Analfabetismo no Brasil Analfabetismo no Brasil Ricardo Paes de Barros (IPEA) Mirela de Carvalho (IETS) Samuel Franco (IETS) Parte 1: Magnitude e evolução do analfabetismo no Brasil Magnitude • Segundo estimativas obtidas com base na PNAD 2001, 12,4% das pessoas com mais de 15 anos de idade são analfabetas. Este resultado, embora seja o mais recente, exclui a área rural da região Norte. • As estimativas produzidas a partir do Censo Demográfico de 2000 indicam uma taxa de analfabetismo para a mesma faixa etária (15 anos e mais) de 13,6%, o que representa 16 milhões de pessoas analfabetas. • Pelas estatísticas das Nações Unidas, presentes no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2001, o Brasil exibe atualmente uma taxa de analfabetismo, para a população com 15 anos ou mais de idade, de 14,8% (vale ressaltar que este dado para o Brasil refere-se ao ano de 200). • A tabela abaixo apresenta uma síntese de todas estas estimativas mais recentes para a taxa de analfabetismo brasileira. Comparações internacionais • Como resultado desta elevada taxa de analfabetismo exibida pelo Brasil ocorre que 55% dos países do mundo apresentam melhor desempenho que o nosso. Mesmo em relação ao 19 países latino-americanos ocorre que 72% deles têm uma taxa de analfabetismo menor que a brasileira. 1 Analfabetismo no Brasil Estimativas da Taxa de Analfabetismo no Brasil Ano Taxa de analfabetismo 2000 13,6 2000 14,8 15 anos e mais 2001 12,4 15 a 64 anos 2001 10,1 Fonte Faixa Etária Censo Demográfico 2000 15 anos e mais Relatório Mundial de Desenvolvimento Humano de 2001 PNAD-2001 • Nestas comparações, fica claro que a posição relativa do Brasil em termos da taxa de analfabetismo é bem pior do que a sua posição relativa em termos de renda per capita. De fato, as mesmas estatísticas das Nações Unidas revelam que apenas 34% dos países do mundo têm uma renda per capita maior que a brasileira. O mesmo fenômeno ocorre na América Latina, aonde apenas 28% dos países têm renda per capita maior que a brasileira. • Países com maior renda per capita tendem a apresentar uma menor taxa de analfabetismo. O gráfico abaixo mostra como a taxa de analfabetismo varia tipicamente com a renda per capita do país. Através dele, podemos avaliar a situação brasileira. O que se observa é que países com um nível de renda per capita similar ao brasileiro contam normalmente com uma taxa de analfabetismo de 5,8%. • Assim, a taxa de analfabetismo brasileira (14,8%) é mais do que o dobro da taxa típica exibida por países com renda per capita similar à brasileira (5,8%). 2 Analfabetismo no Brasil Porcentagem de países com melhor desempenho que o Brasil Porcentagem de países no mundo com melhor desempenho Porcentagem de países na América Latina com melhor desempenho Taxa de Analfabetismo 55% 72% Renda per capita 34% 28% Índice de Desenvolvimento Humano 42% 50% Indicadores Relação entre a taxa de analfabetismo e a renda per capita 50 45 Taxa de analfabetismo (%) 40 35 30 25 20 Brasil 15 10 5 0 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000 Renda per capita (US$ PPP/ano) 3 Analfabetismo no Brasil O que acontece com a taxa de analfabetismo quando restringimos o universo considerado de pessoas? • Quando restringimos a faixa etária considerada para pessoas com idade entre 15 a 64 anos, encontramos, com base na PNAD 2001, uma taxa de analfabetismo um pouco menor (10%), representando um total de 11 milhões de analfabetos. Evolução temporal • De acordo com os resultados obtidos a partir dos Censos Demográficos, ao longo da década de noventa, observou-se pela primeira vez no país, uma queda no número absoluto de adultos analfabetos. Evolução temporal do número de analfabetos (15 anos e mais): 1940-2000 20 19,2 Número de analfabetos (em milhões) 19 18,7 18 18,1 17 16,3 16 15,3 16,0 15 14 13,3 13 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Ano Fonte: Censo Demográfico de 2000. • Entre 1991 e 2000, a taxa de analfabetismo entre adultos foi reduzida em 6,5 pontos percentuais. Apesar do bom desempenho, o gráfico abaixo mostra que a redução na 4 Analfabetismo no Brasil taxa de analfabetismo é uma tendência que já vinha sendo seguida, ao menos desde a década de quarenta, tendo sido a década 1950, o período em que apresentamos o melhor desempenho. Evolução temporal da taxa de analfabetismo por década 60 56,0 55 50,5 50 Taxa de analfabetismo 45 39,6 40 35 33,6 30 25 25,5 20 20,1 13,6 15 10 5 0 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Ano Fonte: Censo Demográfico de 2000. • Entretanto, estimativas com base nas PNADs revelam uma queda na taxa de analfabetismo um pouco mais lenta (5,5 pontos percentuais de redução por década). • A este ritmo, estima-se que a taxa de analfabetismo será inferior a 10% somente em 2005 e inferior a 5% apenas a partir de 2014. • Isso significa que seguindo o ritmo histórico, a taxa de analfabetismo brasileira será inferior a atual taxa paraguaia somente após 2010; inferior a atual taxa chilena após 2015 e só irá atingir as atuais taxas argentina e uruguaia próximo ao ano de 2020. 5 Analfabetismo no Brasil O que aconteceu com a evolução do analfabetismo quando restringimos o universo considerado de pessoas? • Quando concentramos a atenção na faixa etária de 15 a 64 anos, a queda na taxa de analfabetismo foi mais rápida (7,1 pontos percentuais de redução por década). Evolução da taxa de analfabetismo (15 anos e mais) 25 Taxa de analfabetismo (%) 20 15 Peru 10 Mexico Panamá Venezuela Paraguai 5 Chile Argentina Uruguai 0 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025 Ano Parte 2: Quem são e aonde vivem os analfabetos? Quem são? • Ao longo da década de noventa, pela primeira vez, a taxa de analfabetismo feminina passou a ser inferior à masculina. Isso resulta da taxa de analfabetismo das mulheres nascidas após a metade da década de sessenta ser inferior a das correspondentes coortes masculinas. • A taxa de analfabetismo para a população negra é quase três vezes maior do que para a população branca, levando a que mais de 2/3 dos analfabetos sejam negros. 6 Analfabetismo no Brasil • A taxa de analfabetismo é bem maior entre as coortes mais velhas do que entre as mais jovens, com a taxa sendo seis vezes maior entre idosos de 55 a 64 anos (26%) do que entre jovens de 15 a 24 anos (4%). Como a taxa de analfabetismo cresce com a idade, ao consideramos a população analfabeta com idade entre 15 e 64 anos, temos que metade possui mais de 45 anos, embora este grupo represente apenas 25% das pessoas com idade entre 15 e 64 anos. Taxa de Analfabetismo e Impacto da Alfabetização segundo gênero, cor e faixa etária Taxa de analfabetismo (%) Número de analfabetos (em milhões) Distribuição dos analfabetos (%) Distribuição da população (%) Impacto do alfabetismo sobre a remuneração do trabalho (%) 10,1 10,8 100 100 41 Homem 10,7 5,5 51 48 41 Mulher Cor 9,6 5,3 49 51 38 Categoria Total Gênero Branco Negro Faixa etária 5,7 3,3 31 54 48 15,4 7,5 69 45 37 15 a 24 anos 4,2 1,4 13 30 ....... 25 a 34 anos 7,6 2,0 18 24 46 35 a 44 anos 45 a 54 anos 10,2 2,3 21 21 38 16,0 2,6 24 15 33 55 a 64 anos 25,5 2,6 24 9 37 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001. • O diferencial entre brancos e negros é particularmente mais elevado entre os homens do que entre as mulheres. A tabela abaixo revela que, ao comparamos o diferencial em analfabetismo exibido por mulheres e homens negros com mulheres e homens brancos, temos que o diferencial mulher-homem entre negros é muito menor do que o diferencial mulher-homem entre brancos. • Entre os 10% mais pobres, mais de 25% das pessoas com idade entre 15 e 64 anos são analfabetas. • Entre os 30% mais ricos, menos de 5% das pessoas com idade entre 15 e 64 anos são analfabetas. 7 Analfabetismo no Brasil Analfabetismo segundo gênero, cor e faixa etária Taxa de analfabetismo (%) Número de analfabetos (em milhões) Distribuição dos analfabetos (%) Distribuição da população (%) Branco 5,9 1,63 15,1 25,8 Negro 16,1 3,89 35,9 22,6 15 a 24 anos 25 a 34 anos 5,3 9,2 0,86 1,13 7,9 10,5 14,9 11,5 35 a 44 anos 11,0 1,22 11,3 10,3 45 a 54 anos 55 a 64 anos 15,7 23,4 1,21 1,11 11,2 10,3 7,2 4,4 Branco 5,5 1,70 15,7 28,6 Negro 14,7 3,58 33,1 22,8 15 a 24 anos 25 a 34 anos 3,1 6,1 0,50 0,82 4,6 7,5 15,1 12,4 35 a 44 anos 9,3 1,10 10,2 11,0 45 a 54 anos 55 a 64 anos 16,3 27,4 1,39 1,49 12,8 13,7 7,9 5,1 Faixa etária Faixa etária Mulher Cor Gênero Homem Cor Categorias Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001. • 10% das pessoas com idade entre 15 a 64 anos, vivendo em famílias com renda próxima à mediana, são analfabetas. • Em função da concentração dos analfabetos em famílias mais pobres, ocorre que quase metade dos analfabetos encontra-se entre os 25% mais pobres no país, enquanto que mais de ¾ vivem entre os 50% mais pobres. Aonde vivem? • A taxa de analfabetismo na área rural (26%) é 2,5 vezes a taxa na área urbana (9%) e mais de cinco vezes o valor nas áreas metropolitanas (5%). Devido elevada concentração dos analfabetos na área rural, temos que mais de 1/3 deles vivem em áreas rurais, embora menos de 1/6 da população total brasileira viva nestas áreas. • Em termos de desigualdade espacial, a taxa de analfabetismo varia entre 28% em Alagoas a 4% no Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. • Enquanto que em todos os estados do Nordeste, a taxa de analfabetismo está próxima ou acima de 20%, em todos os estados das regiões Sul, Sudeste e CentroOeste, a taxa de analfabetismo é igual a 10%. 8 Analfabetismo no Brasil Taxa de analfabetismo segundo os décimos e quartos da distribuição de renda Quartos da distribuição de renda Décimos da distribuição de renda Grupo de renda Taxa de analfabetismo do grupo (%) Taxa de Proporção dos analfabetismo analfabetos no dos grupos mais grupo pobres (%) (%) Proporção dos analfabetos nos grupos mais pobres (%) Primeiro 27,6 27,6 21 21 Segundo 21,4 24,3 18 39 Terceiro 16,0 21,4 14 53 Quarto 13,8 19,3 13 66 Quinto 10,7 17,3 11 77 Sexto 8,3 15,6 9 86 Sétimo 7,1 14,3 7 93 Oitavo 3,9 12,8 4 97 Nono 1,8 11,4 2 99 Décimo 0,6 10,1 1 100 Primeiro 22,7 22,7 46 46 Segundo 12,8 17,3 31 77 Terceiro 7,0 13,5 18 96 Quarto 1,6 10,1 4 100 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2001 • Devido a uma concentração dos analfabetos na região nordestina, temos que mais da metade (56%) dos analfabetos do país vivem nesta região, embora a população local corresponda a um pouco mais de ¼ (27%) do total brasileiro. • Apesar de São Paulo ser o estado brasileiro com a terceira menor taxa de analfabetismo, devido a magnitude de sua população, acaba sendo, junto com a Bahia, um dos únicos estados com mais de 1 milhão de analfabetos (10% do total de analfabetos). 9 Analfabetismo no Brasil • Ao longo das últimas duas décadas, a queda do analfabetismo foi maior nas áreas mais pobres, levando a uma redução nas disparidades regionais. Apesar disso, a taxa de analfabetismo no Nordeste é tão mais elevada que, mantida a velocidade de progresso atual, seriam necessários mais de 25 anos para que o Nordeste atinja a situação atual do Sudeste. Enquanto que para Alagoas atingir a situação atual do Rio de Janeiro seriam necessários 34 anos. Taxa de analfabetismo por centésimo da distribuição de renda domiciliar per capita 35 30 Taxa de analfabetismo (%) 25 20 15 10 5 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Centésimo da distribuição 10 Analfabetismo no Brasil Área Taxa de Analfabetismo e Impacto da Alfabetização segundo a localização geográfica Área Taxa de analfabetismo (%) Número de analfabetos (em milhões) Distribuição dos analfabetos (%) Distribuição da população (%) Impacto do alfabetismo sobre a remuneração do trabalho (%) Brasil 10,1 10,82 100 100 41 Metropolitana 4,7 1,63 15 32 35 Urbana 9,2 5,30 49 54 38 26,1 3,89 36 14 20 9,2 0,55 5 6 37 7,9 0,04 0 1 Rural Norte Rondônia Acre 13,8 0,03 0 0 Amazonas 6,3 0,09 1 1 Roraima 9,7 0,02 0 0 Pará 9,5 0,25 2 2 Amapá 4,5 0,01 0 0 15,1 0,11 1 1 Tocantins Região/ Unidade da Federação Nordeste 21,0 6,08 56 27 Maranhão 20,2 0,68 6 3 Piauí 26,1 0,44 4 2 Ceará 21,5 0,95 9 4 Rio Grande do Norte 20,6 0,36 3 2 Paraíba 23,1 0,48 4 2 Pernambuco 19,2 0,94 9 5 Alagoas 27,7 0,48 4 2 Sergipe 18,5 0,20 2 1 Bahia 19,3 1,52 14 7 Sudeste 5,7 2,70 25 45 Minas Gerais 9,0 1,05 10 11 Espirito Santo 8,9 0,18 2 2 Rio de Janeiro 4,1 0,38 4 9 São Paulo 4,4 1,09 10 23 Sul 5,2 0,87 8 16 Paraná 6,5 0,41 4 6 Santa Catarina 4,2 0,15 1 3 Rio Grande do Sul 4,5 0,31 3 6 Centro-Oeste 8,1 0,63 6 7 Mato Grosso do Sul 7,4 0,10 1 1 Mato Grosso 9,5 0,16 1 2 Goiás 9,2 0,30 3 3 Distrito Federal 4,6 0,06 1 1 31 44 52 43 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001. Nota: O universo considerado é de pessoas de 15 a 64 anos. 11 Analfabetismo no Brasil Parte 3: Uma avaliação do impacto do combate ao analfabetismo Impacto sobre o rendimento do trabalho • Estimativas do impacto da alfabetização sobre os rendimentos no mercado de trabalho indicam que a alfabetização eleva os salários em 41% (veja tabela “Taxa de analfabetismo e impacto da alfabetização segundo gênero, cor e faixa etária”). • Este impacto é bastante elevado. De fato, ele é duas vezes maior do que o diferencial entre brancos e negros, mais da metade do diferencial entre homens e mulheres, mais da metade do diferencial de salários entre um trabalhador com educação fundamental completa e um trabalhador sem escolaridade e 2/3 do diferencial entre o Nordeste e o Sudeste. Estimativas do impacto de diversas características pessoais sobre a remuneração dos trabalhadores Impacto sobre a remuneração do trabalho (%) Impacto relativo (%) Alfabetização 41 ..... Fundamental completo 79 52 Hiato de gênero 77 53 Hiato entre brancos e negros 19 215 Hiato Sudeste-Nordeste 61 67 Características Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2001 12 Analfabetismo no Brasil • Este impacto é maior entre os homens do que entre as mulheres; substancialmente maior entre os brancos do que entre os negros; e também bem mais elevado entre os trabalhadores jovens do que entre aqueles com idade mais avançada (veja tabela “Taxa de analfabetismo e impacto da alfabetização segundo gênero, cor e faixa etária”). • Além disso, este impacto é muito maior nas áreas urbanas do que nas rurais e bem menor na região Nordeste do que nas regiões Sul e Sudeste (veja tabela “Taxa de analfabetismo e impacto da alfabetização segundo a localização geográfica”). • Há evidências de que o impacto da alfabetização sobre os rendimentos do trabalho, embora tenha sido sempre muito elevado, aumentou ainda mais ao longo das últimas duas décadas, passando de 30% em 1981 a 41% em 2001. • Vale ressaltar que para as mulheres, para os jovens e para a região Nordeste, foi mais acentuada a elevação do impacto da alfabetização sobre os rendimentos do trabalho ao longo das últimas duas décadas. Impacto sobre o crescimento • A erradicação do analfabetismo, devido apenas ao seu impacto sobre a remuneração dos analfabetos ocupados, representaria um aumento na renda nacional de R$ 5,6 bilhões por ano. Impacto sobre a pobreza • A insuficiência de renda da população pobre é de R$ 21 bilhões por ano. A erradicação do analfabetismo reduziria esta insuficiência em 7% (R$ 1,4 bilhões/ano). • A insuficiência de renda da população extremamente pobre é de R$ 4,4 bilhões por ano. A erradicação do analfabetismo reduziria esta insuficiência em 9% (R$ 0,4 bilhões/ano). 13