominar; em que não
há nada, em outras palavras, que não seja previsível. É
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
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Uma interpretação sobre os limites e as
possibilidades da burocracia weberiana e do
elitismo democrático: tensões entre Administração
Pública e Política
(30)
um mundo sem magia, sem dúvida, pois exclui toda
intervenção do suprassensível na ordem das coisas
naturais e humanas; [...] (COLLIOT-THÉLÈNE, 1995, p.
90).
Isto posto, a partir da perspectiva weberiana, o
conceito de burocracia pode ser entendido como uma
estrutura de dominação racional-legal fundamentada em
um conjunto de regras e princípios gerais, impessoais e
abstratos, distribuídos de maneira estável e previsível, além
de dotados de legitimidade. Esse conjunto de
características estaria presente em organizações
modernas públicas e privadas (BARBOSA; QUINTANEIRO,
2002; WEBER, 1982).
Norberto Bobbio sintetizou burocracia como uma
estrutura cujos elementos essenciais são legitimidade e
aparato administrativo. A legitimidade seria o conjunto de
crenças que o poder instituído produz sobre si mesmo
para, assim, obter aceitação por parte da coletividade. Já
aparato administrativo seria a forma como esse poder
instituído é executado, ou seja, para o caso da burocracia,
por meio de regras impessoais e praticáveis por
profissionais com expertise.
Max Weber (1982) discutiu como principais elementos
da burocracia os seguintes: i) é uma estrutura com leis ou
normas administrativas que regem jurisdições fixas; ii) essa
estrutura, em sua forma mais acabada, possui hierarquia
organizada monocraticamente com uma forte relação de
mando e subordinação; iii) a administração é baseada em
documentos escritos; iv) os funcionários recebem e/ou
possuem treinamento especializado para o exercício de
suas funções; v) as atividades de um cargo qualquer
seguem a normas gerais, estáveis e exaustivas executáveis
por qualquer funcionário qualificado; e vi) o funcionário
possui um tempo de permanência no trabalho
rigorosamente delimitado, sendo que durante esse
período deve desenvolver plenamente as atribuições de
seu cargo.
Ainda conforme Weber, a burocracia, para atingir seu
formato mais completo, não prescindiu do
desenvolvimento de uma economia monetária em
detrimento de uma economia natural; e da expansão
qualitativa e quantitativa das tarefas administrativas, com
destaque para a expansão do fenômeno burocrático no
Estado Moderno e nos partidos políticos. O
desenvolvimento de uma economia monetária relaciona-
se com a necessidade de fazer das burocracias uma
estrutura permanente que, portanto, precisa de uma fonte
de renda fixa. Já a expansão quantitativa e, principalmente,
qualitativa, possui relação com crescente complexidade da
dinâmica social consequente do advento da modernidade
(WEBER, 1982; BOBBIO, 1998).
Norberto Bobbio (1998) esclarece que, em relação às
demais estruturas de dominação presentes no
pensamento de Max Weber, quais sejam: dominação
racional legal, dominação carismática e dominação
baseada na tradição; a primeira, consubstanciada na
burocracia, é a mais eficiente do ponto de vista
administrativo.
Max Weber explica que essa supremacia da burocracia
ocorre devido ao fato de essa ser tecnicamente superior a
qualquer outra forma de organização. Em termos
comparativos, o sociólogo alemão destaca que uma
estrutura burocrática plenamente desenvolvida é tão mais
eficiente que qualquer outra forma de administração,
assim como as máquinas são superiores a quaisquer
outras formas de produção não mecânicas. A burocracia,
nas palavras de Weber, é uma estrutura dotada de:
“precisão, velocidade, conhecimento de arquivos,
continuidade, discrição, unidade, subordinação rigorosa,
redução do atrito e dos custos de material e pessoal...”
(WEBER, 1982, p. 249).
Nessa medida, a imagem de uma organização
burocrática assemelha-se a uma máquina, ou seja, é uma
estrutura eficiente, confiável, previsível e com resultados
calculáveis. Max Weber avançou ainda mais e destacou
que a burocracia tende a “desumanizar” progressivamente
os negócios, uma vez que elimina as paixões, os amores,
os ódios, os personalismos, as irracionalidades e as
emoções existentes nas diversas relações humanas
presentes nas organizações (WEBER, 1982; HELD, 1987).
Para Gareth Morgan (1996), a progressiva centralidade
das máquinas no mundo industrial fez com que essas
deixassem de ser somente uma estrutura física e se
tornassem uma metáfora, isto é, um dispositivo mental.
Assim, a eficiência das máquinas passou a ser desejada
também nos indivíduos. A previsibilidade do cálculo
passou a ser pré-requisito de conduta dos homens. A
metáfora da burocracia como máquina coroou, desse
modo, a transformação dos homens e das coisas em
objetos de eficiência e de previsibilidade (MORGAN, 1996;
HELD, 1987; WEBER, 1982).
Max Weber (1982) destaca que o fenômeno da
burocratização é uma das consequências do
desenvolvimento da democracia de massa. Conforme o
autor, a burocracia comunga com elementos do ideal
democrático, na medida em que é uma consequência do
nivelamento das diferenças sociais e econômicas. Weber
destaca que a burocracia possui “horror ao privilégio”,
além de rejeitar o “tratamento de casos individualmente”.
Em síntese, a burocracia seria uma negação das vantagens
e dos reveses presentes tanto na lógica da dominação
carismática quanto na lógica de dominação baseada na
tradição.
David Held (1987), por seu turno, aponta que Weber
não abordou a temática da democracia de maneira direta.
Conforme o autor, o sociólogo alemão possuía uma
concepção de vida política na qual a noção de liberdade
individual estaria permanentemente ameaçada pela
dinâmica das grandes organizações, tais como empresas,
partidos políticos, sindicatos ou estados nacionais.
Em outras palavras, Max Weber preocupava-se com o
crescimento ilimitado da estrutura de poder do aparato
burocrático e suas consequências para as liberdades
individuais. Isso leva muitos autores a chamá-lo de “liberal
desesperado”, pois o sociólogo alemão temia que os ideais
de uma cultura política liberal, a saber, o direito à
individualidade e à liberdade de escolha, não
sobrevivessem plenamente em uma época de
organizações cada vez maiores e mais burocráticas (HELD,
1987).
De fato, a ideia de democracia em Weber (1982)
significa tão somente o “nivelamento dos governados”.
Conforme Norberto Bobbio (1998), esse nivelamento é
uma consequência da transformação do sistema
educacional nas sociedades modernas, que tende
progressivamente a substituir o ideal de “homem culto”,
indivíduo típico da administração de notáveis, pelo
“experto”, indivíduo típico da administração de sociedades
de massa.
Avançando mais na discussão, a democracia na visão
weberiana pode ser vista como uma espécie de
“mecanismo institucional para podar os mais fracos e
colocar no poder aqueles que se mostram mais
competentes na luta competitiva por votos” (HELD, 1987,
p. 146). Nessa medida, o funcionamento da democracia
no pensamento de Weber aproxima-se do funcionamento
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Uma interpretação sobre os limites e as
possibilidades da burocracia weberiana e do
elitismo democrático: tensões entre Administração
Pública e Política
(32)
de mercado. Tal arranjo é chamado por Held de
“democracia competitiva elitista”.
De acordo com Held (1987, p. 141), Max Weber
enxergava o Parlamento como o lócus da atividade
política, pois: i) assegura a expressão de ideias e interesses
diversos e, assim, garante certo grau de abertura no
governo; ii) a atividade parlamentar de discussão e debate
funciona como um mecanismo de seleção de líderes
políticos; e iii) o Parlamento é um espaço para negociações
e barganhas.
Contudo, Weber não alimentava grandes esperanças
sobre a instituição do Parlamento à sua época, pois esse
fórum já não era mais o espaço do exercício da razão
política de homens distintos e esclarecidos, tal como foi
percebido no século XIX. De fato, o Parlamento era visto
pelo sociólogo alemão como uma instituição sob
constantes ameaças das associações e partidos políticos
de massa que surgiram a partir do século XX (HELD, 1987).
Para Weber, os partidos de massa funcionam tão
somente como uma forma de escolha de líderes políticos.
Assim, o pensador alemão diferencia o eleitorado entre
ativo e passivo. Nesse sentido, as massas (eleitores
passivos), devido a sua “emotividade”, seriam incapazes de
participar efetivamente da vida política, isto é, seriam
eleitores tão somente capazes de escolherem suas
lideranças. Dessa forma, a democracia é vista como um
campo de seleção e desenvolvimento de líderes (eleitores
ativos) que ocorreria por meio da competição política.
Nesse aspecto, mercado e democracia assemelham-se na
leitura de Weber (HELD, 1987).
Aproximando as ideias de burocracia e democracia no
pensamento de Max Weber, pode-se dizer que a
democracia competitiva elitista pressupõe um sistema
representativo monopolista, isto é, composto apenas por
um Parlamento – instância exclusiva de deliberação
legítima no sistema político (HELD, 1987; AVRITZER, 2007).
As deliberações produzidas pelo Parlamento, por sua vez,
são materializadas por meio de uma burocracia
responsável pela implementação das decisões políticas
estabelecidas por políticos profissionais (WILSON, 1954).
Democracia e burocracia, em síntese, estariam em uma
relação de complementaridade e aquela seria uma
consequência dessa. Todavia, dentro dessa acomodação
existem impasses e tensões, conforme evidenciado na
sequência.
ALGUMAS TENSÕES ENTRE A BUROCRACIA
WEBERIANA E A DEMOCRACIA ELITISTA
Norberto Bobbio (1998) formula que o aspecto
democrático do pensamento de Max Weber traz consigo
dois conflitos potenciais: o primeiro diz respeito ao
intrincado equacionamento entre o ideal de justiça
formal/igualdade e o ideal de justiça substancial/equidade,
enquanto o segundo se refere à complexa relação entre as
lideranças políticas e o aparelho administrativo. Além disso,
David Held (1987) aponta um terceiro conflito, a saber: a
restrição dos espaços efetivos de participação das massas
na vida político-partidária. Em outras palavras, o pensador
italiano e o cientista político britânico apontam para a
existência de limites e possibilidades das relações entre
burocracia e democracia. É justamente essa tensão que
nos interessa doravante.
O primeiro conflito pode ser entendido a partir de uma
análise de como ocorre a relação entre o aparato
burocrático estatal e os cidadãos. A burocracia, tal qual
concebida por Weber (1982), traz em si um avanço
democrático quando institui critérios claros, gerais e
impessoais de justiça formal no acesso ao domínio regido
pela legitimidade racional-legal. Ao lançar-se contra todos
os tipos de privilégios existentes em um sistema
patrimonialista, negando tratamento particular aos
indivíduos e obrigando-os a desvestirem-se de todas as
características que não as empregadas diretamente na
realização de seu trabalho, o aparato burocrático cega-se
para quaisquer preconceitos ou julgamentos morais,
éticos e valorativos e impõe um tratamento isonômico
para todos. Em outras palavras, aos olhos da burocracia,
os indivíduos só se diferenciam pelo grau de domínio e
precisão empregados no exercício da função que lhes
cabe. Não há julgamento em espécie alguma, senão o
julgamento por merecimento (BOBBIO, 1998).
Entretanto, o muro erigido pela burocracia para
estabelecer uma separação contundente entre o mundo
da vida pessoal dos funcionários e o aparato
administrativo está amparado apenas por critérios formais
de igualdade, não contemplando critérios materiais de
equidade entre os indivíduos. Segundo Norberto Bobbio
(1998, p. 126), a burocracia, “por motivos materiais e
ideais, está ligada aos standards da justiça formal”. O autor
afirma ainda que “a igualdade de todos perante a lei
implica na irrelevância de critérios substanciais de
equidade” (BOBBIO, 1998, p. 126).
Assim, o tratamento indiferenciado a indivíduos
diferentes, pois oriundos de uma estrutura social
heterogênea, pode levar ao estabelecimento de privilégios
aos mais preparados. Dessa forma, aqueles que por
qualquer motivo não detêm capacidade de competição
por mérito com os demais são privados de oportunidades
reais de acesso ao Estado e o aparato administrativo
burocrático. Bobbio (1998, p. 126) exemplifica essa
situação afirmando que “a seleção dos funcionários
mediante critérios objetivos pode fazer surgir uma casta
privilegiada em bases meritocráticas”.
Em suma, ao considerar apenas critérios de justiça
formal, a burocracia ao mesmo tempo em que estabelece
um avanço democrático no tratamento igualitário dos
indivíduos, limita tal avanço impedindo que as diferenças
sejam tratadas diferentemente. Em outras palavras, não
obstante seja legalmente permitido o acesso ao aparato
administrativo do Estado, nem todos obterão, de fato, tal
acesso.
Avançando mais, a tensão entre democracia e
burocracia ultrapassa o relacionamento direto entre o
corpo técnico-burocrático e os cidadãos. Há ainda a
questão do controle de informações e de expertise pelo
corpo administrativo na burocracia e o funcionamento da
estrutura político-partidária. Isso nos leva aos outros dois
conflitos existentes entre burocracia e democracia.
O segundo conflito reside na dificuldade de direção do
aparato administrativo pelo corpo político. Norberto
Bobbio (1998) aponta esse conflito como a necessidade
de o líder político eleito controlar a atuação do corpo
burocrático, “em cujas mãos está o exercício diário da
autoridade” (BOBBIO, 1998, p. 127). De acordo com Max
Weber:
Devemos recordar expressamente, a esta altura,
que o conceito político de democracia, deduzido dos
‘direitos iguais’ dos governados, inclui os postulados
seguintes: [...] 2) minimização da autoridade do
funcionalismo no interesse da expansão da esfera de
influência da ‘opinião pública’ na medida do possível.
[...] Com isso, a democracia inevitavelmente entra em
conflito com as tendências burocráticas que, pela sua
luta contra o governo dos notáveis, ela produziu
(WEBER, 1982, p. 262).
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Uma interpretação sobre os limites e as
possibilidades da burocracia weberiana e do
elitismo democrático: tensões entre Administração
Pública e Política
Dessa forma, Weber afirma que a democracia deve
lutar para minimizar o crescimento da burocracia
enquanto um grupo fechado de interesses próprios.
Segundo o autor, a posição de poder de um aparato
burocrático é sempre predominante, uma vez que os
funcionários expertos dispõem e apropriam-se do
conhecimento necessário à execução dos fins da
organização, ao passo que o dirigente ou “senhor político”
encontra-se na posição de um “diletante” (WEBER, 1982).
Esse conflito pode ser percebido, em termos mais
atuais, na relação agent x principal existente entre políticos
e burocratas, conforme explica Adam Przeworski:
[...] os objetivos dos burocratas não têm
necessariamente de ser idênticos aos dos cidadãos ou
dos políticos eleitos que os representam. Os
burocratas podem querer maximizar a autonomia que
têm, ou a garantia de emprego de que gozam, ou
prestar favores clientelistas a amigos e aliados, ou ser
dispensados do ‘ponto’, ou aumentar o orçamento de
que podem dispor ou, simplesmente, enriquecer – à
custa dos cidadãos. Mais uma vez aqui, eles dispõem
de informação especial quanto aos benefícios e aos
custos de suas ações, e podem praticar atos que não
são vistos diretamente e apenas podem ser inferidos
dos resultados ou monitorados como itens de custo
(PRZEWORSKI, 2006, p. 53).
(34)
Para o autor polonês, a delegação de funções do
corpo político, cuja autoridade para regular
coercitivamente a vida da sociedade deriva das eleições, é
inevitável. Tais funções são, portanto, executadas
diariamente pelo corpo burocrático que, por sua vez, não
foi democraticamente eleito. O autor alerta, destarte, para
a possibilidade de os burocratas não seguirem
estritamente as ordens de seus superiores políticos –
devido às assimetrias informacionais causadas pela relação
agent x principal – e à consequente dificuldade de
estabelecer controles e critérios avaliativos sobre ações do
aparato administrativo. Nesse sentido, configura-se um
problema de perda de representatividade ou ainda de
representação não autorizada, já que os burocratas não
foram eleitos e podem vir a tomar, ilegitimamente, decisões
de natureza política (PRZEWORSKI, 2006).
Finalmente, tem-se o terceiro conflito entre burocracia
e democracia – apontado por Held (1987) – que afirma
haver, na organização partidária centralizada sob a lógica
burocrática, uma restrição de espaços efetivos de
participação das massas. Segundo Weber (1982), dentro
de um sistema político eleitoral partidário competitivo, os
partidos políticos se comportam como uma “empresa de
interesses”. Explica o próprio autor:
Quer isso dizer que um número relativamente
restrito de homens interessados pela vida política e
desejosos de participar do poder aliciam seguidores,
apresentam-se como candidatos ou apresentam a
candidatura de protegidos seus, reúnem os meios
financeiros necessários e se põem à caça de sufrágios
(WEBER, 1982, p. 84).
Também nesse ponto o sociólogo alemão, que para
David Held é um entusiasta da democracia representativa,
aponta um avanço de cunho democrático trazido pelo
sistema de dominação racional-legal. Isso porque, ao
competirem por sufrágios para garantir a própria
sobrevivência política, os partidos foram forçados a evoluir
de uma estrutura enxuta e composta apenas por pessoas
notáveis – e, portanto, de pouca representatividade –
para uma estrutura apoiada em uma ampla base de
funcionários e militantes hierarquicamente organizada.
Isso significa também que os partidos políticos tiveram de
adotar uma administração burocrática de modo a garantir
eficiência na busca dos interesses da população. Os
partidos tornaram-se, portanto, “plebiscitários”, conforme
os classificou Max Weber (WEBER, 1982; HELD, 1987).
Com efeito, Weber (1982, p. 260) afirma que “a
burocracia acompanha inevitavelmente a moderna
democracia de massa em contraste com o governo
autônomo democrático das pequenas unidades
homogêneas”. O tema é retomado no ensaio Política
como vocação (2006), no qual escreve o autor:
Esse novo estado de coisas é filho da democracia,
do sufrágio universal, da necessidade de recrutar e
organizar as massas, da evolução dos partidos no
sentido de uma unificação cada vez mais rígida no
topo e no sentido de uma disciplina cada vez mais
severa nos diversos escalões (WEBER, 2006, p. 88).
Nesse cenário, ganha expressão a figura dos políticos
de carreira e, principalmente, da liderança no interior do
... a organização burocrática
dos partidos pode ser vista
como consequência da
competição por sufrágios que
garantem a sobrevivência
dessas instituições no
cenário político e, ao mesmo
tempo, um reflexo do avanço
democrático, à medida que
inclui as massas na vida
política eleitoral.
partido. Os primeiros são os chamados “permanentes”, isto
é, aqueles responsáveis por dar continuidade aos
trabalhos no interior das organizações partidárias, ao
passo que o segundo é a pessoa que aglutina todos os
interesses que se pretendem representados, atribuindo
um caráter de força e união às manifestações de opinião
de um partido. O líder pode mesmo fazer frente aos
parlamentares eleitos e possui condições de impor sua
vontade, uma vez que domina a “máquina” partidária, ou
seja, detém o apoio das bases do partido (WEBER, 1982;
HELD, 1987).
Essa estrutura político-partidária baseada em uma
clara “divisão dos cidadãos com direito a voto em
politicamente ativos e politicamente passivos” (WEBER,
2006, p. 84) implica necessariamente em uma situação em
que o eleitorado possui poucas oportunidades
significativas de participação nas decisões que guiam o
aparato institucional do Estado. Tal situação é ainda
potencializada pela atuação e influência das lideranças
partidárias, que podem reduzir os parlamentares a
“homens disciplinados que dizem sim” (WEBER apud HELD,
1987, p.143), causando uma “perda de espiritualidade”
dos partidos (WEBER, 2006, p. 103). Essa perda traduz-se
no estabelecimento de um critério quantitativo baseado
no número de votos que o partido pode obter na
definição de qualquer posicionamento partidário, em
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Gestão Governamental
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Uma interpretação sobre os limites e as
possibilidades da burocracia weberiana e do
elitismo democrático: tensões entre Administração
Pública e Política
detrimento de um programa elaborado e definido a partir
de princípios políticos e ideológicos (WEBER, 1982; HELD,
1987).
Assim, a organização burocrática dos partidos pode
ser vista como uma consequência da competição por
sufrágios que garantem a sobrevivência dessas instituições
no cenário político e, ao mesmo tempo, um reflexo do
avanço democrático, à medida que inclui as massas na
vida política eleitoral. Todavia, os partidos políticos, ao
expandirem e se tornarem “plebiscitários”, limitariam os
espaços efetivos de participação da população, pois a essa
ficaria atribuído um caráter político passivo, isto é, restrito
apenas à escolha de lideranças por meio do voto.
SUGERINDO UM PONTO DE VISTA: TENSÕES ENTRE
DEMOCRACIA/PARTICIPAÇÃO E BUROCRACIA/
GESTÃO
Democracia e burocracia podem ser vistas em uma
relação de dicotomia, no sentido de que a primeira seria o
mecanismo de tomada de decisões e a segunda a
ferramenta de implementação das decisões tomadas
(WILSON, 1995; FALCÃO, 2006). O presente trabalho, de
outra perspectiva, tentou evidenciar que essas duas
esferas estão em um processo de interação e
interdependência contínuo – o que produz alguns tipos
de tensões entre elas. Para tanto, o esforço interpretativo
hora empreendido foi no sentido de discutir o processo
de burocratização presente nas sociedades modernas
concomitantemente ao modelo elitista de democracia.
O que se tentou discutir, assim, é que o modelo elitista
de democracia é um avanço consequente do fenômeno
da burocratização das sociedades modernas (WEBER,
1982), mas esse processo traz consigo limites e tensões
(BOBBIO, 1998; HELD, 1987). Isto posto, parece razoável
dizer que a gênese do fenômeno burocrático e seu
ímpeto de democratização produziram durante seu
desenvolvimento uma miríade de possibilidades capazes
de tencionar a própria dinâmica da burocracia weberiana
e do elitismo democrático.
De fato, existem na literatura críticas tanto ao modelo
burocrático de administração, quanto ao modelo de
democracia elitista. Como alternativa à burocracia
weberiana, tem-se, por exemplo, os experimentos da Nova
Gestão Pública. Já como alternativa ao elitismo
(36)
democrático, tem-se abordagens participacionistas e
deliberativas.
Sobre a Nova Gestão Pública, como um modelo
alternativo de organização da Administração Pública,
ABRÚCIO (1996) destaca três etapas nas experiências de
reformas gerenciais implementadas ao redor do mundo,
quais sejam: i) o gerencialismo puro, ii) o consumerism, e
iii) o public service orientation (PSO). A primeira tendência
constitui-se basicamente no enxugamento das atividades
econômicas estatais a partir da redução dos custos e
aumento da produtividade do setor público. A segunda,
por sua vez, procurou mensurar a satisfação dos
usuários de serviços públicos à luz do paradigma do
cliente e das experiências de quase mercado. A terceira
tendência, por fim, esforçou-se por dar um conteúdo
político à Administração Pública ao discutir conceitos
como república e democracia à luz do paradigma da
cidadania.
Não obstante os esforços do gerencialismo e do
consumerism na busca por eficiência e eficácia na
Administração Pública, esses dois modelos não
aprofundaram a discussão em torno do debate
democrático. Até mesmo o PSO, proposta que procura
pensar a Administração Pública informada por uma
discussão política mais ampla, figura antes como uma
tendência em fase de amadurecimento do que como uma
experiência prática consolidada (ABRÚCIO, 1996). Dessa
forma, a nova gestão pública ainda “não se moveu para a
dimensão sociopolítica da gestão, pois partilha de
esquematismos gerencialistas, que dificulta o tratamento
da interação dos aspectos técnicos e políticos (DE PAULA,
2005, p. 101).
Já como alternativa ao elitismo democrático, tem-se
uma série de discussões iniciadas ainda na década de 60
do século passado, no sentido de superar as limitações
inerentes à democracia representativa. Como estudos
críticos à democracia em seu formato elitista, seria possível
citar os trabalhos de Avritzer (2002); Macpherson (1978); e
Castoriadis (2004).
Contudo, em alguma medida, essas análises são
lacunares no que se refere à transformação das relações
entre Estado e sociedade e o consequente desafio de
equilibrar a dinâmica dos movimentos sociais com o
funcionamento das instituições (DE PAULA, 2005). Além
disso, as discussões no campo da teoria democrática
informadas pelo participacionismo e pelo deliberacionismo
representam experiências locais e fragmentadas, no
sentido de que não informam um projeto global de
reforma do Estado (DE PAULA, 2005).
Dado esse aparente descompasso entre a Nova
Gestão Pública e o debate democrático contemporâneo,
parece razoável aventar a hipótese de que ainda
permanece uma forte separação entre política e
administração nos estudos sobre a Administração Pública,
não obstante alguns esforços de articulação entre essas
duas esferas. Tentamos discutir a necessidade de se
pensar a administração e a política de maneira relacionada
a partir da temática da burocracia e da democracia elitista.
Para além dessa possibilidade interpretativa, supomos que
seja possível continuar esse tipo de leitura que agregue
tanto aspectos políticos quanto aspectos administrativos
nas experiências da Nova Gestão Pública e do
participacionismo e do deliberacionismo.
Eis uma possível frente de trabalho para o futuro.
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WOODROW, W. O Estudo da Administração. Cadernos de Administração Pública. n. 16. Rio de Janeiro: FGV, 1954.
Nota
* O presente trabalho foi Vencedor do Prêmio Lice do Encontro Nacional de Estudantes de Administração
Bruno Dias Magalhães, Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro (EG-FJP),
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estados de Minas Gerais (EG-FJP) e Direito (UFMG).
Contato: [email protected]
Emanuel Camilo de Oliveira Marra, Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João
Pinheiro (EG-FJP), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estados de Minas Gerais (EG-FJP) e
graduado em História (UFMG).
Contato: [email protected]
Página 41
Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental
Relações federativas e
intersetorialidade na provisão
de educação infantil na etapa
creche
Por Gildete Dutra Emerick
O texto analisa a provisão da educação infantil na etapa creche pelos municípios, entes federados
responsáveis por essa etapa da educação básica. A legislação brasileira – a Constituição Federal, o
Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – assinala uma
compreensão extremamente moderna de educação infantil, organizada a partir do direito da criança
e da importância do desenvolvimento das habilidades cognitivas e de socialização na fase que vai até
os seis anos de idade. O financiamento às creches, no entanto, encontra muitos desafios para cumprir
tal orientação, dos quais cabem mencionar: a baixa capacidade de financiamento por parte da maioria
dos municípios e o legado das ações e programas de atendimento à criança na primeira infância. As
relações federativas constituem o eixo que estrutura a discussão, tendo em vista que, na ausência de
fontes de financiamento complementares à educação, provenientes de outras políticas setoriais, a
expansão da oferta dessa etapa da educação enfrenta problemas decorrentes da baixa capacidade de
financiamento dos municípios e tem nos aportes da União a possibilidade da expansão do atendimento
e da oferta com qualidade de educação para crianças com até três anos de idade.
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
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Relações federativas e intersetorialidade na
provisão de educação infantil na etapa creche
(42)
INTRODUÇÃO
O atendimento escolar de crianças com até três anos
de idade denominado creche constitui, com a pré-escola,
a educação infantil, primeira etapa da educação básica. A
consideração da creche como parte do atendimento
educacional formal encontra-se definida na Constituição
Federal (art. 208, IV) e na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB – Lei nº 9.394/96 arts. 29 e 30). No
contexto de atuação dos fundos de financiamento da
educação pública no Brasil, Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (Fundef) e Fundeb, é a educação infantilcreche a etapa da educação básica que apresenta o maior
e mais contínuo crescimento da matrícula. Ainda assim, é a
etapa de menor cobertura, quando considerado o
percentual da população em idade correspondente
atendida (15,3%).
A educação infantil-creche tem usufruído de crescente
reconhecimento de educadores, movimentos organizados
e gestores da educação, uma vez que remete tanto à
eficiência quando à equidade dos sistemas de ensino. No
que diz respeito à eficiência da educação escolarizada,
compreende-se que a educação infantil atua em favor do
desenvolvimento das habilidades cognitivas e de
socialização das crianças em uma fase de enorme
potencialidade de aprendizagem, com grande proveito
para as fases seguintes de escolarização. Pelo lado da
equidade, pode-se dizer que as deficiências e mesmo
insuficiência de atendimento na educação infantil atingem
a população de maneira muito diferenciada e põem em
relevo as persistentes barreiras educacionais com base na
distribuição regional, raça/etnia, localização do domicílio
(rural/urbano) e condição social dos alunos.
Em que pese a grande aceitação de sua importância e
legitimidade, é a etapa da educação básica que tem
apresentado os maiores desafios do ponto de vista de sua
provisão pelos sistemas públicos de ensino. Essas
dificuldades decorrem tanto de fatores comuns às demais
etapas da educação básica, como o financiamento e as
implicações decorrentes do ordenamento federativo e das
desigualdades entre as regiões brasileiras, quanto de
aspectos que dizem respeito estritamente à educação
infantil creche. Em virtude de seu histórico, essa etapa
articula de maneira completamente peculiar questões
como atenção à criança e assistência social, relação entre
a rede pública de ensino e os estabelecimentos privados e
relações de gênero com o mundo do trabalho.
Este estudo destina-se a compreender as
possibilidades de expansão da oferta de educação infantilcreche por parte dos municípios. Em primeiro lugar, são
apresentados os principais pontos do debate sobre
descentralização de políticas sociais e, nesse contexto, das
políticas educacionais, com as correspondentes
responsabilidades dos entes federados na provisão de
educação básica.
Em seguida, são apresentados os dados de evolução
da matrícula em creches durante a vigência do Fundef e
os anos iniciais do Fundeb. Embora tenha havido
significativa expansão, a educação infantil-creche enfrenta
problemas de expansão e ainda mais de qualidade na sua
oferta, decorrente da baixa capacidade de arrecadação da
maioria dos municípios e do histórico de sua oferta, muito
relacionado à atuação de entidades filantrópicas e
comunitárias. Essas questões são tratadas a partir do
debate realizado no Congresso Nacional por ocasião da
tramitação da Proposta de Emenda Constitucional que
deu origem ao Fundeb (PEC nº 536-A/97).
Embora as entidades de representação de estados
(Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed) e
de municípios (União dos Dirigentes Municipais – Undime)
tenham sido incorporadas em definições referentes à
atuação do Fundeb, expressão de melhor coordenação nas
relações federativas para políticas educacionais de alcance
nacional, ainda atuam em quadros muito estreitos definidos
previamente na lei que regulamenta o Fundo. Tendo em
vista essas questões, conclui-se que a expansão da oferta
de educação infantil-creche está a depender de maiores
aportes da União ao Fundeb, bem como da alteração dos
fatores de ponderação entre as etapas que constituem a
educação básica.
A DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO
BRASIL
A descentralização das políticas sociais no Brasil está
estritamente associada ao processo de democratização
ocorrido a partir da década de 1980. Conforme analisa
Abrucio (2002), o regime autoritário orientou-se pela
diretriz de maior centralização do poder político e das
decisões econômicas e administrativas na esfera do
governo federal. Em um modelo federativo assim
Em que pese a grande
aceitação de sua importância
e legitimidade, é a etapa da
educação básica que tem
apresentado os maiores
desafios do ponto de vista de
sua provisão pelos sistemas
públicos de ensino.
organizado, a dependência de estados e municípios em
relação à União desempenhou importante papel político
nas relações do governo central com governadores e
prefeitos.
Como era mais ou menos de se esperar, as
experiências de descentralização não ocorreram de
maneira uniforme para todas as políticas setoriais. Em
algumas áreas foi atingido um grau elevado de
descentralização, tendo sido a transferência de
competências e responsabilidades efetivamente assumidas
pelos entes subnacionais. Em outras, no entanto,
permaneceu grande margem de indefinição, que impediu
tanto a assunção de responsabilidades no âmbito local
quanto a ação concertada por parte dos entes de
diferentes níveis para a provisão do bem ou serviço em
questão.
Tampouco as experiências de descentralização se
fizeram de forma mais homogênea para as diferentes
regiões do País. Alguns estados e municípios, sobretudo
aqueles dotados de maior capacidade financeira e
administrativa, puderam se valer mais facilmente das
prerrogativas de autonomia e assumir a responsabilidade
pela provisão de serviços públicos. Importa ainda assinalar
que permanecem sem definição as normas para
cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e
os municípios, tendo em vista o equilíbrio do
Revista de Políticas Públicas e
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Relações federativas e intersetorialidade na
provisão de educação infantil na etapa creche
(44)
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, a
serem definidas por legislação complementar, conforme o
art. 23 da Constituição Federal. Quais seriam, portanto, os
fatores responsáveis pelas variações nas experiências de
descentralização?
Como determinantes da descentralização Arretche
(2000) assinala fatores de natureza institucional no
processo de transferência de atribuições, quais sejam, o
legado das políticas prévias, as regras constitucionais que
normatizam a oferta de bens e serviços e a engenharia
operacional inerente à sua prestação.
Tendo havido significativa descentralização das
políticas sociais, em particular as que contam com
recursos vinculados como saúde e educação, os estudos
mais recentes sobre o tema têm conferido atenção aos
processos e mecanismos de coordenação federativa, em
certa medida devido a lacunas e sobreposições
assinaladas na atuação dos entes federados. De acordo
com Abrucio (2005), o ordenamento federativo ressalta o
caráter de parceria estabelecida e regulada por um pacto
que articula o reconhecimento da integridade dos entes e
a busca de unidade entre estes, ou seja, as dimensões de
autonomia e interdependência.
Dentre os graves problemas que têm sido atribuídos à
falta de coordenação intergovernamental, assinalam-se a
ausência de clareza sobre a responsabilização na provisão
de determinado bem ou serviço público (SANO, 2008). No
que diz respeito às possibilidades de cooperação entre os
entes federados, esta tem sido feita de maneira
diferenciada para os diferentes objetivos, conforme
assinala Arretche (2004). Para atingir a universalização do
ensino fundamental e ampliação do atendimento dos
demais níveis e etapas da educação básica, propósitos
afirmados na Constituição, na Lei de Diretrizes e Bases e
no Plano Nacional de Educação, a União valeu-se de
mecanismo constitucional (as Emendas Constitucionais nº
14/96 e nº 53/2006).
A própria trajetória da implementação das políticas,
entretanto, tem propiciado, senão o surgimento, ao
menos o fortalecimento de instâncias de articulação e
mesmo coordenação de ações do poder público com
vistas à provisão de bens e serviços, não raro em virtude
das dificuldades de interlocução com a União. São
mecanismos de coordenação horizontal, uma vez que são
constituídos para articular ações entre entes que são da
mesma natureza, que podem ou não fazer parte da
estrutura formal de tomada de decisão de uma política
setorial (SANO, 2008).
A educação conta com pelo menos duas organizações
desta natureza, quais sejam, o Consed e a Undime. Ambas
as entidades surgiram, por caminhos próprios, no ano de
1986. Entre os objetivos do Consed, está relacionado o de
participar na formulação, implementação e avaliação das
políticas nacionais de educação, coordenar e articular as
ações das secretarias estaduais de educação, promover
intercâmbios de experiências e informações educacionais
entre os estados.
De forma semelhante, a Undime relaciona em seu
estatuto, entre outras finalidades, representar os interesses
da educação municipal entre as autoridades constituídas,
atuar como órgão de articulação e coordenação das
ações comuns das secretarias municipais de educação,
além de organizar e promover a troca de informações e de
experiências e realizar atividades de formação e
capacitação de dirigentes municipais de educação.
A DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS
O termo descentralização de políticas sociais é
utilizado de forma geral como “processo de transferência
de autoridade ou poder decisório no financiamento e
gestão do nível nacional para níveis subnacionais” (COSTA;
SILVA; RIBEIRO, 1999, p. 32).
Pelas definições dadas pela Constituição Federal, cabe
aos estados atuar na oferta de ensino fundamental e
médio, aos municípios, na oferta de educação infantil e
ensino fundamental. Estados e municípios compartilham,
portanto, a tarefa de oferecer o ensino fundamental. A
União, por sua vez, nunca chegou a atuar de maneira
significativa na oferta direta de educação básica, sendo
sua atuação nesta etapa da escolarização restrita às
atividades de caráter normativo e auxílio suplementar –
técnico e financeiro – aos estados e municípios, por meio
de diversos programas e ações.
Como os estados não podem transferir aos municípios
as matrículas do ensino médio, etapa que lhe cabe
oferecer com prioridade, a descentralização das políticas
de educação equivalem na prática, conforme lembra
Arretche (2000), à municipalização da oferta do ensino
fundamental, com a transferência das matrículas das redes
estaduais para as redes municipais de ensino.
Com efeito, pelos dados do Censo Escolar 2009, a
conformação atual da matrícula em educação básica por
dependência administrativa indica que estados e
municípios respondem por, respectivamente, 38% e 47,7%
do atendimento. Esta conformação é bem distinta da que
se podia verificar há pouco mais de uma década. Em
1997, os estados respondiam por 51,6% do total da
matrícula, enquanto os municípios ofereciam 34,7%, o que
indica a quase perfeita inversão da atuação desses entes
federados na provisão da educação formal. As redes
privadas mantêm sem alteração significativa a sua
participação na oferta de educação básica, em torno de
13%, assim como a União, que atende atualmente cerca
de 0,3% do total da matrícula na educação básica.
Embora não tenha sido o único fator responsável, o
Fundef favoreceu o processo de transferência de
matrículas do ensino fundamental das redes estaduais
para as municipais. No contexto do Fundef, a transferência
de recursos de cada um dos fundos constituídos no
âmbito dos estados e do DF far-se-ia de maneira
automática com base na matrícula no ensino
fundamental, forma de operacionalização mantida no
Fundeb. Dessa forma, a elevação da matrícula de ensino
fundamental nas suas respectivas redes podia interessar
tanto aos estados quanto aos municípios. A situação
concreta em grande parte dos estados, no entanto,
demonstrou que estes tinham interesse em transferir suas
matrículas (assim como estabelecimentos e funções
docentes) para os municípios, em virtude do peso de suas
redes, do crescimento dos seus déficits fiscais e pelas
crescentes dificuldades de rolagem de suas dívidas a partir
de 1991 (ARRETCHE, 2000).
Ademais, a própria dinâmica do Fundef, que ampliou o
atendimento no ensino fundamental, bem como o
número de concluintes desta etapa, elevou a pressão pela
oferta de ensino médio, etapa que cabe aos estados
oferecer com prioridade.
Matrícula em creches: a evolução recente da
oferta
Pode-se dizer que a formação de fundos é a mudança
mais significativa no cenário do financiamento educacional
desde a Constituição Federal. Muito embora tenham sido
feitas previsões muito pessimistas sobre o impacto da
atuação do Fundef no atendimento das demais etapas
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Relações federativas e intersetorialidade na
provisão de educação infantil na etapa creche
(COSTA, 2004), estas não se confirmaram, uma vez que
tanto a educação infantil quanto o ensino médio
ampliaram sua cobertura durante a vigência deste fundo.
Em 1997, ano imediatamente após a aprovação do
Fundef, três quartos da matrícula da educação básica
encontrava-se no ensino fundamental. Esta participação
cai para cerca de dois terços havendo, em contrapartida,
o aumento na participação das etapas de educação
infantil e ensino médio. A variação percentual na matrícula
para as diferentes etapas da educação básica encontra-se
na Tabela 1.
Na verdade, uma expansão significativa da matrícula
em educação básica nos próximos anos só poderá ocorrer
pela ampliação no atendimento nas etapas de menor
cobertura, que são a educação infantil e o ensino médio. O
ensino fundamental apresenta atendimento superior à
faixa de idade a que se destina em virtude de distorções
entre a idade do aluno e a série cursada. Assim, a matrícula
nesta etapa tende a decrescer com a melhora do fluxo
escolar, o que já vem ocorrendo de maneira contínua nos
últimos anos.
Com relação ao ensino médio e à educação infantil, há,
em primeiro lugar, a diferença entre as taxas de cobertura
atual dessas duas etapas, o ensino médio com taxa de
atendimento bruta1 superior a quatro quintos anda na
faixa de idade (Tabela 2), embora se saiba que essa etapa
atende a grande demanda de alunos fora da faixa, em
decorrência da repetência no ensino fundamental. Por
outro lado, o ingresso no ensino médio depende de
alunos concluintes do ensino fundamental, ao passo que,
para a educação infantil, basta a existência da criança na
idade que lhe cabe atender.
Tabela 1 – Variação percentual no número de matrículas da educação básica, por localização
e etapa de ensino – Brasil (1997 a 2009)
Creche
Pré-escola
Anos iniciais
Anos finais
Ensino médio
(46)
444,9
13,4
-15,9
5,5
30,2
Fonte: Elaboração a partir da Sinopse Estatística da Educação Básica – INEP/MEC.
Assim, a creche é a etapa da educação básica que mais
oferece possibilidades de ampliação, se considerado a
parcela da população a ser atendida, conforme os dados
de cobertura das diferentes etapas que se encontram na
Tabela 2.
A expansão da educação infantil na etapa creche
encontra desafios enormes a serem enfrentados nos
próximos anos. Essas dificuldades decorrem da sua
trajetória diferenciada em relação às demais etapas da
educação escolarizada – que se expressa, sobretudo, pelo
histórico de atendimento feito pela assistência social e pela
sua relação com a legislação do trabalho.
De acordo com esta compreensão, as instituições
transformam-se em resposta às mudanças de contexto e
ambiente da dinâmica política, mas o fazem sob restrições
de suas trajetórias passadas (THELEN, 1999). No estudo do
processo de descentralização das políticas sociais no
Brasil, Arretche (2000, p. 3 – grifo do original) considera
que
O legado de políticas prévias diz respeito ao fato de
que processos de reforma de programas sociais são
influenciados pela herança institucional de programas
anteriores. A importância desta variável deriva da
noção de que a história é path dependent – isto é, o
que vem antes mesmo que seja acidental, condiciona
o que vem depois.
Há ainda, por outro lado, as questões relacionadas à
capacidade de financiamento dos municípios, entes aos
quais cabe oferecer a educação infantil.
Estas questões foram discutidas na sua complexidade
durante a tramitação da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que deu origem ao Fundeb2. No que
diz respeito à educação infantil, o Fundeb, assim como a
Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB),
evidencia um grande esforço de alguns segmentos em
conferir tratamento unificado às etapas de creche e préescola e conformar a unidade da educação infantil voltada
para atendimento integrado de crianças até os cinco anos
de idade3.
As propostas de emenda à Constituição, responsáveis
pela criação do Fundef e do Fundeb, originaram-se do
Poder Executivo4. Conforme tem sido verificado pelos
estudiosos da interação entre os poderes no Brasil, as
propostas legislativas e de alteração constitucional com
esta procedência caracterizam-se por ter caráter geral, ser
de natureza distributiva e estarem voltadas para a área
social (AMORIM NETO; SANTOS, 2003).
Em que pese a conhecida preeminência do poder
Executivo na relação entre os poderes, as matérias
enviadas ao Congresso sofrem alterações por iniciativa dos
parlamentares em grande parte das vezes, em virtude da
própria representação de vários segmentos e de diferentes
perspectivas a respeito do mesmo assunto.
No caso do Fundeb, o dissenso expresso entre as
propostas apresentadas pelo governo e as proposições
Tabela 2 – Taxa de atendimento na educação básica por etapa – Brasil - 2009
Creche
Pré-escola
Anos iniciais EF
Anos finais EF
Ensino médio
Idade
correspondente
à etapa
Matrícula
(A)
População em
idade
correspondente (B)
Taxa de
atendimento
bruto (A/B)
0-3
4e5
6 a 10
11 a 14
15 a 17
1.896.363
4.831.052
17.295.618
14.409.910
8.337.160
12.419.241
6.602.267
16.916.293
13.200.320
9.979.064
15,3
73,2
102,2
109,2
83,5
Fonte: Elaborada a partir de: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Estimativas elaboradas no âmbito do Projeto
UNFPA/IBGE (BRA/4/P31A). Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popuf.def> (dados
populacionais) e Sinopse Estatística da Educação Básica – INEP/MEC (matrícula).
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Relações federativas e intersetorialidade na
provisão de educação infantil na etapa creche
(48)
dos parlamentares pode ser identificado em questões de
ordem federativa, antes que em divergências partidárias e
orientações programático-ideológicas. A própria divisão
entre governo e oposição assumiu características próprias,
uma vez que muitos dos mais aguerridos parlamentares
do partido do governo tiveram problemas para advogar a
proposta do Executivo, em virtude da ausência das
creches na proposta original.
A criação de fundos com parcela dos recursos
transferidos para estados e municípios – Fundef e, depois,
do Fundeb – fez-se por alterações no art. 212 e no art. 60
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias5.
Embora as Propostas de Emenda à Constituição (PECs)
com tal finalidade, a PEC nº 233-A/95 (que deu origem à
Emenda Constitucional nº 14/1996) e a PEC nº 536-A/97
(que resultou na Emenda Constitucional nº 53/2007)
tenham sido enviadas ao Congresso pelo poder Executivo,
houve no caso do Fundeb iniciativas semelhantes por
parte de alguns parlamentares.
Em ambas as circunstâncias, intensificou-se o debate
em torno das despesas contempladas pelos fundos e as
implicações da sua dinâmica para estados, municípios e
União. Mais do que o que estava contemplado, no
entanto, as ausências e omissões foram os principais
pontos do debate.
No entendimento expresso na Constituição Federal, o
atendimento às etapas de creche e pré-escola deve se
fazer em atenção à faixa de idade das crianças, sem
qualquer menção a possíveis critérios de priorização
como, por exemplo, a condição de carência das famílias.
Embora um direito da criança, a educação infantil não
assume caráter obrigatório, como acontece com o ensino
fundamental, porque a família pode optar por outras
formas de socialização e aprendizagem para seus filhos
pequenos que não o que ocorre no ambiente da
educação formal.
Na PEC do Fundeb (PEC nº 536/97), a inserção da
educação infantil na etapa creche, com o piso salarial do
magistério e a responsabilidade da União em relação à
educação básica constituíram as principais questões do
debate parlamentar. A discussão da creche nas audiências
públicas do Fundeb foi intensa, complexas a acaloradas.
A proposta do governo adiava a assunção de
responsabilidade em relação aos dois aspectos acima
indicados e buscava resguardar-se de medidas muito
impactantes nos aportes que caberia à União realizar para
o Fundo.
Na apresentação do ministro da Educação à Comissão
Especial6, a inserção das creches do Fundeb ocorreria
após um período de transição de quatro anos, quando se
consideraria a entrada no fundo dos impostos municipais.
Esta situação causou surpresa aos parlamentares e aos
movimentos de defesa dos direitos da criança, sobretudo
porque a PEC foi apresentada tardiamente ao Congresso
justamente com a alegação de que resultara de longo
processo de negociação entre as entidades
representantes de estados e municípios.
Pelas justificativas da União, a ausência das creches no
projeto devia-se ao desacordo de estados e municípios a
esse respeito. Estados e municípios, no entanto, por meio
de suas entidades representativas no que concerne à
educação – Consed e Undime – defenderam a inclusão
das creches a partir de um novo patamar de
responsabilização financeira da União com a educação
básica. Da parte dos parlamentares da Comissão Especial,
porém, a inclusão das creches à proposta foi definida
desde o início dos trabalhos.
UM FUNDO, DOIS FUNDOS, TRÊS FUNDOS: O
FINANCIAMENTO DAS CRECHES
Em virtude das dificuldades apresentadas para a
inclusão das creches, tanto pela consideração da
responsabilidade diferenciada de estados e municípios
com relação às três etapas da educação básica, quanto
pela busca de maior aporte da União, surgiram propostas
de formação de três fundos, ou de um fundo com
subfundos. Isso porque o Fundef constituía-se de parcela
de recursos de estados e municípios em favor de
matrículas de uma etapa pela qual ambos estão
responsáveis.
O Fundeb realiza a destinação de recursos para um
fundo e a distribuição em relação ao número de
matrículas faz-se também para etapas pelas quais há a
separação de responsabilidades – os estados responsáveis
pelo ensino médio e pelo ensino fundamental, e os
municípios, pela oferta de ensino fundamental e educação
infantil.
Assim, a proposta da deputada Raquel Teixeira (PSDB/
GO) para o Fundeb lidar com essas diferenças e favorecer
a aceitação de estados e municípios postulava que haveria
Embora tecnicamente bem
fundamentada, a proposta de
três fundos não encontrou
apoio entre a maioria das
entidades e dos
parlamentares, sob alegação
de que uma arquitetura de tal
complexidade traria
fragmentação e
descontinuidade entre as
etapas de ensino.
um fundo para a educação infantil com recursos dos
municípios e complementação da União, quando fosse o
caso. De forma semelhante, constituir-se-ia um fundo para
o ensino médio com recursos dos estados, e possível
complementação da União. O ensino fundamental
permaneceria financiado com recursos de estados e
municípios, mais a complementação da União. Seriam,
portanto, três fundos.
Opinião semelhante foi apresentada pelo ex-ministro
da Educação Paulo Renato de Souza para quem a
formação de um fundo único para financiamento de
etapas pelas quais estados e municípios não compartilham
a responsabilidade da provisão equivaleria a “misturar”
recursos e responsabilidades entre três níveis de governo,
duas esferas administrativas e três etapas de ensino7. Esta
foi também a proposição defendida pela Confederação
Nacional de Municípios (CNM), que compreende essa
discussão à luz da capacidade financeira dos municípios e
que considerava que o custo aluno na creche impedia a
formação de um fundo único para a educação básica.
Embora tecnicamente bem fundamentada, a proposta
de três fundos não encontrou apoio entre a maioria das
entidades e dos parlamentares, sob alegação de que uma
arquitetura de tal complexidade traria fragmentação e
descontinuidade entre as etapas de ensino. O Consed,
mesmo temeroso das consequências que o avanço rápido
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Relações federativas e intersetorialidade na
provisão de educação infantil na etapa creche
(50)
nas matrículas da educação infantil poderia trazer para as
redes estaduais (uma vez que as creches, além da maior
demanda possuem custo mais elevado, o que faria com
que os recursos migrassem ainda mais para as redes
municipais), postulou que três fundos adiariam por demais
a aprovação da Emenda.
Na verdade, os estados já se encontravam em situação
muito desfavorecida no Fundef em relação ao aporte e à
retirada de recursos, o que comprometia inclusive sua
capacidade de atender à demanda do ensino médio,
muito elevada em decorrência da atuação desse fundo8.
Além do Consed, Undime, Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE), a grande maioria dos
deputados foi favorável a um único Fundo, o que veio a
prevalecer.
Como forma de lidar com o fluxo de recursos entre as
redes e entre as etapas, foi assinalada a necessidade de
“mecanismos de travas”, de forma a impedir que um ente
viesse a receber recursos pela oferta de matrícula em
etapa na qual não lhe cabe atuar com prioridade e, mais
importante, a diferenciação do custo aluno por etapa e
modalidade de ensino, proposições que vieram a ser
incorporadas à Emenda Constitucional (art. 60 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, II e IV).
Outro ponto de grande desacordo na proposta do
governo para o Fundeb era a utilização de recursos
provenientes de impostos municipais. Isso porque apenas
as grandes cidades, sobretudo capitais localizadas nas
regiões mais desenvolvidas, possuem uma arrecadação
significativa dos impostos que cabe ao município instituir e
arrecadar, como o Imposto Predial e Territorial Urbano
(IPTU) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
(ISS). No entanto, a demanda por creches independe da
situação financeira do município, embora se encontre mais
organizada nos municípios maiores, onde há maior
conhecimento do direito de acesso a essa etapa de
ensino.
A situação diferenciada dos municípios brasileiros, em
termos de porte e capacidade de arrecadação, tem sido
uma questão recorrente no debate sobre a
descentralização das políticas sociais, sobretudo quando
há vinculação de percentuais para aplicação como ocorre
com a educação. Isso porque os percentuais incidem
sobre uma variação muito grande de recursos disponíveis,
o que interfere diretamente na qualidade do serviço
oferecido à população. Nas palavras do presidente da
CNM,
os senhores sabem que dos 36,5% de carga
tributária no País, os municípios têm autonomia,
arrecadam 4,3%. No final, ficamos com 14,5%, mas a
nossa autonomia é de 4,3%. A média mundial é 17%. E
se hoje desdobrarmos os 4,3%, vamos ver que quatro
cidades do Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte e Curitiba, arrecadam mais de 40%. E se
pegarmos as cem maiores cidades do Brasil, elas
arrecadam 98% da arrecadação própria. Dois por
cento são 5,5 mil municípios que arrecadam9.
Com a aprovação da Lei do Fundeb, Lei nº 11.494/
2007, um representante de cada uma das entidades –
Consed e Undime – passam a constituir, juntamente com
um representante do Ministério da Educação, a Comissão
Intergovernamental de Financiamento para a Educação
Básica de Qualidade (art. 12). Entre as atribuições dessa
Comissão, está a tarefa de especificar, ano a ano, as
ponderações aplicáveis entre diferentes etapas,
modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da
educação básica, bem como fixar a parcela da
complementação da União a ser distribuída para os
Fundos por meio de programas direcionados para a
melhoria da qualidade da educação básica e seus
respectivos critérios de distribuição.
No entanto, essa possibilidade de atuação está restrita
a parâmetros muito estreitos definidos pela própria lei que
regulamenta o Fundeb, quando trata da distribuição
proporcional tendo em vista as diferentes etapas,
modalidades e características dos estabelecimentos. As
ponderações adotam como referência o fator 1 (um) para
os anos iniciais do ensino fundamental urbano, que pode
ser multiplicado no máximo por 1,3 e no mínimo por 0,7.
Quer dizer, as creches podem contar no máximo com 30%
a mais no valor aluno do que a matrícula de ensino
fundamental nos anos iniciais do ensino fundamental
urbano. Como esses parâmetros foram definidos em lei, só
podem ser alterados por ação do Poder Legislativo10.
Assim, embora tenha havido uma maior consideração
à participação de estados e municípios nas definições do
Fundeb, se comparado ao Fundef, a União tem meios de
precaver-se de excessivos aportes ao Fundo, tanto em
relação aos estreitos parâmetros de ponderação do custo
aluno definidos na Lei, quanto pelo montante do aporte,
definido na própria Emenda Constitucional que deu
origem ao Fundo – EC nº 53/2006, em valores para os
três primeiros anos do Fundeb e em 10% do aporte de
estados e municípios a partir do seu quarto ano de
vigência.
Compreende-se, assim, a centralidade do aporte da
União para incorporação das creches ao Fundeb. Mas, há
ainda outra questão. Nos debates da inserção das creches
no Fundeb houve grande expectativa em relação a
recursos provenientes de outras fontes que não apenas
os da educação, conforme se segue.
ASSISTÊNCIA SOCIAL À CRIANÇA E AMPARO À MÃE
TRABALHADORA: FONTES ADICIONAIS DE
RECURSOS?
Se colocarmos absoluta responsabilidade para a
Educação, em vez de resolver, poderemos criar um
problema, porque a creche hoje é compartilhada com
recursos sem vinculação contábil, da assistência social
e da saúde. Como é que podemos introduzir isso
numa PEC com as ressalvas da assistência social e da
saúde – roupinha para o bebê, fralda, leite especial,
atenção para crianças de 4, 5, 6 meses, que precisam
de um acompanhamento de enfermagem, médicohospitalar, medicação e alimentação especial? Vai ficar
tudo para nossa ilustre secretária municipal da
Educação? Deputado Colombo (PT/PR).11
O histórico da educação infantil no Brasil relaciona de
maneira estreita a assistência social à criança pequena, o
atendimento à mãe trabalhadora e, mais recentemente, à
educação formal. Essa articulação é perpassada pela
relação muito peculiar entre os segmentos público e
privado, neste último compreendidas as entidades
filantrópicas e confessionais. Nessa relação cabe assinalar
dois aspectos importantes, quais sejam, as orientações de
políticas sociais dos organismos internacionais para países
em desenvolvimento e a necessidade de cuidados para
crianças de famílias cujas mães trabalham fora de casa.
De acordo com Rosemberg (2002), a atuação de
organismos internacionais – Banco Mundial e Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), por meio de seus
programas de combate à pobreza – foi fundamental para
conformar o modelo de atendimento “a baixo custo” para
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Relações federativas e intersetorialidade na
provisão de educação infantil na etapa creche
(52)
crianças, que se expandiu por todo o País. Os programas
valiam-se, sobretudo, de mão de obra “disponível na
comunidade”, espaços, materiais e equipamentos
improvisados e reutilizados12.
Associada ao atendimento à pobreza, originou-se,
assim, uma rede de estabelecimentos – de abrigo, guarda
e, eventualmente, ensino – e de recursos humanos
voltados para o trabalho com crianças pequenas. A
manutenção financeira apoiava-se em recursos
provenientes de entidades filantrópicas combinados com
recursos públicos repassados por meio da assistência
social (ou da saúde ou mesmo da educação).
São muitas as consequências de uma conformação
como esta para a construção de uma política de
educação infantil como a que hoje a legislação
educacional preconiza. Em primeiro lugar, essas estratégias
retardaram o processo de construção nacional de um
modelo de educação infantil democrático, de qualidade e
centrado na criança, conforme assinala Rosemberg (2002).
Em seguida, essa compreensão relaciona o
atendimento à necessidade de cuidado e atenção durante
a ausência dos pais (da mãe, sobretudo) no lar durante a
jornada de trabalho. Assim, apresenta-se antes como uma
necessidade da família que como um direito da criança. A
formação da rede de estabelecimentos relacionada à
assistência social, por sua vez, permanece como uma difícil
questão na condução das políticas educacionais nos
municípios.
O financiamento das creches com recursos da
assistência social passou a ocorrer em 1995, data da
extinção da Legião Brasileira de Assistência (LBA), entidade
que se responsabilizava por esta ação desde 1977. A
transferência das creches da área da assistência social
para a educação, em adequação ao que a Lei de Diretrizes
e Bases postula como educação infantil, recebeu grande
atenção do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) a partir de 2003, ao tempo em
que este órgão buscava estruturar o sistema unificado de
assistência social, em grande medida semelhante ao
Sistema Único de Saúde (SUS).
Ao integrar a educação básica, havia em muitos
segmentos a expectativa de que os recursos da assistência
social destinados às creches passassem automaticamente
para a educação, auxiliando dessa forma a expansão da
educação infantil. Compreende-se essa disposição de
“pactuação interinstitucional” no contexto de discussão
da PEC do Fundeb no Congresso, diante dos sérios
impasses apresentados para o financiamento das creches.
Nada mais distante da compreensão dos dirigentes do
MDS. Embora estivessem há muito engajados na
transferência das creches para a área da educação, não se
cogitava de forma alguma a transferência dos recursos
então destinados às creches. Os recursos, que eram
transferidos às creches por meio das instituições
comunitárias e filantrópicas, permaneceriam para financiar
as outras ações que o Ministério desenvolve no âmbito da
proteção social básica e especial que atendem – inclusive,
mas não apenas – a população na primeira infância, cujas
necessidades de assistência vão além da educação infantil.
De acordo com representante do MDS na Comissão
Especial de análise da PEC 536/97, a rede de entidades
conveniadas é formada por mais de 16 mil
estabelecimentos que atendem a cerca de 1,6 milhão de
crianças em creches. A situação desses estabelecimentos é
muito variada, uma parte dos quais (65%) aparece no
Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Embora não
se tenha o devido conhecimento das instituições nem do
atendimento que fazem, foi amplamente manifesta a
preocupação do MDS e de muitas entidades em se manter
a ajuda do poder público pelo menos por um período de
transição para não haver prejuízo à população atendida13.
Porém, a dinâmica do financiamento na educação
obedece outros princípios que não os da assistência
social. Embora a Constituição (art. 213) permita a
destinação de recursos públicos para escolas
comunitárias, confessionais e filantrópicas, os fundos
(Fundef e Fundeb) foram concebidos para repassar
recursos com base no número de alunos matriculados na
rede pública. Para a manutenção das creches
comunitárias e filantrópicas, foi considerado um período
de transição com repasse até que o poder público tenha
condições de atender toda a demanda sem as “redes
conveniadas”14.
Na busca de financiamento para as creches no
Fundeb, foi aventada também a participação de recursos
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Desafortunadamente, não houve participação de
representantes deste órgão nas discussões na Comissão
Especial. Ainda assim, a relação entre as creches e o
mundo do trabalho merece ser analisada com atenção.
Muito embora seja
acentuado o caráter de
formação escolar e o direito
da criança a essa etapa de
ensino, não há a
possibilidade de se discutir o
atendimento de crianças
pequenas em creche sem
considerar as relações de
trabalho dos pais.
Muito embora seja acentuado o caráter de formação
escolar e o direito da criança a essa etapa de ensino, não
há a possibilidade de se discutir o atendimento de crianças
pequenas em creche sem considerar as relações de
trabalho dos pais. Da constatação de que a tarefa de
cuidado das crianças pequenas tem sido executada quase
exclusivamente pelas mulheres decorre a compreensão de
que os equipamentos públicos de atenção à criança são
condição para que as mulheres trabalhem em melhores
condições, mas também tenham acesso a atividades
culturais, à participação política, à formação educacional,
etc. Essa compreensão é bem exemplificada pela fala
proferida pela representante da Marcha Mundial das
Mulheres:
Nesse arranjo que trata a educação das crianças
pequenas como um problema das famílias, as mais
prejudicadas, depois das crianças, são as mulheres. (...)
Onde os senhores e as senhoras pensam que ficam os
filhos dos mais de 6 milhões de empregadas
domésticas, trabalhadoras informais, lavadoras de
roupa, passadeiras, etc.? Quando elas saem de casa em
busca do sustento para a família, as crianças ficam em
casa15.
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Relações federativas e intersetorialidade na
provisão de educação infantil na etapa creche
(54)
Na verdade, a primeira menção à provisão de creches
na legislação brasileira aparece justamente relacionada ao
trabalho das mulheres, na Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT)16 que obrigava as empresas com mais de
30 mulheres com mais de 16 anos a ter um local
adequado onde fosse permitido às empregadas guardar,
sob vigilância e assistência, os filhos no período da
amamentação. Essa exigência poderia ser suprida por meio
de creches distritais mantidas – diretamente ou por
convênio com outras entidades públicas ou privadas –
pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a
cargo do Serviço Social do Comércio (SESC), do Serviço
Social da Indústria (SESI), da LBA ou de entidades sindicais.
Em 1986 o Ministério do Trabalho publica a Portaria nº
3.296 que autoriza as empresas e empregadoras a adotar
o sistema de reembolso creche em substituição à
exigência do art. 389 da CLT. A concessão do auxíliocreche, por sua vez, estende-se a toda empregada-mãe,
independe, portanto, do número de mulheres empregadas
no estabelecimento. De acordo com o art. 1º, I, o
reembolso destina-se a cobrir integralmente as despesas
efetuadas com o pagamento da creche de livre escolha da
empregada-mãe – ou outra modalidade de serviço dessa
natureza – pelo menos até os seis meses de idade da
criança, dentro das condições, prazos e valores
estipulados em convenção coletiva.
Embora importantes, essas determinações possuem
restrições sérias para as mães trabalhadoras. Em primeiro
lugar, o período da infância coberto resguarda apenas os
primeiros meses de vida (o período da amamentação).
Segundo, o reembolso para os casos em que a empresa
não oferecer diretamente o benefício (a grande maioria) é
estabelecido em convenção coletiva, o que favorece as
categorias melhor inseridas no mercado de trabalho e que
conseguem negociar salários e condições mais favoráveis
para exercer suas atividades.
Não é de estranhar, portanto, que as creches
comunitárias e filantrópicas conveniadas com a assistência
social tenham atendido, sobretudo, as crianças de regiões
mais pobres e das periferias das grandes cidades, de onde
saem grande parte das empregadas domésticas e
mulheres que trabalham no mercado informal.
Sobre o atendimento a crianças maiores, o artigo 397
da CLT estabelece que entidades públicas destinadas à
assistência à infância (SESI, SESC, LBA e outras) deveriam
manter, ou subvencionar dentro de suas possibilidades
financeiras, escolas maternais e jardins de infância
distribuídos nas áreas de maior concentração de
trabalhadoras. Esse atendimento destinar-se-ia
especialmente aos filhos das mulheres empregadas.
A Constituição Federal estabelece, no art. 7º, XXV como
sendo direito dos trabalhadores – não apenas das
mulheres trabalhadoras – urbanos e rurais, a assistência
gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até
os seis anos de idade em creches e pré-escolas17. Não
sendo fortuita na legislação brasileira a relação entre
trabalho dos pais e atendimento escolar de crianças
pequenas, compreende-se a necessidade de se reiterar
que a creche, como etapa de escolaridade formal, é um
direito da criança e independe da condição de
trabalhador de um dos pais ou de ambos.
A impossibilidade de conduzir a questão do
financiamento das creches por meio de recursos
provenientes de outros setores ficou clara ao longo das
discussões, apesar de haverem sido aventadas fontes as
mais diversas: Contribuição Provisória sobre
Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e
Direitos de Natureza Financeira (CPMF), Fundo de
Erradicação e Combate à Pobreza, além dos mais
recorrentes, quais sejam, assistência social e trabalho
(Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT). Assim, o conflito
federativo perpassou toda a discussão, com estados e
municípios a exigirem um novo patamar de financiamento
da União para viabilizar a oferta de creches na rede
pública, sob a alegação de fragilidade financeira de ambos
para fazer frente aos aportes que o Fundeb iria exigir para
a realização dessa tarefa.
Sendo o aporte da União a única maneira de resolver o
impasse da entrada das creches no Fundeb, a atenção
concentrou-se em duas questões: o volume de recursos
necessários e aquele com o qual a União estava disposta a
comprometer-se e, estritamente relacionado a esta
questão, o custo de um aluno em creche. Embora não se
tivesse clareza sobre o custo de se manter um aluno na
creche porque vários valores, baseados em diferentes
cálculos, foram apresentados, ficou compreendido que
esse custo é muito superior mesmo ao de um aluno no
ensino médio sendo, portanto, o mais elevado custo aluno
de toda a educação básica.
Decorre justamente desse ponto o dissenso entre
estados e municípios, uma vez que os estados já
aportavam ao Fundo um montante de recursos muito
superior ao que dele retiravam após a distribuição dos
recursos por matrículas. Essa situação se agravaria
enormemente com a entrada das creches, pois os
municípios, além de atenderem a um maior número de
alunos em suas redes, também atenderiam aqueles cujos
custos são mais elevados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das dificuldades de acesso a recursos de outras
fontes, mesmo com o evidente caráter intersetorial das
creches, a questão de sua manutenção e expansão com
qualidade nas redes públicas dos municípios de todo o
País está a depender claramente de maiores aportes da
União para esta etapa, em virtude da baixa capacidade de
arrecadação da maior parte dos municípios.
Na consideração das metas de atendimento, o Plano
Nacional de Educação (PNE – Lei nº 10.172/2001)
estabeleceu a matrícula de 50% das crianças até três anos
para os dez anos de sua vigência. Em 2009, não se
chegava sequer a 16% desta população (Tabela 2).
Conclui-se desta forma que, em que pesem os inegáveis
avanços e a importância dos debates realizados por
movimentos sociais, parlamentares e Executivo, a creche é
a etapa da educação básica que necessita de mais
atenção do poder público para sua expansão.
É certo que a criação de fundos para a manutenção
da educação formal representa um inegável avanço para a
coordenação das ações entre os entes federados. No
entanto, no plano das relações verticais – entre União,
estados, Distrito Federal e municípios, verificam-se as
dificuldades de estados e municípios em obter da União
aportes condizentes com a função supletiva e distributiva
que lhe cabe exercer. Nesse sentido, a legislação do
Fundeb expressa a preeminência do poder Executivo
federal ao enviar e aprovar no Congresso leis em
conformidade com as suas próprias prioridades.
Situação semelhante ocorre com as transferências
voluntárias e não apenas nos fundos de transferência
automática. Na análise dos diversos programas de
assistência técnica e financeira que se efetivam por meio
de transferências voluntárias, Cruz (2009) considera que a
União não cumpre sua função supletiva e distributiva,
tendo em vista a predominância de critérios político
partidários na transferência de recursos a estados e
municípios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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THELEN, Kathleen. Historical institutionalism in comparative politics. Annu. Rev. Polit. Sci, 1999.
NOTAS
A taxa de atendimento bruta considera o total da matrícula em uma determinada etapa e não apenas os alunos
na faixa de idade correspondente. O atendimento de alunos apenas na faixa de idade correspondente a cada etapa
caracteriza a taxa de atendimento líquida.
2
A oferta e financiamento das creches, a definição do piso nacional do magistério e o papel da União no
financiamento da educação básica constituíram o eixo estruturador do debate da PEC que deu origem ao Fundeb.
3
Os textos na versão original da Constituição (art. 208, IV) e da LDB (art. 30, II) referiam-se ao atendimento até os
seis anos na educação infantil. Essa situação foi alterada pela EC nº 53/2006 que reduz o limite de atendimento da
educação infantil para cinco anos de idade, uma vez que a idade obrigatória compreendida para o ensino fundamental
passa a ser dos 6 aos 14 anos.
1
A PEC nº 415-2005, que foi enviada ao Congresso pelo governo para criação do Fundeb, foi apensada à PEC nº
536 de 1997 de autoria do deputado Valdemar Costa Neto, assim como o foram outras iniciativas de parlamentares
com o mesmo objetivo. Quando se trata da PEC que deu origem ao Fundeb, portanto, a referência é a PEC nº 536-A/
97.
5
A redação original do art. 60 determinava que metade dos percentuais de destinação obrigatória em educação
pelo poder público fosse direcionada para duas tarefas que em 1988 haviam sido consideradas prioritárias, a saber: a
universalização do ensino fundamental e a erradicação do analfabetismo. Na verdade, esse preceito do art. 60
encontrava-se bastante desacreditado, tendo sido desde sua criação desconsiderado pela União em seus gastos com
educação (18% da receita resultante de impostos), sob a alegação de que o gasto com a rede federal de instituições
de ensino, por si, já superava o percentual definido.
6
Audiência Pública nº 25/10/2005.
7
Audiência Pública nº 16/11/2005.
8
Conforme os dados apresentados pelo então ministro da Fazenda Antônio Palocci, os estados aportavam R$ 21
bilhões ao Fundef e retiravam deste Fundo R$ 14,8 bilhões, os municípios aportavam R$ 10,2 bilhões e tinham acesso a
R$ 17 bilhões (Audiência Pública nº 29/11/2005). Em resposta às necessidades dos estados para provisão do ensino
médio, a União definiu a destinação de R$ 400 milhões no âmbito do Programa de Equalização das Oportunidades de
Acesso à Educação Básica (Prodeb), até que fosse aprovado o Fundeb e o ensino médio passasse a contar também
com repasse de recursos. Essa forma de apoio recebeu a denominação de “Fundebinho“.
9
Audiência Pública nº 26/10/2005 (páginas 8 e 9).
10
O custo aluno/ano do Fundeb definido para 2011 foi de R$ 1.722,05, conforme Portaria Interministerial –
Ministério da Educação e Ministério da Fazenda nº 1459/2010. Assim, o atendimento em creche, para período integral,
terá como valor mínimo nacional o resultado da multiplicação de R$ 1.722,05 por 1,3 para um ano de atividade, ou seja,
R$ 2.238,66.
11
Audiência Pública nº 26/10/2005 (p. 16).
12
O Projeto Casulo foi uma das grandes iniciativas de atendimento à criança na etapa creche, criado em 1977 pela
Legião Brasileira de Assistência (LBA). Com a extinção desta entidade em 1995, os recursos passaram a ser geridos
pelo órgão do governo federal responsável pelas políticas sociais, atualmente, Ministério do Desenvolvimento Social e
combate à Fome (MDS).
13
De todas as entidades presentes às APs, apenas a CNTE manifestou-se contrária ao repasse de recursos para
manutenção das creches comunitárias e filantrópicas, em observância à orientação de que recursos públicos devem
ser destinados à rede pública de ensino.
14
Em 2009, o Ministério da Educação publicou documento que orienta as Secretarias Municipais de Educação
sobre convênios com entidades conveniadas para provisão de creches; ver Brasil, Ministério da Educação, (2009).
15
Audiência Pública nº 27/10/2005, p. 8.
16
Art. 389, §§ 1º e 2º, conforme a redação dada pelo Decreto-Lei nº 229/1967.
17
Com a Lei nº 11.274/2006, a idade para o atendimento em creches e pré-escolas vai até os cinco anos, uma vez
que com seis anos a criança deve ingressar no ensino fundamental, que passa a constituir-se de 9 anos de
escolaridade obrigatória.
4
Gildete Dutra Emerick é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Mestre e doutoranda em
Ciências Políticas pela Universidade de Brasília (UNB).
Página 59
Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental
Um modelo para avaliação da qualidade
e da equidade dos gastos públicos totais
com saúde das três esferas de governo
nas unidades da federação baseado na
decomposição de indicador sintético de
efetividade do gasto
Por Ruyter de Faria Martins Filho
Propõe-se um modelo para avaliar comparativamente a qualidade dos gastos públicos totais com
saúde nas unidades da Federação, baseado na decomposição em dois níveis de um indicador de
efetividade do gasto que sintetiza, com pesos iguais, os valores de dois indicadores: o insumo Despesa
Pública Total com Saúde por Habitante e o resultado Taxa de Mortalidade Infantil, presumidamente
representativo da qualidade de um sistema de saúde. Na decomposição de primeiro grau, cada valor
desse indicador sintético é desdobrado em duas componentes, na mesma proporção da observada
entre os valores dos indicadores primários normalizados. Na de segundo grau, cada uma daquelas
duas componentes é desdobrada em três subcomponentes: a de insumo, nas mesmas proporções
das despesas de cada esfera de governo; a de resultado, nas mesmas proporções dos valores das três
componentes em que costuma ser desdobrada a Mortalidade Infantil: Neonatal Precoce, Neonatal
Tardia e Pós-Neonatal. Obteve-se uma extensa gama de observações adicionais e mais bem
fundamentadas quanto à evolução da qualidade dos gastos públicos com saúde e à equidade na
aplicação dos recursos públicos federais.
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Um modelo para avaliação da qualidade e da
equidade dos gastos públicos totais com saúde
das três esferas de governo nas unidades da
federação baseado na decomposição de indicador
sintético de efetividade do gasto
(60)
INTRODUÇÃO
A instituição do Sistema de Informações sobre
Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) e a publicação, na
página do Departamento de Informática do SUS (Datasus),
do Ministério da Saúde (MS), na internet, de dados oficiais
sobre os valores das despesas públicas totais com saúde
de cada uma das três esferas de governo – federal,
estadual e municipal – em cada unidade da Federação
(UF) têm possibilitado um maior controle social sobre essas
despesas e a realização de análises mais precisas de sua
evolução e de seu impacto sobre indicadores de saúde no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nesse sentido, em um trabalho recentemente
publicado (MARTINS FILHO, 2010), foi proposto um
modelo descritivo – considerado pelo autor como “o mais
simples possível” – para acompanhar a evolução anual das
despesas públicas totais com saúde por habitante (DTS) –
indicador primário de insumo – nas UF e nos municípios e
avaliá-las comparativamente em termos da efetividade,
com base no impacto observado sobre os valores das
respectivas taxas de mortalidade infantil (TMI) – indicador
primário de resultado invariavelmente usado nas
avaliações da situação de saúde.
Naquelas avaliações preliminares o primeiro indicador
(DTS) poderia ser interpretado, da perspectiva dos
gestores do SUS, como a variável independente do
modelo e o segundo (TMI), como a variável dependente,
uma vez que os gestores têm a competência para agir
diretamente sobre a primeira – tanto quantitativamente,
aumentando-a, quanto qualitativamente, procurando
melhorar-lhe a efetividade –, a fim de operar impactos
cada vez mais salutares sobre a segunda. Esta, porém, tem
outros determinantes além de DTS, tais como os
importantes gastos com saneamento básico,
complementação da renda familiar e educação, os quais
estão sob a competência de outros setores de governo e
tendem a melhorar, em maior ou menor grau, os
indicadores de saúde das populações, especialmente de
países como o Brasil, ainda em desenvolvimento e
submetido a acentuadas desigualdades sociais.
Para a realização do acompanhamento da efetividade
dos gastos, Martins Filho propôs o uso de um terceiro
indicador, que sintetizasse os valores daqueles dois
indicadores primários DTS e TMI. Com esse indicador
sintético fez-se possível realizar avaliações comparativas
entre as UF em cada ano e da evolução de cada UF ao
longo do tempo.
Neste trabalho explora-se aquele modelo – mais
especificamente, a decomponibilidade do indicador
sintético nele sugerido –, de modo que seja possível
incorporar, sem qualquer prejuízo à extrema simplicidade
que caracteriza a ideia original, informações mais
desagregadas relativas, em cada UF, em cada ano do
período coberto no estudo, tanto às despesas sob a
responsabilidade de cada uma das três esferas de governo
quanto às taxas de mortalidade infantil neonatal precoce
(TMINeoPre), neonatal tardia (TMINeoTar) e pós-neonatal
(TMIPósNeo), componentes da TMI cujos valores podem
apontar mais especificamente determinados tipos de
carências estruturais dos sistemas de saúde.
Espera-se, assim, incrementar significativamente o
potencial de aplicação daquele modelo descritivo como
instrumento institucional de apoio ao acompanhamento,
análise e avaliação comparativa preliminar da efetividade
dos gastos públicos no âmbito do SUS e, também, da
equidade na aplicação dos recursos públicos federais com
saúde nas UF.
Saliente-se que o modelo proposto neste trabalho
poderá constituir também um importante instrumento de
controle social, pois as populações das UF e seus
representantes poderão contar com informações
objetivas e fundamentadas para, eventualmente, cobrar
dos gestores maior aporte de recursos ou aplicação mais
efetiva destes.
DO MODELO ORIGINAL
TMI como o indicador primário de resultado
Importa ressaltar inicialmente que, neste trabalho,
insistiu-se no uso de apenas a Taxa de Mortalidade Infantil
– conceituada como o “número de óbitos de menores de
um ano de idade, por mil nascidos vivos, na população
residente em determinado espaço geográfico, no ano
considerado” (RIPSA, 2011) – como indicador primário de
resultado, em função de suas características fundamentais,
que seriam mais adequadas do que as de qualquer outro.
Primeiramente, é bem reconhecida sua validade para
inferir o estado de saúde de uma população e a qualidade
do sistema de saúde a quem serve (WRANIK, não
publicado), o que, aliás, explica o aparato que o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Fundação
... incrementar o potencial de
aplicação daquele modelo
descritivo como instrumento
institucional de apoio ao
acompanhamento, análise e
avaliação comparativa
preliminar da efetividade dos
gastos públicos no âmbito do
SUS ...
Oswaldo Cruz (Fiocruz) lhe dedicam na coleta e no
tratamento estatístico dos dados, o qual confere a
confiabilidade relativamente superior.
Àqueles que salientam o fato de a TMI ser determinada
por diversas outras variáveis relevantes, Charlton et al.
dirigem o seguinte alerta:
[...] o fato de a mortalidade infantil refletir
simultaneamente o grau de desenvolvimento
socioeconômico e a qualidade do sistema de saúde
não exclui a responsabilidade do sistema; muito pelo
contrário, estabelece a exigência de que os serviços de
saúde sejam mais acessíveis e eficientes em locais onde
as condições socioeconômicas aumentam os riscos de
uma população já exposta (CHARLTON et al., 1983, p.
26).
É também inquestionável a sensibilidade da TMI à
magnitude e à qualidade dos gastos com saúde, o que
permite a realização de avaliações comparativas
elucidativas com periodicidade anual, conforme
demonstrado nos resultados do trabalho original que
serviu de base para este estudo. Tal nível de sensibilidade
não seria obtido com a Esperança de Vida ao Nascer, que
é o outro indicador também muito usado, juntamente
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Um modelo para avaliação da qualidade e da
equidade dos gastos públicos totais com saúde
das três esferas de governo nas unidades da
federação baseado na decomposição de indicador
sintético de efetividade do gasto
com a TMI, nos estudos analíticos sobre a evolução da
qualidade de vida das populações (IPEA, 2007).
Desconsiderou-se, igualmente, o uso, seja
concomitantemente com o indicador de resultado TMI,
seja alternativamente a este, de qualquer indicador
primário de processo, isto é, referente às ações ou à
prestação de serviços de saúde. Não obstante, este
modelo até se prestaria à realização de estudos quanto à
eficiência ou à eficácia dos gastos, bastando para tanto
substituir o indicador primário de resultado por um índice
que sintetizasse uma cesta de indicadores primários tanto
de recursos, tais como Número de Profissionais de Saúde
por Habitante, Número de Enfermeiros por Leito Hospitalar
e Número de Leitos Hospitalares (SUS) por Habitante,
quanto de cobertura, tais como Cobertura Vacinal,
Cobertura de Consultas de Pré-Natal, Número de
Consultas Médicas (SUS) por Habitante, Número de
Procedimentos Diagnósticos por Consulta Médica (SUS) e
Número de Internações Hospitalares (SUS) por Habitante.
Cesta de diversos indicadores como esses para se chegar
a um índice de resultado foi usada em trabalho recente
(BRUNET et al., 2007).
DTS como o indicador primário de insumo
(62)
Em relação às DTS, seria importante ressaltar o fato de
já existirem parâmetros claros, estipulados pelo Ministério
da Saúde com base na Portaria nº 2.047/2002/GM, e na
Resolução nº 322/2003, pelo Conselho Nacional de
Saúde (CNS) de comum acordo entre o MS, as UF e seus
respectivos Tribunais de Contas, sobre o que deve ser
considerado como despesas de ações e serviços de
saúde, de modo que valha um padrão comum para o
conjunto dos entes federados. Neles não se incluem os
gastos com, por exemplo, saneamento, merenda escolar
ou programas de alimentação, a despeito de eles serem
afetos a ações e serviços públicos que contribuem para
promover a qualidade de vida e de saúde da população
(CAMPELLI; CALVO, 2007). Consequentemente, os valores
do indicador sintético de efetividade do gasto nas UF
cujos gestores, de forma oportunista, deixarem de
observar aquela classificação a fim de conseguir
artificialmente enquadrá-las nos mínimos constitucionais
serão inevitavelmente contaminados com as parcelas
embutidas indevidamente nas respectivas DTS, as quais
entrarão na conta da menor efetividade de seus gastos.
O indicador sintético de efetividade do gasto
O indicador sintético original – isto é, antes da
decomposição – é resumidamente descrito abaixo.
Os valores de DTS e TMI de cada ente federativo em
cada ano do período de estudo formam um conjunto de
pontos coordenados (x = DTS, y = TMI) e seus valores
extremos delimitam uma envoltória retangular de vértices
(DTSmín, TMImín), (DTSmáx, TMImín), (DTSmáx,TMImáx), e
(DTSmín,TMImáx).
Para normalizar aqueles dois indicadores transforma-se
o retângulo em quadrado, multiplicando-se os valores de
TMI por FATOR = (DTSmáx - DTSmín)/(TMImáx - TMImín), de
modo que se obtenha TMI = FATOR*TMI.
Após essa normalização, a distância euclidiana de cada
ponto (DTS, TMI) à “origem” (DTSmín, TMImín), que indica o
quão longe se está da situação reputada como
relativamente “ideal” – isto é, o par coordenado com os
menores valores tanto de despesa quanto de mortalidade
infantil –, constituiria a métrica para valorar o indicador
sintético de efetividade.
Dividindo-se aquela distância pela diagonal do
quadrado dada por DIAG = (DTSmáx – DTSmín)*21/2, obtémse, finalmente, o Indicador de Distância Normalizado (IND
DIST NORM) dado por IND = (((DTS – DTSmin)2 + (TMI –
TMImin)2)1/2)/DIAG, cujos valores variam entre 0 e 1.
Deve-se ressaltar a característica mais importante que
se pretende atribuir ao IND DIST NORM: a de ser um
indicador relativo – semelhante, por exemplo, à dimensão
Esperança de Vida ao Nascer do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) (PNUD, 2011) –, em que
as balizas são exatamente os extremos da envoltória –
quadrada, após a normalização – acima descrita.
A evolução dos valores de DTS e TMI de cada UF ao
longo do período sob análise pode ser representada em
gráfico de dispersão XY em que os pares (DTS, TMI) de cada
UF são conectados ano após ano ao longo do período. Isto
já permite considerável acesso visual a informações tanto
analíticas quanto avaliativas, baseadas na distância de cada
par ao ponto de referência (DTSmín, TMImín).
Já a evolução dos valores do IND DIST NORM pode ser
representada em gráficos de barras, agrupadas
sequencialmente por UF ao longo dos anos do período.
Para facilitar a realização das avaliações comparativas, os
27 grupos de barras com os valores do indicador em cada
UF são ordenados decrescentemente pelo valor no último
ano do período, de forma que, quanto mais à direita do
gráfico estiver a UF, maior tenderá a ser, em uma avaliação
preliminar, a efetividade relativa de seus gastos.
É de se observar, porém, que ao mesmo tempo em
que o segundo gráfico apresenta a precisa mensuração da
distância ao ponto ideal de referência e facilita a avaliação
comparativa das UF, perde-se nele a informação de
proporção dos valores dos indicadores primários
disponíveis no primeiro gráfico. Isto é, a proposta original,
baseada no uso do IND DIST NORM não decomposto,
auxilia, por um lado, mas, pelo outro, embute perda de
informação, tornando necessário recorrer, durante as
avaliações, ao gráfico de dispersão XY para se poder
estimar a contribuição individual de cada um dos
indicadores primários para os valores do indicador
sintético de efetividade.
MODELO COM O INDICADOR SINTÉTICO
DECOMPOSTO
Decomposição de primeiro grau
Felizmente, a perda de informação descrita acima é
reversível mediante a decomposição dos valores do IND
DIST NORM – doravante denominado IND – em duas
componentes: uma relativa a DTS, doravante denominada
INDDTS, e a outra a TMI, denominada INDTMI. Esta seria a
decomposição de primeiro grau.
Uma das possibilidades naturais de determinar os
valores das componentes de IND seria com base ainda no
gráfico de dispersão XY – bidimensional, portanto –,
projetando-se ortogonalmente os catetos x = DTS e y =
TMI sobre a hipotenusa, o que resultaria, ao fim de uma
série de operações trigonométricas triviais, em: INDDTS =
DTS2/(IND*DIAG2) e INDTMI = TMI2/(IND*DIAG2).
A outra possibilidade seria com base no próprio IND –
unidimensional, portanto –, sem a necessidade de retorno
ao gráfico bidimensional. Bastaria subdividir IND
proporcionalmente aos valores normalizados de DTS e
TMI, isto é: INDDTS = IND*(DTS - DTSmín)/((DTS - DTSmín) + (TMI
- TMImín)) e INDTMI = IND*(TMI – TMImín)/(( DTS - DTSmín) + (TMI
- TMImín)).
Apesar do atrativo da elegante primeira forma – à
primeira vista perfeitamente compatível com a métrica
euclidiana usada na valoração de IND, mas que guarda
relação quadrática entre os valores dos indicadores
primários normalizados e das componentes do indicador
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Vol. 10 - No 2
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Um modelo para avaliação da qualidade e da
equidade dos gastos públicos totais com saúde
das três esferas de governo nas unidades da
federação baseado na decomposição de indicador
sintético de efetividade do gasto
–, optou-se neste trabalho pela adoção da segunda forma
de decomposição, por preservar na relação entre os
valores das componentes de IND a proporcionalidade
existente entre os valores dos indicadores primários
normalizados que lhe determinam o valor, o que maximiza
a comunicabilidade do modelo e do indicador
decomposto, ao tornar, para um universo maior de
pessoas, mesmo aquelas tecnicamente mais leigas,
praticamente tão compreensíveis os valores das
componentes do indicador sintético decomposto quanto
os valores das componentes dos indicadores primários
DTS e TMI.
Com essa decomposição dos valores de IND poder-seia construir um novo gráfico de barras que contivesse
exatamente as mesmas informações relativas disponíveis
no gráfico de dispersão XY, só que com acesso bem mais
fácil, direto e preciso.
Decomposição de segundo grau
Decomposto IND, muito simples e igualmente
interessante seria partir para a decomposição de segundo
grau, isto é, decompor também as componentes INDDTS e
INDTMI.
Muito simples, porque basta subdividir cada uma das
componentes de IND nas mesmas proporções das
participações das componentes dos indicadores primários
nos respectivos totais agregados, isto é:
INDDTSFed = INDDTS*DTSFed/DTS,
INDDTSEst = INDDTS*DTSEst/DTS,
INDDTSMun = INDDTS*DTSMun/DTS,
INDTMINeoPre = INDTMI*TMINeoPre/TMI,
INDTMINeoTar = INDTMI*TMINeoTar/TMI e
INDTMIPósNeo = INDTMI *TMIPósNeo/TMI.
E, interessante, porque possibilita analisar a evolução
das DTS de cada uma das três esferas de governo em
cada UF e identificar os desequilíbrios relativos que
porventura existam, com seus possíveis efeitos sobre as
taxas de mortalidade infantil em cada uma das
componentes em que, via de regra, é desdobrada:
TMINeoPre, nos primeiros seis dias de vida; TMINeoTar, entre o
7º e o 27º dia de vida; e TMIPósNeo, entre o 28º e o último
dia do primeiro ano de vida.
(64)
A visualização dos gráficos de barras com esses valores
de IND decompostos propiciará acesso simples e direto
àquelas informações desagregadas.
Sobre as componentes da TMI
Importaria neste ponto salientar que o
desdobramento da taxa de mortalidade infantil pode ser
útil nas análises porque os valores assumidos por suas
componentes denotam situações e decorrem de
determinantes específicos. A TMI Pós-Neonatal, de maneira
geral, aponta o nível de desenvolvimento socioeconômico
e a infraestrutura ambiental que, respectivamente,
determinam os níveis de desnutrição infantil e as
prevalências de infecções, estando seu controle mais
associado à melhoria das condições gerais de vida das
populações do que o controle da TMI Neonatal. Esta
refletiria, além das condições socioeconômicas e de saúde
da mãe, a inadequada atenção à saúde materno-infantil, a
qual engloba a assistência pré-natal, ao parto e ao recémnascido, especialmente aquele que apresente problema de
saúde congênito (RIPSA, 2011). A redução da TMI
Neonatal tenderia a ser, portanto, de custo relativamente
mais elevado, por depender de investimentos
consideráveis para fortalecer os serviços hospitalares de
mais alta complexidade.
Seria importante salientar, também, a significância da
informação que, nas análises e avaliações comparativas,
pode advir da eventual diferença de intensidade nas
relações que TMI Neonatal e TMI Pós-Neonatal
apresentam com DTS ao longo do tempo. Especialmente
por já ser considerado fato que, quanto melhor o nível de
saúde de uma determinada população, menor tende a ser
a proporção de óbitos pós-neonatais, o que se deve à
supracitada maior complexidade para controlar o número
de óbitos neonatais. Uma alteração observada nesta
tendência ao longo do período sob análise pode constituir
subsídio adicional para a realização de uma análise mais
precisa e bem fundamentada.
DTS monetariamente corrigidas e comparação
intertemporal
No modelo original, Martins Filho trabalhou com os
valores nominais de DTS, o que possibilitou a realização de
avaliações comparativas entre estados apenas em um
mesmo ano do período, ou de avaliação de como cada UF
evoluiu em termos da efetividade ao longo do período
coberto no estudo. Inviável, portanto, a realização de
comparações intertemporais entre as UF.
Neste trabalho, teve-se a iniciativa de deflacionar os
valores das DTS do segundo até o último período, de
forma que todos os valores tivessem como base o ano
2000. Isto possibilita, por exemplo, comparar os valores
das componentes de Santa Catarina, em 2005, e do
Paraná, em 2006. Assim, se naqueles respectivos anos
ambas as UF apresentaram aproximadamente os mesmos
valores de INDDTS ou, mais do que isto, valores
semelhantes em suas três componentes, mas Santa
Catarina apresentou valores das componentes de INDTMI
menores do que as de Paraná – especialmente as
referentes à mortalidade neonatal, isto é, nos primeiros 27
dias após o nascimento –, poder-se-ia concluir, presumida
aquela condição como suficientemente ceteris paribus,
que se terá verificado um primeiro e forte indício de que
naquele tende a gastar-se com mais qualidade em saúde
do que neste.
A aplicação desse procedimento em relação a outros
anos do período em que se considerasse presente aquela
mesma condição de paridade facilitaria a conclusão final
quanto à avaliação comparativa entre ambos, a qual
poderia até mesmo diferir daquela realizada apenas com
base nos valores de IND das duas UF no último ano do
período.
Este recurso adicional é importantíssimo porque sua
aplicação, ao contornar a limitação de comparar unidades
da Federação apenas com base nos valores de IND DIST
NORM em um mesmo ano, supera em grande medida os
inevitáveis questionamentos em relação à hierarquização
– quanto ao nível de efetividade dos gastos – de unidades
da Federação com valores de INDDTS díspares em um
mesmo ano. Sempre se suscitaria a cabível pergunta: “Mas,
e se a unidade A tivesse o mesmo nível de gastos com
saúde da unidade B?”
A superação dessa limitação representaria, portanto,
mais um significativo avanço em relação ao modelo
original. Reitere-se, porém, que as comparações
intertemporais só deveriam ser consideradas aplicáveis e
aceitáveis quando se verificarem suficientes condições de
paridade, como a exemplificada anteriormente.
DADOS
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Um modelo para avaliação da qualidade e da
equidade dos gastos públicos totais com saúde
das três esferas de governo nas unidades da
federação baseado na decomposição de indicador
sintético de efetividade do gasto
Os valores correntes de DTS por esfera de governo, por
UF e por ano estão em tabelas disponíveis na página do
Datasus, no atalho em que são totalizadas as despesas
próprias de cada uma das três esferas de governo, com a
precaução de evitar dupla contagem (DATASUS, 2011a).
Desafortunadamente, até a conclusão deste estudo,
estavam disponíveis dados referentes somente até o ano
de 2006, com valores revistos pela última vez em 1º/4/
2008.
Reitere-se que neste estudo, diferentemente do que
fora feito no modelo original, trabalhou-se com dados
deflacionados, com base no Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), produzido pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e adotado
oficialmente como medida da inflação doméstica. Os
valores anuais do IPCA de 2001 a 2006 – os quais
incidiram, neste estudo, sobre os totais de gastos anuais –
são apresentados na Tabela 1 (IBGE, 2011).
Os dados de mortalidade infantil, disponíveis na página
do Datasus na internet, têm como fontes, para o cálculo
direto (Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, estados da
Região Sul e estados da Região Sudeste, exceto Minas
Gerais), o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)
e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC)
do Ministério da Saúde; para as demais UF, cálculo indireto
desenvolvido na RIPSA (DATASUS, 2011b).
RESULTADOS
Análises baseadas no modelo original
No Gráfico 1 apresenta-se a dispersão XY dos pares
coordenados (DTS, TMI) de cada UF ao longo do período
2000 a 2006 conectados ano a ano. Ele foi deformado na
medida exata para que a envoltória originalmente
retangular com todos esses pares coordenados se
tornasse quadrada e representasse visualmente a
aplicação de “FATOR” sobre os valores de TMI.
Como os valores de DTS têm como base o ano 2000,
se dois ou mais pares coordenados se situam em uma
Tabela 1 – Valores do IPCA dos anos 2001 a 2006
ANO
IPCA (%)
(66)
Fonte: IBGE.
2001
7,67
2002
12,53
2003
9,30
2004
7,60
2005
5,69
2006
3,14
Gráfico 1 – Dispersão XY das UF no período 2000 a 2006, com os pontos de cada UF conectados ano a ano
Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor.
mesma reta vertical, suas despesas apresentaram o
mesmo valor real e a efetividade dos gastos totais com
saúde na UF cuja TMI apresentou o menor valor poderia
ser considerada maior, independentemente dos períodos
a que respectivamente se refiram. Entretanto, tal paridade
no valor de DTS, conforme será mais bem demonstrado
adiante neste trabalho, pode não ser suficiente, em face de
possíveis disparidades nas proporções entre as despesas
das três esferas de governo.
Raciocínio análogo pode ser feito em relação à TMI.
Traçando-se uma reta horizontal – locus, portanto, dos
pares coordenados em que o indicador de resultado
apresentou um mesmo determinado valor em
determinados períodos – que contenha pares
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
Jul/Dez 2011
Um modelo para avaliação da qualidade e da
equidade dos gastos públicos totais com saúde
das três esferas de governo nas unidades da
federação baseado na decomposição de indicador
sintético de efetividade do gasto
coordenados de duas ou mais UF em períodos distintos,
aquela cuja DTS foi a menor poderia ser considerada
como a agraciada com a maior efetividade dos gastos
totais com saúde. Aqui, também, não se teria, ainda, noção
quanto a possíveis diferenças de valor nas componentes
da TMI, as quais talvez indicassem uma possível influência
relativamente mais intensa de outros determinantes da
situação de saúde das respectivas populações.
A visualização do gráfico bidimensional acima
possibilita a realização de análises – à semelhança do que
Martins Filho já o fizera – mais ricas do que as
possibilitadas pelo Gráfico 2, unidimensional, com a
evolução dos valores do IND DIST NORM das UF
ordenadas decrescentemente pelo valor do indicador
sintético no ano de 2006.
De outro lado, no gráfico de barras percebe-se
imediatamente a maior facilidade para dimensionar o
quanto cada uma das UF se afasta do ponto de referência
(DTSmín, TMImín) e mais precisamente compará-las em
termos da efetividade do gasto.
Gráfico 2 – Evolução dos valores do IND DIST NORM das UF no período 2000 a 2006, ordenadas
decrescentemente pelos valores do indicador no ano 2006
Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor.
(68)
A visualização do Gráfico 1 possibilita observar
imediatamente que:
i.
Conforme esperado (AZEVEDO, et al., 2007), a
correlação entre DTS e TMI é nitidamente negativa,
sendo poucas as UF em que, em um ou mais anos do
período, do aumento nas despesas não decorreu
redução na mortalidade infantil. As UF com curvas mais
acentuadamente descendentes concentraram-se na
Região Nordeste;
ii. Em todas as poucas UF onde TMI oscilou em pelo
menos um dos anos do período – casos do Distrito
Federal, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Rio
Grande do Sul –, oscilara também DTS no ano
imediatamente anterior, o que indicaria uma tendência
de inércia de um ano entre a queda no valor de DTS e
o consequente impacto negativo sobre a TMI.
iii. As UF tenderam a se agrupar em regiões específicas e
bem delimitadas do gráfico, em conformidade com
suas respectivas condições socioeconômicas. As do
Nordeste, situadas no lado esquerdo do gráfico, locus
das unidades que menos despendem com saúde,
apresentaram grande amplitude de variação vertical,
isto é, nos valores de TMI, principalmente em
decorrência dos relativamente elevadíssimos valores de
Alagoas, enquanto as do Centro-Sul do País,
caracterizadas pelas menores TMI e, portanto,
concentradas na base do gráfico, apresentaram
variação mais longitudinal, isto é, nos valores de DTS.
Essa inclinação negativa bem mais acentuada das
curvas das UF da Região Nordeste indica que cada real
a mais nelas aplicado produziu e tenderia a continuar
produzindo ainda ao longo dos próximos anos
reduções das TMI bem mais significativas do que se
aplicado nas UF do Centro-Sul do País;
iv. Diferentemente das UF das demais regiões geográficas,
as da Região Norte ocuparam uma ampla área
longitudinal de formato cônico, desde o vértice no
Pará em 2000, situado quase na extremidade
esquerda do gráfico, até a distante e larga base entre o
Acre, em 2001, e Roraima, em 2006, na extremidade
direita do gráfico, o que caracterizaria aquela região
geográfica como a terra dos extremos em termos não
apenas de TMI e DTS, mas da própria efetividade das
despesas públicas com saúde, tamanha a diferença
entre as distâncias de Pará e Roraima ao ponto de
referência (DTSmín, TMImín);
v. Nos casos específicos do Acre, em 2005, e de Roraima
em 2004, observar que ambos apresentaram a mesma
DTS, mas naquele a TMI foi significativamente maior, o
que denotaria, com base em comparação
intertemporal, uma tendência de efetividade dos
gastos bem superior na segunda UF. Entretanto, os
gastos nesta dispararam, sem a devida redução na
mortalidade infantil, o que acabou por inverter aquela
situação anterior em favor daquela no fim do período
coberto no estudo;
vi. É possível afirmar, ainda em relação à Região Norte,
que ela foi, à exceção de Tocantins e do Pará,
recordista também na frequência e amplitude de
oscilações nos valores de DTS; e
vii. São Paulo, curiosamente, ocupou exatamente o
mesmo ponto nos anos 2002 e 2003, fato que indica
a acentuada correlação entre DTS e TMI naquele
estado.
Análises com base no modelo com
decomposição do indicador sintético
Decomposto o indicador, os gráficos de barras com os
valores do indicador decomposto das UF ordenadas
decrescentemente com base nos respectivos valores de
IND no ano de 2006 foram agrupados por região
geográfica. Porém, com a finalidade de melhor considerar
as similaridades socioeconômicas desses agrupamentos,
operaram-se as seguintes alterações: o Distrito Federal foi
agrupado aos estados das regiões Sul e Sudeste – as quais
foram reunidas com base na semelhança socioeconômica
– e Minas Gerais aos da Região Centro-Oeste.
A análise dos gráficos de barras com IND decomposto
propicia acesso direto a várias informações interessantes
que não eram accessíveis nos gráficos de dispersão XY e
de barras com IND não decomposto, a começar pelas
referentes à magnitude e à iniquidade dos gastos federais
e, conforme se observará mais adiante no texto, às
consequências desses perfis de gastos sobre as
componentes de INDTMI:
i.
Os valores de INDDTSFed não somente evoluíram
diferentemente entre as UF, como apresentaram, em
alguns casos, significativa disparidade. Como nos casos
dos estados da Região Norte – exceto Rondônia e,
principalmente, o Pará, cujos valores per capita foram,
juntamente com o Maranhão, os mais baixos do País –,
do Distrito Federal e do Rio de Janeiro, os valores
situaram-se, praticamente ao longo de todo o período,
bem acima dos observados nas demais UF, e, no outro
extremo, dos estados da Região Nordeste, os mais
baixos, a despeito de as UF daquela região serem as
socioeconomicamente mais carentes do País, o que
indica a clara existência de iniquidade na distribuição
dos recursos federais. Seria interessante aqui salientar a
existência de entidades vinculadas ao Ministério da
Saúde – casos da Empresa Brasileira de
Hemoderivados e Biotecnologia, da Fundação Oswaldo
Cruz, do Hospital Cristo Redentor, do Hospital Fêmina
e do Hospital Nossa Senhora da Conceição –,
localizadas ou sediadas no Distrito Federal, Rio de
Janeiro ou Rio Grande do Sul, unidades da Federação
que apresentaram, na comparação com seus pares
regionais, os mais elevados valores de INDDTSFed, o que
explicaria, pelo menos em parte, aquela disparidade. No
caso especial do DF, agrava aquela iniquidade o
vultoso aporte de recursos do Fundo Constitucional
do Distrito Federal (FCDF) (PEREIRA FILHO, 2009);
ii. As esferas estaduais do Rio Grande do Sul e,
principalmente, do Rio de Janeiro, como que
aproveitando essa oportunidade de dispor de maior
acesso aos recursos federais, apresentaram, na
comparação com seus vizinhos regionais ao longo da
maior parte do período, os menores valores de
INDDTSEst; e
iii. Na maioria das UF observou-se aumento visivelmente
mais significativo nos valores de INDDTSEst e INDDTSMun do
que nos de INDDTSFed. Há consequentemente, uma
tendência generalizada de convergência dos valores
daquelas três subcomponentes.
Gráfico 3 – Barras com a evolução dos valores de IND DIST NORM Decomposto da Região Norte
no período 2000 a 2006
Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor.
Gráfico 4 – Barras com a evolução dos valores de IND DIST NORM Decomposto da Região
Nordeste no período 2000 a 2006
Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor.
Em estudo mais específico e tecnicamente mais
elaborado, com dados referentes a 2005, LEITE et al.
(2007) confirmam as iniquidades descritas acima,
identificando as UF com as maiores necessidades de
recursos federais e aquelas em que esses valores por
habitante deveriam ser menores:
Considerando-se todos os índices estabelecidos, que
em conjunto buscam corrigir as diferentes necessidades
de saúde, para procedimentos de média e alta
complexidade, permitindo assim a adoção de um
procedimento equitativo na distribuição dos recursos
federais do SUS, quando distribuídos em termos per
capita, destacam-se alguns resultados. Piauí e Maranhão
são os estados com maiores carências relativas, com um
valor per capita aproximadamente três vezes superior ao
apresentado por São Paulo (menor valor). De modo geral,
os maiores valores referem-se aos estados da região
Nordeste e ao Pará, na região Norte. Já os menores valores
per capita relacionam-se aos estados do Rio de Janeiro,
Espírito Santo e Distrito Federal (p. 21).
Em relação às componentes de INDTMI, não se
observou ao longo do período, na maioria das UF,
alteração visível na proporção de seus valores. As
exceções, em que INDTMIPósNeo caiu mais acentuadamente
do que as demais componentes de INDTMI, foram os casos
do Estado do Amapá na segunda metade do período –
em que a componente se aproximou de zero, isto é, a taxa
se aproximou das taxas das UF com os melhores
resultados nessa componente da mortalidade infantil – e
dos estados da Região Nordeste, que apresentam valores
Gráfico 5 – Barras com a evolução dos valores de IND DIST NORM decomposto das regiões Sul
e Sudeste – exceto Minas Gerais e incluso o Distrito Federal – no período 2000 a 2006
Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor.
Gráfico 6 – Barras com a evolução dos valores de IND DIST NORM decomposto da Região
Centro-Oeste – exceto o Distrito Federal e incluso Minas Gerais – no período 2000 a 2006
Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor.
daquela componente de TMI significativamente maiores
do que os de todas as demais UF.
No caso dos estados nordestinos, isto poderia ser
explicado pela extrema carência social de suas populações
e a relativamente maior sensibilidade das mais elevadas
taxas de mortalidade pós-neonatal às políticas sociais e
econômicas de redistribuição de renda.
Já no caso do Amapá uma avaliação razoável poderia
ser a de que os gastos públicos com saúde simplesmente
foram menos efetivos do que outros gastos sociais que
têm impacto maior sobre a mortalidade pós-neonatal.
Na análise das UF da Região Nordeste impressiona
visualmente no Gráfico 4 a interessante evolução dos
valores de IND e de suas subcomponentes em Alagoas e
no Rio Grande do Norte, situadas em posições adjacentes.
É como se este iniciasse sua evolução quase exatamente
do ponto onde parara a evolução daquele, significando
estar o sistema de saúde de Alagoas atrasado
aproximadamente cinco anos em relação ao do Rio
Grande do Norte. Cinco anos porque, exceto pelo maior
valor de INDTMIPósNeo em Alagoas do que em Rio Grande do
Norte – o que indicaria o pior estádio de desenvolvimento
socioeconômico daquele em relação ao deste –, os
valores de todas as demais subcomponentes de IND no
Rio Grande do Norte em 2001 são praticamente idênticos
aos das respectivas subcomponentes do IND de Alagoas,
em 2006.
A observação acima foi fruto de uma análise
comparativa intertemporal em que saltou aos olhos a
oportunidade de sua aplicação. Entretanto, a análise
merece aplicação também em relação a outras UF, como
algumas do Gráfico 5, em que a avaliação comparativa
com base apenas nos valores de IND no ano 2006
mereceriam retificação, a começar pelo citado como
exemplo na apresentação da Metodologia:
i.
a comparação intertemporal dos valores das
componentes de INDDTS e INDTMI do Paraná e de Santa
Catarina indica que este tende a apresentar maior
efetividade nos gastos do que aquele, contrariamente
à classificação exposta no Gráfico 5, em que Santa
Catarina se situa imediatamente à esquerda do Paraná.
É o que se conclui comparando os valores das
componentes de INDTMI em SC/2000 e PR/2002, SC/
2003 e PR/2005 e SC/2005 e PR/2006 – a condição
de paridade considerada aceitável foi a coincidência
nos valores de INDDTS e a similaridade dos valores das
respectivas componentes de INDDTS naqueles pares de
anos –, os quais indicam que se o dispêndio com
saúde no Paraná aumentasse para o patamar de
gastos observado em Santa Catarina, a efetividade
naquele tenderia a ser inferior à neste;
ii. o Rio Grande do Sul apresentou até 2004
desempenho inferior ao do Paraná (e,
consequentemente, ao de Santa Catarina). Basta
comparar os valores das componentes do IND do
primeiro em 2003 e 2004 com, respectivamente, os
valores das componentes de IND do segundo em
2004 e 2005, quando a paridade de condições
poderia ser considerada suficiente (valores
semelhantes das componentes de INDDTS, mas valores
menores das componentes de INDTMI do Paraná); e
iii. a comparação intertemporal entre o Rio de Janeiro e
São Paulo, apesar de este estar à esquerda daquele no
Gráfico 5, indica que os gastos em SP mostraram-se
mais efetivos. Basta observar as diferenças entre os
valores de INDTMI de SP/2001 e RJ/2000, SP/2002 e
RJ/2001 e SP/2005 e RJ/2006 para verificar que em
São Paulo eles foram todos invariavelmente bem
menores do que no Rio de Janeiro, a despeito de os
valores de INDDTS – não decomposto – serem iguais.
Neste ponto, à semelhança do ressaltado no item
anterior, importa chamar a atenção, principalmente,
para o desequilíbrio entre os valores das componentes
de INDDTS no Rio de Janeiro, com seus elevadíssimos
dispêndios federais e seus baixíssimos dispêndios
estaduais, especialmente durante o período até 2004,
além da forma irregular como aqueles valores
evoluíram ao longo de todo o período.
Todas essas observações e análises demonstram o
ajuste fino que se pôde operar no modelo a fim de
aperfeiçoar a qualidade das avaliações comparativas – que
não devem e não mais precisam se restringir aos
resultados analisados em um mesmo ano e com base
apenas no valor de IND não decomposto –, e enriquecêlas, o que possibilitou se chegar a uma conclusão sintética,
abrangente e extremamente relevante e importante para a
melhor gestão dos recursos do SUS, cujo grande valor
reside exatamente na objetividade e na clareza, talvez sem
precedentes, de sua fundamentação, obtida graças à
aplicação do modelo com o indicador decomposto: o
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Gestão Governamental
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Jul/Dez 2011
Um modelo para avaliação da qualidade e da
equidade dos gastos públicos totais com saúde
das três esferas de governo nas unidades da
federação baseado na decomposição de indicador
sintético de efetividade do gasto
(74)
aumento de recursos para o setor de saúde,
comprovadamente necessário na grande maioria das
unidades da Federação, tendeu nitidamente a ser mais
efetivo se realizado de forma monotônica – isto é, estável,
não oscilante, sem retrocessos (quedas) ou solavancos de
um ano para o seguinte – e gradativa – isto é, com
aumentos suaves ano após ano.
Essa forma de aumento no aporte de recursos para a
saúde poderia ser, portanto, até mesmo uma diretriz ou
regra básica de conduta coordenada “recomendável” para
os gestores das três esferas do Sistema Único de Saúde
em relação aos insumos.
No caso de muitas UF, com destaque para Santa
Catarina, São Paulo, Ceará, Bahia e Pará – estados cujos
desempenhos regionais foram os melhores -, somou-se à
conduta coordenada recomendável acima descrita o fato
de as componentes de suas respectivas DTS tedenderem
a ser relativamente mais convergentes, isto é, tendentes a
assumir proporções semelhantes – cada subcomponente
valendo 1/3 de INDDTS –, o que poderia também indicar
algo igualmente recomendável para a maior efetividade
dos gastos públicos com saúde.
Exemplos mais flagrantes das consequências negativas
da inobservância desse perfil de evolução recomendável
dos gastos foram os já citados casos de quase todas as UF
da Região Norte, além dos casos do Distrito Federal e do
Rio de Janeiro. O mesmo pôde ser registrado em relação às
UF em que as componentes de INDTMI não evoluíram bem
durante os anos de instabilidade nos valores das
componentes de INDDTS, mas, durante os demais anos, em
que os dispêndios passaram a evoluir da forma
recomendável, engrenou-se um ciclo virtuoso e a redução
nas taxas de mortalidade infantil passou a ser mais
significativa (caso, por exemplo, do Rio Grande do Sul de
2004 em diante, a ponto de no último anos do período
conseguir superar o Paraná).
Em verdade, seria oportuno frisar que, conforme a
análise mais detida do Gráfico 5 descrita anteriormente, foi
exatamente a observância daquele perfil de gastos
recomendável que levou os estados de São Paulo e Santa
Catarina a superar em termos de efetividade, respectivamente, os estados do Rio de Janeiro e do Paraná.
Registre-se como perceptível exceção a essa tendência
o caso negativo do Espírito Santo – entre 2002 e 2006 –,
cujas componentes de INDDTS engrenaram aumentos de
valor exatamente conforme esse padrão identificado
como recomendável, mas as de INDTMI mantiveram-se
praticamente estagnadas.
A título de explicação para a conclusão abrangente
sobre como seria recomendável aportar recursos públicos
para o setor de saúde, pode-se inferir que:
o crescimento monotônico das componentes de DTS
seja um fator relevante para a qualidade dos
resultados pelo fato de garantir a estabilidade do
suprimento dos insumos necessários ao adequado
funcionamento do sistema de saúde da população por
ele atendida;
ii. o crescimento suavemente gradativo, isto é, sem
acelerações bruscas e acentuadas, propicia a condição
favorável de poder ser suficientemente bem
administrado pelos gestores do SUS, sem extrapolar
sua capacidade de gestão; e
iii. o crescimento equilibrado e convergente dos gastos
das três esferas de governo em cada UF propiciaria
equilíbrio no suprimento dos insumos respectivamente
mais associados a cada uma dessas três fontes
complementares de recursos.
ii.
i.
Por fim, trazendo de volta à tona o curioso caso de
São Paulo observado no Gráfico 1 em 2002 e 2003, podese entender melhor o porquê daquela coincidência, qual
seja, a perfeita superposição dos pontos referentes
àqueles dois anos. Observa-se no Gráfico 5 que naqueles
dois anos a identidade não foi apenas nos valores dos dois
indicadores primários, mas nos de todas as seis
subcomponentes de IND, o que configuraria a condição
ceteris paribus mais próxima da perfeição possível de
acontecer com o modelo apresentado neste trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, deve-se ressaltar que no modelo com IND
decomposto, à semelhança do que já havia sido
observado em relação ao IND DIST NORM, foram
observados os seguintes parâmetros, considerados
fundamentais para a elaboração bem-sucedida de
qualquer indicador (CALDAS; KAYANO, 2006):
i.
Comparabilidade – Os indicadores permitiram não
apenas comparações temporais e espaciais, mas,
iii.
iv.
v.
conforme bem demonstrado no trabalho,
comparações intertemporais entre os entes;
Disponibilidade da informação – as bases de dados são
acessíveis e já constituem séries históricas aptas a
permitir, ao mesmo tempo, a comparação entre fatores
(fotografias de entes diferentes) e evolução, no tempo,
do desempenho (fotografia de um mesmo ente em
diferentes épocas). É de se lamentar, entretanto, o
atraso na produção, pelo Ministério da Saúde, de
dados oficiais de DTS posteriores a 2006 e de TMI
posteriores a 2007;
Normalizados – Os dois indicadores primários já
haviam sido originalmente traduzidos para o
equivalente a uma mesma escala dimensional,
mediante a aplicação do “FATOR” sobre os valores das
TMI, e tal propriedade foi preservada no modelo
proposto neste trabalho;
Quantificáveis – Os indicadores usados no estudo são
todos numéricos, sem, contudo, ter havido qualquer
demérito na análise qualitativa realizada. Na verdade,
os indicadores quantitativos após a decomposição
facilitaram a realização de uma análise qualitativa do
desempenho da gestão significativamente mais sólida e
bem fundamentada; e
Simplicidade – O indicador sintético após a
decomposição, graças inclusive à forma proporcional
proposta neste trabalho, continuou a ser de fácil
compreensão. Deve-se observar, entretanto, que os
indicadores são tentativas até pretensiosas de retratar
ou expressar de maneira muito sintética determinados
fenômenos e processos complexos.
Algumas outras propriedades importantes (JANUZZI,
2005) para a aplicação bem-sucedida no monitoramento
de políticas públicas podem também ser consideradas
como verificadas com o indicador decomposto:
i.
Relevância Social – tanto por tratar de indicadores
primários por si só relevantes socialmente, como por
sua utilidade no controle social;
ii. Validade – pois se baseia em indicadores primários
que, analisados conjuntamente como neste trabalho,
bem refletem a realidade do conceito de efetividade
que se pretende operacionalizar;
iii. Confiabilidade – pois se baseia em indicadores
registrados oficial e precisamente;
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Um modelo para avaliação da qualidade e da
equidade dos gastos públicos totais com saúde
das três esferas de governo nas unidades da
federação baseado na decomposição de indicador
sintético de efetividade do gasto
(76)
iv. Cobertura – pois, no caso das UF, abrange todos os
entes sem exceção;
v. Sensibilidade – pois, conforme demonstrado, permite
observar alterações suficientemente significativas ano a
ano;
vi. Periodicidade e Factibilidade para Obtenção – pois os
dados anuais já estão disponíveis administrativamente,
apesar de, infelizmente, ainda com algum atraso;
vii. Desagregabilidade – pois os indicadores primários e
suas respectivas componentes são imediatamente
disponíveis;
viii. Inteligibilidade e Comunicabilidade – graças à elevada
simplicidade da metodologia para sua construção e à
facilidade para sua compreensão;
ix. Replicabilidade de sua Construção – decorrente de
suas extremas simplicidade, inteligibilidade e
comunicabilidade;
x. Historicidade – pois já cobre período significativo de
tempo e pode ser considerado apto para utilização
institucionalizada; e
xi. Especificidade – pois se refere exatamente à
informação desejada (originalmente, a efetividade dos
gastos públicos com saúde das três esferas de governo
e, suplementarmente, a equidade dos gastos públicos
federais nas UF).
A desagregação de informações propiciada pela
decomposição de IND DIST NORM possibilitou a realização
de observações analíticas e avaliações comparativas bem
mais variadas, detalhadas e ricas quanto à efetividade dos
gastos públicos com saúde nas unidades da Federação,
além de garantir, reitere-se, maior solidez às
fundamentações daquelas conclusões. Adicionalmente,
possibilitou sua aplicação na avaliação da equidade dos
gastos federais com saúde. Tudo isto fez do modelo com
IND decomposto um instrumento significativamente mais
poderoso e aplicável institucionalmente do que o
originalmente proposto por Martins Filho.
De modo geral, ficou patente, de um lado, a conclusão
de que na maioria das UF os níveis de dispêndio público
total com saúde ainda estão muito aquém do que
poderiam e deveriam ser, o que limitou sobremaneira a
magnitude dos resultados mais significativos que se
poderia obter em termos de melhorias na situação de
saúde. Neste aspecto merecem destaque os estados da
Região Nordeste e o estado do Pará. Neles, a combinação
das taxas de mortalidade infantil mais elevadas e as
despesas totais com saúde relativamente mais reduzidas,
especialmente as federais – o que configura flagrante
iniquidade –, indica que a tendência de retornos
decrescentes ainda estaria muito distante de se fazer
sentir significativamente. Isto justificaria a decisão de
designar maiores aportes de recursos, inclusive e
especialmente os da fonte federal, não apenas com base
na expectativa fundamentada de continuidade nas
reduções relativamente mais significativas das TMI, mas
para reduzir aquela iniquidade.
De outro lado, evidenciou-se que em algumas das UF
onde mais se despende, a qualidade do gasto seria,
conforme os indícios colhidos nas avaliações
comparativas, também aquém do desejável e possível, o
que deveria resultar antes na priorização da adoção de
medidas e iniciativas de melhoria da gestão do que no
aumento das respectivas DTS. Destacaram-se neste
aspecto – negativamente, portanto –, Roraima, Acre e
Distrito Federal.
Entretanto, a contribuição que talvez merecesse o
maior destaque foi a conclusão abrangente apontada pela
aplicação do modelo, qual seja a de que quanto mais
monotônico, gradativo e equilibrado o crescimento dos
valores das componentes de DTS, mais monotônica e
significativa tendeu a ser a diminuição dos valores das
componentes de TMI, especialmente das TMINeo, as mais
sensíveis à magnitude e à qualidade dos dispêndios com
saúde.
Essas conclusões sobre qual seria a evolução mais
recomendável para os gastos poderia ser considerada
significativamente mais informativa e proveitosa do que
simplesmente a de que as UF que mais gastam com saúde
tendem a fazê-lo com menor qualidade, a qual foi obtida
no bojo de trabalho também recente (BRUNET et al, 2007).
Finalmente, seria interessante salientar que, se também
estivessem disponíveis no SIOPS, desagregadamente, os
gastos totais de cada esfera de governo em cada
município, seria possível avaliar comparativamente o nível
de equidade dos gastos públicos federais e estaduais nos
municípios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Ruyter de Faria Martins Filho, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), é Graduado em
Engenharia Elétrica pela PUC/RJ, Bacharel em Direito pela UnB/DF e Mestre em Engenharia Elétrica pela PUC/RJ.
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Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental
Profisionalização da Gestão
Governamental
Secretaria de Recursos Humanos / MARE
Profissionalização da Administração Pública e Redemocratização: o projeto de
retomada da carreira de EPPGG (1995)
O projeto de profissionalização da gestão governamental apresentado à direção superior do
Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), em reunião informal ocorrida em maio de
1995, expressou a política da Secretaria de Recursos Humanos para a retomada do processo de
profissionalização da administração pública federal. Tal política fundamentava-se nos princípios da
ética democrática e do mérito iniciada no governo da Nova República. A proposta envolvia centralmente
a profissionalização dos cargos de direção e assessoramento subordinados ao segundo escalão da
hierarquia administrativa e a retomada da carreira de Gestor Governamental, em consonância com as
diretrizes estabelecidas pelo art. 39 da Constituição Federal de 1988.
A direção do MARE rejeitou a proposta de profissionalização, tendo em vista sua visão de “carreira
de DAS”, em detrimento do sistema de carreiras previsto na Constituição Federal. Contudo, o Ministro
Bresser Pereira aceitou a proposta de retomada dos concursos para a carreira de EPPGG, que foi
implementada a partir de um Ato de agosto de 1995. O documento “Profissionalização da Gestão
Governamental” constitui, pois, um documento histórico da carreira, parte de um processo complexo
de sua retomada e da conformação deste corpo de altos administradores que ela é atualmente.
Revista de Políticas Públicas e
Gestão Governamental
Vol. 10 - No 2
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Profisionalização da Gestão Governamental
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JUSTIFICATIVA
Desde o primeiro governo da Nova República,
diversas foram as tentativas de estruturação de
carreiras no serviço público civil da União. Várias
carreiras foram criadas ao longo destes 10 anos:
Auditoria do Tesouro Nacional, Polícia Federal,
Magistério, Finanças e Controle, Orçamento, Políticas
Públicas e Gestão Governamental, Advocacia Geral da
União, Ciência e Tecnologia, Defensoria Pública, e Oficial
e Assistente de Chancelaria.
No entanto, sem uma perspectiva de caráter
estratégico este processo apresenta elementos
distorcivos e, particularmente, as atividades de
formulação, implementação e avaliação de políticas
públicas e de gestão’ governamental, e o respectivo
suporte técnico-administrativo, tem sido relegadas a um
segundo plano. A administração direta, centro do
processo de formulação e articulação das políticas
públicas e da gestão governamental, encontra-se
extremamente fragilizada. As tentativas de reforma do
estado vêm esbarrando em fortes resistências dos “anéis
burocráticos” que se constituíram ao longo das últimas
décadas como parte fundamental do modelo de estado
nacional-desenvolvimentista. A crise administrativa do
estado tem se acentuado fortemente ao longo dos
últimos anos, em razão de tentativas frustradas de
reformas inconsistentes e com enfoque equivocado.
O novo modelo de desenvolvimento pretendido pelo
governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso
necessita de um estado reformulado e apto a cumprir
com seu novo papel. Dotar o estado de uma máquina
administrativa eficiente requer a reforma da burocracia
do estado. A “nova burocracia” será essencialmente
distinta da tradicional. A “nova burocracia” deverá ser
constituída por um corpo de dirigentes de formação
generalista, voltados para a formulação e avaliação de
políticas, a negociação com os atores sociais e políticos
e a articulação institucional em todos os níveis.
Urge, pois, retomar a reforma da burocracia e
reforçar a capacidade gerencial do estado no contexto
de um novo modelo de desenvolvimento. Nesta
perspectiva é de fundamental importância a
organização e profissionalização das atividades de
formulação, implementação e avaliação de políticas
públicas e a gestão governamental como parte do
processo de mudanças no papel do estado ao nível
de seus recursos humanos estratégicos, de suporte
ao comando político do estado.
Mudanças são necessárias no conjunto das grandes
corporações. Cada vez mais as carreiras estratégicas
devem entrelaçar-se. A política interna e a política
externa estão cada vez mais inter-relacionadas e,
consequentemente, este processo deve repercutir na
formação dos quadros dirigentes e na organização do
estado. Da mesma forma, cresce a necessidade do
entrelaçamento entre os agentes da arrecadação, a
formulação e implementação das políticas e a gestão
dos recursos orçamentários e financeiros, bem corno o
processo de controle dos gastos públicos com o objetivo
de maximizar os resultados a partir de recursos escassos.
Assim, independentemente das características
especificas da atuação de cada segmento corporativo
a exigência de uma formação generalista e uma
compreensão globalizante, bem como de um processo
de articulação permanente entre os diversos segmentos
da burocracia é uma questão essencial para o
funcionamento do Estado no atual contexto.
Por esta razão devemos iniciar um processo de
aproximação e entrelaçamento entre as corporações
estratégicas do Estado na perspectiva da compreensão
coletiva do processo em curso e dos requisitos que o
futuro próximo nos impõe, além de caminhar para um
processo de unificação que rompa com a
fragmentação exagerada atualmente existente e que é
altamente prejudicial à ação governamental. Embora
as naturais dificuldades de um processo desta natureza
sejam um fator inibidor, passos concretos podem ser
dados neste sentido. Por um lado, podemos iniciar um
processo de aproximação entre as escolas e centros
de formação existentes, processo no qual a ENAP pode
e deve cumprir um papel fundamental. Por outro lado,
no terreno da organização das carreiras medidas
podem ser adotadas fortalecendo este processo de
unificação a curto e, especialmente, em médio prazo.
Neste contexto, e como ações imediatas estão
inseridos os projetos de retomada do recrutamento e
formação de gestores governamentais, e a
reestruturação da carreira de Especialista em políticas
publicas e Gestão Governamental, e a estruturação das
atividades de suporte técnico-administrativo ao
processo de gestão estatal.
OBJETIVO
Os objetivos destas ações consistem em dotar o
Estado de recursos humanos estratégicos para a
gestão governamental e ampliar a profissionalização
da administração pública, nos seus escalões
superiores, com a retomada da formação de gestores
governamentais altamente qualificados, bem como a
estruturação das atividades de suporte técnicoadministrativo, nos níveis médio e superior, ao processo
da gestão do estado.
OBJETIVOS ESPECíFICOS
1. Projeto “Gestores”
a) a formação de mais três turmas de novos
integrantes da Carreira de Especialista em Políticas
Publicas e Gestão Governamental durante os próximos
três anos, num total de 450 novos gestores;
b) reformulação da Carreira, dando-lhe uma nova
estrutura, composta de quatro classes, abrangendo a
profissionalização dos atuais cargos de Secretários
Adjuntos e Diretores de Departamentos, bem como
de Coordenadores de Programas e Atividades
governamentais, com proposta de transposição dos
Técnicos de Planejamento e Pesquisa e Técnicos de
Desenvolvimento Administrativo do IPEA para a mesma
e, uma nova regulamentação mais adequada ao novo
contexto e uma remuneração condizente com o nível
profissional dos seus integrantes.
2. P r o j e t o “ C a r r e i r a s d e S u p o r t e T é c n i c o Administrativo”
Criação das Carreiras de Oficial Administrativo e de
Agente Administrativo para o exercício das atividades
de suporte técnico-administrativo e de apoio
administrativo de nível superior e médio,
respectivamente, para o conjunto dos órgãos e
entidades integrantes da administração publica federal.
3. FUNDASE
Revisão do papel do Fundo e das formas de
utilização dos recursos voltando-os para as prioridades
estabelecidas nestes projetos e que abrangem e
beneficiam o conjunto dos órgãos e entidades, em lugar
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Gestão Governamental
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Profisionalização da Gestão Governamental
da dispersão dos recursos em centenas de projetos
de duvidoso retorno para administração.
4. Definição de diretrizes e prioridades para a ENAP
A ENAP deve cumprir um papel estratégico na
formação da elite dirigente da nova administração
publica, voltando-se para a formação dos novos
gestores, como também para a formação gerencial a
nível tático e operacional das Carreiras de Oficial
Administrativo e Agentes Administrativos, orientando
ainda a formação e reciclagem dos quadros destas
carreiras. Por outro lado, deve a ENAP cumprir um
papel fundamental, estratégico, no processo de
homogeneização das grandes corporações
estratégicas do Estado, o entrelaçamento das mesmas,
e o fortalecimento e harmonização das relações entre
elas utilizando para tal a articulação institucional
através dos centros formadores destas carreiras, tais
como, a Rio Branco, a ESG, a ESAF, o Cendec, e outros.
CUSTOS
I – A formação de gestores pode ser calculada
considerando-se:
1. aproximadamente CR$ 3.000,00 mensais por
gestor nomeado, o que somaria aproximadamente CR$
450.000,00 mensais ou CR$ 5.400.000,00 por ano,
por cada grupo de 150 novos nomeados a cada ano.
Ao final dos três anos teríamos uma despesa adicional,
considerando-se três turmas nomeadas, de CR$
16.200.000,OO/ano.
2. c u s t o m e n s a l d e a p r o x i m a d a m e n t e C R $
1.500,00 de bolsa de estudo por candidato/mês
durante o período de curso.
3. despesas de realização dos cursos a definir.
II.- A criação e implantação das Carreiras de Oficial
Administrativo e de Agente Administrativo,
considerando-se a nova remuneração proposta, será
de aproximadamente CR$ 350 milhões/ano de
acréscimo. Os custos de formação e reciclagem
deverão ser ainda calculados.
(82)
Para saber mais
Links para Escolas de Governo e programas de formação de executivos públicos de carreiras
equivalentes a de EPPGG:
França:
École Nationale d’Administration (ENA): http://www.ena.fr – Formação dos Grand Corps/
Administrateurs Civils por meio do Cycle de Formation dês Hauts Fonctionnaires
Espanha:
Administradores Civiles deI Estado: http://www.inap.map.es – Curso de Formación deI Cuerpo
Superior de Administradores Civiles deI Estado
Itália:
Carriera di Dirigente nelle Amministrazioni dello Stato: http://www.sspa.it/ – Curso de formação
para ingresso à Carriera di Dirigente nelle Amministrazioni dello Stato
Estados Unidos:
Senior Executive Service (Federal Career Executives): https://www.seniorexecs.org/
Senior Executive Service Candidate Development Programs (SESCDPs): http://www.opm.gov/ses/
recruitment/candevprg.asp
Federal Executive Institute - U.S. Office of Personnel Management: https://www.leadership.opm.gov/
Locations/FEI/ index.aspx
Bibliografia para consulta
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Publica - Enap e o Centro de Desenvolvimento da Administração Publica - Cedam, e dá Outras Providencias.
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Políticas públicas: a experiência dos Gestores Governamentais no Governo Federal do Brasil.
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VIII. Nos casos de repetição, utilizar: REZEK, Francisco, op. Cit., p. 21.
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conforme exemplos listados abaixo:
Livro: WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2004.
Coletânea: MOTA, Lourenço Dantas (org.). Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico 1. 3ª ed. São
Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001.
Artigo em coletânea: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Joaquim Nabuco. Um estadista no império. In:
Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico 1. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001.
Artigo em periódico: BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito
constitucional brasileiro. Revista Diálogo Jurídico. Salvador: ano I, vol. I, nº 6, set. 2001.
Tese acadêmica: SOUZA, Telma de. A tradição autoritária brasileira e a esquerda. Tese (Doutoramento
em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo.
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Ano: 2011 - Julho/Dezembro