Vol. 10 - No. 2 ISSN 1678-4057 - Vol. 10, No. 2 - Jul/Dez 2011 PADRÕES DE AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA NA ARGENTINA E NO BRASIL Alexandre Pereira da Rocha Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental UMA INTERPRETAÇÃO SOBRE OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DA BUROCRACIA WEBERIANA E DO ELITISMO DEMOCRÁTICO: TENSÕES ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E POLÍTICA Bruno Dias Magalhães e Emanuel Camilo de Oliveira Mara RELAÇÕES FEDERATIVAS E INTERSETORIALIDADE NA PROVISÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL NA ETAPA CRECHE Gildete Dutra Emerick UM MODELO PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE E DA EQUIDADE DOS GASTOS PÚBICOS TOTAIS COM SAÚDE DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO NAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO BASEADO NA DECOMPOSIÇÃO DE INDICADOR SINTÉTICO DE EFETIVIDADE DO GASTO Ruyter de Faria Martins Filho Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ESPECIALISTAS EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental uma carreira a serviço da cidadania Diretor Presidente: Trajano Augustus Tavares Quinhões Diretor Vice-Presidente: Rodrigo Ribeiro Novaes Diretor Administrativo-Financeiro: Ricardo Vidal Diretor de Assuntos Jurídicos: João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva Diretor de Comunicação e Divulgação: Nelson Torreão Diretora Sócio-Cultural: Geraldo Alvarenga Diretor de Assuntos Profissionais: Afonso Pacífico Diretor de Assuntos Parlamentares: Valmir Dantas Diretor de Estudos e Pesquisas: Jean Paraíso Alves Diretor Suplente: Eduardo Granha CONSELHO FISCAL: Maurício Pinheiro Fleury Curado, João Mendes Rocha Neto e Sara de Sousa Coutinho CONSELHO DE ÉTICA: Daniel Pitangueira de Avelino, Cristóvão de Melo e James Marlon Azevedo Gorgen Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental : Res Pvblica / Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. – Ano 1, n.1 (set. 2002)- . – Brasília : ANESP, 2002- . Semestral ISSN 1678-4057 1. Administração Pública – Periódicos. 2. Gestão Governamental – Periódicos. 3. Politica Pública – Periódicos. I. Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. II. Título: ResPvblica. CDD 350.005 CDU 35 (05) Editor: Jean Paraiso Alves - Comissão Editorial: Carolina Gabas Stuchi, Daniel Gama e Colombo, Eduardo Granha, Elisabeth Sousa Cagliari Hernandes, Kenys Menezes Machado, Gisele Gomes da Silva, Lamartine Braga, Juliana A. N. Suzuki, Leila Giandoni Ollaik, Márcia Muchagata, Roberto Domingos Taufick, Trajano Augustus Tavares Quinhões - Projeto Gráfico: Wagner Alves /Anagraphia BR - Foto capa: Patrick Grosner Diagramação e Produção: Acqua Design - Revisão: Eveline de Assis. Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Endereço: SBN, Quadra 2, Bloco F, Ed. Via Capital, Sala 309/310 - CEP: 70.040-911 - Brasília/DF. Telefones: (61) 3323 2397 / 3321 3898 / FAX: (61) 3322 4049. E-mail: [email protected] / Site: www.anesp.org.br 1.000 exemplares - Circulação dirigida RES PVBLICA é uma publicação semestral da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental - ANESP. O conteúdo dos artigos publicados não necessariamente expressa a opinião da ANESP. Página 3 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Sumário 5 Editorial 7 Padrões de Avaliação das Políticas de Segurança Pública na Argentina e no Brasil Alexandre Pereira da Rocha 27 Uma Interpretação sobre os Limites e as Possibilidades da Burocracia Weberiana e do Elitismo Democrático: tensões entre administração pública e política Bruno Dias Magalhães e Emanuel Camilo de Oliveira Mara 41 Relações Federativas e Intersetorialidade na Provisão de Educação Infantil na Etapa Creche Gildete Emerick 59 Um Modelo Para Avaliação da Qualidade e da Equidade dos Gastos Púbicos Totais com Saúde das Três Esferas de Governo nas Unidades da Federação Baseado na Decomposição de Indicador Sintético de Efetividade do Gasto Ruyter de Faria Martins Filho 79 Profissionalização da Gestão Governamental Secretaria de Recursos Humanos/MARE Página 5 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Editorial A criação de uma escola de governo que promovesse a formação de quadros de alto nível, com a missão de modernizar, profissionalizar e tornar eficiente a Administração Pública Federal, já era proposta presente, em 1982, no estudo promovido pelo diplomata Sergio Paulo Rouanet 1. Esse estudo constituiu-se no marco que influenciou a concepção, em 1986, da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e a constituição de uma carreira para seus egressos: a de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG). A proposta de Rouanet para a formação de Gestores Governamentais, como ficaram conhecidos os executivos públicos egressos da Enap, aproximava-se a dois casos específicos. O primeiro é o do cycle de formation des hauts fonctionnaires, ministrado pela prestigiosa École Nationale d’Administration (ENA), da França, e que, até fins dos anos 1980, era constituído de um curso de 29 meses. O segundo é o do curso de formação do Instituto Rio Branco (IRB), que era ministrado naquela época em cerca de três anos. Em seu ato de criação (Decreto n° 93.277/1986) ficou estabelecido, que a Enap seria a escola de governo responsável pela formação e profissionalização dos servidores dos escalões superiores da administração pública federal. Já o Centro de Desenvolvimento da Administração Pública (Cedam) se responsabilizaria pela formação e capacitação dos servidores civis das áreas técnicas e técnicooperacionais. O principal objetivo da Enap, portanto, consistia em preparar servidores públicos para a execução de tarefas de alta gerência do Governo Federal. A meta central seria “preparar o Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, tanto em termos de uma formação teórica aprofundada e interdisciplinar - o generalista - como de um treinamento específico prático sobre os problemas concretos da realidade brasileira - o especialista. A Escola deveria criar condições para a progressiva formação de um corpo de administradores de alto nível, capacitado para enfrentar, com competência e determinação, os desafios da Administração Pública” 2. Nas palavras de Florindo Villa-Alvarez, seu primeiro diretor de Ensino e Pesquisa, a Enap seria “uma espécie de Escola de Estado-Maior do oficialato administrativo ... Após dois anos de curso, essa Escola dará aos egressos uma iniciação à última etapa de alto executivo em administração governamental”3 . Desde inícios dos anos 1990, os cursos de formação de executivos públicos de carreira de diversos países, ministrados por escolas de governo, estão sendo aprimorados. No caso da ENA, por exemplo, após reformulação do programa de ensino, ele passou a ser ministrado em cerca de 24 meses. Já o Instituto Rio Branco transformou a formação de diplomatas em um mestrado profissionalizante, em que são ensinadas a parte teórica, em sala, e a prática, em estágios. Outro curso brasileiro que chama a atenção pela qualidade é o da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, responsável pela formação dos EPPGG de Minas Gerais. Na última avaliação feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ele foi o único na área de Públicas a obter a máxima classificação no Índice Geral de Cursos (IGC = 5). Já no exterior, destacam-se, além do da ENA, o curso de formación deI Cuerpo Superior de Administradores Civiles deI Estado, promovido pelo Instituto Nacional de Administración Pública (Espanha); o Corsi-Concorso selettivi di formazione che permettono l’accesso alla carriera di dirigente nelle amministrazioni dello Stato, ministrado pela Scuola Superiore della Pubblica Amministrazione (SSPA/ltália); e os Senior Executive Service Candidate Development Programs (SESCDPs), do U.S. Office of Personnel Management e do Federal Executive Institute, que recrutam, selecionam e treinam os candidatos à carreira de executivos federais do Senior Executive Service (EUA). O curso de formação de EPPGG, concebido inicialmente para ter duração de 3 (três) anos - tempo próximo ao do “Ciclo de Formação de Altos Funcionários” da ENA e do curso de formação para ingresso à diplomacia do IRB daquela época -, foi implementado, para a formação da primeira turma, em aproximadamente 18 meses e para as seguintes, em cerca de 900 horas/aula (seis meses corridos). As últimas edições foram realizadas em pouco mais de 400 horas/aula. Embora tenham sido notáveis os esforços da atual administração em aprimorar a Enap em todos os sentidos, nenhum outro curso de formação de carreiras passou por tamanha simplificação. Portanto, urge aprimorar a formação de Gestores Governamentais. É preciso que a administração pública forneça as condições para que a Enap exerça plenamente o seu papel de escola de governo, aproximando sua qualidade à adquirida por outras escolas de governo do Brasil e do exterior. Assim sendo, é chegada a hora de aprimorar a formação de Gestores Governamentais, aproximando sua qualidade à adquirida por outras escolas de governo do Brasil e do exterior. A Enap tem, desde seu ato de criação, o destino de se consolidar como uma “escola de aprendizes de estadista”, responsável pela formação de pessoal qualificado para o exercício de atividades de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e a habilitação para o exercício de cargos de direção e assessoramento superiores, conforme previsto na Lei n° 7.834, de 6 de outubro de 1989. É necessário também aperfeiçoar a formação do EPPGG em todas as suas fases. Para a inicial, uma ideia seria seguir o exemplo do IRB e transformá-lo em um curso de pósgraduação stricto sensu (mestrado profissional) em “políticas públicas e gestão governamental”, com a duração aproximada de 18 (dezoito) meses. Já os cursos de aperfeiçoamento, promovidos pela Enap ao longo da carreira, devem se aproximar mais ao que estabelecia o Decreto n° 98.895/1990 e serem constituídos de “assuntos das áreas de conhecimento e habilidades técnicas necessárias para o exercício da gerência” das atividades de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas nos seus vários níveis. Por fim, é importante tornar a Enap referência em formação de executivos públicos para a profissionalização da alta administração, por meio da disponibilização de vagas a alunos/servidores de países da América Latina, em especial do Mercosul. Isso possibilitaria a criação e consolidação de redes de políticas públicas e gestão governamental dentro da região, em especial com carreiras equivalentes à de EPPGG, como os Administradores Gubernamentales (Argentina), o Cuerpo de Gerentes Públicos (Peru) e o Servicio Profesional de Carrera (México). A Administração Pública e os Gestores Governamentais devem envidar esforços para consolidar e fortalecer a Enap. Boa Leitura. 1 ROUANET, Sérgio Paulo. Criação no Brasil de uma Escola Superior de Administração Pública. Brasília: ENAP/ANESP,2005. 2 SOUZA, Eda Castro de. Escolas de Governo do Cone Sul: estudo institucional do INAP (Argentina) e da Enap (Brasil). Brasília: CEPPAC [FLACSO]/UnB, 1996. 3 RAMOS, Cosete. Escola Nacional de Administração Pública: uma proposta diferente de educação. Brasília: Depto de Administração [FACE]-UnB/MP-ENAP, 1987. Página 7 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Padrões de avaliação das políticas de segurança na Argentina e no Brasil Por Alexandre Pereira da Rocha O trabalho analisa relatórios de avaliação de políticas públicas na área de segurança com o objetivo de identificar padrões de avaliação. Para tanto, compara dois tipos de avaliação, sendo uma densa sobre toda a política pública de segurança na Argentina, desenvolvida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); e outra, específica, sobre o programa Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), no Brasil, desenvolvido pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A partir dos relatórios citados, o trabalho defende a necessidade de requisitos mínimos para os estudos avaliatórios. Além disso, debate sobre os usos e limitações da avaliação na área de segurança pública, enquanto ferramenta de gestão, mecanismo de produção de accountability e transparência nas ações governamentais. “A avaliação de gestão não é apenas um problema técnico ou gerencial (...). Ela é um assunto político que concerne tanto a governantes como a governados.” Sonia Bozzi (2001) Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Padrões de avaliação das políticas de segurança na Argentina e no Brasil (8) INTRODUÇÃO Este artigo pretende comparar dados de dois relatórios de avaliação de políticas públicas. O objetivo é analisar com que métodos, parâmetros e critérios os relatórios foram produzidos. Além disso, revisa algumas conceituações sobre a avaliação de políticas públicas, como, por exemplo, a discussão de a avaliação ser ferramenta integrada ao ciclo de gestão e mecanismo de produção de responsabilidade nos governos. Observa, ainda, aspectos relacionados aos usos que a avaliação pode adquirir. Com, isso se pretende identificar padrões e rotinas avaliativas. Para tanto, adota-se como objeto de pesquisa a análise de relatórios de avaliação de políticas e programas realizados por instituições com histórico nesta atividade. Os relatórios selecionados foram: Relatório 1 – Informe de Políticas Públicas de Seguridad Ciudadana de la Argentina, elaborado em 2006, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); e Relatório 2 – Avaliação do Programa Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), realizada em 2005, pelo Tribunal de Contas da União, do Brasil. Os relatórios supramencionados avaliam políticas e programas da área de segurança pública na Argentina e no Brasil. Os países apontados passaram por regimes autoritários, nos quais as políticas de segurança não tinham caráter público. Entretanto, com a democratização a área de segurança vem passando por mudanças que exigem dos governos a capacidade de refletirem com a sociedade civil sobre as políticas públicas para enfrentar de maneira eficaz a criminalidade, diminuir os altos índices de violência e reformas as polícias (FRÜHLING, 2003). Neste cenário, defende-se que avaliação pode colaborar para as mudanças nas políticas e programas de prevenção à criminalidade, bem como proporcionar transparência e democratização às ações governamentais na área de segurança. Além disso, os relatórios selecionados exemplificam dois tipos de avaliação. O Relatório 1 faz uma avaliação ampla das políticas de segurança pública na Argentina; enquanto o Relatório 2 avalia especificamente o programa SUSP do Brasil. Apesar da diferença quanto ao escopo da avaliação, pois o primeiro relatório avalia a política de segurança de forma genérica e o segundo pontualmente, defende-se que esses tipos de relatório de avaliação contribuem de forma diferente para o conhecimento das políticas e programas. Avaliações específicas são importantes para mensurar os efeitos de determinados programas, enquanto avaliações construídas a partir de uma proposição de mediação mais ampla para captar os impactos das diferentes intervenções governamentais na sociedade, ainda que diversas de segurança pública. Portanto, com o estudo comparado desses dois relatórios, pretende-se mostrar que independente do conteúdo, do objetivo e do escopo da avaliação, os relatórios ao adotarem procedimentos básicos, têm condições de ofertar conhecimentos sobre a realidade social, políticas e programas. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS A avaliação, conforme Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004), pode ser entendida segundo duas definições. A primeira avaliação equivale simplesmente a uma determinação do valor ou mérito de um objeto de avaliação. A segunda avaliação é mais complexa, pois aborda a identificação, esclarecimento e aplicação de critérios defensáveis para determinado valor (valor ou mérito), a qualidade, a utilidade, a eficácia ou a importância do objeto avaliado em relação a esses critérios. No tradicional ciclo de políticas públicas, a saber: formação da agenda, formulação, implementação, execução e avaliação; a função avaliativa encontra-se na última fase. Nesta concepção, ela consiste na mensuração e análise, a posteriori, dos efeitos produzidos na sociedade pelas políticas públicas, especialmente no que diz respeito às realizações obtidas e às consequências previstas e não previstas (SARAVIA, 2006, p. 35). Entretanto, em estudos mais recentes destaca-se que a avaliação pode ocorrer antes, intermediariamente ou no fim. A avaliação entra na configuração das políticas públicas como uma espécie de diagnóstico e, na formulação da política os instrumentos da avaliação devem ser especificados. Assim, a avaliação deve estar integrada a todo o ciclo de gestão, desenvolvendo-se simultaneamente a ele, desde o momento inicial da identificação do problema (MOKATE, 2002, p. 94). De acordo com Rua (2009), a avaliação representa um potente instrumento de gestão na medida em que pode – A avaliação pode ter função complementar à dos procedimentos de validação ou invalidação de programas governamentais (...) e encaixa-se no arcabouço da transparência, próprio da qualidade das instituições dos regimes democráticos. ... e deve – ser utilizada durante todo o ciclo de gestão, subsidiando o planejamento e formulação de uma intervenção, o acompanhamento de sua implementação, os consequentes ajustes a serem adotados, e até as decisões sobre a manutenção, aperfeiçoamento, mudança de rumo ou interrupção. Nota-se que a avaliação levanta questionamentos e situações que podem apontar os limites de uma dada política ou programa. Todavia, segundo Motake (2002) não pode ser diferente, porque a avaliação deve verificar o cumprimento de objetivos e validar continuamente o valor social incorporado ao cumprimento desses objetivos (MOKATE, apud RUA, 2009, p. 1). A avaliação é uma das fases do ciclo das políticas públicas, e adquire cada vez mais relevância ao ser vista como ferramenta que proporciona melhorias no ciclo de gestão. Além disso, ela pode ter função complementar à dos procedimentos de validação ou invalidação de programas governamentais. A avaliação encaixa-se no arcabouço da transparência, próprio da qualidade das instituições dos regimes democráticos. Afinal, ela tem um caráter informacional, seja para os cidadãos ou os stakeholders do programa, quanto feita de modo específico; ou então, seja para sociedade em geral, quanto feita sobre toda uma determinada política. Com efeito, Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Padrões de avaliação das políticas de segurança na Argentina e no Brasil (10) segundo Bozzi (2001), a avaliação de projetos e programas públicos destaca-se atualmente por que se realiza no âmbito da modernização das instituições do Estado, as quais buscam uma gestão pública responsável. Desse modo, na literatura recente sobre avaliação ela aproxima-se da noção de accountability1, sobretudo nas dimensões apontadas por Schmitter (2005), as quais são: informação, justificação e julgamento. Para esse autor accountability é uma relação entre dois conjuntos de atores, na qual um deles aceita informar, explicar ou justificar para os outros suas ações e se submeter a possíveis sanções predeterminadas que este possa impor. Por isso, quando funciona, a accountability envolve uma troca mútua de responsabilidades e potenciais sanções entre cidadãos e governantes (SCHMITTER, 2005, p. 19). Diante disso, a literatura referente às tendências recentes na avaliação de programas e políticas públicas também incluem, entre as razões para se realizarem estudos de avaliação, a questão do desempenho e da accountability. Assim, no governo esses estudos estão diretamente ligados à questão da efetividade, da eficiência, da accountability e, mais amplamente, do desempenho da gestão pública (CENEVIVA; FARAH, 2006). As dimensões da accountability informação, justificação e julgamento, propostas por Schmitter (2005) formam um conjunto que se caracteriza pela prestação responsável de contas dos resultados das políticas públicas à sociedade. No entanto, não é só apresentação formal do que foi feito ou não. Trata-se de informar à sociedade sobre as políticas que estão sendo realizadas e justificar o motivo delas. Estes elementos, por sua vez, produzem subsídios para que seja possível o julgamento das ações dos governantes, por parte dos cidadãos e interessados nas políticas. Assim, a avaliação das políticas públicas é uma prática fundamental em governos accountables, transparentes e responsáveis.2 As abordagens de Schmitter (2005) não estão diretamente relacionadas à avaliação de políticas públicas, mas à compreensão do contexto político em uma dada sociedade. Contudo, é possível depreender que a avaliação é adotada com frequência em governos que atuam responsavelmente perante a sociedade. Em virtude disso, a avaliação de políticas públicas e programas governamentais é vista não apenas como um instrumento de gestão, mas, sobretudo, como um meio para auferir o desempenho e estabelecer os parâmetros para a prestação de contas da burocracia e dos governantes (CENEVIVA; FARAH, 2006). O estudo da função avaliativa mostra que ele foi adquirindo funções específicas conforme as variações da situação política e dos papéis dos governos. Isto fica evidente no estudo histórico realizado por Derlien (2001), que apresenta três funções básicas para avaliação, a saber: informação, realocação e legitimação. A função de informação está relacionada à melhoria dos programas, na qual os gerentes têm interesse em usar a avaliação como mecanismo de feedback. A função de realocação visa promover uma alocação racional de recursos no processo orçamentário. Por fim, a função de legitimação privilegia a mediação de resultados, na qual avaliadores se convertem em auditores.3 Nota-se nessa trajetória histórica, que mesmo avaliação adquirindo posição de ferramenta de gestão, ela é carregada de valores simbólicos e políticos. Na avaliação, ressaltam-se questões e disputas relativas à definição dos interesses prioritários e do escopo do Estado, à competição eleitoral, ao controle das interações intergovernamentais e à busca de acomodação de forças e de interesses no âmbito burocrático, entre muitas outras questões relacionadas às disputas de poder entre agentes e principais os mais diversos (FARIA, 2005, p. 102). Desse modo, no contexto das políticas públicas a avaliação não pode ser vista apenas como ferramenta de gestão, mas também como uma maneira política de os governos se relacionarem responsavelmente com a sociedade. Logo, ela assume relevância nos governos democráticos, os quais têm a obrigação de prestar contas à sociedade, informar e justificar suas ações aos cidadãos, aos stakeholders, o que por sua vez permite a produção de accountability. De toda forma, a avaliação contribui para o aperfeiçoamento, a melhoria do processo decisório, o aprendizado institucional e/ou aumento da accountability (RUA, 2009). Nada obstante, ressalta-se que por ser uma ferramenta em desenvolvimento, pelo menos na América Latina, a avaliação enfrenta indefinições no campo acadêmico e profissional, bem como restrições de aplicabilidade no ciclo da gestão das políticas públicas. Isso porque, de acordo com Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004), a avaliação é tanto atividade científica quanto política, o que pode conduzir a problemas nos objetivos e usos da avaliação. Os relatórios selecionados para este estudo abordam o tema segurança pública, o qual é interessante para analisar as relações entre os aspectos técnicos e políticos da avaliação. No caso da Argentina e do Brasil, as políticas de segurança pública tentam afastar um passado autoritário e encontrar um novo papel no contexto democrático, contudo existem dificuldades no campo técnico e político em se implementar políticas públicas inteligentes, pluridimensionais, intersetoriais e sensíveis às especificidades de cada localidade (SOARES, 2006, p. 102). Durante os períodos autoritários da Argentina e do Brasil, os temas relacionados à segurança não eram considerados assuntos públicos, contudo com o processo de democratização eles passaram por redefinições4. Nesses países, hoje o debate gira em torno de segurança pública ou cidadã, com isso o tema é discutido com os mais variados segmentos de governos e sociedades5. RELATÓRIOS DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UM POSSÍVEL ROTEIRO A avaliação de políticas públicas, mesmo sendo o estudo de políticas públicas uma subárea da ciência política, é um tema multidisciplinar. Com a finalidade de firmar um julgamento de valor, a depender da política ou do programa avaliado, a avaliação serve e se apropria de conhecimentos de áreas diversas, por exemplo, sociologia, economia, administração, engenharias. De qualquer forma, a metodologia da avaliação segue os padrões do conhecimento científico, pois busca analisar a realidade social ou um programa específico com objetividade. Por conseguinte, para efeitos deste trabalho, a avaliação que se estuda é a do tipo formal, que é aquela estruturada e pública, sendo que suas opções se baseiam em esforços “sistemáticos” para definir critérios “explícitos” e obter informações “acuradas” sobre as alternativas (possibilitando com isso a determinação do valor real das alternativas) (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 38). Estas são as vantagens desse tipo avaliação: pode contribuir para aperfeiçoar a formulação de políticas públicas e projetos, especialmente tornando mais responsável a formulação de metas; pode apontar em que medida os governos se mostram responsivos diante das necessidades dos cidadãos; e pode mostrar se as políticas e programas estão sendo concebidos de modo coordenado e articulado (RUA, 2003). Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Padrões de avaliação das políticas de segurança na Argentina e no Brasil Este trabalho defende que o relatório de avaliação deve ter conjunto de características capazes de estabelecer e transmitir o objetivo da análise avaliativa, isto é, comunicar os resultados da avaliação aos interessados. Nada obstante, destaca-se que o objetivo da avaliação não é apenas informar, pois ela pode ter fins não legítimos, como aponta Weiss (1998)6, ou função de educar, convencer, fazer prestação de contas, explorar e investigar, documentar, obter apoio, promover entendimento, promover relações públicas. Na verdade, a finalidade de um relatório de avaliação está diretamente ligada ao uso que se pretende da avaliação (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 554). Independente das controvérsias sobre as funções da avaliação, sugere-se que um roteiro de avaliação colabora para o alcance dos propósitos do relatório. No Quadro 1, vemos uma estrutura mínima de relatórios. O roteiro proposto no Quadro 1 não objetiva engessar o formato de relatórios, mas argumenta que se um relatório de avaliação não contemplar tais critérios, pode não atingir seus objetivos ou não ter a qualidade desejada. Como observa Rua (2003), a avaliação formal não possui uma metodologia específica. Pode lançar mão de um conjunto de métodos de diagnóstico e análise, de técnicas de coleta de dados. A experiência tem ensinado que a avaliação ganha precisão quando recorre a dados quantitativos e qualitativos. Por outro lado, a mesma Quadro 17 – Relatório de Avaliação: “estrutura mínima” (12) a) Propósitos da avaliação – definição clara de quem são os usuários, os objetivos, os critérios e os indicadores; b) Perguntas de avaliação – questões específicas que delimitem o escopo da avaliação e, mesmo assim, guardem consistência entre os objetivos e critérios da avaliação; c) Metodologia da avaliação – estratégia adequada para as respostas das perguntas avaliativas, com uma estrutura lógica que possibilite a clara identificação dos critérios da avaliação; d) Procedimento da avaliação – tratar dos dados da avaliação com acurácia8, ou seja, precisão. Isso reforça a confiabilidade dos dados do relatório, o que permite uma avaliação com profundidade; e) Apresentação e uso – forma e conteúdo adequados com pertinência e consistência lógica das conclusões, bem como das recomendações. Fonte: Elaborado a partir: “Avaliação de Políticas, Programas e Projetos: notas introdutórias”, de Maria das Graças Rua, ENAP, 2003, e da Nota Técnica do IPEA, “Como elaborar o modelo lógico de programa: um roteiro básico”, 2007. experiência tem mostrado alguns cuidados imprescindíveis à qualidade das avaliações. Além disso, esse roteiro facilita a compreensão de certo relatório de avaliação por parte dos avaliadores e dos leitores interessados, a despeito do uso que ele possa ter. Para tanto, em termos de métodos, parâmetros e critérios, o relatório tem de ser capaz de: estabelecer o objetivo da avaliação; ter a delimitação exata do objeto; informar como a avaliação foi planejada e conduzida; destacar quais fatos foram estabelecidos; e por fim, informar quais conclusões foram tiradas e quais recomendações resultaram dela9. Tais quesitos colaboram para identificar o objetivo básico de uma avaliação, o qual é produzir julgamentos do valor do que quer que esteja avaliado, segundo Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004). ANÁLISE COMPARATIVA DOS RELATÓRIOS DE AVALIAÇÃO O Relatório 1 – Informe de Políticas Públicas de Seguridad Ciudadana de la Argentina foi desenvolvido no âmbito do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sendo concluído em fevereiro de 2006. Este relatório teve por objetivo analisar a organização e funcionamento das instituições públicas responsáveis por oferecer respostas sobre o delito, a violência e a insegurança na Argentina. Com uma perspectiva de sistema, abordou-se a situação da segurança/insegurança subjetiva e objetiva no país, na Província de Buenos Aires e na Ciudad Autónoma de Buenos Aires, e foram descritas as iniciativas empreendidas nos cinco anos anteriores a 2006 (TUDELA, 2006). Teve como pesquisadores, condutores da avaliação, Patricio Tudela e Beatriz López. O primeiro pesquisador é PhD em antropologia cultural e tem realizado pesquisas sobre insegurança cidadã, desenvolvimento organizacional, gestão e reformas nas polícias da América Latina. A segunda pesquisadora é integrante da Divisão de Programas Sociais da Região 1 (RE1/SO1) do BID, onde aborda pesquisas nas áreas de desenvolvimento urbano para América Latina. O relatório caracteriza-se por fazer avaliação ampla das políticas públicas de segurança na Argentina10. Esse tipo de avaliação faz parte dos relatórios de agências internacionais de fomento, como é caso do BID. Embora tenha escopo amplo, a avaliação divide-se na análise de Ciudad Autónoma de Buenos Aires (CABA) e dos demais distritos da Argentina, onde CABA, apesar das deficiências, assume a função de controle, de objeto comparativo. Por um lado, a avaliação caracteriza-se por ser ex-ante, haja vista expressar uma concepção holística, interativa e iterativa, segundo a qual a avaliação se inicia no momento em que se define o problema ou a necessidade que justifica a política, programa ou projeto (RUA, 2009, p. 10). Por outro lado, ex-post por analisar os resultados de políticas adotadas nos últimos cinco anos. Ademais, pode-se também afirmar que assume perfil de avaliação somativa, porquanto tem o intuito de orientar para a escolha de objetivos e definição de prioridades, para traçar estratégias, questionar sobre a continuação, ampliação e encerramento de certos programas. Ou seja, ela torna pública a situação para dar aos responsáveis pela tomada de decisões do programa e aos interessados potenciais julgamentos de valor ou mérito do programa em relação a critérios importantes (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 47). É um relatório de natureza externa patrocinado pelo BID, com a finalidade de subsidiar a condução de novas políticas públicas. O relatório de avaliação não aborda um programa específico, mas analisa a situação da segurança pública a partir da relação entre as instituições responsáveis pela segurança pública e da implementação de alguns programas. Para tanto, é observado o papel desempenhado pelos órgãos: Ministério da Justiça, Polícia, Secretaria de Assuntos Penitenciários, Secretaria de Programação para Prevenção das Drogas e Luta contra o Narcotráfico. Alguns programas são destacados pelos avaliadores, por exemplo: Plan Nacional de Prevención del Delito, Programa de Comunidades Vulnerables, Programa de Control y Evaluación de Respuesta, Cadidad y Actitud del Servicio Policial, reformas policiais. O relatório – Informe de Políticas Públicas de Seguridad Ciudadana de la Argentina tem função firmada na utilização, pois o enfoque são os usuários, os gestores, os decisores das políticas de segurança públicas. Os resultados dos relatórios de avaliação do BID geralmente são utilizados para definir programas para os países que de alguma forma subsidia, ou seja, os resultados ajudam a definir a estratégia de fomento e de investimento. Entretanto, nota-se que os usuários da avaliação vão além dos interesses do BID, pois se destinam à comunidade de segurança pública da Argentina. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Padrões de avaliação das políticas de segurança na Argentina e no Brasil Com a definição dos usuários e a identificação da situação-problema, isto é, das deficiências do sistema de segurança cidadã, traçam-se os objetivos do relatório que são expostos em linhas gerais e específicas. Objetivo general – es analizar la situación de la seguridad ciudadana y las políticas públicas para enfrentar la delincuencia y la violencia, así como la inseguridad y el temor en los países mencionados. Objetivos específicos – 1) Comprender las características y manifestaciones de la criminalidad, la violencia y la inseguridad y el temor asociados a ellas, así como identificar los principales factores que influyen estos fenómenos, y los grupos más vulnerables a los mismos, en los contextos nacionales y locales mencionados. 2) Analizar el enfoque conceptual y de gestión de la Política de Seguridad Ciudadana (...) 3) Identificar las iniciativas, metodologías y prácticas que están demostrando ser efectivas y/o prometedoras en el combate de la criminalidad y la violencia, así como los principales obstáculos y los retos que enfrenta la Política de Seguridad Ciudadana en la actualidad y en el futuro (TUDELA, 2006, p. 7-8). O desenho metodológico assume caráter descritivo, com enfoque qualitativo e quantitativo. Avalia o processo de gestão das políticas de segurança com a finalidade de averiguar o desempenho dos órgãos responsáveis. No formato da pesquisa avaliativa foram usados questionários que se conectavam aos indicadores-chaves, os quais captavam a visão da segurança pública em diferentes setores analisados. (14) Este estudio desarrolla un enfoque descriptivo y analítico-explicativo de la situación y estado de desarrollo de la seguridad ciudadana y la(s) política(s). Centra la mirada en la gestión del Estado en este ámbito sobre la base de la recolección de información pertinente y el análisis de indicadores que miden la evolución y desempeño del sector, la búsqueda y revisión de información secundaria y entrevistas a informantes claves. (...) Los indicadores empleados son el resultado de una búsqueda y selección a partir del análisis de estudios parecidos en cuanto a propósitos, investigaciones realizadas en ámbitos similares y la experiencia práctica. La utilidad de estos indicadores e índices radican en que son objetivos, permiten estandarizar informaciones cuantitativas y cualitativas y ayudan a construir un piso de comparación temporal y de comparación con otros países. Son, al mismo tiempo, una interesante guía de búsqueda de descriptores necesarios, básicos e imprescindibles para un diagnóstico y evaluación (TUDELA, 2006, p. 8-9). Para mensurar a insegurança na Argentina a avaliação adota os seguintes indicadores: percentagem de jovens submetidos ao consumo de drogas ilícitas, taxa de homicídios, taxa de denúncia, tendência de vitimização, perfil das vítimas, aumento da violência em diversos tipos de crimes. Tais indicadores mostram a percepção de violência e se colocam como linha de base para ser superada. Ou seja, a redução de elevadas taxas – como, por exemplo, mortes e lesionados no trânsito, que é de 33 e 27 por dia, respectivamente, ficando entre as maiores do mundo – configura-se com uma situação-problema a ser enfrentada pelos programas de segurança na Argentina. Os critérios para analisar as políticas públicas de segurança pública adotadas pelo relatório foram: suficiência, consistência e pertinência. Observa-se que tais os critérios guardam coerência com os objetivos propostos pela avaliação. Afinal, no tocante à suficiência, nota-se a identificação de situações que dificultam a implementação de políticas efetivas, por exemplo, a falta de uma política e estratégia nacional para garantir a continuidade ou implementação de instrumentos necessários para o conhecimento das demandas de segurança pública (TUDELA, 2006, p. 12). Quanto à inconsistência e à falta de pertinácia, ressaltam-se as limitações das políticas de controle policial e recrudescimento das leis. No se ha demostrado la consistencia, pertinencia y relación entre la contribución legislativa y la sensación, clima o percepción de seguridad. Las leyes, podría afirmarse, ayudan a crear condiciones más propicias para el ejercicio de los derechos, pero no hay evidencia empírica que muestre una incidencia real de la respuesta jurídico-legislativa sobre la inseguridad objetiva y subjetiva (TUDELA, 2006, p. 52). O relatório também cita os critérios da eficiência e da eficácia, mas com restrições. Na verdade, o relatório faz O relatório tem metodologia adequada, com estrutura que identifica os critérios da avaliação e os conecta aos objetivos de forma lógica.(...) Trata-se de um relatório consistente com formato e conteúdo adequados à avaliação, sobretudo na função informativa.. advertências na medida em que coloca as limitações de tais critérios como meio de avaliar as atuais políticas de segurança, isto é, questiona a capacidade deles medirem a dimensão da situação-problema. En materia de eficiencia - objetivos, metas, impacto y resultados - es poco lo que se puede decir, porque ni las metas, objetivos, medios implementados y resultados son claros. En este sentido, es fundamental que se expliciten los principios orientadores, objetivos, metas e indicadores de resultados y de impacto buscados por cada institución a cargo en las iniciativas que ejecutan o proyectan. Esto permitirá en el futuro contar la información de base para la evaluación y monitoreo de las mismas (TUDELA, 2006, p. 52). O relatório tem metodologia adequada, com estrutura que identifica os critérios da avaliação e os conecta aos objetivos de forma lógica. Os dados encontrados na pesquisa são tratados com acurácia, o que permite uma visão detalhada da situação de segurança pública da Argentina no período analisado. Trata-se de um relatório consistente com formato e conteúdo adequados à avaliação, sobretudo na função informativa. Faz avaliação densa comparando os indicadores de CABA com as demais regiões da Argentina. Ressalta-se que é elaborada Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Padrões de avaliação das políticas de segurança na Argentina e no Brasil (16) uma síntese apresentando as principais fortalezas, debilidades e ameaças da estrutura de segurança pública, o que pode facilitar as tomadas de decisão, os desenhos dos programas. Por fim apresenta recomendações gerais e específicas. A conclusão está de acordo com o objetivo da avaliação e delineia o estado das políticas de segurança pública na Argentina. El diagnóstico de la situación general del país y de la estructura del Estado en sus distintos niveles muestra cifras y tendencias preocupantes. Más allá de que los indicadores examinados revelan la brecha entre las tasas de denuncia (estadística oficial), la victimización (medida a través de encuestas) y el sesgo que provoca una percepción negativa de la policía, la justicia y la falta de protección a las víctimas, el análisis de las cualidades y características del sistema tampoco es positivo. Lo anterior ratifica la necesidad de emprender acciones en Argentina para mejorar los sistemas requeridos para el diseño e implementación de políticas y una oportuna toma de decisiones. Hay varios aspectos que pueden y deben mejorarse. En general, los ámbitos se relacionan con la forma de hacer las cosas y con facetas técnicas de la gestión tanto a nivel del gobierno nacional como del gobierno de la provincia de Buenos Aires y de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires (TUDELA, 2006, p. 60). O Relatório 2 – Avaliação do Programa Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) foi desenvolvido pelo Tribunal de Contas da União, do Brasil, com o fim de cumprir uma das funções institucionais desse tribunal, a qual é justamente avaliar as políticas e programas governamentais. Como é característico, foi desenvolvido por uma equipe de auditores, que após a avaliação submetem seu conteúdo ao plenário de ministros do TCU para votação. Desse processo resultou o Acórdão nº 724/ 2005-TCU. O SUSP tem por objetivo reduzir a criminalidade e a violência mediante a implantação de sistema único coordenado em termos de segurança pública. O referido programa avaliado foi identificado no Plano Plurianual (PPA 2004/7) sob o número 1.127, é gerenciado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça (BRASIL, 2005, p. 15). O relatório do TCU avaliou um programa específico de segurança pública, o SUSP, diferentemente do relatório visto anteriormente do BID. As avaliações do TCU são técnicas, consistentes e cumprem a função informacional. No caso específico, trata-se de uma avaliação intermediária, haja vista que o SUSP ter caráter contínuo. O SUSP é um programa que pretende reduzir as disparidades entre as estruturas de segurança pública e a avaliação teve por fim verificar se houve alteração na situação-problema11. A avaliação do SUSP enquadra-se como formativa, que segundo Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004) tem a função de proporcionar informações úteis à equipe gestora do programa ou aos planejadores, o que pode ocasionar aperfeiçoamentos na execução ou atualizações para maximizar os objetivos. Ou seja, a finalidade da avaliação formativa é subsidiar o aprimoramento das políticas governamentais em andamento. O relatório de avaliação é de natureza externa, o qual decorreu da seguinte determinação: O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União – TCU ofereceu Representação com vistas a que esta Corte de Contas determine a realização de auditoria de natureza operacional acerca do cumprimento, pelo Estado, de seu dever constitucional de defesa dos direitos humanos referentes à vida, à integridade física e à liberdade no exercício de atividades voltadas ao combate ao crime (BRASIL, 2005, p. 10). Ademais, a avaliação do SUSP focalizou os objetivos, pois analisou se objetivos do programa estavam sendo alcançados e em que medida. Ou seja, questionou se o SUSP modificou a situação-problema, sendo justamente isso o que se configurou como objetivo da avaliação. Nesse sentido, pode ser classificada como uma avaliação de resultado, na qual se confronta os resultados previstos e com os efetivamente obtidos (COTTA, 1998, p. 110). O TCU realizou auditoria com o intuito de avaliar se os mecanismos propostos pelo Sistema Único de Segurança Pública, no exercício das atividades de combate ao crime, contribuem para garantir o respeito aos direitos humanos referentes à vida, integridade física e liberdade (BRASIL, 2005, p. 9). O usuário dessa avaliação, isto é, a quem se destina é imediatamente a Corte de Ministro do TCU. Mas os resultados da avaliação podem ser usados pelos gestores do SUSP, uma vez que as auditorias do TCU visam divulgar para órgãos governamentais, parlamentares e sociedade civil os principais resultados das avaliações de programas governamentais, com o intuito de verificar o desempenho da gestão pública em áreas estratégicas do governo e em programas prioritários e relevantes para a sociedade (BRASIL, 2005, p. 9). O critério adotado na avaliação é basicamente o da suficiência, no qual se averiguou a compatibilidade dos recursos materiais, orçamentários, financeiros, humanos e de informações disponíveis para o alcance dos objetivos do programa. Segundo o relatório de avaliação do TCU – SUSP (2005), as pesquisas realizadas no âmbito deste trabalho apontam para algumas possíveis melhorias na utilização de indicadores como critérios para distribuição de recursos. Foi constatado, em auditoria da Secretaria Federal de Controle Interno (SFCI), que alguns estados encontram dificuldades em executar a totalidade dos recursos repassados, em razão de deficiências em suas estruturas administrativas (BRASIL, 2005, p. 29). Os indicadores foram desenvolvidos a partir das auditorias nos órgãos de segurança, observando as instalações físicas, os recursos humanos e o aparelhamento operacional das policias. Para subsidiar os indicadores foram elaboradas entrevistas com parte da comunidade de segurança pública, como pode ser visto: Durante a auditoria, foram analisados 195 questionários aplicados a policiais. Declararam-se insatisfeitos com suas condições de trabalho 70,9% deles. A mesma pergunta foi feita a delegados e policiais militares graduados e, como resposta, obtevese que 56% deles estão insatisfeitos com suas condições de trabalho (BRASIL, 2005: 14). A pergunta avaliativa guarda coerência com os critérios e indicadores, além de limitar o escopo da avaliação. A pergunta deste relatório do TCU (2005) teve por fim questionar se implantação do SUSP causou mudanças na situação-problema e se as medidas adotadas estão sendo suficientes. Vide: Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Padrões de avaliação das políticas de segurança na Argentina e no Brasil O principal objetivo desta auditoria foi avaliar se os mecanismos propostos pelo SUSP, no exercício das atividades de combate ao crime, contribuem para garantir o respeito aos direitos humanos referentes à vida, integridade física e liberdade. O trabalho voltou-se para a análise de três questões de auditoria, que versam sobre: suficiência e compatibilidade dos recursos materiais, orçamentários, financeiros, humanos e de informações disponíveis para o alcance dos objetivos do Programa; contribuição das ações de capacitação para a formação de policiais promotores de direitos humanos; contribuição dos mecanismos de controle para a redução das violações de direitos humanos nas atividades de combate ao crime (BRASIL, 2005, p. 11). Com essas observações sobre os critérios e indicadores, nota-se que a metodologia abarcou uma análise descritiva, a qual seguiu a lógica de separar estados com resultados que apresentaram “boas práticas” segundo os recursos disponibilizados pelo SUSP, daqueles que não tiveram desempenho esperado pelo programa. Foi uma análise qualitativa, por considerar a questão das boas práticas de segurança, mas também quantitativa ao apresentar as limitações físicas do SUSP, por exemplo, insuficiência dos recursos. Alguns estados foram escolhidos para serem auditados, seguindo um formato não aleatório. Os trabalhos de campo foram realizados em cinco estados da federação (Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul). O teste-piloto foi feito em Goiás e no Distrito Federal. A escolha dos estados visitados considerou relatos de boas práticas, visita a pelo menos um estado de cada região brasileira e volume de recursos repassados pelo Ministério da Justiça às secretarias de segurança pública estaduais, no exercício de 2003 (BRASIL, 2005, p. 11). A metodologia adotada se conecta aos objetivos da auditoria, pois está de acordo com o próprio TCU: “Um dos objetivos das auditorias de natureza operacional é identificar boas práticas que possam ser disseminadas entre os gestores do programa auditado e entre gestores de outros programas federais” (BRASIL, 2005, p. 21). (18) Na presente avaliação do SUSP os questionários e as auditorias trouxeram dados relevantes, os quais foram apurados com a precisão e proporcionaram uma visão detalhada do programa. Foi observado que, apesar de o SUSP visar à redução das desigualdades regionais em segurança pública, ainda persistem lapsos e pouca coordenação entre os níveis federal, estadual e municipal. Em virtude disso, faz recomendações que pretendem realinhar os objetivos do programa com os resultados, como pode ser visto, por exemplo: Entre as recomendações, destacam-se: revisar critérios adotados para alocação dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP); firmar convênios para o recebimento de doações de materiais e equipamentos; otimizar a distribuição de recursos humanos, inclusive mantendo em atividade policiais que sofreram acidentes de trabalho; verificar as dificuldades enfrentadas pelos estados na utilização dos sistemas informatizados federais; desenvolver programas que propiciem aumento da autoestima dos policiais [...] (BRASIL, 2005, p. 21). Os relatórios de avaliação do TCU seguem certo padrão de confecção. Pode-se observar a sequência de apresentação do programa a ser auditado, o que foi avaliado, por que foi avaliado, como foi desenvolvido o trabalho, o que o foi encontrado, e o que pode ser feito para melhorar. Dentro dessa dinâmica, ressalta-se que é um relatório consistente nos quesitos de informação, realocação e legitimação. AVALIAÇÃO: USOS E LIMITAÇÕES NA SEGURANÇA PÚBLICA Como pôde ser visto pela análise dos relatórios em discussão, que a avaliação de políticas públicas é tarefa complexa, pois requer conhecimentos de ferramentas acadêmicas e gerencias, além de percepção do contexto político onde se realiza a avaliação. Portanto, embora a avaliação siga padrões de objetividade, ela pode ser influenciada por diversos atores, como cidadãos, stakeholders, políticos, governos; bem como pelas situações políticas. Desse modo, compete ao avaliador ou à agência avaliadora estabelecer claramente o escopo, o objetivo, os indicadores, os critérios e a metodologia da avaliação, porque assim, a despeito dos vieses, a análise segue com objetividade. Para tal finalidade, estabelecer uma estrutura mínima de relatório, como, por exemplo, a sugerida no Quadro 1, é importante12. No entanto, a objetividade da avaliação não guarda necessariamente correlação com uso que ela pode vir a ter. Afinal, por ser uma espécie de formadora de juízo, a avaliação pode assumir usos diversos. Por usos da avaliação entende-se o que é feito com os resultados da pesquisa avaliativa. Diante disso, os usos da avaliação são claramente transferíveis se alguém quiser utilizá-la da mesma forma em outra área. O uso da avaliação pode continuar o mesmo, mas a entidade que é aplicada – isto é, o objetivo da avaliação – varia muito (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 42). Assim, os usos da avaliação no âmbito da segurança pública, seguindo os exemplos de Sanders e Fitzpatrick (2004), podem ser: “melhorar” as estruturas físicas dos órgãos de segurança pública; “melhorar” a capacidade organizacional das polícias, “empoderar” os cidadãos responsáveis pelos conselhos comunitários de segurança pública; “dar informações para a tomada de decisões relativa a programas governamentais” para os gestores da área de segurança pública. Isso foi expresso, por exemplo, nas análises e recomendações dos relatórios selecionados. Ainda no que se refere aos usos dos relatórios de avaliação aqui discutidos, acredita-se que eles se encaixam nos usos conceitual e de esclarecimento, segundo as definições de Faria (2005)13. Ressalta-se que o uso é conceitual no tocante à área de segurança pública é aplicado aos atores interessados, por exemplo, os gestores dos órgãos de segurança, das organizações policiais, as organizações e profissionais da sociedade que abordam o tema. Por sua vez, o uso para esclarecimento configura-se porque já existe uma comunidade de acadêmicos, da mídia e de organizações da sociedade civil que se utilizam das avaliações para formarem sua opinião no quesito segurança pública.14 Observa-se que uso da avaliação depende dos interesses dos atores, sobretudo daqueles que solicitam a avaliação, o que está muitas vezes sujeito a interferências do cenário político. Contudo, não poderia ser diferente, pois a política e a política pública se imbricam continuamente. Afinal, as políticas não são adotadas ou executadas no vazio. Ao contrário, são levadas a efeito no contexto das instituições políticas de um dado país (BID, Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Padrões de avaliação das políticas de segurança na Argentina e no Brasil (20) 2007, p. 7). É por causa dessa característica que as avaliações das políticas de segurança pública na América do Sul, particularmente da Argentina e do Brasil, enveredam para análises do processo de democratização. Por conta disso, as deficiências da área de segurança pública decorrem das limitações do Estado de direito ou da incapacidade de coordenação das estruturas do Estado (PINHEIRO, 2000)15. Nos relatórios de avaliação estudados neste trabalho, observou-se que as avaliações apontaram justamente essas limitações. A análise dos relatórios de avaliação deste trabalho, sobretudo na apresentação de certos parâmetros mínimos para um estudo avaliatório, não pretende trazer restrições aos usos da avaliação. Observa-se que a avaliação ao ser realizada com objetividade e seguindo parâmetros mínimos, contribui para atingir uma ou mais das funções de informação, realocação e legitimação. Os relatórios aqui apresentados transmitem aos atores interessados o que de fato foi avaliado, por qual motivo foi avaliado, o que foi encontrado e o que pode ser feito para melhorar. Desse modo, cumpre a função de esclarecer e de ser instrumento de comunicação entre os diversos atores da política, bem como ser oportunidade de aprendizagem. Destaca-se, portanto, que os relatórios tiveram função informacional. Contudo, também assumiram função de legitimidade na medida em que as políticas e programas foram avaliados por órgãos independentes e reconhecidos no contexto democrático da Argentina e do Brasil, o qual trouxe mudanças ao paradigma de segurança pública16. Também tiveram a função de realocação, pois avaliam se os recursos orçamentários estão sendo canalizados para solução dos problemas da criminalidade e da violência. Enfim, os relatórios de avaliação aqui analisados sobre a segurança pública têm finalidade de informar à sociedade e ao público interessado assuntos que antes não eram passíveis de análise, em virtude de governos autoritários na Argentina e no Brasil. Com a democratização, as estatísticas sobre a violência e criminalidade passaram ao conhecimento público, o que causou demandas por medidas para redução dos altos índices de violência, políticas públicas para enfrentar de maneira eficaz a criminalidade. Portanto, os relatórios permitem observar se as políticas e programas de segurança pública estão alcançando tais propósitos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho não teve pretensão de realizar uma meta-avaliação, ou seja, uma avaliação de avaliações a partir dos relatórios analisados, mas, um estudo comparativo no quesito metodológico. No entanto, frisa a necessidade de se questionar a avaliação, isto é, de se fazer meta-avaliação, porque é deste mecanismo que podem surgir melhorias na ferramenta de avaliação. Como já foi discutido, em virtude de usos diversos ou de limitações, a avaliação pode não interagir com o processo de gestão pública. Além disso, ela pode produzir resultados inconclusivos, inoportunos e irrelevantes para os fins que se propôs17. Mesmo assim, resultados dessa natureza determinam o fracasso de uma avaliação específica, não da ferramenta avaliação (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 594). Defende-se que tal consideração é importante para as avaliações de políticas e programas, como, por exemplo, da área de Segurança Pública, a qual é sujeita a constantes demandas públicas ou mudanças de ordem política18 A análise dos relatórios apresentados neste trabalho observou que a objetividade da avaliação, sobremodo obtida a partir de padrões, isto é, da construção de estruturas mínimas de avaliação, contribui para o alcance dos resultados propostos pelo estudo avaliativo e para o fortalecimento da avaliação enquanto ferramenta de gestão pública. Nesse quesito, destacam-se as contribuições de algumas instituições responsáveis por avaliações de políticas e programas governamentais, como, por exemplo, o BID e o TCU, os quais realizam avaliações formais e sistemáticas. Ao fim, vale observar que, países da América Latina, como, por exemplo, Argentina e Brasil, passam ainda por um processo de redemocratização relativamente recente, depois de décadas de vigência de regimes autoritários, que percebiam a questão da Segurança Pública frequentemente mais como uma questão de segurança do Estado do que como segurança cidadã (KAHN, 2007). Neste caso, as políticas e programas de segurança são influenciados, e até limitados, por esse processo. Por isso, é preciso que os usos da avaliação na área de segurança pública sejam cada vez mais orientados para o desenvolvimento da gestão pública, possibilidade de produção de accountability e transparência nas ações governamentais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALA-HARJA, M.; HELGASON, S. Em direção às melhores práticas de avaliação. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 51, n. 4, p. 5-59, out./dez. 2000. ARRETCHE, M. Dossiê agenda de pesquisas em políticas públicas. Rev. Bras. Ci. Soc. [online]. v. 18, n. 51, 2003. 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Ou ainda accountability consiste no trabalho dos políticos e dos agentes públicos de modo geral balizado por obrigações jurídicas e culturais (vale dizer éticas) de transparência, probidade e respeito pelos cidadãos (LAMOUNIER, 2010) Disponível em: <http:// exame.abril.com.br/rede-de-blogs/blog-do-bolivar-lamounier/2011/02/09/reforma-politica-iv-vamos-tentando-veralgo-mas-a-visibilidade-ainda-e-pouca/> Acessado em 27/07/2012 Para mais informações sobre a relação entre accountability e gestão pública, vide: La responsabilización (“accountability”) en la nueva gestión pública latino-americana. Consejo Científico del CLAD, BID, 2000. Disponível em: <http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/UNPAN000178.pdf>. Acessado em: 17 ago 2011. 2 Para revisão sobre o desenvolvimento da função avaliação de políticas públicas, conferir: TREVISAN, Andrei Pittol & VAN BELLEN, Hans Michael. Avaliação de Políticas Públicas: uma revisão teórica de um campo em construção. Rev. Adm. Pública. 2008, Vol. 42, n. 3. 3 Segundo Kahn (2007): “Quem quer que trabalhe com a questão da segurança pública e das polícias na América Latina deve levar em conta a especificidade da história recente da região, que a torna distinta de outros contextos. Diversos países latino-americanos passam ainda por um processo de redemocratização relativamente recente, depois de décadas de vigência de regimes autoritários, que percebiam a questão da segurança pública frequentemente mais como uma questão de segurança do Estado do que como segurança cidadã”. 4 Vide no Brasil os trabalho da Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG). Na Argentina, a pesquisa de Marcelo Fabián Sain, por exemplo: El Leviatán azul: policía y política en Argentina, Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2008 e Reforma policial, ciudadanía y democracia. Nueva Sociedad en Bogotá, 2009. 5 Para Weiss (1998), a avaliação é um empreendimento racional realizado muitas vezes por motivos irracionais ou pelo menos por motivos que não são informacionais. 6 Este breve roteiro foi elaborado a partir das discussões em sala de aula no âmbito da disciplina Políticas Públicas nas Américas do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas, da Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB), ministrada pela professora Maria das Graças Rua, no primeiro semestre 2010. Procura-se resumir neste roteiro, o que foi ensinado com muita riqueza de conteúdo pela referida professora. 7 Termo derivado do inglês accuracy, o qual a tradução é precisão. No contexto do estudo de polícias públicas é conhecido como “repetibilidade“ da avaliação de uma estimativa. Trata-se de uma medida da correlação entre o valor estimado e os valores das fontes de informação, ou seja, mede o quanto a estimativa que obtivemos é relacionada com o “valor real“ do parâmetro. 8 Essas são recomendações feitas pela Comissão Avaliando as Despesas da União Europeia. Trata-se de elementos que a redação de um relatrio de avaliação deve conter. 9 10 Neste artigo não se debate especificamente o tema da insegurança, violência ou criminalidade na Argentina e no Brasil, pois o objetivo é analisar as ferramentas de avaliação. No entanto, para informações sobre o tema ver Frülling (2003) e Pinheiro (2000). Situação-problema identificada pelo SUSP: desigualdade na distribuição de recursos nas instituições de segurança pública, incremento da criminalidade nos anos 1990, sucateamento das polícias, entre outros. 11 12 Vide as recomendações realizadas por Maria das Graças Rua (2003). De acordo com Faria (2005), a avaliação pode ter os seguintes usos: “Instrumental“ (depende não apenas da qualidade da avaliação, mas também da adequada divulgação de seus resultados, sua inteligibilidade e da factibilidade das recomendações propostas); “Conceitual“ (usualmente circunscrito aos técnicos locais do programa, a quem com frequência não é atribuído um maior poder de decisão); “Instrumento de persuasão“ (é utilizado para mobilizar o apoio para a posição que os tomadores de decisão já têm sobre as mudanças necessárias na política ou programa); “Esclarecimento” (o qual acarreta, pela via do acúmulo de conhecimento oriundo de diversas avaliações, impacto sobre as redes de profissionais, sobre os formadores de opinião e sobre as advocacy coalitions, bem como alterações nas crenças e na forma de ação das instituições, pautando, assim, a agenda governamental) (FARIA, 2005, p. 102-103). 13 Vide por exemplo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Núcleos de Estudo de Violência nas Universidades; movimento de direitos humanos. 14 Esse processo pode ser entendido de forma ampla, não é particularidade da área de segurança pública. Segundo Bonzi (2001) no âmbito da reforma do Estado e processo de democratização (...) os dilemas da avaliação estão relacionados como os problemas de legitimidade e governabilidade dos Estados latino-americanos. 15 No regime autoritário o paradigma de segurança era de defesa e segurança nacional, com a democratização passa-se para a concepção de segurança pública ou cidadã. Nesse caso, as politicas e programas na área de segurança pública para serem legítimos necessitam do aporte público. No Brasil o exemplo é do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), do Ministério da Justiça. Vide: Um novo paradigma para Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2009. 16 Segundo Cotta (1998, p. 118-119), as avaliações nem sempre se inserem no ciclo de gestão por apresentarem resultados inconclusivos, inoportunos e irrelevantes. Inconclusivos em função das próprias limitações deste tipo de estudo, inoportunos devido à morosidade do processo avaliativo e, irrelevantes por que não respondem às demandas informacionais de todos os agentes sociais afetos à intervenção. 17 Vide a respeito disso: SOARES, L. E. Meu casaco de general: 500 dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SAPOR, L. F. Segurança Pública no Brasil, desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2007. 18 Alexandre Pereira da Rocha é graduado e mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UNB). Doutorando em Ciências Sociais (CEPPAC/UNB). Analista Criminal da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e professor universitário. E-mail: [email protected] ou [email protected] Página 27 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Uma interpretação sobre os limites e as possibilidades da burocracia weberiana e do elitismo democrático: tensões entre Administração Pública e Política* Por Bruno Dias Magalhães e Emanuel Camilo de Oliveira Marra O presente trabalho tem como objetivo discutir as tensões existentes entre Administração Pública e Política, mais especificamente os limites e as possibilidades presentes na relação entre o modelo de administração burocrático weberiano e o modelo de democracia denominado elitismo democrático. A fim de evidenciar essa problemática, partimos do pressuposto de que a Administração Pública é uma ciência multidisciplinar, que envolve variadas áreas do saber tais como: ciência política, história, sociologia, economia, psicologia social, administração de empresas e antropologia. Recorremos a uma revisão bibliográfica na qual tomamos como referência autores diversos, desde os clássicos do pensamento político, como Max Weber e Woodrow Wilson, até estudiosos contemporâneos, como Norberto Bobbio, David Held e Gareth Morgan. A principal conclusão deste trabalho aponta para a necessidade de se pensar a Administração Pública e a Política em uma relação de complementaridade e tensão. Discutimos essa possibilidade interpretativa para a burocracia weberiana e o elitismo democrático e apontamos, a título de considerações finais, a necessidade de expandir essa abordagem para a Nova Gestão Pública e o debate democrático contemporâneo (participacionismo e deliberacionismo). Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Uma interpretação sobre os limites e as possibilidades da burocracia weberiana e do elitismo democrático: tensões entre Administração Pública e Política (28) INTRODUÇÃO Em artigo publicado pela primeira vez em 1887 sobre o estudo da Administração Pública, Woodrow Wilson atribui a gênese desta como campo científico autônomo devido à crescente multiplicação das ações do Estado moderno. Conforme o autor, a substituição da forma absolutista pela forma democrática de governo foi a grande responsável pelo aumento da complexidade da tarefa de administrar as ações do Estado (WILSON, 1954). Com efeito, escreve o estadista norte americano: “O próprio fato de termos realizado o mando popular em sua plenitude tornou a tarefa de organizar esse mando virtualmente mais difícil” (WILSON, 1954, p. 90). A democracia, portanto, apesar de representar uma evolução inevitável para Wilson, conflita com a tarefa administrativa no sentido de que não estabelece um plano de ação único, tomado a partir de uma opinião monocrática, tendo antes que ser realizada “[...] através de compromisso, por uma composição de diferenças, por uma acomodação de planos e uma supressão de princípios demasiado retilíneos” (WILSON, 1954, p. 91). Diante da árdua – e às vezes confusa – tarefa de colocar em ação diretrizes plurais, Wilson define o campo de estudo da Administração Pública separadamente do da Política. A esta concerne os assuntos gerais e constitutivos do Poder, enquanto que àquela cabe suas tarefas específicas e seu exercício cotidiano. O autor vai mais além e afirma que à opinião pública deve ser atribuído um papel de “crítica autorizada”, mas essa deve ser impedida de interferir demasiadamente nos assuntos administrativos. Nas palavras do próprio Wilson (1954, P. 94): “O problema é tornar a opinião pública pertinente sem tolerar que ela se torne metediça”. De uma perspectiva diferente daquela proposta por Woodrow Wilson em seu ensaio pioneiro sobre o estudo da Administração Pública, o presente artigo propõe uma leitura na qual a dinâmica da administração e da política seja compreendida de maneira articulada. Trata-se, assim, de uma abordagem que está, em alguma medida, em sintonia com os estudos contemporâneos sobre as políticas públicas, tanto da ótica da Ciência Política quanto da Administração Pública (AVRITZER, 2007; SANTOS, 2009; SANTOS e AVRITZER, 2009; LÜCHMANN, 2002; TATAGIBA, 2002; CAPELLA, 2007; MULLER e SUREL, 2002). Para atingir tal intento, trabalharemos com a ideia da Administração Pública como um campo multidisciplinar no qual estão inseridas diversas áreas de conhecimentos, tais como: ciência política, história, sociologia, economia, psicologia social, administração de empresas e antropologia (WALDO, 1964). Ao articularem-se essas diversas áreas do saber para se discutir as relações entre política e administração, o que pretendemos mirar, em específico, são as tensões existentes entre o modelo de administração burocrático weberiano e o modelo de democracia chamado elitismo (WEBER, 1982; HELD, 1987; BOBBIO, 1998). Democracia e burocracia são entendidas no presente trabalho como um ponto de vista privilegiado para uma reflexão. Não obstante a existência de uma série de estudos sobre esses dois temas, assumimos que a Administração Pública está inserida em um contexto no qual a dinâmica da Política não é plena de sentido se não pensada junto com a dinâmica administrativa e vice-versa. Mais que isso, ao articular-se essas duas dinâmicas, supomos ser possível vislumbrar com maior clareza quais são os limites e as possibilidades da democracia elitista e da administração weberiana. Ou seja, suas tensões. O presente artigo estrutura-se, a partir da segunda seção, com uma contextualização da ideia de racionalização do mundo ocidental – fenômeno fundamental para a origem da burocracia. Ainda na segunda seção, apresentamos os principais aspectos destacados na literatura como característicos do fenômeno burocrático para, na sequência, apontarmos um dos desdobramentos do desenvolvimento da burocracia nas sociedades modernas ocidentais, qual seja: o desenvolvimento da democracia em seu formato elitista. Na terceira seção, discutimos algumas tensões existentes entre o modelo burocrático weberiano e o elitismo democrático. Por fim, na quarta seção, destacamos a necessidade de se pensar a Administração Pública em sintonia com a ideia de democracia e de burocracia, bem como evidenciamos um aparente descompasso entre as abordagens contemporâneas de gestão e o atual debate democrático. Para a construção do presente artigo, foi realizada uma revisão bibliográfica das discussões sobre Política e Administração Pública presentes em variadas áreas do conhecimento. ... o processo de racionalização de Weber reproduz-se nas sociedades ocidentais por meio do tipo ideal de burocracia. Esse se constituiu de uma ampliação progressiva dos hábitos e costumes provenientes (...) pelas mais variadas esferas da vida social. UMA LEITURA SOBRE A BUROCRACIA WEBERIANA E A DEMOCRACIA ELITISTA Conforme Barbosa e Quintaneiro (2002), o processo de racionalização presente no pensamento de Max Weber reproduz-se nas sociedades ocidentais por meio do tipo ideal de burocracia. Esse processo se constituiu de uma ampliação progressiva dos hábitos e costumes provenientes da ética protestante pelas mais variadas esferas da vida social. Em síntese, a vida metódica e disciplinada do tipo ideal protestante engendrou um tipo ideal de sociedade racional, instrumental e desprendida de crenças, ilusões e metafísicas. Trata-se de um fenômeno de ampliação gradual do saber técnico-científico nas mais variadas esferas de sociabilidade. (WEBER, 1982; HELD, 1987; BARBOSA; QUINTANEIRO, 2002). Catherine Colliot-Thélène (1995) chamou o processo de racionalização das sociedades ocidentais presente na sociologia weberiana de intelectualização e o descreveu como: Um mundo intelectualizado é um mundo no qual reina a convicção de que tudo o que é e o que advém neste mundo está regido pelas leis que a ciência pode conhecer e a técnica científica dominar; em que não há nada, em outras palavras, que não seja previsível. É Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Uma interpretação sobre os limites e as possibilidades da burocracia weberiana e do elitismo democrático: tensões entre Administração Pública e Política (30) um mundo sem magia, sem dúvida, pois exclui toda intervenção do suprassensível na ordem das coisas naturais e humanas; [...] (COLLIOT-THÉLÈNE, 1995, p. 90). Isto posto, a partir da perspectiva weberiana, o conceito de burocracia pode ser entendido como uma estrutura de dominação racional-legal fundamentada em um conjunto de regras e princípios gerais, impessoais e abstratos, distribuídos de maneira estável e previsível, além de dotados de legitimidade. Esse conjunto de características estaria presente em organizações modernas públicas e privadas (BARBOSA; QUINTANEIRO, 2002; WEBER, 1982). Norberto Bobbio sintetizou burocracia como uma estrutura cujos elementos essenciais são legitimidade e aparato administrativo. A legitimidade seria o conjunto de crenças que o poder instituído produz sobre si mesmo para, assim, obter aceitação por parte da coletividade. Já aparato administrativo seria a forma como esse poder instituído é executado, ou seja, para o caso da burocracia, por meio de regras impessoais e praticáveis por profissionais com expertise. Max Weber (1982) discutiu como principais elementos da burocracia os seguintes: i) é uma estrutura com leis ou normas administrativas que regem jurisdições fixas; ii) essa estrutura, em sua forma mais acabada, possui hierarquia organizada monocraticamente com uma forte relação de mando e subordinação; iii) a administração é baseada em documentos escritos; iv) os funcionários recebem e/ou possuem treinamento especializado para o exercício de suas funções; v) as atividades de um cargo qualquer seguem a normas gerais, estáveis e exaustivas executáveis por qualquer funcionário qualificado; e vi) o funcionário possui um tempo de permanência no trabalho rigorosamente delimitado, sendo que durante esse período deve desenvolver plenamente as atribuições de seu cargo. Ainda conforme Weber, a burocracia, para atingir seu formato mais completo, não prescindiu do desenvolvimento de uma economia monetária em detrimento de uma economia natural; e da expansão qualitativa e quantitativa das tarefas administrativas, com destaque para a expansão do fenômeno burocrático no Estado Moderno e nos partidos políticos. O desenvolvimento de uma economia monetária relaciona- se com a necessidade de fazer das burocracias uma estrutura permanente que, portanto, precisa de uma fonte de renda fixa. Já a expansão quantitativa e, principalmente, qualitativa, possui relação com crescente complexidade da dinâmica social consequente do advento da modernidade (WEBER, 1982; BOBBIO, 1998). Norberto Bobbio (1998) esclarece que, em relação às demais estruturas de dominação presentes no pensamento de Max Weber, quais sejam: dominação racional legal, dominação carismática e dominação baseada na tradição; a primeira, consubstanciada na burocracia, é a mais eficiente do ponto de vista administrativo. Max Weber explica que essa supremacia da burocracia ocorre devido ao fato de essa ser tecnicamente superior a qualquer outra forma de organização. Em termos comparativos, o sociólogo alemão destaca que uma estrutura burocrática plenamente desenvolvida é tão mais eficiente que qualquer outra forma de administração, assim como as máquinas são superiores a quaisquer outras formas de produção não mecânicas. A burocracia, nas palavras de Weber, é uma estrutura dotada de: “precisão, velocidade, conhecimento de arquivos, continuidade, discrição, unidade, subordinação rigorosa, redução do atrito e dos custos de material e pessoal...” (WEBER, 1982, p. 249). Nessa medida, a imagem de uma organização burocrática assemelha-se a uma máquina, ou seja, é uma estrutura eficiente, confiável, previsível e com resultados calculáveis. Max Weber avançou ainda mais e destacou que a burocracia tende a “desumanizar” progressivamente os negócios, uma vez que elimina as paixões, os amores, os ódios, os personalismos, as irracionalidades e as emoções existentes nas diversas relações humanas presentes nas organizações (WEBER, 1982; HELD, 1987). Para Gareth Morgan (1996), a progressiva centralidade das máquinas no mundo industrial fez com que essas deixassem de ser somente uma estrutura física e se tornassem uma metáfora, isto é, um dispositivo mental. Assim, a eficiência das máquinas passou a ser desejada também nos indivíduos. A previsibilidade do cálculo passou a ser pré-requisito de conduta dos homens. A metáfora da burocracia como máquina coroou, desse modo, a transformação dos homens e das coisas em objetos de eficiência e de previsibilidade (MORGAN, 1996; HELD, 1987; WEBER, 1982). Max Weber (1982) destaca que o fenômeno da burocratização é uma das consequências do desenvolvimento da democracia de massa. Conforme o autor, a burocracia comunga com elementos do ideal democrático, na medida em que é uma consequência do nivelamento das diferenças sociais e econômicas. Weber destaca que a burocracia possui “horror ao privilégio”, além de rejeitar o “tratamento de casos individualmente”. Em síntese, a burocracia seria uma negação das vantagens e dos reveses presentes tanto na lógica da dominação carismática quanto na lógica de dominação baseada na tradição. David Held (1987), por seu turno, aponta que Weber não abordou a temática da democracia de maneira direta. Conforme o autor, o sociólogo alemão possuía uma concepção de vida política na qual a noção de liberdade individual estaria permanentemente ameaçada pela dinâmica das grandes organizações, tais como empresas, partidos políticos, sindicatos ou estados nacionais. Em outras palavras, Max Weber preocupava-se com o crescimento ilimitado da estrutura de poder do aparato burocrático e suas consequências para as liberdades individuais. Isso leva muitos autores a chamá-lo de “liberal desesperado”, pois o sociólogo alemão temia que os ideais de uma cultura política liberal, a saber, o direito à individualidade e à liberdade de escolha, não sobrevivessem plenamente em uma época de organizações cada vez maiores e mais burocráticas (HELD, 1987). De fato, a ideia de democracia em Weber (1982) significa tão somente o “nivelamento dos governados”. Conforme Norberto Bobbio (1998), esse nivelamento é uma consequência da transformação do sistema educacional nas sociedades modernas, que tende progressivamente a substituir o ideal de “homem culto”, indivíduo típico da administração de notáveis, pelo “experto”, indivíduo típico da administração de sociedades de massa. Avançando mais na discussão, a democracia na visão weberiana pode ser vista como uma espécie de “mecanismo institucional para podar os mais fracos e colocar no poder aqueles que se mostram mais competentes na luta competitiva por votos” (HELD, 1987, p. 146). Nessa medida, o funcionamento da democracia no pensamento de Weber aproxima-se do funcionamento Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Uma interpretação sobre os limites e as possibilidades da burocracia weberiana e do elitismo democrático: tensões entre Administração Pública e Política (32) de mercado. Tal arranjo é chamado por Held de “democracia competitiva elitista”. De acordo com Held (1987, p. 141), Max Weber enxergava o Parlamento como o lócus da atividade política, pois: i) assegura a expressão de ideias e interesses diversos e, assim, garante certo grau de abertura no governo; ii) a atividade parlamentar de discussão e debate funciona como um mecanismo de seleção de líderes políticos; e iii) o Parlamento é um espaço para negociações e barganhas. Contudo, Weber não alimentava grandes esperanças sobre a instituição do Parlamento à sua época, pois esse fórum já não era mais o espaço do exercício da razão política de homens distintos e esclarecidos, tal como foi percebido no século XIX. De fato, o Parlamento era visto pelo sociólogo alemão como uma instituição sob constantes ameaças das associações e partidos políticos de massa que surgiram a partir do século XX (HELD, 1987). Para Weber, os partidos de massa funcionam tão somente como uma forma de escolha de líderes políticos. Assim, o pensador alemão diferencia o eleitorado entre ativo e passivo. Nesse sentido, as massas (eleitores passivos), devido a sua “emotividade”, seriam incapazes de participar efetivamente da vida política, isto é, seriam eleitores tão somente capazes de escolherem suas lideranças. Dessa forma, a democracia é vista como um campo de seleção e desenvolvimento de líderes (eleitores ativos) que ocorreria por meio da competição política. Nesse aspecto, mercado e democracia assemelham-se na leitura de Weber (HELD, 1987). Aproximando as ideias de burocracia e democracia no pensamento de Max Weber, pode-se dizer que a democracia competitiva elitista pressupõe um sistema representativo monopolista, isto é, composto apenas por um Parlamento – instância exclusiva de deliberação legítima no sistema político (HELD, 1987; AVRITZER, 2007). As deliberações produzidas pelo Parlamento, por sua vez, são materializadas por meio de uma burocracia responsável pela implementação das decisões políticas estabelecidas por políticos profissionais (WILSON, 1954). Democracia e burocracia, em síntese, estariam em uma relação de complementaridade e aquela seria uma consequência dessa. Todavia, dentro dessa acomodação existem impasses e tensões, conforme evidenciado na sequência. ALGUMAS TENSÕES ENTRE A BUROCRACIA WEBERIANA E A DEMOCRACIA ELITISTA Norberto Bobbio (1998) formula que o aspecto democrático do pensamento de Max Weber traz consigo dois conflitos potenciais: o primeiro diz respeito ao intrincado equacionamento entre o ideal de justiça formal/igualdade e o ideal de justiça substancial/equidade, enquanto o segundo se refere à complexa relação entre as lideranças políticas e o aparelho administrativo. Além disso, David Held (1987) aponta um terceiro conflito, a saber: a restrição dos espaços efetivos de participação das massas na vida político-partidária. Em outras palavras, o pensador italiano e o cientista político britânico apontam para a existência de limites e possibilidades das relações entre burocracia e democracia. É justamente essa tensão que nos interessa doravante. O primeiro conflito pode ser entendido a partir de uma análise de como ocorre a relação entre o aparato burocrático estatal e os cidadãos. A burocracia, tal qual concebida por Weber (1982), traz em si um avanço democrático quando institui critérios claros, gerais e impessoais de justiça formal no acesso ao domínio regido pela legitimidade racional-legal. Ao lançar-se contra todos os tipos de privilégios existentes em um sistema patrimonialista, negando tratamento particular aos indivíduos e obrigando-os a desvestirem-se de todas as características que não as empregadas diretamente na realização de seu trabalho, o aparato burocrático cega-se para quaisquer preconceitos ou julgamentos morais, éticos e valorativos e impõe um tratamento isonômico para todos. Em outras palavras, aos olhos da burocracia, os indivíduos só se diferenciam pelo grau de domínio e precisão empregados no exercício da função que lhes cabe. Não há julgamento em espécie alguma, senão o julgamento por merecimento (BOBBIO, 1998). Entretanto, o muro erigido pela burocracia para estabelecer uma separação contundente entre o mundo da vida pessoal dos funcionários e o aparato administrativo está amparado apenas por critérios formais de igualdade, não contemplando critérios materiais de equidade entre os indivíduos. Segundo Norberto Bobbio (1998, p. 126), a burocracia, “por motivos materiais e ideais, está ligada aos standards da justiça formal”. O autor afirma ainda que “a igualdade de todos perante a lei implica na irrelevância de critérios substanciais de equidade” (BOBBIO, 1998, p. 126). Assim, o tratamento indiferenciado a indivíduos diferentes, pois oriundos de uma estrutura social heterogênea, pode levar ao estabelecimento de privilégios aos mais preparados. Dessa forma, aqueles que por qualquer motivo não detêm capacidade de competição por mérito com os demais são privados de oportunidades reais de acesso ao Estado e o aparato administrativo burocrático. Bobbio (1998, p. 126) exemplifica essa situação afirmando que “a seleção dos funcionários mediante critérios objetivos pode fazer surgir uma casta privilegiada em bases meritocráticas”. Em suma, ao considerar apenas critérios de justiça formal, a burocracia ao mesmo tempo em que estabelece um avanço democrático no tratamento igualitário dos indivíduos, limita tal avanço impedindo que as diferenças sejam tratadas diferentemente. Em outras palavras, não obstante seja legalmente permitido o acesso ao aparato administrativo do Estado, nem todos obterão, de fato, tal acesso. Avançando mais, a tensão entre democracia e burocracia ultrapassa o relacionamento direto entre o corpo técnico-burocrático e os cidadãos. Há ainda a questão do controle de informações e de expertise pelo corpo administrativo na burocracia e o funcionamento da estrutura político-partidária. Isso nos leva aos outros dois conflitos existentes entre burocracia e democracia. O segundo conflito reside na dificuldade de direção do aparato administrativo pelo corpo político. Norberto Bobbio (1998) aponta esse conflito como a necessidade de o líder político eleito controlar a atuação do corpo burocrático, “em cujas mãos está o exercício diário da autoridade” (BOBBIO, 1998, p. 127). De acordo com Max Weber: Devemos recordar expressamente, a esta altura, que o conceito político de democracia, deduzido dos ‘direitos iguais’ dos governados, inclui os postulados seguintes: [...] 2) minimização da autoridade do funcionalismo no interesse da expansão da esfera de influência da ‘opinião pública’ na medida do possível. [...] Com isso, a democracia inevitavelmente entra em conflito com as tendências burocráticas que, pela sua luta contra o governo dos notáveis, ela produziu (WEBER, 1982, p. 262). Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Uma interpretação sobre os limites e as possibilidades da burocracia weberiana e do elitismo democrático: tensões entre Administração Pública e Política Dessa forma, Weber afirma que a democracia deve lutar para minimizar o crescimento da burocracia enquanto um grupo fechado de interesses próprios. Segundo o autor, a posição de poder de um aparato burocrático é sempre predominante, uma vez que os funcionários expertos dispõem e apropriam-se do conhecimento necessário à execução dos fins da organização, ao passo que o dirigente ou “senhor político” encontra-se na posição de um “diletante” (WEBER, 1982). Esse conflito pode ser percebido, em termos mais atuais, na relação agent x principal existente entre políticos e burocratas, conforme explica Adam Przeworski: [...] os objetivos dos burocratas não têm necessariamente de ser idênticos aos dos cidadãos ou dos políticos eleitos que os representam. Os burocratas podem querer maximizar a autonomia que têm, ou a garantia de emprego de que gozam, ou prestar favores clientelistas a amigos e aliados, ou ser dispensados do ‘ponto’, ou aumentar o orçamento de que podem dispor ou, simplesmente, enriquecer – à custa dos cidadãos. Mais uma vez aqui, eles dispõem de informação especial quanto aos benefícios e aos custos de suas ações, e podem praticar atos que não são vistos diretamente e apenas podem ser inferidos dos resultados ou monitorados como itens de custo (PRZEWORSKI, 2006, p. 53). (34) Para o autor polonês, a delegação de funções do corpo político, cuja autoridade para regular coercitivamente a vida da sociedade deriva das eleições, é inevitável. Tais funções são, portanto, executadas diariamente pelo corpo burocrático que, por sua vez, não foi democraticamente eleito. O autor alerta, destarte, para a possibilidade de os burocratas não seguirem estritamente as ordens de seus superiores políticos – devido às assimetrias informacionais causadas pela relação agent x principal – e à consequente dificuldade de estabelecer controles e critérios avaliativos sobre ações do aparato administrativo. Nesse sentido, configura-se um problema de perda de representatividade ou ainda de representação não autorizada, já que os burocratas não foram eleitos e podem vir a tomar, ilegitimamente, decisões de natureza política (PRZEWORSKI, 2006). Finalmente, tem-se o terceiro conflito entre burocracia e democracia – apontado por Held (1987) – que afirma haver, na organização partidária centralizada sob a lógica burocrática, uma restrição de espaços efetivos de participação das massas. Segundo Weber (1982), dentro de um sistema político eleitoral partidário competitivo, os partidos políticos se comportam como uma “empresa de interesses”. Explica o próprio autor: Quer isso dizer que um número relativamente restrito de homens interessados pela vida política e desejosos de participar do poder aliciam seguidores, apresentam-se como candidatos ou apresentam a candidatura de protegidos seus, reúnem os meios financeiros necessários e se põem à caça de sufrágios (WEBER, 1982, p. 84). Também nesse ponto o sociólogo alemão, que para David Held é um entusiasta da democracia representativa, aponta um avanço de cunho democrático trazido pelo sistema de dominação racional-legal. Isso porque, ao competirem por sufrágios para garantir a própria sobrevivência política, os partidos foram forçados a evoluir de uma estrutura enxuta e composta apenas por pessoas notáveis – e, portanto, de pouca representatividade – para uma estrutura apoiada em uma ampla base de funcionários e militantes hierarquicamente organizada. Isso significa também que os partidos políticos tiveram de adotar uma administração burocrática de modo a garantir eficiência na busca dos interesses da população. Os partidos tornaram-se, portanto, “plebiscitários”, conforme os classificou Max Weber (WEBER, 1982; HELD, 1987). Com efeito, Weber (1982, p. 260) afirma que “a burocracia acompanha inevitavelmente a moderna democracia de massa em contraste com o governo autônomo democrático das pequenas unidades homogêneas”. O tema é retomado no ensaio Política como vocação (2006), no qual escreve o autor: Esse novo estado de coisas é filho da democracia, do sufrágio universal, da necessidade de recrutar e organizar as massas, da evolução dos partidos no sentido de uma unificação cada vez mais rígida no topo e no sentido de uma disciplina cada vez mais severa nos diversos escalões (WEBER, 2006, p. 88). Nesse cenário, ganha expressão a figura dos políticos de carreira e, principalmente, da liderança no interior do ... a organização burocrática dos partidos pode ser vista como consequência da competição por sufrágios que garantem a sobrevivência dessas instituições no cenário político e, ao mesmo tempo, um reflexo do avanço democrático, à medida que inclui as massas na vida política eleitoral. partido. Os primeiros são os chamados “permanentes”, isto é, aqueles responsáveis por dar continuidade aos trabalhos no interior das organizações partidárias, ao passo que o segundo é a pessoa que aglutina todos os interesses que se pretendem representados, atribuindo um caráter de força e união às manifestações de opinião de um partido. O líder pode mesmo fazer frente aos parlamentares eleitos e possui condições de impor sua vontade, uma vez que domina a “máquina” partidária, ou seja, detém o apoio das bases do partido (WEBER, 1982; HELD, 1987). Essa estrutura político-partidária baseada em uma clara “divisão dos cidadãos com direito a voto em politicamente ativos e politicamente passivos” (WEBER, 2006, p. 84) implica necessariamente em uma situação em que o eleitorado possui poucas oportunidades significativas de participação nas decisões que guiam o aparato institucional do Estado. Tal situação é ainda potencializada pela atuação e influência das lideranças partidárias, que podem reduzir os parlamentares a “homens disciplinados que dizem sim” (WEBER apud HELD, 1987, p.143), causando uma “perda de espiritualidade” dos partidos (WEBER, 2006, p. 103). Essa perda traduz-se no estabelecimento de um critério quantitativo baseado no número de votos que o partido pode obter na definição de qualquer posicionamento partidário, em Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Uma interpretação sobre os limites e as possibilidades da burocracia weberiana e do elitismo democrático: tensões entre Administração Pública e Política detrimento de um programa elaborado e definido a partir de princípios políticos e ideológicos (WEBER, 1982; HELD, 1987). Assim, a organização burocrática dos partidos pode ser vista como uma consequência da competição por sufrágios que garantem a sobrevivência dessas instituições no cenário político e, ao mesmo tempo, um reflexo do avanço democrático, à medida que inclui as massas na vida política eleitoral. Todavia, os partidos políticos, ao expandirem e se tornarem “plebiscitários”, limitariam os espaços efetivos de participação da população, pois a essa ficaria atribuído um caráter político passivo, isto é, restrito apenas à escolha de lideranças por meio do voto. SUGERINDO UM PONTO DE VISTA: TENSÕES ENTRE DEMOCRACIA/PARTICIPAÇÃO E BUROCRACIA/ GESTÃO Democracia e burocracia podem ser vistas em uma relação de dicotomia, no sentido de que a primeira seria o mecanismo de tomada de decisões e a segunda a ferramenta de implementação das decisões tomadas (WILSON, 1995; FALCÃO, 2006). O presente trabalho, de outra perspectiva, tentou evidenciar que essas duas esferas estão em um processo de interação e interdependência contínuo – o que produz alguns tipos de tensões entre elas. Para tanto, o esforço interpretativo hora empreendido foi no sentido de discutir o processo de burocratização presente nas sociedades modernas concomitantemente ao modelo elitista de democracia. O que se tentou discutir, assim, é que o modelo elitista de democracia é um avanço consequente do fenômeno da burocratização das sociedades modernas (WEBER, 1982), mas esse processo traz consigo limites e tensões (BOBBIO, 1998; HELD, 1987). Isto posto, parece razoável dizer que a gênese do fenômeno burocrático e seu ímpeto de democratização produziram durante seu desenvolvimento uma miríade de possibilidades capazes de tencionar a própria dinâmica da burocracia weberiana e do elitismo democrático. De fato, existem na literatura críticas tanto ao modelo burocrático de administração, quanto ao modelo de democracia elitista. Como alternativa à burocracia weberiana, tem-se, por exemplo, os experimentos da Nova Gestão Pública. Já como alternativa ao elitismo (36) democrático, tem-se abordagens participacionistas e deliberativas. Sobre a Nova Gestão Pública, como um modelo alternativo de organização da Administração Pública, ABRÚCIO (1996) destaca três etapas nas experiências de reformas gerenciais implementadas ao redor do mundo, quais sejam: i) o gerencialismo puro, ii) o consumerism, e iii) o public service orientation (PSO). A primeira tendência constitui-se basicamente no enxugamento das atividades econômicas estatais a partir da redução dos custos e aumento da produtividade do setor público. A segunda, por sua vez, procurou mensurar a satisfação dos usuários de serviços públicos à luz do paradigma do cliente e das experiências de quase mercado. A terceira tendência, por fim, esforçou-se por dar um conteúdo político à Administração Pública ao discutir conceitos como república e democracia à luz do paradigma da cidadania. Não obstante os esforços do gerencialismo e do consumerism na busca por eficiência e eficácia na Administração Pública, esses dois modelos não aprofundaram a discussão em torno do debate democrático. Até mesmo o PSO, proposta que procura pensar a Administração Pública informada por uma discussão política mais ampla, figura antes como uma tendência em fase de amadurecimento do que como uma experiência prática consolidada (ABRÚCIO, 1996). Dessa forma, a nova gestão pública ainda “não se moveu para a dimensão sociopolítica da gestão, pois partilha de esquematismos gerencialistas, que dificulta o tratamento da interação dos aspectos técnicos e políticos (DE PAULA, 2005, p. 101). Já como alternativa ao elitismo democrático, tem-se uma série de discussões iniciadas ainda na década de 60 do século passado, no sentido de superar as limitações inerentes à democracia representativa. Como estudos críticos à democracia em seu formato elitista, seria possível citar os trabalhos de Avritzer (2002); Macpherson (1978); e Castoriadis (2004). Contudo, em alguma medida, essas análises são lacunares no que se refere à transformação das relações entre Estado e sociedade e o consequente desafio de equilibrar a dinâmica dos movimentos sociais com o funcionamento das instituições (DE PAULA, 2005). Além disso, as discussões no campo da teoria democrática informadas pelo participacionismo e pelo deliberacionismo representam experiências locais e fragmentadas, no sentido de que não informam um projeto global de reforma do Estado (DE PAULA, 2005). Dado esse aparente descompasso entre a Nova Gestão Pública e o debate democrático contemporâneo, parece razoável aventar a hipótese de que ainda permanece uma forte separação entre política e administração nos estudos sobre a Administração Pública, não obstante alguns esforços de articulação entre essas duas esferas. Tentamos discutir a necessidade de se pensar a administração e a política de maneira relacionada a partir da temática da burocracia e da democracia elitista. Para além dessa possibilidade interpretativa, supomos que seja possível continuar esse tipo de leitura que agregue tanto aspectos políticos quanto aspectos administrativos nas experiências da Nova Gestão Pública e do participacionismo e do deliberacionismo. Eis uma possível frente de trabalho para o futuro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRUCIO, F. L. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. In: BRESSER PEREIRA, L. C.; SPINK, P. (Orgs.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. AVRITZER, L. Sociedade civil, instituições participativas e representação: da autorização à legitimidade da ação. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 3, p. 443-464, 2007. Universidade Cândido Mendes. 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Contato: [email protected] Emanuel Camilo de Oliveira Marra, Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro (EG-FJP), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estados de Minas Gerais (EG-FJP) e graduado em História (UFMG). Contato: [email protected] Página 41 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Relações federativas e intersetorialidade na provisão de educação infantil na etapa creche Por Gildete Dutra Emerick O texto analisa a provisão da educação infantil na etapa creche pelos municípios, entes federados responsáveis por essa etapa da educação básica. A legislação brasileira – a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – assinala uma compreensão extremamente moderna de educação infantil, organizada a partir do direito da criança e da importância do desenvolvimento das habilidades cognitivas e de socialização na fase que vai até os seis anos de idade. O financiamento às creches, no entanto, encontra muitos desafios para cumprir tal orientação, dos quais cabem mencionar: a baixa capacidade de financiamento por parte da maioria dos municípios e o legado das ações e programas de atendimento à criança na primeira infância. As relações federativas constituem o eixo que estrutura a discussão, tendo em vista que, na ausência de fontes de financiamento complementares à educação, provenientes de outras políticas setoriais, a expansão da oferta dessa etapa da educação enfrenta problemas decorrentes da baixa capacidade de financiamento dos municípios e tem nos aportes da União a possibilidade da expansão do atendimento e da oferta com qualidade de educação para crianças com até três anos de idade. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Relações federativas e intersetorialidade na provisão de educação infantil na etapa creche (42) INTRODUÇÃO O atendimento escolar de crianças com até três anos de idade denominado creche constitui, com a pré-escola, a educação infantil, primeira etapa da educação básica. A consideração da creche como parte do atendimento educacional formal encontra-se definida na Constituição Federal (art. 208, IV) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei nº 9.394/96 arts. 29 e 30). No contexto de atuação dos fundos de financiamento da educação pública no Brasil, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e Fundeb, é a educação infantilcreche a etapa da educação básica que apresenta o maior e mais contínuo crescimento da matrícula. Ainda assim, é a etapa de menor cobertura, quando considerado o percentual da população em idade correspondente atendida (15,3%). A educação infantil-creche tem usufruído de crescente reconhecimento de educadores, movimentos organizados e gestores da educação, uma vez que remete tanto à eficiência quando à equidade dos sistemas de ensino. No que diz respeito à eficiência da educação escolarizada, compreende-se que a educação infantil atua em favor do desenvolvimento das habilidades cognitivas e de socialização das crianças em uma fase de enorme potencialidade de aprendizagem, com grande proveito para as fases seguintes de escolarização. Pelo lado da equidade, pode-se dizer que as deficiências e mesmo insuficiência de atendimento na educação infantil atingem a população de maneira muito diferenciada e põem em relevo as persistentes barreiras educacionais com base na distribuição regional, raça/etnia, localização do domicílio (rural/urbano) e condição social dos alunos. Em que pese a grande aceitação de sua importância e legitimidade, é a etapa da educação básica que tem apresentado os maiores desafios do ponto de vista de sua provisão pelos sistemas públicos de ensino. Essas dificuldades decorrem tanto de fatores comuns às demais etapas da educação básica, como o financiamento e as implicações decorrentes do ordenamento federativo e das desigualdades entre as regiões brasileiras, quanto de aspectos que dizem respeito estritamente à educação infantil creche. Em virtude de seu histórico, essa etapa articula de maneira completamente peculiar questões como atenção à criança e assistência social, relação entre a rede pública de ensino e os estabelecimentos privados e relações de gênero com o mundo do trabalho. Este estudo destina-se a compreender as possibilidades de expansão da oferta de educação infantilcreche por parte dos municípios. Em primeiro lugar, são apresentados os principais pontos do debate sobre descentralização de políticas sociais e, nesse contexto, das políticas educacionais, com as correspondentes responsabilidades dos entes federados na provisão de educação básica. Em seguida, são apresentados os dados de evolução da matrícula em creches durante a vigência do Fundef e os anos iniciais do Fundeb. Embora tenha havido significativa expansão, a educação infantil-creche enfrenta problemas de expansão e ainda mais de qualidade na sua oferta, decorrente da baixa capacidade de arrecadação da maioria dos municípios e do histórico de sua oferta, muito relacionado à atuação de entidades filantrópicas e comunitárias. Essas questões são tratadas a partir do debate realizado no Congresso Nacional por ocasião da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional que deu origem ao Fundeb (PEC nº 536-A/97). Embora as entidades de representação de estados (Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed) e de municípios (União dos Dirigentes Municipais – Undime) tenham sido incorporadas em definições referentes à atuação do Fundeb, expressão de melhor coordenação nas relações federativas para políticas educacionais de alcance nacional, ainda atuam em quadros muito estreitos definidos previamente na lei que regulamenta o Fundo. Tendo em vista essas questões, conclui-se que a expansão da oferta de educação infantil-creche está a depender de maiores aportes da União ao Fundeb, bem como da alteração dos fatores de ponderação entre as etapas que constituem a educação básica. A DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL A descentralização das políticas sociais no Brasil está estritamente associada ao processo de democratização ocorrido a partir da década de 1980. Conforme analisa Abrucio (2002), o regime autoritário orientou-se pela diretriz de maior centralização do poder político e das decisões econômicas e administrativas na esfera do governo federal. Em um modelo federativo assim Em que pese a grande aceitação de sua importância e legitimidade, é a etapa da educação básica que tem apresentado os maiores desafios do ponto de vista de sua provisão pelos sistemas públicos de ensino. organizado, a dependência de estados e municípios em relação à União desempenhou importante papel político nas relações do governo central com governadores e prefeitos. Como era mais ou menos de se esperar, as experiências de descentralização não ocorreram de maneira uniforme para todas as políticas setoriais. Em algumas áreas foi atingido um grau elevado de descentralização, tendo sido a transferência de competências e responsabilidades efetivamente assumidas pelos entes subnacionais. Em outras, no entanto, permaneceu grande margem de indefinição, que impediu tanto a assunção de responsabilidades no âmbito local quanto a ação concertada por parte dos entes de diferentes níveis para a provisão do bem ou serviço em questão. Tampouco as experiências de descentralização se fizeram de forma mais homogênea para as diferentes regiões do País. Alguns estados e municípios, sobretudo aqueles dotados de maior capacidade financeira e administrativa, puderam se valer mais facilmente das prerrogativas de autonomia e assumir a responsabilidade pela provisão de serviços públicos. Importa ainda assinalar que permanecem sem definição as normas para cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, tendo em vista o equilíbrio do Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Relações federativas e intersetorialidade na provisão de educação infantil na etapa creche (44) desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, a serem definidas por legislação complementar, conforme o art. 23 da Constituição Federal. Quais seriam, portanto, os fatores responsáveis pelas variações nas experiências de descentralização? Como determinantes da descentralização Arretche (2000) assinala fatores de natureza institucional no processo de transferência de atribuições, quais sejam, o legado das políticas prévias, as regras constitucionais que normatizam a oferta de bens e serviços e a engenharia operacional inerente à sua prestação. Tendo havido significativa descentralização das políticas sociais, em particular as que contam com recursos vinculados como saúde e educação, os estudos mais recentes sobre o tema têm conferido atenção aos processos e mecanismos de coordenação federativa, em certa medida devido a lacunas e sobreposições assinaladas na atuação dos entes federados. De acordo com Abrucio (2005), o ordenamento federativo ressalta o caráter de parceria estabelecida e regulada por um pacto que articula o reconhecimento da integridade dos entes e a busca de unidade entre estes, ou seja, as dimensões de autonomia e interdependência. Dentre os graves problemas que têm sido atribuídos à falta de coordenação intergovernamental, assinalam-se a ausência de clareza sobre a responsabilização na provisão de determinado bem ou serviço público (SANO, 2008). No que diz respeito às possibilidades de cooperação entre os entes federados, esta tem sido feita de maneira diferenciada para os diferentes objetivos, conforme assinala Arretche (2004). Para atingir a universalização do ensino fundamental e ampliação do atendimento dos demais níveis e etapas da educação básica, propósitos afirmados na Constituição, na Lei de Diretrizes e Bases e no Plano Nacional de Educação, a União valeu-se de mecanismo constitucional (as Emendas Constitucionais nº 14/96 e nº 53/2006). A própria trajetória da implementação das políticas, entretanto, tem propiciado, senão o surgimento, ao menos o fortalecimento de instâncias de articulação e mesmo coordenação de ações do poder público com vistas à provisão de bens e serviços, não raro em virtude das dificuldades de interlocução com a União. São mecanismos de coordenação horizontal, uma vez que são constituídos para articular ações entre entes que são da mesma natureza, que podem ou não fazer parte da estrutura formal de tomada de decisão de uma política setorial (SANO, 2008). A educação conta com pelo menos duas organizações desta natureza, quais sejam, o Consed e a Undime. Ambas as entidades surgiram, por caminhos próprios, no ano de 1986. Entre os objetivos do Consed, está relacionado o de participar na formulação, implementação e avaliação das políticas nacionais de educação, coordenar e articular as ações das secretarias estaduais de educação, promover intercâmbios de experiências e informações educacionais entre os estados. De forma semelhante, a Undime relaciona em seu estatuto, entre outras finalidades, representar os interesses da educação municipal entre as autoridades constituídas, atuar como órgão de articulação e coordenação das ações comuns das secretarias municipais de educação, além de organizar e promover a troca de informações e de experiências e realizar atividades de formação e capacitação de dirigentes municipais de educação. A DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS O termo descentralização de políticas sociais é utilizado de forma geral como “processo de transferência de autoridade ou poder decisório no financiamento e gestão do nível nacional para níveis subnacionais” (COSTA; SILVA; RIBEIRO, 1999, p. 32). Pelas definições dadas pela Constituição Federal, cabe aos estados atuar na oferta de ensino fundamental e médio, aos municípios, na oferta de educação infantil e ensino fundamental. Estados e municípios compartilham, portanto, a tarefa de oferecer o ensino fundamental. A União, por sua vez, nunca chegou a atuar de maneira significativa na oferta direta de educação básica, sendo sua atuação nesta etapa da escolarização restrita às atividades de caráter normativo e auxílio suplementar – técnico e financeiro – aos estados e municípios, por meio de diversos programas e ações. Como os estados não podem transferir aos municípios as matrículas do ensino médio, etapa que lhe cabe oferecer com prioridade, a descentralização das políticas de educação equivalem na prática, conforme lembra Arretche (2000), à municipalização da oferta do ensino fundamental, com a transferência das matrículas das redes estaduais para as redes municipais de ensino. Com efeito, pelos dados do Censo Escolar 2009, a conformação atual da matrícula em educação básica por dependência administrativa indica que estados e municípios respondem por, respectivamente, 38% e 47,7% do atendimento. Esta conformação é bem distinta da que se podia verificar há pouco mais de uma década. Em 1997, os estados respondiam por 51,6% do total da matrícula, enquanto os municípios ofereciam 34,7%, o que indica a quase perfeita inversão da atuação desses entes federados na provisão da educação formal. As redes privadas mantêm sem alteração significativa a sua participação na oferta de educação básica, em torno de 13%, assim como a União, que atende atualmente cerca de 0,3% do total da matrícula na educação básica. Embora não tenha sido o único fator responsável, o Fundef favoreceu o processo de transferência de matrículas do ensino fundamental das redes estaduais para as municipais. No contexto do Fundef, a transferência de recursos de cada um dos fundos constituídos no âmbito dos estados e do DF far-se-ia de maneira automática com base na matrícula no ensino fundamental, forma de operacionalização mantida no Fundeb. Dessa forma, a elevação da matrícula de ensino fundamental nas suas respectivas redes podia interessar tanto aos estados quanto aos municípios. A situação concreta em grande parte dos estados, no entanto, demonstrou que estes tinham interesse em transferir suas matrículas (assim como estabelecimentos e funções docentes) para os municípios, em virtude do peso de suas redes, do crescimento dos seus déficits fiscais e pelas crescentes dificuldades de rolagem de suas dívidas a partir de 1991 (ARRETCHE, 2000). Ademais, a própria dinâmica do Fundef, que ampliou o atendimento no ensino fundamental, bem como o número de concluintes desta etapa, elevou a pressão pela oferta de ensino médio, etapa que cabe aos estados oferecer com prioridade. Matrícula em creches: a evolução recente da oferta Pode-se dizer que a formação de fundos é a mudança mais significativa no cenário do financiamento educacional desde a Constituição Federal. Muito embora tenham sido feitas previsões muito pessimistas sobre o impacto da atuação do Fundef no atendimento das demais etapas Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Relações federativas e intersetorialidade na provisão de educação infantil na etapa creche (COSTA, 2004), estas não se confirmaram, uma vez que tanto a educação infantil quanto o ensino médio ampliaram sua cobertura durante a vigência deste fundo. Em 1997, ano imediatamente após a aprovação do Fundef, três quartos da matrícula da educação básica encontrava-se no ensino fundamental. Esta participação cai para cerca de dois terços havendo, em contrapartida, o aumento na participação das etapas de educação infantil e ensino médio. A variação percentual na matrícula para as diferentes etapas da educação básica encontra-se na Tabela 1. Na verdade, uma expansão significativa da matrícula em educação básica nos próximos anos só poderá ocorrer pela ampliação no atendimento nas etapas de menor cobertura, que são a educação infantil e o ensino médio. O ensino fundamental apresenta atendimento superior à faixa de idade a que se destina em virtude de distorções entre a idade do aluno e a série cursada. Assim, a matrícula nesta etapa tende a decrescer com a melhora do fluxo escolar, o que já vem ocorrendo de maneira contínua nos últimos anos. Com relação ao ensino médio e à educação infantil, há, em primeiro lugar, a diferença entre as taxas de cobertura atual dessas duas etapas, o ensino médio com taxa de atendimento bruta1 superior a quatro quintos anda na faixa de idade (Tabela 2), embora se saiba que essa etapa atende a grande demanda de alunos fora da faixa, em decorrência da repetência no ensino fundamental. Por outro lado, o ingresso no ensino médio depende de alunos concluintes do ensino fundamental, ao passo que, para a educação infantil, basta a existência da criança na idade que lhe cabe atender. Tabela 1 – Variação percentual no número de matrículas da educação básica, por localização e etapa de ensino – Brasil (1997 a 2009) Creche Pré-escola Anos iniciais Anos finais Ensino médio (46) 444,9 13,4 -15,9 5,5 30,2 Fonte: Elaboração a partir da Sinopse Estatística da Educação Básica – INEP/MEC. Assim, a creche é a etapa da educação básica que mais oferece possibilidades de ampliação, se considerado a parcela da população a ser atendida, conforme os dados de cobertura das diferentes etapas que se encontram na Tabela 2. A expansão da educação infantil na etapa creche encontra desafios enormes a serem enfrentados nos próximos anos. Essas dificuldades decorrem da sua trajetória diferenciada em relação às demais etapas da educação escolarizada – que se expressa, sobretudo, pelo histórico de atendimento feito pela assistência social e pela sua relação com a legislação do trabalho. De acordo com esta compreensão, as instituições transformam-se em resposta às mudanças de contexto e ambiente da dinâmica política, mas o fazem sob restrições de suas trajetórias passadas (THELEN, 1999). No estudo do processo de descentralização das políticas sociais no Brasil, Arretche (2000, p. 3 – grifo do original) considera que O legado de políticas prévias diz respeito ao fato de que processos de reforma de programas sociais são influenciados pela herança institucional de programas anteriores. A importância desta variável deriva da noção de que a história é path dependent – isto é, o que vem antes mesmo que seja acidental, condiciona o que vem depois. Há ainda, por outro lado, as questões relacionadas à capacidade de financiamento dos municípios, entes aos quais cabe oferecer a educação infantil. Estas questões foram discutidas na sua complexidade durante a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deu origem ao Fundeb2. No que diz respeito à educação infantil, o Fundeb, assim como a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), evidencia um grande esforço de alguns segmentos em conferir tratamento unificado às etapas de creche e préescola e conformar a unidade da educação infantil voltada para atendimento integrado de crianças até os cinco anos de idade3. As propostas de emenda à Constituição, responsáveis pela criação do Fundef e do Fundeb, originaram-se do Poder Executivo4. Conforme tem sido verificado pelos estudiosos da interação entre os poderes no Brasil, as propostas legislativas e de alteração constitucional com esta procedência caracterizam-se por ter caráter geral, ser de natureza distributiva e estarem voltadas para a área social (AMORIM NETO; SANTOS, 2003). Em que pese a conhecida preeminência do poder Executivo na relação entre os poderes, as matérias enviadas ao Congresso sofrem alterações por iniciativa dos parlamentares em grande parte das vezes, em virtude da própria representação de vários segmentos e de diferentes perspectivas a respeito do mesmo assunto. No caso do Fundeb, o dissenso expresso entre as propostas apresentadas pelo governo e as proposições Tabela 2 – Taxa de atendimento na educação básica por etapa – Brasil - 2009 Creche Pré-escola Anos iniciais EF Anos finais EF Ensino médio Idade correspondente à etapa Matrícula (A) População em idade correspondente (B) Taxa de atendimento bruto (A/B) 0-3 4e5 6 a 10 11 a 14 15 a 17 1.896.363 4.831.052 17.295.618 14.409.910 8.337.160 12.419.241 6.602.267 16.916.293 13.200.320 9.979.064 15,3 73,2 102,2 109,2 83,5 Fonte: Elaborada a partir de: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Estimativas elaboradas no âmbito do Projeto UNFPA/IBGE (BRA/4/P31A). Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popuf.def> (dados populacionais) e Sinopse Estatística da Educação Básica – INEP/MEC (matrícula). Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Relações federativas e intersetorialidade na provisão de educação infantil na etapa creche (48) dos parlamentares pode ser identificado em questões de ordem federativa, antes que em divergências partidárias e orientações programático-ideológicas. A própria divisão entre governo e oposição assumiu características próprias, uma vez que muitos dos mais aguerridos parlamentares do partido do governo tiveram problemas para advogar a proposta do Executivo, em virtude da ausência das creches na proposta original. A criação de fundos com parcela dos recursos transferidos para estados e municípios – Fundef e, depois, do Fundeb – fez-se por alterações no art. 212 e no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias5. Embora as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) com tal finalidade, a PEC nº 233-A/95 (que deu origem à Emenda Constitucional nº 14/1996) e a PEC nº 536-A/97 (que resultou na Emenda Constitucional nº 53/2007) tenham sido enviadas ao Congresso pelo poder Executivo, houve no caso do Fundeb iniciativas semelhantes por parte de alguns parlamentares. Em ambas as circunstâncias, intensificou-se o debate em torno das despesas contempladas pelos fundos e as implicações da sua dinâmica para estados, municípios e União. Mais do que o que estava contemplado, no entanto, as ausências e omissões foram os principais pontos do debate. No entendimento expresso na Constituição Federal, o atendimento às etapas de creche e pré-escola deve se fazer em atenção à faixa de idade das crianças, sem qualquer menção a possíveis critérios de priorização como, por exemplo, a condição de carência das famílias. Embora um direito da criança, a educação infantil não assume caráter obrigatório, como acontece com o ensino fundamental, porque a família pode optar por outras formas de socialização e aprendizagem para seus filhos pequenos que não o que ocorre no ambiente da educação formal. Na PEC do Fundeb (PEC nº 536/97), a inserção da educação infantil na etapa creche, com o piso salarial do magistério e a responsabilidade da União em relação à educação básica constituíram as principais questões do debate parlamentar. A discussão da creche nas audiências públicas do Fundeb foi intensa, complexas a acaloradas. A proposta do governo adiava a assunção de responsabilidade em relação aos dois aspectos acima indicados e buscava resguardar-se de medidas muito impactantes nos aportes que caberia à União realizar para o Fundo. Na apresentação do ministro da Educação à Comissão Especial6, a inserção das creches do Fundeb ocorreria após um período de transição de quatro anos, quando se consideraria a entrada no fundo dos impostos municipais. Esta situação causou surpresa aos parlamentares e aos movimentos de defesa dos direitos da criança, sobretudo porque a PEC foi apresentada tardiamente ao Congresso justamente com a alegação de que resultara de longo processo de negociação entre as entidades representantes de estados e municípios. Pelas justificativas da União, a ausência das creches no projeto devia-se ao desacordo de estados e municípios a esse respeito. Estados e municípios, no entanto, por meio de suas entidades representativas no que concerne à educação – Consed e Undime – defenderam a inclusão das creches a partir de um novo patamar de responsabilização financeira da União com a educação básica. Da parte dos parlamentares da Comissão Especial, porém, a inclusão das creches à proposta foi definida desde o início dos trabalhos. UM FUNDO, DOIS FUNDOS, TRÊS FUNDOS: O FINANCIAMENTO DAS CRECHES Em virtude das dificuldades apresentadas para a inclusão das creches, tanto pela consideração da responsabilidade diferenciada de estados e municípios com relação às três etapas da educação básica, quanto pela busca de maior aporte da União, surgiram propostas de formação de três fundos, ou de um fundo com subfundos. Isso porque o Fundef constituía-se de parcela de recursos de estados e municípios em favor de matrículas de uma etapa pela qual ambos estão responsáveis. O Fundeb realiza a destinação de recursos para um fundo e a distribuição em relação ao número de matrículas faz-se também para etapas pelas quais há a separação de responsabilidades – os estados responsáveis pelo ensino médio e pelo ensino fundamental, e os municípios, pela oferta de ensino fundamental e educação infantil. Assim, a proposta da deputada Raquel Teixeira (PSDB/ GO) para o Fundeb lidar com essas diferenças e favorecer a aceitação de estados e municípios postulava que haveria Embora tecnicamente bem fundamentada, a proposta de três fundos não encontrou apoio entre a maioria das entidades e dos parlamentares, sob alegação de que uma arquitetura de tal complexidade traria fragmentação e descontinuidade entre as etapas de ensino. um fundo para a educação infantil com recursos dos municípios e complementação da União, quando fosse o caso. De forma semelhante, constituir-se-ia um fundo para o ensino médio com recursos dos estados, e possível complementação da União. O ensino fundamental permaneceria financiado com recursos de estados e municípios, mais a complementação da União. Seriam, portanto, três fundos. Opinião semelhante foi apresentada pelo ex-ministro da Educação Paulo Renato de Souza para quem a formação de um fundo único para financiamento de etapas pelas quais estados e municípios não compartilham a responsabilidade da provisão equivaleria a “misturar” recursos e responsabilidades entre três níveis de governo, duas esferas administrativas e três etapas de ensino7. Esta foi também a proposição defendida pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que compreende essa discussão à luz da capacidade financeira dos municípios e que considerava que o custo aluno na creche impedia a formação de um fundo único para a educação básica. Embora tecnicamente bem fundamentada, a proposta de três fundos não encontrou apoio entre a maioria das entidades e dos parlamentares, sob alegação de que uma arquitetura de tal complexidade traria fragmentação e descontinuidade entre as etapas de ensino. O Consed, mesmo temeroso das consequências que o avanço rápido Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Relações federativas e intersetorialidade na provisão de educação infantil na etapa creche (50) nas matrículas da educação infantil poderia trazer para as redes estaduais (uma vez que as creches, além da maior demanda possuem custo mais elevado, o que faria com que os recursos migrassem ainda mais para as redes municipais), postulou que três fundos adiariam por demais a aprovação da Emenda. Na verdade, os estados já se encontravam em situação muito desfavorecida no Fundef em relação ao aporte e à retirada de recursos, o que comprometia inclusive sua capacidade de atender à demanda do ensino médio, muito elevada em decorrência da atuação desse fundo8. Além do Consed, Undime, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a grande maioria dos deputados foi favorável a um único Fundo, o que veio a prevalecer. Como forma de lidar com o fluxo de recursos entre as redes e entre as etapas, foi assinalada a necessidade de “mecanismos de travas”, de forma a impedir que um ente viesse a receber recursos pela oferta de matrícula em etapa na qual não lhe cabe atuar com prioridade e, mais importante, a diferenciação do custo aluno por etapa e modalidade de ensino, proposições que vieram a ser incorporadas à Emenda Constitucional (art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, II e IV). Outro ponto de grande desacordo na proposta do governo para o Fundeb era a utilização de recursos provenientes de impostos municipais. Isso porque apenas as grandes cidades, sobretudo capitais localizadas nas regiões mais desenvolvidas, possuem uma arrecadação significativa dos impostos que cabe ao município instituir e arrecadar, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). No entanto, a demanda por creches independe da situação financeira do município, embora se encontre mais organizada nos municípios maiores, onde há maior conhecimento do direito de acesso a essa etapa de ensino. A situação diferenciada dos municípios brasileiros, em termos de porte e capacidade de arrecadação, tem sido uma questão recorrente no debate sobre a descentralização das políticas sociais, sobretudo quando há vinculação de percentuais para aplicação como ocorre com a educação. Isso porque os percentuais incidem sobre uma variação muito grande de recursos disponíveis, o que interfere diretamente na qualidade do serviço oferecido à população. Nas palavras do presidente da CNM, os senhores sabem que dos 36,5% de carga tributária no País, os municípios têm autonomia, arrecadam 4,3%. No final, ficamos com 14,5%, mas a nossa autonomia é de 4,3%. A média mundial é 17%. E se hoje desdobrarmos os 4,3%, vamos ver que quatro cidades do Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, arrecadam mais de 40%. E se pegarmos as cem maiores cidades do Brasil, elas arrecadam 98% da arrecadação própria. Dois por cento são 5,5 mil municípios que arrecadam9. Com a aprovação da Lei do Fundeb, Lei nº 11.494/ 2007, um representante de cada uma das entidades – Consed e Undime – passam a constituir, juntamente com um representante do Ministério da Educação, a Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade (art. 12). Entre as atribuições dessa Comissão, está a tarefa de especificar, ano a ano, as ponderações aplicáveis entre diferentes etapas, modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da educação básica, bem como fixar a parcela da complementação da União a ser distribuída para os Fundos por meio de programas direcionados para a melhoria da qualidade da educação básica e seus respectivos critérios de distribuição. No entanto, essa possibilidade de atuação está restrita a parâmetros muito estreitos definidos pela própria lei que regulamenta o Fundeb, quando trata da distribuição proporcional tendo em vista as diferentes etapas, modalidades e características dos estabelecimentos. As ponderações adotam como referência o fator 1 (um) para os anos iniciais do ensino fundamental urbano, que pode ser multiplicado no máximo por 1,3 e no mínimo por 0,7. Quer dizer, as creches podem contar no máximo com 30% a mais no valor aluno do que a matrícula de ensino fundamental nos anos iniciais do ensino fundamental urbano. Como esses parâmetros foram definidos em lei, só podem ser alterados por ação do Poder Legislativo10. Assim, embora tenha havido uma maior consideração à participação de estados e municípios nas definições do Fundeb, se comparado ao Fundef, a União tem meios de precaver-se de excessivos aportes ao Fundo, tanto em relação aos estreitos parâmetros de ponderação do custo aluno definidos na Lei, quanto pelo montante do aporte, definido na própria Emenda Constitucional que deu origem ao Fundo – EC nº 53/2006, em valores para os três primeiros anos do Fundeb e em 10% do aporte de estados e municípios a partir do seu quarto ano de vigência. Compreende-se, assim, a centralidade do aporte da União para incorporação das creches ao Fundeb. Mas, há ainda outra questão. Nos debates da inserção das creches no Fundeb houve grande expectativa em relação a recursos provenientes de outras fontes que não apenas os da educação, conforme se segue. ASSISTÊNCIA SOCIAL À CRIANÇA E AMPARO À MÃE TRABALHADORA: FONTES ADICIONAIS DE RECURSOS? Se colocarmos absoluta responsabilidade para a Educação, em vez de resolver, poderemos criar um problema, porque a creche hoje é compartilhada com recursos sem vinculação contábil, da assistência social e da saúde. Como é que podemos introduzir isso numa PEC com as ressalvas da assistência social e da saúde – roupinha para o bebê, fralda, leite especial, atenção para crianças de 4, 5, 6 meses, que precisam de um acompanhamento de enfermagem, médicohospitalar, medicação e alimentação especial? Vai ficar tudo para nossa ilustre secretária municipal da Educação? Deputado Colombo (PT/PR).11 O histórico da educação infantil no Brasil relaciona de maneira estreita a assistência social à criança pequena, o atendimento à mãe trabalhadora e, mais recentemente, à educação formal. Essa articulação é perpassada pela relação muito peculiar entre os segmentos público e privado, neste último compreendidas as entidades filantrópicas e confessionais. Nessa relação cabe assinalar dois aspectos importantes, quais sejam, as orientações de políticas sociais dos organismos internacionais para países em desenvolvimento e a necessidade de cuidados para crianças de famílias cujas mães trabalham fora de casa. De acordo com Rosemberg (2002), a atuação de organismos internacionais – Banco Mundial e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), por meio de seus programas de combate à pobreza – foi fundamental para conformar o modelo de atendimento “a baixo custo” para Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Relações federativas e intersetorialidade na provisão de educação infantil na etapa creche (52) crianças, que se expandiu por todo o País. Os programas valiam-se, sobretudo, de mão de obra “disponível na comunidade”, espaços, materiais e equipamentos improvisados e reutilizados12. Associada ao atendimento à pobreza, originou-se, assim, uma rede de estabelecimentos – de abrigo, guarda e, eventualmente, ensino – e de recursos humanos voltados para o trabalho com crianças pequenas. A manutenção financeira apoiava-se em recursos provenientes de entidades filantrópicas combinados com recursos públicos repassados por meio da assistência social (ou da saúde ou mesmo da educação). São muitas as consequências de uma conformação como esta para a construção de uma política de educação infantil como a que hoje a legislação educacional preconiza. Em primeiro lugar, essas estratégias retardaram o processo de construção nacional de um modelo de educação infantil democrático, de qualidade e centrado na criança, conforme assinala Rosemberg (2002). Em seguida, essa compreensão relaciona o atendimento à necessidade de cuidado e atenção durante a ausência dos pais (da mãe, sobretudo) no lar durante a jornada de trabalho. Assim, apresenta-se antes como uma necessidade da família que como um direito da criança. A formação da rede de estabelecimentos relacionada à assistência social, por sua vez, permanece como uma difícil questão na condução das políticas educacionais nos municípios. O financiamento das creches com recursos da assistência social passou a ocorrer em 1995, data da extinção da Legião Brasileira de Assistência (LBA), entidade que se responsabilizava por esta ação desde 1977. A transferência das creches da área da assistência social para a educação, em adequação ao que a Lei de Diretrizes e Bases postula como educação infantil, recebeu grande atenção do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) a partir de 2003, ao tempo em que este órgão buscava estruturar o sistema unificado de assistência social, em grande medida semelhante ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ao integrar a educação básica, havia em muitos segmentos a expectativa de que os recursos da assistência social destinados às creches passassem automaticamente para a educação, auxiliando dessa forma a expansão da educação infantil. Compreende-se essa disposição de “pactuação interinstitucional” no contexto de discussão da PEC do Fundeb no Congresso, diante dos sérios impasses apresentados para o financiamento das creches. Nada mais distante da compreensão dos dirigentes do MDS. Embora estivessem há muito engajados na transferência das creches para a área da educação, não se cogitava de forma alguma a transferência dos recursos então destinados às creches. Os recursos, que eram transferidos às creches por meio das instituições comunitárias e filantrópicas, permaneceriam para financiar as outras ações que o Ministério desenvolve no âmbito da proteção social básica e especial que atendem – inclusive, mas não apenas – a população na primeira infância, cujas necessidades de assistência vão além da educação infantil. De acordo com representante do MDS na Comissão Especial de análise da PEC 536/97, a rede de entidades conveniadas é formada por mais de 16 mil estabelecimentos que atendem a cerca de 1,6 milhão de crianças em creches. A situação desses estabelecimentos é muito variada, uma parte dos quais (65%) aparece no Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Embora não se tenha o devido conhecimento das instituições nem do atendimento que fazem, foi amplamente manifesta a preocupação do MDS e de muitas entidades em se manter a ajuda do poder público pelo menos por um período de transição para não haver prejuízo à população atendida13. Porém, a dinâmica do financiamento na educação obedece outros princípios que não os da assistência social. Embora a Constituição (art. 213) permita a destinação de recursos públicos para escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas, os fundos (Fundef e Fundeb) foram concebidos para repassar recursos com base no número de alunos matriculados na rede pública. Para a manutenção das creches comunitárias e filantrópicas, foi considerado um período de transição com repasse até que o poder público tenha condições de atender toda a demanda sem as “redes conveniadas”14. Na busca de financiamento para as creches no Fundeb, foi aventada também a participação de recursos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Desafortunadamente, não houve participação de representantes deste órgão nas discussões na Comissão Especial. Ainda assim, a relação entre as creches e o mundo do trabalho merece ser analisada com atenção. Muito embora seja acentuado o caráter de formação escolar e o direito da criança a essa etapa de ensino, não há a possibilidade de se discutir o atendimento de crianças pequenas em creche sem considerar as relações de trabalho dos pais. Muito embora seja acentuado o caráter de formação escolar e o direito da criança a essa etapa de ensino, não há a possibilidade de se discutir o atendimento de crianças pequenas em creche sem considerar as relações de trabalho dos pais. Da constatação de que a tarefa de cuidado das crianças pequenas tem sido executada quase exclusivamente pelas mulheres decorre a compreensão de que os equipamentos públicos de atenção à criança são condição para que as mulheres trabalhem em melhores condições, mas também tenham acesso a atividades culturais, à participação política, à formação educacional, etc. Essa compreensão é bem exemplificada pela fala proferida pela representante da Marcha Mundial das Mulheres: Nesse arranjo que trata a educação das crianças pequenas como um problema das famílias, as mais prejudicadas, depois das crianças, são as mulheres. (...) Onde os senhores e as senhoras pensam que ficam os filhos dos mais de 6 milhões de empregadas domésticas, trabalhadoras informais, lavadoras de roupa, passadeiras, etc.? Quando elas saem de casa em busca do sustento para a família, as crianças ficam em casa15. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Relações federativas e intersetorialidade na provisão de educação infantil na etapa creche (54) Na verdade, a primeira menção à provisão de creches na legislação brasileira aparece justamente relacionada ao trabalho das mulheres, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)16 que obrigava as empresas com mais de 30 mulheres com mais de 16 anos a ter um local adequado onde fosse permitido às empregadas guardar, sob vigilância e assistência, os filhos no período da amamentação. Essa exigência poderia ser suprida por meio de creches distritais mantidas – diretamente ou por convênio com outras entidades públicas ou privadas – pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do Serviço Social do Comércio (SESC), do Serviço Social da Indústria (SESI), da LBA ou de entidades sindicais. Em 1986 o Ministério do Trabalho publica a Portaria nº 3.296 que autoriza as empresas e empregadoras a adotar o sistema de reembolso creche em substituição à exigência do art. 389 da CLT. A concessão do auxíliocreche, por sua vez, estende-se a toda empregada-mãe, independe, portanto, do número de mulheres empregadas no estabelecimento. De acordo com o art. 1º, I, o reembolso destina-se a cobrir integralmente as despesas efetuadas com o pagamento da creche de livre escolha da empregada-mãe – ou outra modalidade de serviço dessa natureza – pelo menos até os seis meses de idade da criança, dentro das condições, prazos e valores estipulados em convenção coletiva. Embora importantes, essas determinações possuem restrições sérias para as mães trabalhadoras. Em primeiro lugar, o período da infância coberto resguarda apenas os primeiros meses de vida (o período da amamentação). Segundo, o reembolso para os casos em que a empresa não oferecer diretamente o benefício (a grande maioria) é estabelecido em convenção coletiva, o que favorece as categorias melhor inseridas no mercado de trabalho e que conseguem negociar salários e condições mais favoráveis para exercer suas atividades. Não é de estranhar, portanto, que as creches comunitárias e filantrópicas conveniadas com a assistência social tenham atendido, sobretudo, as crianças de regiões mais pobres e das periferias das grandes cidades, de onde saem grande parte das empregadas domésticas e mulheres que trabalham no mercado informal. Sobre o atendimento a crianças maiores, o artigo 397 da CLT estabelece que entidades públicas destinadas à assistência à infância (SESI, SESC, LBA e outras) deveriam manter, ou subvencionar dentro de suas possibilidades financeiras, escolas maternais e jardins de infância distribuídos nas áreas de maior concentração de trabalhadoras. Esse atendimento destinar-se-ia especialmente aos filhos das mulheres empregadas. A Constituição Federal estabelece, no art. 7º, XXV como sendo direito dos trabalhadores – não apenas das mulheres trabalhadoras – urbanos e rurais, a assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os seis anos de idade em creches e pré-escolas17. Não sendo fortuita na legislação brasileira a relação entre trabalho dos pais e atendimento escolar de crianças pequenas, compreende-se a necessidade de se reiterar que a creche, como etapa de escolaridade formal, é um direito da criança e independe da condição de trabalhador de um dos pais ou de ambos. A impossibilidade de conduzir a questão do financiamento das creches por meio de recursos provenientes de outros setores ficou clara ao longo das discussões, apesar de haverem sido aventadas fontes as mais diversas: Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), Fundo de Erradicação e Combate à Pobreza, além dos mais recorrentes, quais sejam, assistência social e trabalho (Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT). Assim, o conflito federativo perpassou toda a discussão, com estados e municípios a exigirem um novo patamar de financiamento da União para viabilizar a oferta de creches na rede pública, sob a alegação de fragilidade financeira de ambos para fazer frente aos aportes que o Fundeb iria exigir para a realização dessa tarefa. Sendo o aporte da União a única maneira de resolver o impasse da entrada das creches no Fundeb, a atenção concentrou-se em duas questões: o volume de recursos necessários e aquele com o qual a União estava disposta a comprometer-se e, estritamente relacionado a esta questão, o custo de um aluno em creche. Embora não se tivesse clareza sobre o custo de se manter um aluno na creche porque vários valores, baseados em diferentes cálculos, foram apresentados, ficou compreendido que esse custo é muito superior mesmo ao de um aluno no ensino médio sendo, portanto, o mais elevado custo aluno de toda a educação básica. Decorre justamente desse ponto o dissenso entre estados e municípios, uma vez que os estados já aportavam ao Fundo um montante de recursos muito superior ao que dele retiravam após a distribuição dos recursos por matrículas. Essa situação se agravaria enormemente com a entrada das creches, pois os municípios, além de atenderem a um maior número de alunos em suas redes, também atenderiam aqueles cujos custos são mais elevados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das dificuldades de acesso a recursos de outras fontes, mesmo com o evidente caráter intersetorial das creches, a questão de sua manutenção e expansão com qualidade nas redes públicas dos municípios de todo o País está a depender claramente de maiores aportes da União para esta etapa, em virtude da baixa capacidade de arrecadação da maior parte dos municípios. Na consideração das metas de atendimento, o Plano Nacional de Educação (PNE – Lei nº 10.172/2001) estabeleceu a matrícula de 50% das crianças até três anos para os dez anos de sua vigência. Em 2009, não se chegava sequer a 16% desta população (Tabela 2). Conclui-se desta forma que, em que pesem os inegáveis avanços e a importância dos debates realizados por movimentos sociais, parlamentares e Executivo, a creche é a etapa da educação básica que necessita de mais atenção do poder público para sua expansão. É certo que a criação de fundos para a manutenção da educação formal representa um inegável avanço para a coordenação das ações entre os entes federados. No entanto, no plano das relações verticais – entre União, estados, Distrito Federal e municípios, verificam-se as dificuldades de estados e municípios em obter da União aportes condizentes com a função supletiva e distributiva que lhe cabe exercer. Nesse sentido, a legislação do Fundeb expressa a preeminência do poder Executivo federal ao enviar e aprovar no Congresso leis em conformidade com as suas próprias prioridades. Situação semelhante ocorre com as transferências voluntárias e não apenas nos fundos de transferência automática. Na análise dos diversos programas de assistência técnica e financeira que se efetivam por meio de transferências voluntárias, Cruz (2009) considera que a União não cumpre sua função supletiva e distributiva, tendo em vista a predominância de critérios político partidários na transferência de recursos a estados e municípios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRUCIO, F. L. Os barões da federação: os governadores e a democratização brasileira. 2. ed. São Paulo: Ed. Hucitec, 2002. __________. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do Governo Lula. Revista de Sociologia e Política. n. 24, 2005. AMORIM NETO, O.; SANTOS, F. O segredo do ineficiente revisto: o que propõem e o que aprovam os deputados brasileiros. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, n. 1, p. 661-698, 2003. ARRETCHE, M. Estado Federativo e Políticas Sociais: determinantes da descentralização. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: Fapesp, 2000. ARRETCHE, M. 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O atendimento de alunos apenas na faixa de idade correspondente a cada etapa caracteriza a taxa de atendimento líquida. 2 A oferta e financiamento das creches, a definição do piso nacional do magistério e o papel da União no financiamento da educação básica constituíram o eixo estruturador do debate da PEC que deu origem ao Fundeb. 3 Os textos na versão original da Constituição (art. 208, IV) e da LDB (art. 30, II) referiam-se ao atendimento até os seis anos na educação infantil. Essa situação foi alterada pela EC nº 53/2006 que reduz o limite de atendimento da educação infantil para cinco anos de idade, uma vez que a idade obrigatória compreendida para o ensino fundamental passa a ser dos 6 aos 14 anos. 1 A PEC nº 415-2005, que foi enviada ao Congresso pelo governo para criação do Fundeb, foi apensada à PEC nº 536 de 1997 de autoria do deputado Valdemar Costa Neto, assim como o foram outras iniciativas de parlamentares com o mesmo objetivo. Quando se trata da PEC que deu origem ao Fundeb, portanto, a referência é a PEC nº 536-A/ 97. 5 A redação original do art. 60 determinava que metade dos percentuais de destinação obrigatória em educação pelo poder público fosse direcionada para duas tarefas que em 1988 haviam sido consideradas prioritárias, a saber: a universalização do ensino fundamental e a erradicação do analfabetismo. Na verdade, esse preceito do art. 60 encontrava-se bastante desacreditado, tendo sido desde sua criação desconsiderado pela União em seus gastos com educação (18% da receita resultante de impostos), sob a alegação de que o gasto com a rede federal de instituições de ensino, por si, já superava o percentual definido. 6 Audiência Pública nº 25/10/2005. 7 Audiência Pública nº 16/11/2005. 8 Conforme os dados apresentados pelo então ministro da Fazenda Antônio Palocci, os estados aportavam R$ 21 bilhões ao Fundef e retiravam deste Fundo R$ 14,8 bilhões, os municípios aportavam R$ 10,2 bilhões e tinham acesso a R$ 17 bilhões (Audiência Pública nº 29/11/2005). Em resposta às necessidades dos estados para provisão do ensino médio, a União definiu a destinação de R$ 400 milhões no âmbito do Programa de Equalização das Oportunidades de Acesso à Educação Básica (Prodeb), até que fosse aprovado o Fundeb e o ensino médio passasse a contar também com repasse de recursos. Essa forma de apoio recebeu a denominação de “Fundebinho“. 9 Audiência Pública nº 26/10/2005 (páginas 8 e 9). 10 O custo aluno/ano do Fundeb definido para 2011 foi de R$ 1.722,05, conforme Portaria Interministerial – Ministério da Educação e Ministério da Fazenda nº 1459/2010. Assim, o atendimento em creche, para período integral, terá como valor mínimo nacional o resultado da multiplicação de R$ 1.722,05 por 1,3 para um ano de atividade, ou seja, R$ 2.238,66. 11 Audiência Pública nº 26/10/2005 (p. 16). 12 O Projeto Casulo foi uma das grandes iniciativas de atendimento à criança na etapa creche, criado em 1977 pela Legião Brasileira de Assistência (LBA). Com a extinção desta entidade em 1995, os recursos passaram a ser geridos pelo órgão do governo federal responsável pelas políticas sociais, atualmente, Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome (MDS). 13 De todas as entidades presentes às APs, apenas a CNTE manifestou-se contrária ao repasse de recursos para manutenção das creches comunitárias e filantrópicas, em observância à orientação de que recursos públicos devem ser destinados à rede pública de ensino. 14 Em 2009, o Ministério da Educação publicou documento que orienta as Secretarias Municipais de Educação sobre convênios com entidades conveniadas para provisão de creches; ver Brasil, Ministério da Educação, (2009). 15 Audiência Pública nº 27/10/2005, p. 8. 16 Art. 389, §§ 1º e 2º, conforme a redação dada pelo Decreto-Lei nº 229/1967. 17 Com a Lei nº 11.274/2006, a idade para o atendimento em creches e pré-escolas vai até os cinco anos, uma vez que com seis anos a criança deve ingressar no ensino fundamental, que passa a constituir-se de 9 anos de escolaridade obrigatória. 4 Gildete Dutra Emerick é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Mestre e doutoranda em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília (UNB). Página 59 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Um modelo para avaliação da qualidade e da equidade dos gastos públicos totais com saúde das três esferas de governo nas unidades da federação baseado na decomposição de indicador sintético de efetividade do gasto Por Ruyter de Faria Martins Filho Propõe-se um modelo para avaliar comparativamente a qualidade dos gastos públicos totais com saúde nas unidades da Federação, baseado na decomposição em dois níveis de um indicador de efetividade do gasto que sintetiza, com pesos iguais, os valores de dois indicadores: o insumo Despesa Pública Total com Saúde por Habitante e o resultado Taxa de Mortalidade Infantil, presumidamente representativo da qualidade de um sistema de saúde. Na decomposição de primeiro grau, cada valor desse indicador sintético é desdobrado em duas componentes, na mesma proporção da observada entre os valores dos indicadores primários normalizados. Na de segundo grau, cada uma daquelas duas componentes é desdobrada em três subcomponentes: a de insumo, nas mesmas proporções das despesas de cada esfera de governo; a de resultado, nas mesmas proporções dos valores das três componentes em que costuma ser desdobrada a Mortalidade Infantil: Neonatal Precoce, Neonatal Tardia e Pós-Neonatal. Obteve-se uma extensa gama de observações adicionais e mais bem fundamentadas quanto à evolução da qualidade dos gastos públicos com saúde e à equidade na aplicação dos recursos públicos federais. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Um modelo para avaliação da qualidade e da equidade dos gastos públicos totais com saúde das três esferas de governo nas unidades da federação baseado na decomposição de indicador sintético de efetividade do gasto (60) INTRODUÇÃO A instituição do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) e a publicação, na página do Departamento de Informática do SUS (Datasus), do Ministério da Saúde (MS), na internet, de dados oficiais sobre os valores das despesas públicas totais com saúde de cada uma das três esferas de governo – federal, estadual e municipal – em cada unidade da Federação (UF) têm possibilitado um maior controle social sobre essas despesas e a realização de análises mais precisas de sua evolução e de seu impacto sobre indicadores de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, em um trabalho recentemente publicado (MARTINS FILHO, 2010), foi proposto um modelo descritivo – considerado pelo autor como “o mais simples possível” – para acompanhar a evolução anual das despesas públicas totais com saúde por habitante (DTS) – indicador primário de insumo – nas UF e nos municípios e avaliá-las comparativamente em termos da efetividade, com base no impacto observado sobre os valores das respectivas taxas de mortalidade infantil (TMI) – indicador primário de resultado invariavelmente usado nas avaliações da situação de saúde. Naquelas avaliações preliminares o primeiro indicador (DTS) poderia ser interpretado, da perspectiva dos gestores do SUS, como a variável independente do modelo e o segundo (TMI), como a variável dependente, uma vez que os gestores têm a competência para agir diretamente sobre a primeira – tanto quantitativamente, aumentando-a, quanto qualitativamente, procurando melhorar-lhe a efetividade –, a fim de operar impactos cada vez mais salutares sobre a segunda. Esta, porém, tem outros determinantes além de DTS, tais como os importantes gastos com saneamento básico, complementação da renda familiar e educação, os quais estão sob a competência de outros setores de governo e tendem a melhorar, em maior ou menor grau, os indicadores de saúde das populações, especialmente de países como o Brasil, ainda em desenvolvimento e submetido a acentuadas desigualdades sociais. Para a realização do acompanhamento da efetividade dos gastos, Martins Filho propôs o uso de um terceiro indicador, que sintetizasse os valores daqueles dois indicadores primários DTS e TMI. Com esse indicador sintético fez-se possível realizar avaliações comparativas entre as UF em cada ano e da evolução de cada UF ao longo do tempo. Neste trabalho explora-se aquele modelo – mais especificamente, a decomponibilidade do indicador sintético nele sugerido –, de modo que seja possível incorporar, sem qualquer prejuízo à extrema simplicidade que caracteriza a ideia original, informações mais desagregadas relativas, em cada UF, em cada ano do período coberto no estudo, tanto às despesas sob a responsabilidade de cada uma das três esferas de governo quanto às taxas de mortalidade infantil neonatal precoce (TMINeoPre), neonatal tardia (TMINeoTar) e pós-neonatal (TMIPósNeo), componentes da TMI cujos valores podem apontar mais especificamente determinados tipos de carências estruturais dos sistemas de saúde. Espera-se, assim, incrementar significativamente o potencial de aplicação daquele modelo descritivo como instrumento institucional de apoio ao acompanhamento, análise e avaliação comparativa preliminar da efetividade dos gastos públicos no âmbito do SUS e, também, da equidade na aplicação dos recursos públicos federais com saúde nas UF. Saliente-se que o modelo proposto neste trabalho poderá constituir também um importante instrumento de controle social, pois as populações das UF e seus representantes poderão contar com informações objetivas e fundamentadas para, eventualmente, cobrar dos gestores maior aporte de recursos ou aplicação mais efetiva destes. DO MODELO ORIGINAL TMI como o indicador primário de resultado Importa ressaltar inicialmente que, neste trabalho, insistiu-se no uso de apenas a Taxa de Mortalidade Infantil – conceituada como o “número de óbitos de menores de um ano de idade, por mil nascidos vivos, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado” (RIPSA, 2011) – como indicador primário de resultado, em função de suas características fundamentais, que seriam mais adequadas do que as de qualquer outro. Primeiramente, é bem reconhecida sua validade para inferir o estado de saúde de uma população e a qualidade do sistema de saúde a quem serve (WRANIK, não publicado), o que, aliás, explica o aparato que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Fundação ... incrementar o potencial de aplicação daquele modelo descritivo como instrumento institucional de apoio ao acompanhamento, análise e avaliação comparativa preliminar da efetividade dos gastos públicos no âmbito do SUS ... Oswaldo Cruz (Fiocruz) lhe dedicam na coleta e no tratamento estatístico dos dados, o qual confere a confiabilidade relativamente superior. Àqueles que salientam o fato de a TMI ser determinada por diversas outras variáveis relevantes, Charlton et al. dirigem o seguinte alerta: [...] o fato de a mortalidade infantil refletir simultaneamente o grau de desenvolvimento socioeconômico e a qualidade do sistema de saúde não exclui a responsabilidade do sistema; muito pelo contrário, estabelece a exigência de que os serviços de saúde sejam mais acessíveis e eficientes em locais onde as condições socioeconômicas aumentam os riscos de uma população já exposta (CHARLTON et al., 1983, p. 26). É também inquestionável a sensibilidade da TMI à magnitude e à qualidade dos gastos com saúde, o que permite a realização de avaliações comparativas elucidativas com periodicidade anual, conforme demonstrado nos resultados do trabalho original que serviu de base para este estudo. Tal nível de sensibilidade não seria obtido com a Esperança de Vida ao Nascer, que é o outro indicador também muito usado, juntamente Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Um modelo para avaliação da qualidade e da equidade dos gastos públicos totais com saúde das três esferas de governo nas unidades da federação baseado na decomposição de indicador sintético de efetividade do gasto com a TMI, nos estudos analíticos sobre a evolução da qualidade de vida das populações (IPEA, 2007). Desconsiderou-se, igualmente, o uso, seja concomitantemente com o indicador de resultado TMI, seja alternativamente a este, de qualquer indicador primário de processo, isto é, referente às ações ou à prestação de serviços de saúde. Não obstante, este modelo até se prestaria à realização de estudos quanto à eficiência ou à eficácia dos gastos, bastando para tanto substituir o indicador primário de resultado por um índice que sintetizasse uma cesta de indicadores primários tanto de recursos, tais como Número de Profissionais de Saúde por Habitante, Número de Enfermeiros por Leito Hospitalar e Número de Leitos Hospitalares (SUS) por Habitante, quanto de cobertura, tais como Cobertura Vacinal, Cobertura de Consultas de Pré-Natal, Número de Consultas Médicas (SUS) por Habitante, Número de Procedimentos Diagnósticos por Consulta Médica (SUS) e Número de Internações Hospitalares (SUS) por Habitante. Cesta de diversos indicadores como esses para se chegar a um índice de resultado foi usada em trabalho recente (BRUNET et al., 2007). DTS como o indicador primário de insumo (62) Em relação às DTS, seria importante ressaltar o fato de já existirem parâmetros claros, estipulados pelo Ministério da Saúde com base na Portaria nº 2.047/2002/GM, e na Resolução nº 322/2003, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) de comum acordo entre o MS, as UF e seus respectivos Tribunais de Contas, sobre o que deve ser considerado como despesas de ações e serviços de saúde, de modo que valha um padrão comum para o conjunto dos entes federados. Neles não se incluem os gastos com, por exemplo, saneamento, merenda escolar ou programas de alimentação, a despeito de eles serem afetos a ações e serviços públicos que contribuem para promover a qualidade de vida e de saúde da população (CAMPELLI; CALVO, 2007). Consequentemente, os valores do indicador sintético de efetividade do gasto nas UF cujos gestores, de forma oportunista, deixarem de observar aquela classificação a fim de conseguir artificialmente enquadrá-las nos mínimos constitucionais serão inevitavelmente contaminados com as parcelas embutidas indevidamente nas respectivas DTS, as quais entrarão na conta da menor efetividade de seus gastos. O indicador sintético de efetividade do gasto O indicador sintético original – isto é, antes da decomposição – é resumidamente descrito abaixo. Os valores de DTS e TMI de cada ente federativo em cada ano do período de estudo formam um conjunto de pontos coordenados (x = DTS, y = TMI) e seus valores extremos delimitam uma envoltória retangular de vértices (DTSmín, TMImín), (DTSmáx, TMImín), (DTSmáx,TMImáx), e (DTSmín,TMImáx). Para normalizar aqueles dois indicadores transforma-se o retângulo em quadrado, multiplicando-se os valores de TMI por FATOR = (DTSmáx - DTSmín)/(TMImáx - TMImín), de modo que se obtenha TMI = FATOR*TMI. Após essa normalização, a distância euclidiana de cada ponto (DTS, TMI) à “origem” (DTSmín, TMImín), que indica o quão longe se está da situação reputada como relativamente “ideal” – isto é, o par coordenado com os menores valores tanto de despesa quanto de mortalidade infantil –, constituiria a métrica para valorar o indicador sintético de efetividade. Dividindo-se aquela distância pela diagonal do quadrado dada por DIAG = (DTSmáx – DTSmín)*21/2, obtémse, finalmente, o Indicador de Distância Normalizado (IND DIST NORM) dado por IND = (((DTS – DTSmin)2 + (TMI – TMImin)2)1/2)/DIAG, cujos valores variam entre 0 e 1. Deve-se ressaltar a característica mais importante que se pretende atribuir ao IND DIST NORM: a de ser um indicador relativo – semelhante, por exemplo, à dimensão Esperança de Vida ao Nascer do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) (PNUD, 2011) –, em que as balizas são exatamente os extremos da envoltória – quadrada, após a normalização – acima descrita. A evolução dos valores de DTS e TMI de cada UF ao longo do período sob análise pode ser representada em gráfico de dispersão XY em que os pares (DTS, TMI) de cada UF são conectados ano após ano ao longo do período. Isto já permite considerável acesso visual a informações tanto analíticas quanto avaliativas, baseadas na distância de cada par ao ponto de referência (DTSmín, TMImín). Já a evolução dos valores do IND DIST NORM pode ser representada em gráficos de barras, agrupadas sequencialmente por UF ao longo dos anos do período. Para facilitar a realização das avaliações comparativas, os 27 grupos de barras com os valores do indicador em cada UF são ordenados decrescentemente pelo valor no último ano do período, de forma que, quanto mais à direita do gráfico estiver a UF, maior tenderá a ser, em uma avaliação preliminar, a efetividade relativa de seus gastos. É de se observar, porém, que ao mesmo tempo em que o segundo gráfico apresenta a precisa mensuração da distância ao ponto ideal de referência e facilita a avaliação comparativa das UF, perde-se nele a informação de proporção dos valores dos indicadores primários disponíveis no primeiro gráfico. Isto é, a proposta original, baseada no uso do IND DIST NORM não decomposto, auxilia, por um lado, mas, pelo outro, embute perda de informação, tornando necessário recorrer, durante as avaliações, ao gráfico de dispersão XY para se poder estimar a contribuição individual de cada um dos indicadores primários para os valores do indicador sintético de efetividade. MODELO COM O INDICADOR SINTÉTICO DECOMPOSTO Decomposição de primeiro grau Felizmente, a perda de informação descrita acima é reversível mediante a decomposição dos valores do IND DIST NORM – doravante denominado IND – em duas componentes: uma relativa a DTS, doravante denominada INDDTS, e a outra a TMI, denominada INDTMI. Esta seria a decomposição de primeiro grau. Uma das possibilidades naturais de determinar os valores das componentes de IND seria com base ainda no gráfico de dispersão XY – bidimensional, portanto –, projetando-se ortogonalmente os catetos x = DTS e y = TMI sobre a hipotenusa, o que resultaria, ao fim de uma série de operações trigonométricas triviais, em: INDDTS = DTS2/(IND*DIAG2) e INDTMI = TMI2/(IND*DIAG2). A outra possibilidade seria com base no próprio IND – unidimensional, portanto –, sem a necessidade de retorno ao gráfico bidimensional. Bastaria subdividir IND proporcionalmente aos valores normalizados de DTS e TMI, isto é: INDDTS = IND*(DTS - DTSmín)/((DTS - DTSmín) + (TMI - TMImín)) e INDTMI = IND*(TMI – TMImín)/(( DTS - DTSmín) + (TMI - TMImín)). Apesar do atrativo da elegante primeira forma – à primeira vista perfeitamente compatível com a métrica euclidiana usada na valoração de IND, mas que guarda relação quadrática entre os valores dos indicadores primários normalizados e das componentes do indicador Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Um modelo para avaliação da qualidade e da equidade dos gastos públicos totais com saúde das três esferas de governo nas unidades da federação baseado na decomposição de indicador sintético de efetividade do gasto –, optou-se neste trabalho pela adoção da segunda forma de decomposição, por preservar na relação entre os valores das componentes de IND a proporcionalidade existente entre os valores dos indicadores primários normalizados que lhe determinam o valor, o que maximiza a comunicabilidade do modelo e do indicador decomposto, ao tornar, para um universo maior de pessoas, mesmo aquelas tecnicamente mais leigas, praticamente tão compreensíveis os valores das componentes do indicador sintético decomposto quanto os valores das componentes dos indicadores primários DTS e TMI. Com essa decomposição dos valores de IND poder-seia construir um novo gráfico de barras que contivesse exatamente as mesmas informações relativas disponíveis no gráfico de dispersão XY, só que com acesso bem mais fácil, direto e preciso. Decomposição de segundo grau Decomposto IND, muito simples e igualmente interessante seria partir para a decomposição de segundo grau, isto é, decompor também as componentes INDDTS e INDTMI. Muito simples, porque basta subdividir cada uma das componentes de IND nas mesmas proporções das participações das componentes dos indicadores primários nos respectivos totais agregados, isto é: INDDTSFed = INDDTS*DTSFed/DTS, INDDTSEst = INDDTS*DTSEst/DTS, INDDTSMun = INDDTS*DTSMun/DTS, INDTMINeoPre = INDTMI*TMINeoPre/TMI, INDTMINeoTar = INDTMI*TMINeoTar/TMI e INDTMIPósNeo = INDTMI *TMIPósNeo/TMI. E, interessante, porque possibilita analisar a evolução das DTS de cada uma das três esferas de governo em cada UF e identificar os desequilíbrios relativos que porventura existam, com seus possíveis efeitos sobre as taxas de mortalidade infantil em cada uma das componentes em que, via de regra, é desdobrada: TMINeoPre, nos primeiros seis dias de vida; TMINeoTar, entre o 7º e o 27º dia de vida; e TMIPósNeo, entre o 28º e o último dia do primeiro ano de vida. (64) A visualização dos gráficos de barras com esses valores de IND decompostos propiciará acesso simples e direto àquelas informações desagregadas. Sobre as componentes da TMI Importaria neste ponto salientar que o desdobramento da taxa de mortalidade infantil pode ser útil nas análises porque os valores assumidos por suas componentes denotam situações e decorrem de determinantes específicos. A TMI Pós-Neonatal, de maneira geral, aponta o nível de desenvolvimento socioeconômico e a infraestrutura ambiental que, respectivamente, determinam os níveis de desnutrição infantil e as prevalências de infecções, estando seu controle mais associado à melhoria das condições gerais de vida das populações do que o controle da TMI Neonatal. Esta refletiria, além das condições socioeconômicas e de saúde da mãe, a inadequada atenção à saúde materno-infantil, a qual engloba a assistência pré-natal, ao parto e ao recémnascido, especialmente aquele que apresente problema de saúde congênito (RIPSA, 2011). A redução da TMI Neonatal tenderia a ser, portanto, de custo relativamente mais elevado, por depender de investimentos consideráveis para fortalecer os serviços hospitalares de mais alta complexidade. Seria importante salientar, também, a significância da informação que, nas análises e avaliações comparativas, pode advir da eventual diferença de intensidade nas relações que TMI Neonatal e TMI Pós-Neonatal apresentam com DTS ao longo do tempo. Especialmente por já ser considerado fato que, quanto melhor o nível de saúde de uma determinada população, menor tende a ser a proporção de óbitos pós-neonatais, o que se deve à supracitada maior complexidade para controlar o número de óbitos neonatais. Uma alteração observada nesta tendência ao longo do período sob análise pode constituir subsídio adicional para a realização de uma análise mais precisa e bem fundamentada. DTS monetariamente corrigidas e comparação intertemporal No modelo original, Martins Filho trabalhou com os valores nominais de DTS, o que possibilitou a realização de avaliações comparativas entre estados apenas em um mesmo ano do período, ou de avaliação de como cada UF evoluiu em termos da efetividade ao longo do período coberto no estudo. Inviável, portanto, a realização de comparações intertemporais entre as UF. Neste trabalho, teve-se a iniciativa de deflacionar os valores das DTS do segundo até o último período, de forma que todos os valores tivessem como base o ano 2000. Isto possibilita, por exemplo, comparar os valores das componentes de Santa Catarina, em 2005, e do Paraná, em 2006. Assim, se naqueles respectivos anos ambas as UF apresentaram aproximadamente os mesmos valores de INDDTS ou, mais do que isto, valores semelhantes em suas três componentes, mas Santa Catarina apresentou valores das componentes de INDTMI menores do que as de Paraná – especialmente as referentes à mortalidade neonatal, isto é, nos primeiros 27 dias após o nascimento –, poder-se-ia concluir, presumida aquela condição como suficientemente ceteris paribus, que se terá verificado um primeiro e forte indício de que naquele tende a gastar-se com mais qualidade em saúde do que neste. A aplicação desse procedimento em relação a outros anos do período em que se considerasse presente aquela mesma condição de paridade facilitaria a conclusão final quanto à avaliação comparativa entre ambos, a qual poderia até mesmo diferir daquela realizada apenas com base nos valores de IND das duas UF no último ano do período. Este recurso adicional é importantíssimo porque sua aplicação, ao contornar a limitação de comparar unidades da Federação apenas com base nos valores de IND DIST NORM em um mesmo ano, supera em grande medida os inevitáveis questionamentos em relação à hierarquização – quanto ao nível de efetividade dos gastos – de unidades da Federação com valores de INDDTS díspares em um mesmo ano. Sempre se suscitaria a cabível pergunta: “Mas, e se a unidade A tivesse o mesmo nível de gastos com saúde da unidade B?” A superação dessa limitação representaria, portanto, mais um significativo avanço em relação ao modelo original. Reitere-se, porém, que as comparações intertemporais só deveriam ser consideradas aplicáveis e aceitáveis quando se verificarem suficientes condições de paridade, como a exemplificada anteriormente. DADOS Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Um modelo para avaliação da qualidade e da equidade dos gastos públicos totais com saúde das três esferas de governo nas unidades da federação baseado na decomposição de indicador sintético de efetividade do gasto Os valores correntes de DTS por esfera de governo, por UF e por ano estão em tabelas disponíveis na página do Datasus, no atalho em que são totalizadas as despesas próprias de cada uma das três esferas de governo, com a precaução de evitar dupla contagem (DATASUS, 2011a). Desafortunadamente, até a conclusão deste estudo, estavam disponíveis dados referentes somente até o ano de 2006, com valores revistos pela última vez em 1º/4/ 2008. Reitere-se que neste estudo, diferentemente do que fora feito no modelo original, trabalhou-se com dados deflacionados, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e adotado oficialmente como medida da inflação doméstica. Os valores anuais do IPCA de 2001 a 2006 – os quais incidiram, neste estudo, sobre os totais de gastos anuais – são apresentados na Tabela 1 (IBGE, 2011). Os dados de mortalidade infantil, disponíveis na página do Datasus na internet, têm como fontes, para o cálculo direto (Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, estados da Região Sul e estados da Região Sudeste, exceto Minas Gerais), o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) do Ministério da Saúde; para as demais UF, cálculo indireto desenvolvido na RIPSA (DATASUS, 2011b). RESULTADOS Análises baseadas no modelo original No Gráfico 1 apresenta-se a dispersão XY dos pares coordenados (DTS, TMI) de cada UF ao longo do período 2000 a 2006 conectados ano a ano. Ele foi deformado na medida exata para que a envoltória originalmente retangular com todos esses pares coordenados se tornasse quadrada e representasse visualmente a aplicação de “FATOR” sobre os valores de TMI. Como os valores de DTS têm como base o ano 2000, se dois ou mais pares coordenados se situam em uma Tabela 1 – Valores do IPCA dos anos 2001 a 2006 ANO IPCA (%) (66) Fonte: IBGE. 2001 7,67 2002 12,53 2003 9,30 2004 7,60 2005 5,69 2006 3,14 Gráfico 1 – Dispersão XY das UF no período 2000 a 2006, com os pontos de cada UF conectados ano a ano Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor. mesma reta vertical, suas despesas apresentaram o mesmo valor real e a efetividade dos gastos totais com saúde na UF cuja TMI apresentou o menor valor poderia ser considerada maior, independentemente dos períodos a que respectivamente se refiram. Entretanto, tal paridade no valor de DTS, conforme será mais bem demonstrado adiante neste trabalho, pode não ser suficiente, em face de possíveis disparidades nas proporções entre as despesas das três esferas de governo. Raciocínio análogo pode ser feito em relação à TMI. Traçando-se uma reta horizontal – locus, portanto, dos pares coordenados em que o indicador de resultado apresentou um mesmo determinado valor em determinados períodos – que contenha pares Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Um modelo para avaliação da qualidade e da equidade dos gastos públicos totais com saúde das três esferas de governo nas unidades da federação baseado na decomposição de indicador sintético de efetividade do gasto coordenados de duas ou mais UF em períodos distintos, aquela cuja DTS foi a menor poderia ser considerada como a agraciada com a maior efetividade dos gastos totais com saúde. Aqui, também, não se teria, ainda, noção quanto a possíveis diferenças de valor nas componentes da TMI, as quais talvez indicassem uma possível influência relativamente mais intensa de outros determinantes da situação de saúde das respectivas populações. A visualização do gráfico bidimensional acima possibilita a realização de análises – à semelhança do que Martins Filho já o fizera – mais ricas do que as possibilitadas pelo Gráfico 2, unidimensional, com a evolução dos valores do IND DIST NORM das UF ordenadas decrescentemente pelo valor do indicador sintético no ano de 2006. De outro lado, no gráfico de barras percebe-se imediatamente a maior facilidade para dimensionar o quanto cada uma das UF se afasta do ponto de referência (DTSmín, TMImín) e mais precisamente compará-las em termos da efetividade do gasto. Gráfico 2 – Evolução dos valores do IND DIST NORM das UF no período 2000 a 2006, ordenadas decrescentemente pelos valores do indicador no ano 2006 Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor. (68) A visualização do Gráfico 1 possibilita observar imediatamente que: i. Conforme esperado (AZEVEDO, et al., 2007), a correlação entre DTS e TMI é nitidamente negativa, sendo poucas as UF em que, em um ou mais anos do período, do aumento nas despesas não decorreu redução na mortalidade infantil. As UF com curvas mais acentuadamente descendentes concentraram-se na Região Nordeste; ii. Em todas as poucas UF onde TMI oscilou em pelo menos um dos anos do período – casos do Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Rio Grande do Sul –, oscilara também DTS no ano imediatamente anterior, o que indicaria uma tendência de inércia de um ano entre a queda no valor de DTS e o consequente impacto negativo sobre a TMI. iii. As UF tenderam a se agrupar em regiões específicas e bem delimitadas do gráfico, em conformidade com suas respectivas condições socioeconômicas. As do Nordeste, situadas no lado esquerdo do gráfico, locus das unidades que menos despendem com saúde, apresentaram grande amplitude de variação vertical, isto é, nos valores de TMI, principalmente em decorrência dos relativamente elevadíssimos valores de Alagoas, enquanto as do Centro-Sul do País, caracterizadas pelas menores TMI e, portanto, concentradas na base do gráfico, apresentaram variação mais longitudinal, isto é, nos valores de DTS. Essa inclinação negativa bem mais acentuada das curvas das UF da Região Nordeste indica que cada real a mais nelas aplicado produziu e tenderia a continuar produzindo ainda ao longo dos próximos anos reduções das TMI bem mais significativas do que se aplicado nas UF do Centro-Sul do País; iv. Diferentemente das UF das demais regiões geográficas, as da Região Norte ocuparam uma ampla área longitudinal de formato cônico, desde o vértice no Pará em 2000, situado quase na extremidade esquerda do gráfico, até a distante e larga base entre o Acre, em 2001, e Roraima, em 2006, na extremidade direita do gráfico, o que caracterizaria aquela região geográfica como a terra dos extremos em termos não apenas de TMI e DTS, mas da própria efetividade das despesas públicas com saúde, tamanha a diferença entre as distâncias de Pará e Roraima ao ponto de referência (DTSmín, TMImín); v. Nos casos específicos do Acre, em 2005, e de Roraima em 2004, observar que ambos apresentaram a mesma DTS, mas naquele a TMI foi significativamente maior, o que denotaria, com base em comparação intertemporal, uma tendência de efetividade dos gastos bem superior na segunda UF. Entretanto, os gastos nesta dispararam, sem a devida redução na mortalidade infantil, o que acabou por inverter aquela situação anterior em favor daquela no fim do período coberto no estudo; vi. É possível afirmar, ainda em relação à Região Norte, que ela foi, à exceção de Tocantins e do Pará, recordista também na frequência e amplitude de oscilações nos valores de DTS; e vii. São Paulo, curiosamente, ocupou exatamente o mesmo ponto nos anos 2002 e 2003, fato que indica a acentuada correlação entre DTS e TMI naquele estado. Análises com base no modelo com decomposição do indicador sintético Decomposto o indicador, os gráficos de barras com os valores do indicador decomposto das UF ordenadas decrescentemente com base nos respectivos valores de IND no ano de 2006 foram agrupados por região geográfica. Porém, com a finalidade de melhor considerar as similaridades socioeconômicas desses agrupamentos, operaram-se as seguintes alterações: o Distrito Federal foi agrupado aos estados das regiões Sul e Sudeste – as quais foram reunidas com base na semelhança socioeconômica – e Minas Gerais aos da Região Centro-Oeste. A análise dos gráficos de barras com IND decomposto propicia acesso direto a várias informações interessantes que não eram accessíveis nos gráficos de dispersão XY e de barras com IND não decomposto, a começar pelas referentes à magnitude e à iniquidade dos gastos federais e, conforme se observará mais adiante no texto, às consequências desses perfis de gastos sobre as componentes de INDTMI: i. Os valores de INDDTSFed não somente evoluíram diferentemente entre as UF, como apresentaram, em alguns casos, significativa disparidade. Como nos casos dos estados da Região Norte – exceto Rondônia e, principalmente, o Pará, cujos valores per capita foram, juntamente com o Maranhão, os mais baixos do País –, do Distrito Federal e do Rio de Janeiro, os valores situaram-se, praticamente ao longo de todo o período, bem acima dos observados nas demais UF, e, no outro extremo, dos estados da Região Nordeste, os mais baixos, a despeito de as UF daquela região serem as socioeconomicamente mais carentes do País, o que indica a clara existência de iniquidade na distribuição dos recursos federais. Seria interessante aqui salientar a existência de entidades vinculadas ao Ministério da Saúde – casos da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, da Fundação Oswaldo Cruz, do Hospital Cristo Redentor, do Hospital Fêmina e do Hospital Nossa Senhora da Conceição –, localizadas ou sediadas no Distrito Federal, Rio de Janeiro ou Rio Grande do Sul, unidades da Federação que apresentaram, na comparação com seus pares regionais, os mais elevados valores de INDDTSFed, o que explicaria, pelo menos em parte, aquela disparidade. No caso especial do DF, agrava aquela iniquidade o vultoso aporte de recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) (PEREIRA FILHO, 2009); ii. As esferas estaduais do Rio Grande do Sul e, principalmente, do Rio de Janeiro, como que aproveitando essa oportunidade de dispor de maior acesso aos recursos federais, apresentaram, na comparação com seus vizinhos regionais ao longo da maior parte do período, os menores valores de INDDTSEst; e iii. Na maioria das UF observou-se aumento visivelmente mais significativo nos valores de INDDTSEst e INDDTSMun do que nos de INDDTSFed. Há consequentemente, uma tendência generalizada de convergência dos valores daquelas três subcomponentes. Gráfico 3 – Barras com a evolução dos valores de IND DIST NORM Decomposto da Região Norte no período 2000 a 2006 Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor. Gráfico 4 – Barras com a evolução dos valores de IND DIST NORM Decomposto da Região Nordeste no período 2000 a 2006 Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor. Em estudo mais específico e tecnicamente mais elaborado, com dados referentes a 2005, LEITE et al. (2007) confirmam as iniquidades descritas acima, identificando as UF com as maiores necessidades de recursos federais e aquelas em que esses valores por habitante deveriam ser menores: Considerando-se todos os índices estabelecidos, que em conjunto buscam corrigir as diferentes necessidades de saúde, para procedimentos de média e alta complexidade, permitindo assim a adoção de um procedimento equitativo na distribuição dos recursos federais do SUS, quando distribuídos em termos per capita, destacam-se alguns resultados. Piauí e Maranhão são os estados com maiores carências relativas, com um valor per capita aproximadamente três vezes superior ao apresentado por São Paulo (menor valor). De modo geral, os maiores valores referem-se aos estados da região Nordeste e ao Pará, na região Norte. Já os menores valores per capita relacionam-se aos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Distrito Federal (p. 21). Em relação às componentes de INDTMI, não se observou ao longo do período, na maioria das UF, alteração visível na proporção de seus valores. As exceções, em que INDTMIPósNeo caiu mais acentuadamente do que as demais componentes de INDTMI, foram os casos do Estado do Amapá na segunda metade do período – em que a componente se aproximou de zero, isto é, a taxa se aproximou das taxas das UF com os melhores resultados nessa componente da mortalidade infantil – e dos estados da Região Nordeste, que apresentam valores Gráfico 5 – Barras com a evolução dos valores de IND DIST NORM decomposto das regiões Sul e Sudeste – exceto Minas Gerais e incluso o Distrito Federal – no período 2000 a 2006 Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor. Gráfico 6 – Barras com a evolução dos valores de IND DIST NORM decomposto da Região Centro-Oeste – exceto o Distrito Federal e incluso Minas Gerais – no período 2000 a 2006 Fonte: Ministério da Saúde, Martins Filho e elaboração do autor. daquela componente de TMI significativamente maiores do que os de todas as demais UF. No caso dos estados nordestinos, isto poderia ser explicado pela extrema carência social de suas populações e a relativamente maior sensibilidade das mais elevadas taxas de mortalidade pós-neonatal às políticas sociais e econômicas de redistribuição de renda. Já no caso do Amapá uma avaliação razoável poderia ser a de que os gastos públicos com saúde simplesmente foram menos efetivos do que outros gastos sociais que têm impacto maior sobre a mortalidade pós-neonatal. Na análise das UF da Região Nordeste impressiona visualmente no Gráfico 4 a interessante evolução dos valores de IND e de suas subcomponentes em Alagoas e no Rio Grande do Norte, situadas em posições adjacentes. É como se este iniciasse sua evolução quase exatamente do ponto onde parara a evolução daquele, significando estar o sistema de saúde de Alagoas atrasado aproximadamente cinco anos em relação ao do Rio Grande do Norte. Cinco anos porque, exceto pelo maior valor de INDTMIPósNeo em Alagoas do que em Rio Grande do Norte – o que indicaria o pior estádio de desenvolvimento socioeconômico daquele em relação ao deste –, os valores de todas as demais subcomponentes de IND no Rio Grande do Norte em 2001 são praticamente idênticos aos das respectivas subcomponentes do IND de Alagoas, em 2006. A observação acima foi fruto de uma análise comparativa intertemporal em que saltou aos olhos a oportunidade de sua aplicação. Entretanto, a análise merece aplicação também em relação a outras UF, como algumas do Gráfico 5, em que a avaliação comparativa com base apenas nos valores de IND no ano 2006 mereceriam retificação, a começar pelo citado como exemplo na apresentação da Metodologia: i. a comparação intertemporal dos valores das componentes de INDDTS e INDTMI do Paraná e de Santa Catarina indica que este tende a apresentar maior efetividade nos gastos do que aquele, contrariamente à classificação exposta no Gráfico 5, em que Santa Catarina se situa imediatamente à esquerda do Paraná. É o que se conclui comparando os valores das componentes de INDTMI em SC/2000 e PR/2002, SC/ 2003 e PR/2005 e SC/2005 e PR/2006 – a condição de paridade considerada aceitável foi a coincidência nos valores de INDDTS e a similaridade dos valores das respectivas componentes de INDDTS naqueles pares de anos –, os quais indicam que se o dispêndio com saúde no Paraná aumentasse para o patamar de gastos observado em Santa Catarina, a efetividade naquele tenderia a ser inferior à neste; ii. o Rio Grande do Sul apresentou até 2004 desempenho inferior ao do Paraná (e, consequentemente, ao de Santa Catarina). Basta comparar os valores das componentes do IND do primeiro em 2003 e 2004 com, respectivamente, os valores das componentes de IND do segundo em 2004 e 2005, quando a paridade de condições poderia ser considerada suficiente (valores semelhantes das componentes de INDDTS, mas valores menores das componentes de INDTMI do Paraná); e iii. a comparação intertemporal entre o Rio de Janeiro e São Paulo, apesar de este estar à esquerda daquele no Gráfico 5, indica que os gastos em SP mostraram-se mais efetivos. Basta observar as diferenças entre os valores de INDTMI de SP/2001 e RJ/2000, SP/2002 e RJ/2001 e SP/2005 e RJ/2006 para verificar que em São Paulo eles foram todos invariavelmente bem menores do que no Rio de Janeiro, a despeito de os valores de INDDTS – não decomposto – serem iguais. Neste ponto, à semelhança do ressaltado no item anterior, importa chamar a atenção, principalmente, para o desequilíbrio entre os valores das componentes de INDDTS no Rio de Janeiro, com seus elevadíssimos dispêndios federais e seus baixíssimos dispêndios estaduais, especialmente durante o período até 2004, além da forma irregular como aqueles valores evoluíram ao longo de todo o período. Todas essas observações e análises demonstram o ajuste fino que se pôde operar no modelo a fim de aperfeiçoar a qualidade das avaliações comparativas – que não devem e não mais precisam se restringir aos resultados analisados em um mesmo ano e com base apenas no valor de IND não decomposto –, e enriquecêlas, o que possibilitou se chegar a uma conclusão sintética, abrangente e extremamente relevante e importante para a melhor gestão dos recursos do SUS, cujo grande valor reside exatamente na objetividade e na clareza, talvez sem precedentes, de sua fundamentação, obtida graças à aplicação do modelo com o indicador decomposto: o Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Um modelo para avaliação da qualidade e da equidade dos gastos públicos totais com saúde das três esferas de governo nas unidades da federação baseado na decomposição de indicador sintético de efetividade do gasto (74) aumento de recursos para o setor de saúde, comprovadamente necessário na grande maioria das unidades da Federação, tendeu nitidamente a ser mais efetivo se realizado de forma monotônica – isto é, estável, não oscilante, sem retrocessos (quedas) ou solavancos de um ano para o seguinte – e gradativa – isto é, com aumentos suaves ano após ano. Essa forma de aumento no aporte de recursos para a saúde poderia ser, portanto, até mesmo uma diretriz ou regra básica de conduta coordenada “recomendável” para os gestores das três esferas do Sistema Único de Saúde em relação aos insumos. No caso de muitas UF, com destaque para Santa Catarina, São Paulo, Ceará, Bahia e Pará – estados cujos desempenhos regionais foram os melhores -, somou-se à conduta coordenada recomendável acima descrita o fato de as componentes de suas respectivas DTS tedenderem a ser relativamente mais convergentes, isto é, tendentes a assumir proporções semelhantes – cada subcomponente valendo 1/3 de INDDTS –, o que poderia também indicar algo igualmente recomendável para a maior efetividade dos gastos públicos com saúde. Exemplos mais flagrantes das consequências negativas da inobservância desse perfil de evolução recomendável dos gastos foram os já citados casos de quase todas as UF da Região Norte, além dos casos do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. O mesmo pôde ser registrado em relação às UF em que as componentes de INDTMI não evoluíram bem durante os anos de instabilidade nos valores das componentes de INDDTS, mas, durante os demais anos, em que os dispêndios passaram a evoluir da forma recomendável, engrenou-se um ciclo virtuoso e a redução nas taxas de mortalidade infantil passou a ser mais significativa (caso, por exemplo, do Rio Grande do Sul de 2004 em diante, a ponto de no último anos do período conseguir superar o Paraná). Em verdade, seria oportuno frisar que, conforme a análise mais detida do Gráfico 5 descrita anteriormente, foi exatamente a observância daquele perfil de gastos recomendável que levou os estados de São Paulo e Santa Catarina a superar em termos de efetividade, respectivamente, os estados do Rio de Janeiro e do Paraná. Registre-se como perceptível exceção a essa tendência o caso negativo do Espírito Santo – entre 2002 e 2006 –, cujas componentes de INDDTS engrenaram aumentos de valor exatamente conforme esse padrão identificado como recomendável, mas as de INDTMI mantiveram-se praticamente estagnadas. A título de explicação para a conclusão abrangente sobre como seria recomendável aportar recursos públicos para o setor de saúde, pode-se inferir que: o crescimento monotônico das componentes de DTS seja um fator relevante para a qualidade dos resultados pelo fato de garantir a estabilidade do suprimento dos insumos necessários ao adequado funcionamento do sistema de saúde da população por ele atendida; ii. o crescimento suavemente gradativo, isto é, sem acelerações bruscas e acentuadas, propicia a condição favorável de poder ser suficientemente bem administrado pelos gestores do SUS, sem extrapolar sua capacidade de gestão; e iii. o crescimento equilibrado e convergente dos gastos das três esferas de governo em cada UF propiciaria equilíbrio no suprimento dos insumos respectivamente mais associados a cada uma dessas três fontes complementares de recursos. ii. i. Por fim, trazendo de volta à tona o curioso caso de São Paulo observado no Gráfico 1 em 2002 e 2003, podese entender melhor o porquê daquela coincidência, qual seja, a perfeita superposição dos pontos referentes àqueles dois anos. Observa-se no Gráfico 5 que naqueles dois anos a identidade não foi apenas nos valores dos dois indicadores primários, mas nos de todas as seis subcomponentes de IND, o que configuraria a condição ceteris paribus mais próxima da perfeição possível de acontecer com o modelo apresentado neste trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Inicialmente, deve-se ressaltar que no modelo com IND decomposto, à semelhança do que já havia sido observado em relação ao IND DIST NORM, foram observados os seguintes parâmetros, considerados fundamentais para a elaboração bem-sucedida de qualquer indicador (CALDAS; KAYANO, 2006): i. Comparabilidade – Os indicadores permitiram não apenas comparações temporais e espaciais, mas, iii. iv. v. conforme bem demonstrado no trabalho, comparações intertemporais entre os entes; Disponibilidade da informação – as bases de dados são acessíveis e já constituem séries históricas aptas a permitir, ao mesmo tempo, a comparação entre fatores (fotografias de entes diferentes) e evolução, no tempo, do desempenho (fotografia de um mesmo ente em diferentes épocas). É de se lamentar, entretanto, o atraso na produção, pelo Ministério da Saúde, de dados oficiais de DTS posteriores a 2006 e de TMI posteriores a 2007; Normalizados – Os dois indicadores primários já haviam sido originalmente traduzidos para o equivalente a uma mesma escala dimensional, mediante a aplicação do “FATOR” sobre os valores das TMI, e tal propriedade foi preservada no modelo proposto neste trabalho; Quantificáveis – Os indicadores usados no estudo são todos numéricos, sem, contudo, ter havido qualquer demérito na análise qualitativa realizada. Na verdade, os indicadores quantitativos após a decomposição facilitaram a realização de uma análise qualitativa do desempenho da gestão significativamente mais sólida e bem fundamentada; e Simplicidade – O indicador sintético após a decomposição, graças inclusive à forma proporcional proposta neste trabalho, continuou a ser de fácil compreensão. Deve-se observar, entretanto, que os indicadores são tentativas até pretensiosas de retratar ou expressar de maneira muito sintética determinados fenômenos e processos complexos. Algumas outras propriedades importantes (JANUZZI, 2005) para a aplicação bem-sucedida no monitoramento de políticas públicas podem também ser consideradas como verificadas com o indicador decomposto: i. Relevância Social – tanto por tratar de indicadores primários por si só relevantes socialmente, como por sua utilidade no controle social; ii. Validade – pois se baseia em indicadores primários que, analisados conjuntamente como neste trabalho, bem refletem a realidade do conceito de efetividade que se pretende operacionalizar; iii. Confiabilidade – pois se baseia em indicadores registrados oficial e precisamente; Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Um modelo para avaliação da qualidade e da equidade dos gastos públicos totais com saúde das três esferas de governo nas unidades da federação baseado na decomposição de indicador sintético de efetividade do gasto (76) iv. Cobertura – pois, no caso das UF, abrange todos os entes sem exceção; v. Sensibilidade – pois, conforme demonstrado, permite observar alterações suficientemente significativas ano a ano; vi. Periodicidade e Factibilidade para Obtenção – pois os dados anuais já estão disponíveis administrativamente, apesar de, infelizmente, ainda com algum atraso; vii. Desagregabilidade – pois os indicadores primários e suas respectivas componentes são imediatamente disponíveis; viii. Inteligibilidade e Comunicabilidade – graças à elevada simplicidade da metodologia para sua construção e à facilidade para sua compreensão; ix. Replicabilidade de sua Construção – decorrente de suas extremas simplicidade, inteligibilidade e comunicabilidade; x. Historicidade – pois já cobre período significativo de tempo e pode ser considerado apto para utilização institucionalizada; e xi. Especificidade – pois se refere exatamente à informação desejada (originalmente, a efetividade dos gastos públicos com saúde das três esferas de governo e, suplementarmente, a equidade dos gastos públicos federais nas UF). A desagregação de informações propiciada pela decomposição de IND DIST NORM possibilitou a realização de observações analíticas e avaliações comparativas bem mais variadas, detalhadas e ricas quanto à efetividade dos gastos públicos com saúde nas unidades da Federação, além de garantir, reitere-se, maior solidez às fundamentações daquelas conclusões. Adicionalmente, possibilitou sua aplicação na avaliação da equidade dos gastos federais com saúde. Tudo isto fez do modelo com IND decomposto um instrumento significativamente mais poderoso e aplicável institucionalmente do que o originalmente proposto por Martins Filho. De modo geral, ficou patente, de um lado, a conclusão de que na maioria das UF os níveis de dispêndio público total com saúde ainda estão muito aquém do que poderiam e deveriam ser, o que limitou sobremaneira a magnitude dos resultados mais significativos que se poderia obter em termos de melhorias na situação de saúde. Neste aspecto merecem destaque os estados da Região Nordeste e o estado do Pará. Neles, a combinação das taxas de mortalidade infantil mais elevadas e as despesas totais com saúde relativamente mais reduzidas, especialmente as federais – o que configura flagrante iniquidade –, indica que a tendência de retornos decrescentes ainda estaria muito distante de se fazer sentir significativamente. Isto justificaria a decisão de designar maiores aportes de recursos, inclusive e especialmente os da fonte federal, não apenas com base na expectativa fundamentada de continuidade nas reduções relativamente mais significativas das TMI, mas para reduzir aquela iniquidade. De outro lado, evidenciou-se que em algumas das UF onde mais se despende, a qualidade do gasto seria, conforme os indícios colhidos nas avaliações comparativas, também aquém do desejável e possível, o que deveria resultar antes na priorização da adoção de medidas e iniciativas de melhoria da gestão do que no aumento das respectivas DTS. Destacaram-se neste aspecto – negativamente, portanto –, Roraima, Acre e Distrito Federal. Entretanto, a contribuição que talvez merecesse o maior destaque foi a conclusão abrangente apontada pela aplicação do modelo, qual seja a de que quanto mais monotônico, gradativo e equilibrado o crescimento dos valores das componentes de DTS, mais monotônica e significativa tendeu a ser a diminuição dos valores das componentes de TMI, especialmente das TMINeo, as mais sensíveis à magnitude e à qualidade dos dispêndios com saúde. Essas conclusões sobre qual seria a evolução mais recomendável para os gastos poderia ser considerada significativamente mais informativa e proveitosa do que simplesmente a de que as UF que mais gastam com saúde tendem a fazê-lo com menor qualidade, a qual foi obtida no bojo de trabalho também recente (BRUNET et al, 2007). Finalmente, seria interessante salientar que, se também estivessem disponíveis no SIOPS, desagregadamente, os gastos totais de cada esfera de governo em cada município, seria possível avaliar comparativamente o nível de equidade dos gastos públicos federais e estaduais nos municípios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, J. et al. Correlação entre recursos financeiros e taxa de mortalidade infantil nas cinco macrorregiões do Brasil (de 1997 a 2002). Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 104-109, jan. 2007. BRUNET, J. F. et al. Estudo Comparativo das Despesas Públicas dos Estados Brasileiros: um Índice de Qualidade do Gasto Público. XII Prêmio Tesouro Nacional. [3º Lugar na Categoria Profissional. Tema: Qualidade do Gasto Público], out. 2007. CHARLTON, J. R. et al. Lancet Geographical variation in mortality from conditions amenable to medical intervention in England and Wales. v. 1, p. 691-6. 1983. In: CÁ, Tomé. 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Confusion in the health policy factory. Can economists help? Department of Economics. University of Manitoba. Winnipeg, MB. Não publicado. Ruyter de Faria Martins Filho, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), é Graduado em Engenharia Elétrica pela PUC/RJ, Bacharel em Direito pela UnB/DF e Mestre em Engenharia Elétrica pela PUC/RJ. Página 79 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Profisionalização da Gestão Governamental Secretaria de Recursos Humanos / MARE Profissionalização da Administração Pública e Redemocratização: o projeto de retomada da carreira de EPPGG (1995) O projeto de profissionalização da gestão governamental apresentado à direção superior do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), em reunião informal ocorrida em maio de 1995, expressou a política da Secretaria de Recursos Humanos para a retomada do processo de profissionalização da administração pública federal. Tal política fundamentava-se nos princípios da ética democrática e do mérito iniciada no governo da Nova República. A proposta envolvia centralmente a profissionalização dos cargos de direção e assessoramento subordinados ao segundo escalão da hierarquia administrativa e a retomada da carreira de Gestor Governamental, em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo art. 39 da Constituição Federal de 1988. A direção do MARE rejeitou a proposta de profissionalização, tendo em vista sua visão de “carreira de DAS”, em detrimento do sistema de carreiras previsto na Constituição Federal. Contudo, o Ministro Bresser Pereira aceitou a proposta de retomada dos concursos para a carreira de EPPGG, que foi implementada a partir de um Ato de agosto de 1995. O documento “Profissionalização da Gestão Governamental” constitui, pois, um documento histórico da carreira, parte de um processo complexo de sua retomada e da conformação deste corpo de altos administradores que ela é atualmente. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Profisionalização da Gestão Governamental (80) JUSTIFICATIVA Desde o primeiro governo da Nova República, diversas foram as tentativas de estruturação de carreiras no serviço público civil da União. Várias carreiras foram criadas ao longo destes 10 anos: Auditoria do Tesouro Nacional, Polícia Federal, Magistério, Finanças e Controle, Orçamento, Políticas Públicas e Gestão Governamental, Advocacia Geral da União, Ciência e Tecnologia, Defensoria Pública, e Oficial e Assistente de Chancelaria. No entanto, sem uma perspectiva de caráter estratégico este processo apresenta elementos distorcivos e, particularmente, as atividades de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e de gestão’ governamental, e o respectivo suporte técnico-administrativo, tem sido relegadas a um segundo plano. A administração direta, centro do processo de formulação e articulação das políticas públicas e da gestão governamental, encontra-se extremamente fragilizada. As tentativas de reforma do estado vêm esbarrando em fortes resistências dos “anéis burocráticos” que se constituíram ao longo das últimas décadas como parte fundamental do modelo de estado nacional-desenvolvimentista. A crise administrativa do estado tem se acentuado fortemente ao longo dos últimos anos, em razão de tentativas frustradas de reformas inconsistentes e com enfoque equivocado. O novo modelo de desenvolvimento pretendido pelo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso necessita de um estado reformulado e apto a cumprir com seu novo papel. Dotar o estado de uma máquina administrativa eficiente requer a reforma da burocracia do estado. A “nova burocracia” será essencialmente distinta da tradicional. A “nova burocracia” deverá ser constituída por um corpo de dirigentes de formação generalista, voltados para a formulação e avaliação de políticas, a negociação com os atores sociais e políticos e a articulação institucional em todos os níveis. Urge, pois, retomar a reforma da burocracia e reforçar a capacidade gerencial do estado no contexto de um novo modelo de desenvolvimento. Nesta perspectiva é de fundamental importância a organização e profissionalização das atividades de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e a gestão governamental como parte do processo de mudanças no papel do estado ao nível de seus recursos humanos estratégicos, de suporte ao comando político do estado. Mudanças são necessárias no conjunto das grandes corporações. Cada vez mais as carreiras estratégicas devem entrelaçar-se. A política interna e a política externa estão cada vez mais inter-relacionadas e, consequentemente, este processo deve repercutir na formação dos quadros dirigentes e na organização do estado. Da mesma forma, cresce a necessidade do entrelaçamento entre os agentes da arrecadação, a formulação e implementação das políticas e a gestão dos recursos orçamentários e financeiros, bem corno o processo de controle dos gastos públicos com o objetivo de maximizar os resultados a partir de recursos escassos. Assim, independentemente das características especificas da atuação de cada segmento corporativo a exigência de uma formação generalista e uma compreensão globalizante, bem como de um processo de articulação permanente entre os diversos segmentos da burocracia é uma questão essencial para o funcionamento do Estado no atual contexto. Por esta razão devemos iniciar um processo de aproximação e entrelaçamento entre as corporações estratégicas do Estado na perspectiva da compreensão coletiva do processo em curso e dos requisitos que o futuro próximo nos impõe, além de caminhar para um processo de unificação que rompa com a fragmentação exagerada atualmente existente e que é altamente prejudicial à ação governamental. Embora as naturais dificuldades de um processo desta natureza sejam um fator inibidor, passos concretos podem ser dados neste sentido. Por um lado, podemos iniciar um processo de aproximação entre as escolas e centros de formação existentes, processo no qual a ENAP pode e deve cumprir um papel fundamental. Por outro lado, no terreno da organização das carreiras medidas podem ser adotadas fortalecendo este processo de unificação a curto e, especialmente, em médio prazo. Neste contexto, e como ações imediatas estão inseridos os projetos de retomada do recrutamento e formação de gestores governamentais, e a reestruturação da carreira de Especialista em políticas publicas e Gestão Governamental, e a estruturação das atividades de suporte técnico-administrativo ao processo de gestão estatal. OBJETIVO Os objetivos destas ações consistem em dotar o Estado de recursos humanos estratégicos para a gestão governamental e ampliar a profissionalização da administração pública, nos seus escalões superiores, com a retomada da formação de gestores governamentais altamente qualificados, bem como a estruturação das atividades de suporte técnicoadministrativo, nos níveis médio e superior, ao processo da gestão do estado. OBJETIVOS ESPECíFICOS 1. Projeto “Gestores” a) a formação de mais três turmas de novos integrantes da Carreira de Especialista em Políticas Publicas e Gestão Governamental durante os próximos três anos, num total de 450 novos gestores; b) reformulação da Carreira, dando-lhe uma nova estrutura, composta de quatro classes, abrangendo a profissionalização dos atuais cargos de Secretários Adjuntos e Diretores de Departamentos, bem como de Coordenadores de Programas e Atividades governamentais, com proposta de transposição dos Técnicos de Planejamento e Pesquisa e Técnicos de Desenvolvimento Administrativo do IPEA para a mesma e, uma nova regulamentação mais adequada ao novo contexto e uma remuneração condizente com o nível profissional dos seus integrantes. 2. P r o j e t o “ C a r r e i r a s d e S u p o r t e T é c n i c o Administrativo” Criação das Carreiras de Oficial Administrativo e de Agente Administrativo para o exercício das atividades de suporte técnico-administrativo e de apoio administrativo de nível superior e médio, respectivamente, para o conjunto dos órgãos e entidades integrantes da administração publica federal. 3. FUNDASE Revisão do papel do Fundo e das formas de utilização dos recursos voltando-os para as prioridades estabelecidas nestes projetos e que abrangem e beneficiam o conjunto dos órgãos e entidades, em lugar Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 10 - No 2 Jul/Dez 2011 Profisionalização da Gestão Governamental da dispersão dos recursos em centenas de projetos de duvidoso retorno para administração. 4. Definição de diretrizes e prioridades para a ENAP A ENAP deve cumprir um papel estratégico na formação da elite dirigente da nova administração publica, voltando-se para a formação dos novos gestores, como também para a formação gerencial a nível tático e operacional das Carreiras de Oficial Administrativo e Agentes Administrativos, orientando ainda a formação e reciclagem dos quadros destas carreiras. Por outro lado, deve a ENAP cumprir um papel fundamental, estratégico, no processo de homogeneização das grandes corporações estratégicas do Estado, o entrelaçamento das mesmas, e o fortalecimento e harmonização das relações entre elas utilizando para tal a articulação institucional através dos centros formadores destas carreiras, tais como, a Rio Branco, a ESG, a ESAF, o Cendec, e outros. CUSTOS I – A formação de gestores pode ser calculada considerando-se: 1. aproximadamente CR$ 3.000,00 mensais por gestor nomeado, o que somaria aproximadamente CR$ 450.000,00 mensais ou CR$ 5.400.000,00 por ano, por cada grupo de 150 novos nomeados a cada ano. Ao final dos três anos teríamos uma despesa adicional, considerando-se três turmas nomeadas, de CR$ 16.200.000,OO/ano. 2. c u s t o m e n s a l d e a p r o x i m a d a m e n t e C R $ 1.500,00 de bolsa de estudo por candidato/mês durante o período de curso. 3. despesas de realização dos cursos a definir. II.- A criação e implantação das Carreiras de Oficial Administrativo e de Agente Administrativo, considerando-se a nova remuneração proposta, será de aproximadamente CR$ 350 milhões/ano de acréscimo. Os custos de formação e reciclagem deverão ser ainda calculados. (82) Para saber mais Links para Escolas de Governo e programas de formação de executivos públicos de carreiras equivalentes a de EPPGG: França: École Nationale d’Administration (ENA): http://www.ena.fr – Formação dos Grand Corps/ Administrateurs Civils por meio do Cycle de Formation dês Hauts Fonctionnaires Espanha: Administradores Civiles deI Estado: http://www.inap.map.es – Curso de Formación deI Cuerpo Superior de Administradores Civiles deI Estado Itália: Carriera di Dirigente nelle Amministrazioni dello Stato: http://www.sspa.it/ – Curso de formação para ingresso à Carriera di Dirigente nelle Amministrazioni dello Stato Estados Unidos: Senior Executive Service (Federal Career Executives): https://www.seniorexecs.org/ Senior Executive Service Candidate Development Programs (SESCDPs): http://www.opm.gov/ses/ recruitment/candevprg.asp Federal Executive Institute - U.S. Office of Personnel Management: https://www.leadership.opm.gov/ Locations/FEI/ index.aspx Bibliografia para consulta - BRASIL. 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Tem natureza profissional e opinativa e, por objetivo, divulgar artigos produzidos por membros da Carreira, colaboradores e estudiosos de assuntos relativos a políticas públicas, gestão governamental, organização do Estado, economia do setor público e política. II. Os textos recebidos são submetidos à comissão editorial, que é constituída especificamente para cada número e coordenada pelo editor da revista, o diretor de Estudos e Pesquisas da ANESP. As comissões são compostas por três integrantes com sólida formação. III. A comissão selecionará os trabalhos tentativamente por consenso. As situações não consensuadas serão decididas pelo editor. São critérios para seleção dos trabalhos: relevância conjuntural, originalidade, consistência, coerência, clareza e objetividade. A Res Pvblica aceita somente trabalhos inéditos em língua portuguesa, na forma de artigo. IV. Ao Editor reserva-se o direito de efetuar adaptações e alterações nos textos recebidos para adequá-los às normas editoriais da revista, respeitando o conteúdo e o estilo do autor. V. O texto deve conter entre 25 mil e 50 mil caracteres, incluídos os espaços. Não deve conter qualquer tipo de formatação, hifenação ou tabulação, palavras em negrito ou sublinhadas. Se necessário, poderá ser utilizada fonte em itálico. VI. O texto deve ser acompanhado de um resumo com aproximadamente 180 palavras. Deve ser enviado em arquivo de Word 7.0, ou em versão compatível, para o endereço eletrônico [email protected], aos cuidados do editor. As referências do autor devem constar após o título do texto (nome, instituição, titulação). VII. As notas devem figurar no final do texto, numeradas em ordem crescente e indicadas no corpo do texto em algarismos arábicos, nos padrões da ABNT. A citação bibliográfica deve ser completa quando o autor e a obra forem indicados pela primeira vez. Ex.: REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 10 ed. São Paulo: Saraiva, p. 14, 2005. VIII. Nos casos de repetição, utilizar: REZEK, Francisco, op. Cit., p. 21. IX.. A bibliografia é indispensável, devendo constar ao final do trabalho, em ordem alfabética, nos padrões ABNT, conforme exemplos listados abaixo: Livro: WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. Coletânea: MOTA, Lourenço Dantas (org.). Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico 1. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001. Artigo em coletânea: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Joaquim Nabuco. Um estadista no império. In: Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico 1. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001. Artigo em periódico: BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Revista Diálogo Jurídico. Salvador: ano I, vol. I, nº 6, set. 2001. Tese acadêmica: SOUZA, Telma de. A tradição autoritária brasileira e a esquerda. Tese (Doutoramento em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. X. O autor do texto publicado terá direito a dez exemplares da revista. XI. Informações adicionais sobre a revista bem como os números publicados estão disponíveis na pagina www.anesp.org.br.