2. A comunidade de Filipos
 Partilha da Palavra
CARTA AOS FILIPENSES
1. A cidade de Filipos
O primeiro nome da antiga vila era Krenides ou
“cidade das fontes”, por causa das fontes de água que
brotavam no local. Tinha sido fundada pelos habitantes
da ilha de Tasos, a 12 km do mar sobre uma colina de
onde se vislumbrava uma vasta planície muito fértil. Seu
porto natural era a vila de Neápolis, hoje chamada
Cavalla.
Em 358-357 aC, ameaçados pelos trácios, os
habitantes de Krenides, pediram auxílio ao rei da
Macedônia, Felipe II, pai de Alexandre Magno. Este veio
em sua ajuda e mudou o nome da vila para Filipos em
honra de seu pai Felipe I, rei da Macedônia. Felipe II
fortificou e aumentou a nova cidade.
Filipos ocupava um ponto estratégico, pois
dominava todas as rotas de caravanas da Grécia e da
Trácia. Por ela passava a importante via Egnátia, que
unia a Itália à Ásia Menor.
Nas montanhas vizinhas foram descobertas ricas
jazidas de ouro e prata. Tudo isso contribuiu para o
enriquecimento da cidade.
No ano 168 aC Filipos foi conquistada pelos
romanos. Esta ficava cerca de 1100 km de Roma.
Foi na sua planície que em 42 aC, Otávio e
Marco Antônio, herdeiros de César derrotaram Cassius e
Brutus, os últimos defensores da república. Quando
César Augusto se tornou imperador romano estabeleceu
uma colônia de veteranos soldados romanos em Filipos e
lhe deu o nome de “Colonia Augusta Julia
Philippensium”. Concedeu-lhe, também, o privilégio de
“Jus Italicum” com a qual seus habitantes eram cidadãos
romanos. Sua população era formada por trácios,
macedônios e em grande parte por romanos.
Após a batalha de Actio, na qual Otávio venceu
Marco Antônio, novos veteranos foram enviados a
Filipos. A cidade de Filipos perdeu a primazia para
Tessalônica que tornou-se a capital da Província Romana
da Macedônia. Porém, Filipos manteve seus privilégios e
era administrada por Roma. Filipos tinha direitos de
colônia romana (At 16,12).
Na época de Paulo, a cidade estava em declínio,
pois as minas de ouro e prata estavam esgotadas. Havia,
na cidade, uma colônia judia muito pequena, pois não
possuíam sinagoga. Na cidade havia, além dos cultos
locais trácios e macedônios, culto ao imperador romano,
coexistindo com outras religiões vindas do Oriente,
chamadas religiões mistéricas.
Filipos, assim como Tessalônica e Beréa, foram
evangelizadas por Paulo, na sua segunda viagem
missionária (At 15,36–18,22). Paulo, Silas, Timóteo e
Lucas chegaram a Filipos em 50/51 vindos de Trôade.
Desembarcaram em Neápolis, porto distante 12 km da
cidade. Filipos foi a primeira cidade da Europa a ser
evangelizada. Em At 16,6-10, Lucas procura mostrar
como essa missão é guiada pelo Espírito.
Como não havia sinagoga na cidade, Paulo e seus
companheiros, no sábado, foram para fora da cidade, às
margens de um rio, onde provavelmente os judeus
costumavam rezar (At 16,13). As primeiras conversões
aconteceram entre as mulheres. A mais conhecida é
Lídia, era uma comerciante de púrpura, natural de Tiatira,
na Ásia Menor, que foi batizada por Paulo com toda a
sua família (At 16,14-15). Foi Lídia quem hospedou
Paulo e seu grupo. A nova Igreja devia contar com
poucos judeus. Era formada, sobretudo, por gentios e as
mulheres, parecem ter ocupado um lugar importantes
nela.
Não sabemos quanto tempo Paulo permaneceu
em Filipos. Podemos supor uma estadia de alguns meses.
Sua permanência na cidade foi tumultuada pela libertação
de uma jovem escrava que possuía um espírito de
adivinhação (At 16,16ss). Os donos da escrava, que
obtinham lucros com suas adivinhações, se sentiram
lesados e denunciaram Paulo e Silas aos magistrados.
Ambos foram presos, açoitados e colocados na prisão.
Esta é a primeira prisão do Apóstolo.
À noite, um violento terremoto sacudiu a prisão e
libertou os prisioneiros. O carcereiro tentou o suicídio,
julgando que os prisioneiros haviam fugido. Impedido
por Paulo, se converteu e foi batizado com toda a sua
família (At 16,24-34). No dia seguinte, sabendo que
Paulo não podia ser flagelado nem preso, pois era
cidadão romano, os magistrados o libertaram com Silas e
rogaram para que deixassem a cidade (At 16,35-40).
Paulo partiu de Filipos em direção de Tessalônica
com Silas e Timóteo. Lucas ficou na cidade. Paulo o
reencontrou ali na sua segunda visita a Filipos (At 20,56). Alguns autores pensam que Lucas era originário de
Filipos.
Ao partir, Paulo deixou uma jovem e dinâmica
comunidade, que continuou a crescer e prosperar e que se
manteve fiel ao Evangelho. O Apóstolo se identificou
muito com essa comunidade. Ele a chamou de “minha
alegria e minha coroa” (Fl 4,1).
Numa cidade onde havia o culto ao Imperador,
que se fazia passar por “Deus e Senhor”, Paulo anuncia o
Evangelho que se torna Boa Notícia. É em “nome de
Jesus” que vem a libertação. Nome que está acima de
qualquer outro nome e em nome do qual se dobre todo
joelho (cf. Fl 2,8-11).
Paulo esteve, ainda outras vezes em Filipos. Foi
ali provavelmente que durante sua terceira viagem
missionária, pelo ano de 58, vindo de Éfeso, Paulo
escreveu a Segunda Carta aos Coríntios. Na primavera do
ano seguinte, voltando de Corinto, Paulo celebrou a
Páscoa em Filipos (At 20,5ss). Em Fl 1,26 e 2,24 Paulo
manifesta o desejo de retornar à cidade. Esse desejo deve
ter sido realizado após sua primeira prisão em Roma.
Muitas vezes, os filipenses enviaram auxílio para
Paulo: em Tessalônica (Fl 4,16), em Corinto (2Cor 11,9)
e durante sua prisão (Fl 4,18) em Éfeso ou Roma.
3. A carta
A Carta aos Filipenses é chamada “Carta da
alegria”. É uma carta de amigos. Parece quase um
contraste: Paulo está preso (situação de sofrimento) e a
comunidade passa também por dificuldades, e a Carta
fala tanto da alegria. É uma Carta para animar, dar força
e esperança. Não há nela nenhuma argumentação
teológica. Mesmo quando fala dos judaizantes, não é com
intenção polêmica, mas somente para alertá-los. Seu tom
é íntimo e muito familiar.
Mas a carta suscita alguns problemas. Não se
discute sua autenticidade, mas sua unidade. A Tradição
sempre testemunhou uma única carta de Paulo aos
filipenses. Porém, Policarpo de Esmirna em sua Carta aos
Filipenses, alude “às cartas” de Paulo aos mesmos
destinatários. Uma parte dos autores modernos afirma a
unidade de Filipenses. Outros, baseados em critérios
literários, levantaram a hipótese de três pequenas cartas
ou bilhetes. Os argumentos são os seguintes:
a) a alusão que Policarpo faz às “cartas” de
Paulo;
b) o próprio Paulo, em Fl 3,1, parece aludir à
uma outra carta;
c) a ruptura no discurso e no tom em Fl 3,1 e 3,2
e em 4,9 e 4,10.
A violenta denúncia dos adversários do capítulo
3 não se enquadra nos capítulos 1 e 2. Também em 4,1020, onde o Apóstolo desenvolve o motivo do
agradecimento, não combina com o conteúdo precedente.
Assim, a hipótese que Filipenses é formada por três
pequenas cartas, é bastante aceita hoje. Em ordem
cronológica as cartas seriam as seguintes:
4,10-20
1,1–3,1a + 4,2-7.21-23
3,1b.4,1.8-9
Carta A
Carta B
Carta C
“Carta A”: Fl 4,10-20
Paulo se encontrava preso. Os cristãos de Filipos
souberam e preocupados com a sua situação enviaramlhe donativos através de Epafrodito, membro da
comunidade, que tinha também, o dever de assisti-lo na
prisão. Provavelmente, logo após a chegada de
Epafrodito, Paulo teria enviado esse bilhete de
agradecimento.
“Carta B”: Fl 1,1–3,1a + 4,2-7.21-23
Epafrodito, que fora enviado para assistir Paulo
em sua prisão, ficou gravemente enfermo. A comunidade
de Filipos soube de sua doença e preocupou-se também
com ele. Uma vez restabelecido, Paulo enviou-o de volta
com esse novo bilhete em que fala de sua condição de
prisioneiro por causa do Evangelho, manifesta esperança
de uma libertação em breve e exorta os filipenses à
concórdia.
“Carta C”: Fl 3,1b-4,1.8-9
Nesse texto, Paulo já não se refere mais à sua
prisão e alerta a comunidade sobre o perigo de certos
adversários. Com toda probabilidade, Paulo se refere aos
judaizantes.
Quanto ao local e data em que a carta foi escrita,
as opiniões acompanham as hipóteses de unidade ou não.
Segundo a opinião tradicional, que aceita a unidade da
carta, essa foi escrita em Roma, durante a prisão de
Paulo, entre os anos 61-63. Outros admitem que a carta
foi escrita em Cesaréia onde Paulo esteve preso por dois
anos, entre 59-60 (At 23,23-34,27).
Para os que admitem a hipótese de várias cartas,
Paulo teria escrito em Éfeso. A proximidade das duas
cidades explicaria as constantes viagens e notícias de
ambas as partes. Porém, os Atos dos Apóstolos não
mencionam nenhuma prisão de Paulo em Éfeso. Mas
existe a possibilidade como se pode deduzir de alguns
acenos em 2Cor 1,8; 11,23. Então, a carta teria sido
escrita em Éfeso durante a terceira viagem missionária
pelo ano de 56/57, e seria colocada entre a 1Cor e a 2Cor.
4. Mensagem (Comunidade de Filipos e a
Carta)
a) At 16-18 quer mostrar que duas décadas
depois da morte e ressurreição de Jesus, a Boa Notícia
está chegando a outros continentes. Os quatro
Evangelhos ainda não haviam sido escritos. Para Paulo, o
Evangelho é uma pessoa concreta: Jesus Cristo!
b) Quem anuncia a Palavra corre o risco de ser
perseguido e preso. Mas o Evangelho não se deixa
acorrentar. E mesmo o conflito pode ser motivo de
crescimento da mensagem (conversão e batismo do
carcereiro e sua família). Paulo sabe que o martírio pode
acontecer e está disposto a recebê-lo. Isso significa ir
logo para junto de Deus, mas por causa da comunidade,
ele acha que é mais importante continuar a viver (Cf.
1,21-26).
c) Filipos era uma das principais cidades de
Macedônia (At 16,12). Isso significa que o Evangelho
está entrando nos centros urbanos; que está se
encarnando na cultura das grandes cidades.
d) A Carta aos Filipenses nos mostra que Paulo já
vê a necessidade de organizar as comunidades. Elas têm
os epíscopos e diáconos.
e) A ausência da sinagoga mostra que a
comunidade pode nascer independente dos judeus. É a
abertura aos outros povos.
f) Outro fator importante é a presença e a
participação das mulheres na Igreja nascente. É numa
casa delas que a Igreja se reúne. A carta fala ainda de
outras duas (Evódia e Síntique), ainda que estejam em
conflito, Paulo lembra que elas o ajudaram muito na luta
pelo Evangelho.
g) Na carta temos um importante hino
cristológico. Talvez já existisse e que fosse cantado nas
celebrações e Paulo o tenha inserido na Carta. Este hino é
a síntese do Evangelho que ele anuncia. O hino tem dois
movimentos: 1. Descendente. É Jesus que se esvazia, se
tornou humano, humilhou-se, foi obediente, servo e
desce ao mais profundo da condição humana, e termina
na cruz (cf. Is 52,13–53,8). Jesus é sujeito da sua ação...
2. Ascendente. Deus é sujeito e exalta Jesus,
ressuscitando-o e colocando-o no posto mais elevado que
possa existir. Jesus é Senhor do Universo e da história
(cf. Is 52,13-15; 53,10-12).
h) Paulo também se encarnou. De hebreu,
circuncidado, fariseu, perseguidor da Igreja, observador
da lei, sem reprovação (cf. 3,5-6), por causa de Cristo,
Paulo perde tudo, abandona a Lei e através da fé busca a
justiça (cf. 3,7-9). Também ele se esvaziou: “Considero
tudo uma perda” (3,8). Também ele se considera um
servo (1,1).
i) Em meio a tantas opções de religiões, os
filipenses escolhem seguir Jesus Cristo, alguém que
morreu na cruz. Paulo também sofre a perseguição. A
comunidade também enfrenta as dificuldades, mas
continua carregando a sua cruz.
j) A comunidade de Filipos compreendeu bem o
que é a mensagem de Jesus Cristo. Ser cristão é ser
solidário, partilhar, repartir... É isso que a comunidade
fez (4,10-20). Comunidade solidária com as necessidades
do Apóstolo e com o sofrimento na doença de
Epafrodito. Também Paulo faz isso, se for preciso vive
na necessidade e sofre as privações... Mas isso não é
problema, porque “Tudo posso nAquele que me
fortalece!” (4,13).
l) A Carta mostra também como a missão
evangelizadora é uma tarefa comunitária. Basta ver o
nome das pessoas envolvidas (Paulo, Timóteo, Silas,
Epafrodito, Lídia, Sízigo, Evódia, Síntique...).
m) A comunidade deve se preocupar e defenderse dos “cães” e dos falsos operários. Aqueles que querem
dividir, que querem anunciar um outro evangelho. Diante
desses, Paulo reage com dureza. O Apóstolo se mostra
contrário aos “judaizantes” que querem que os pagãos
façam a circuncisão, do contrário serão impuros (cf. 3,23). Mas também são perigosos aqueles que querem um
evangelho fácil, sem a cruz (cf. 3,18).
n) A carta nos mostra o lado carinhoso e da
ternura. É muito interessante ver como algumas palavras
bonitas aparecem no texto: alegria, ternura, coração... Os
filipenses estão “em seu coração” (1,7); são seus
“amados” (2,12); “queridos e saudosos irmãos” (4,1). E
também é uma Carta onde surgem algumas das frases
mais belas da Bíblia: “Deus é testemunha de que eu
quero bem a todos vocês com a ternura de Jesus Cristo”
(1,8); “Tudo posso nAquele que me fortalece!” (4,13);
“Alegrai-vos sempre no Senhor!” (4,4); “Permanecei
firmes no Senhor!” (4,1); etc.
o) A Carta é quase uma oração, uma celebração,
uma eterna ação de graças que o Apóstolo parece rezar
enquanto escreve. Isso nos mostra o lado místico de
Paulo e também a importância da oração e da vida
espiritual das nossas comunidades hoje.
p) Os cristãos devem se modelar no exemplo de
Cristo que se humilhou e por isso foi exaltado. O cristão
deve viver em comunhão fraterna, fruto do amor e da
renúncia aos próprios interesses, vivendo no meio de uma
sociedade perversa e má (2,12-16). Eles devem imitar o
comportamento de Paulo e dos demais evangelizadores
(3,12-17).
q) Quem segue a Cristo, mesmo em meio a
dificuldades, vive a alegria (3,1; 4,4). Colocando em
prática tudo aquilo que é verdadeiro, nobre, justo, puro,
amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer modo
mereça louvor, o Deus da paz verdadeiramente estará
com eles (4,8-9).
r) Os cristãos devem viver com esperança:
esperar pelo dia glorioso de Cristo (1,10); esperar pela
ressurreição (3,11), esperar pela pátria celeste (3,20). É
certo que Paulo pensa ao momento da morte individual
de cada um, mas também fica vivo o pano de fundo de
uma esperança numa escatologia cósmica, que assinalará
a transformação de todo o mundo segundo o plano de
Deus.
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