Telejornal Um Caso de Semiótica Soraya Maria Ferreira Vieira ( Jornalista, Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professora do Pós-Graduação da Cásper Libero, Membro do CEPE-COS-PUC-SP.E-mail [email protected]) Resumo O objetivo é o de enfocar a noção de linguagem e o modo particular como o telejornal produz imagem e representa o cotidiano. Algumas discussões serão destacadas a saber: como o acontecimento se transforma em notícia? Quais os tipos de signos usados para transmitir os fatos e produzir linguagem? Pretendemos chegar ao entendimento de como um jornal eletrônico feito para a tv se organiza e visualiza os fatos. Isso quer dizer que todos os elementos em cena no transcorrer de alguns programas são vistos e estudados de modo relacional na produção de significados. Cada signo de acordo com o ambiente televisivo transforma e transfere para todos os demais suas características. Introdução Neste texto será discutida as possibilidades de apresentação das notícias na televisão a partir da semiótica. O que dizer que todos os signos utilizados pelos telejornais são vistos de modo relacional na busca da significação. Deste modo, o uso das categorias de conhecimento peirceanas devem ser entendidas no seu aspecto de predominância. Dois tipos de programas servem de modelo e dão o paradigma para se pensar o processo signico. São eles o "Cidade Alerta"- CA- que é transmitido e emitido pela Tv Record e outro é o "Jornal Nacional"- JN - pela Rede Globo. Ambos de canais abertos. Podemos dizer, generalizando, que esses programas são opostos. O primeiro de gênero policial e o segundo genérico, onde encontramos as editorias jornalísticas clássicas de economia, política, previsão do tempo, comentário, editorial e assuntos gerais. Interessante notar que a editoria de polícia é enfatizada neste telejornal, JN, apenas quando tem que concorrer com a audiência do outro citado. Isso, se o de gênero policial estiver com muitos pontos de vantagem no Ibope. Muitas questões aparecem quando pensamos sobre a representação no sentido de mediação ou quando voltamos nossos olhos para os signos. Mas, por razões didáticas colocamos nossa atenção em três tipos de indagações de escopo semiótico: - O que se vê no processo signico televisivo? - A que esse processo se refere predominantemente? - Qual o significado daquilo que você vê? Antes de iniciar, gostaria de colocar que: o cotidiano é conhecido na televisão por meio do processo signico. Esse é produzido por meio de imagens e verbos, que juntos, e ao mesmo tempo, passam na tela eletrônica contextos extraídos dos fenômenos. O contato periódico com essa linguagem acaba por inculcar hábitos de pensamento nos seus receptores de acordo, com as predominâncias signicas ali expressas, impressas. 1. O Processo Signico Charles Sanders Peirce preparou uma lista das categorias do conhecimento onde ressalta três modos em que os fenômeno podem aparecer. São elas: primeiridade( quando temos o fenômeno na sua qualidade), a secundidade( quando temos a ação bruta daquilo que aparece diante de nós e está desconectado de nosso ser) e a terceiridade( quando temos o começo do processo lógico e da significação, generalização). É interessante notar neste ponto como Ransdell(Universidade do Texas) pensa a semiótica : " A Semiótica de Peirce pode ser considerada alternativamente, uma teoria do significado ou da significação, como uma teoria da comunicação, como uma teoria da inferência e verdade...Isso pode ser considerado em todos esses caminhos não porque isto seja ambíguo, ou porque Peirce confundiu ou falhou em distinguir essas concernências, mas porque ele colocou um ponto de vista e estipulou um sistema de conceitos dentro do qual todas essas concernências encontram uma base comum de expressão e articulação" (1979: 53) *1 Convém aqui voltarmos a enfocar e perguntar: qual é o objeto da semiótica? Se a resposta for semiose, então teremos de dizer que a relação que os signos guardam entre si são um problema maior que esses signos em si mesmos. Quando você liga o aparelho de Tv o que você vê ? Imediatamente, você vê luz. Se você chega bem perto, você tem pontos de luz, cujo nome são pixels e, se após, você se afasta tem portanto formas e então figuras. Este processo acontece em frações de segundos. Mas, quando temos figuras e formas coloridas construídas nós já estamos prontos para entrar, na secundidade, e, neste momento, tomamos conhecimento que algo existe independente de nossas mentes. No futuro, bem imediato e mediado. Porém, antes de falar sobre a secundidade especificamente, do objeto que aparece no signo, obviamente ápos a primeiridade, gostaria de introduzir a terceira categoria de conhecimento, qual seja: aquela que medeia o recebimento da notícia como mensagem lógica. Esse momento ocorre após assistirmos o nascimento das cores, texturas, formas, figuras, para entramos no processo daquilo que a mensagem pode e está apta a significar. Entretanto, tudo ocorre instantaneamente como um raio, no sentido metafórico, porque a mente e o cerébro estão aptos a construir todo esse caminho proposto pelos signos e pelos seus modo de produção. 1.1 Notícias na Tv Record Nosso primeiro exemplo que é transmitido pela Tv Recordtem como apresentador Jõao Leite Neto, que inicia o programa pedindo licença ao receptor para entrar dentro de sua casa. Após, sequencialmente, faz as chamadas do programa, usando para tanto três câmeras que estão no estúdio, no cenário de onde se transmite ao vivo. O Cidade Alerta tem cinco blocos alternados nas seguintes editorias: policial, que -------* No original a citação é a seguinte: "Peirce's semiotic can be regarded, a alternatively, as a theory of meaning or signification, as a theory of communication, as a theory of inference and truth...It can be regarded in all these ways not because it is ambiguous, or because Peirce confuse failed to distinguish these concerns, but because he adopted a point of view and forged out a system of concepts within which all of these concerns find a common basis of expression and articulation." está incluida em 80% do noticiário, serviços e uma outra na qual tem-se uma salada mista onde fica difícil apontar a predominância de um assunto. Todas as matérias são longas, nunca apresentadas com menos de 3 minutos( chega às vezes a 9 minutos) e todas são produzidas em externas, ou seja, se passa fora do estúdio programado para a inserção do apresentador, ordendor dos fatos. É visto de segunda a sábado, das 17:30 às 19:30 h. Não é apenas este programa da Rede Record que explora os conflitos humanos, envolvendo a instância de poder público polícial. "Ratinho Livre", apelido do próprio apresentador, é visto diariamente e mantém este gênero televisivo, diferenciando-se pelo enfoque e modo de tratar o tema. A sua breve descrição pode ser feita do seguinte modo: acontece em transmissão ao vivo de segunda a sextaferia. Começa às 20: 30 h e termina às 21: 30 h. Todas as cenas são realizadas no auditório e seu gênero tem sido tão bem aceito que tem levado outros programas a popularizarem mais o seu estilo. O Ibope tem sido frequentemente favorável a ele. O que, por outro lado, faz crescer a disputa da emissora com a preferencial líder de audiência: TV Globo. Retomando o CA gostaria de colocar que: o sucesso deste tipo de programa é devido ao seu estilo novelesco de narração das imagens característica do rádio. A entonação o suspense contribuí para dizermos que o fator imaginação também está presente nesta mídia. O som medeia o conhecimento das imagens presentes no vídeo, tornando mais complexo o assunto tv. Obviamente que em televisão existe a obrigação de se ter imagens. Prerrogativa já implantada pelo cinema mudo. Mas, o telejornal trabalha com dois tipos de características: som e imagem. Temos a narração, como no rádio, para as imagens que vemos ao mesmo tempo no vídeo. A voz que faz a descrição para essas imagens na tela têm doses de excitação, tipo de emoção dada para as qualidades daquilo que se vê. As palavras usadas são em regra: aquilo parece com, veja como o elemento faz com.....Sobre este comportamento podemos perguntar: qual é a importância desta descrição para a Tv se as imagens já dizem o que você está ouvindo? A importância é: o significado aparece quando temos juntos todos os elementos e sentidos dados, enfatizados pelos signos. A qualidade emotiva só vem inculcar ainda mais o significado devido a sua dose de redundância junto ao gênero. Situação essa que ainda é reforçada pelo uso do plano sequência. Surge assim uma pergunta: o que é o significado? A implicação desta resposta nos leva mais uma vez a arquitetura filosófica de Peirce para dizer que em última instância ela é de ordem estética. De acordo com ele a estética é a base para a ética e para a semiótica. É esse fundamento que constituí e alicerceia o processo de significado, situado no terreno mais amplo das suas Ciências Normativas. Com isso, a implicação de escolha, da preferência signica, que mostra ser pela via da estética, tem na mediação, no processo signico, o ponto de ligação para a aquisição de hábitos de sentimento, ação e conduta. Temos neste programa as seguintes cenas: carros de polícia, presença da tv no vídeo através dos microfones, presença do repórter se dirigirindo de modo enfático ao entrevistado, na sua maioria testemunhos oculares. Todos os elementos convergem para indicializar aquilo do que se fala. Veja foto. De modo geral o repórter medeia o conhecimento do fato. O seu modo de fazer as passagens, a sua presença no vídeo, as suas palavras na constituição dos acontecimentos são elementos primordiais e detonadoras do telenoticiário. Som: businas, sons externos, ambiente de rua, voz enfática do repórter com qualidades emotivas convencionais com sugestões de interpretantes dinâmicos e emocionais prototípicos. Plano sequencial que fornece o ritmo em que os acontecimentos se passam com poucos cortes ou passagens. Na maioria das cenas o repórter marca a sua presença e pontua aquilo que a câmera mostra. Esta maneira de mostar os acontecimentos segue a mesma forma no decorrer dos programas. O que nos faz dizer que este telenoticiário é repetitivo. Se você viu uma emissão deste é como tivesse visto a todas. Entretanto, esta característica não é dada pelas notícias, obviamente, que sempre mudam. Isto é dado pelo gênero e modo pelo qual sua linguagem é construída. Enfim, pela relevância estética dos signos ali presentes. Os elementos são os mesmos. As fontes envolvidas são frequentemente anonimas. Elas falam sobre os acontecimentos e fazem as notícias. Mas, o que nos chama a atenção no aspecto semiótico é: neste tipo de espaço mediático nós vemos desaparecer a diferenciação entre o público e o privado, onde o apresentador procura identificar os acontecimentos "noticiosos" do mundo, sejam eles prosaicos ou não. A verdade do fenômeno, fato, é decidido no mesmo momento em que é emitido. O programa quer ser visto como um noticiário em que nada é escondido ou ocultado. O telejornal quer apresentar a vida como ela parece ser para determinado receptor. Pede a sua participação na constituição do sentido quando este é um seu testemunho ocular mesmo que para isto transgrida as normas prévias do jornalismo. Como resultado temos no tempo televisivo, simbólico, a afirmação do programa como um espaço coletivo através do desnudamento de cenas privadas de alguns sujeitos que se tornam notícia, legitimando os fatos apresentados. 1.2 A Notícia na Tv Globo A notícia no Jornal Nacional -JN- começa em geral como todos os outros(escalada, vinheta de abertura). A diferença está no modo como o apresentador faz a sua entrada e emite a expressão de contato: William Bonner e Fátima Bernardes, apresentadores, fazem a escalada das matérias e na sequência temos no vídeo a vinheta do JN. Depois deste introito ouvimos o locutor de cabine dizer: "Está no ar o JN com William Bonner e Fátima Bernardes". Agora sim temos o "Boa-Noite" galante dos apresentadores. Num primeiro olhar estas expressões parecem não ter grande valor. Entretanto, o modo como são feitas faz sentido no todo do telejornal. Sua forma primeira de aparecer se relaciona com a condução do programa e com seu acabamento estético. Definidor do seu padrão de trazer as notícias ao telespectador. O JN é muito diferente do nosso outro exemplo, o CA. No JN as notícias são apresentadas de modo estratificado, marcado. Os acontecimentos são dados de maneira breve onde cada inserção seja do apresentador, do repórter, das fontes, do comentarista, as condições do tempo é bem medida. Percebemos que a formalidade com a qual a expressão de contato é realizada anuncia a aparência, conteúdo e tom das notícias. Nem sempre as mais importantes são dadas com destaque. O tempo dedicado ao noticiário em geral toma de 30 a 40 minutos e dependendo da audiência dos demais canais o espaço para as informações pode se alongar. O seu público a princípio é bem diferenciado do CA que, de acordo com pesquisas, atinge as faixas sociais favorecidas.Mas, por outro lado não podemos dizer que o público do CA não assista ao JN ou vice-versa. No JN não há tempo para vazios, a não ser em tempos de guerra, em que a espera para que os acontecimentos se sucedam no vídeo já é informação por si mesma. Toma-se como exemplo as imagens, difundidas pelo JN, dos primeiros bombardeios aéreos sobre o Iraque pelas forças aliadas, durante a Guerra do Golfo Pérsico, no início de 1991. No entanto, é bom ressaltar que no JN, a morosidade do tempo real é sempre evitada, uma vez que o objetivo é o de veicular o maior número de matérias no menor espaço de tempo. Por isso, a rapidez e descontinuidade na montagem dos quadros no telejornal têm prioridade. Está aí uma das grandes diferenças dos dois programas aqui enfocados. Para ganhar mais dinâmica e ritmo nas imagens e informações levadas ao ar o JN faz uso de maiores mediações e variedades sígnicas que outros noticiosos. Estamos querendo dizer em outras palavras que temos diferentes falas para tratar os acontecimentos do mundo e transformá-los em notícia Enfim, no JN as variedades de vozes constituem um recurso através do qual a Rede Globo marca a sua presença, ao mediar o aqui e agora do acontecimento real. No entanto, os acontecimentos ao serem noticiados, recebem um tratamento jornalístico e a sucessão dos segmentos visuais e verbais passa a ser diversa daquela encontrada na ordem natural e cronológica, tal como os fatos se sucederam na vida real. 2. Aspectos Relevantes 2.1 O Objeto Retomando a fundamentação para esta análise frisamos a relevância da segundidade para a reflexão do telejornal e sua linguagem.Todos os signos presentes no video remetem para o objeto da notícia, para o seu causador, para o fenômeno em si. Afinal, a palavra news(norte, sul,leste e oeste em inglês), de onde deriva-se notícia, já traz no seu conceito o significado de globo, círculo, movimento. O simbolo dos telejornais já carrega de maneira icônica o significado da ação. Apresenta o que acontece aquilo que está fora do ambiente em que o processo signico se instaura,ou seja, a tv e o mundo concomitantemente.(Vieira, 1992).2 Em nível do signo em si, a imagem ela mesma, podemos retomar o pensamento macluhiano de Kerckchove que no seu livroCultura da Pele resgata as qualidades tacteis da tv. Caso trouxéssemos este aspecto para perto da semiótica diríamos que o autor ressalta o nível da ação e reação, ou seja da categoria de segundidade na tv( é certo que o autor não fundamenta seu ponto de vista e nem tampouco faz uso da semiótica no seu estudo sobre televisão). À partir da experiência corporal que teve com o veículo (onde seu corpo ligado a computadores através de sensores conectados no dedo médio esquerdo, outro `a testa e um terceiro ao pulso esquerdo, com a função de medir as pulsaçoes, e um último ligado ao coração enquanto assistia a programas de televisão) frisa a seguinte passagem: "Quando Rob e Stephen voltaram para rebobinar a cassete e analisar os gráficos no computador, falei-lhes do meu sentimento de impotência. Riram-se e convidaram-me a observar o ecrã enquanto voltavam a passar a cassete sincronizada com os resultados. Para meu completo espanto, verifiquei quecada corte, cada movimento, cada mudança de plano tinham sido percebidos por um ou outro sensor e registrado no computador. Pude ver as agitadas linhas dos gráficos correspondentes à condutividade de minha pele, ritmo cardíaco, circulação e, fossem quais fossem, as misteriosas reacções na minha testa. Fiquei espantado. Enquanto lutava para conseguir exprimir uma opinião, o meu corpo inteiro tinha estado a ouvir e a ver a reagir instantaneamente.(1997:38) 3 De outro modo, Pignatari se refere a essa característica ao dizer que a televisão é uma chuva de elétrons, um faiscar eletrônico onde torna-se possível uma conversão de diferentes linguagens para o suporte cadótico. Vejamos sua máxima: "O olhar da televisão é endocóspico, cateter que penetra nos divertículos mentais e emocionais do dia -a -dia urbano: é o "soma" huxleyano dos 'urbanistas'. Quem assiste televisão é assitido por ela, olho quase extra-terreno feito de gotas audiovisuais sonoras, desferidas por um chuveiro pirotécnico de elétrons coloridos."( 1998: 487) 4 O modo de ser e de aparecer da televisão enquanto linguagem, conjunção de signos, propicia a confluência e mistura de signos de outras mídias devido sua própria natureza. Com isso, a sua marca, o seu registro, seu traço existencial é fortemente marcado no resultado de cada programa realizado por essa mídia. Arlindo Machado relaciona as qualidades auriculares da linguagem eletrônica em especial a da video-arte, relacionando-a com a música para mais à frente ressaltar a sua vocação sinestésica. Vejamos suas palavras: "....Percebe-se,então, como é inadequado o termo vídeo(que em latim significa 'eu vejo') para designar a experiência perceptiva possibilitada por esse meio de expressão. Enquanto,outros sistemas figurativos caminham na direção de uma hierarquização, em que o olho, separado dos demais sentidos, reina absoluto e solitário, a arte do vídeo tende mais propriamente à sinestesia, ou seja, à reunificacão dos sentidos."(1989:80) 5 Antes de relacionarmos como esta marca de incompletude, dada pelo faiscar pode aparecer na linguagem telejornalística, vejamos como a condição sinestésica foi colocada por Mcluhan ao se referir a ação estética do rádio e da televisão: "...Mas essas extensões de massa de nosso sistema nervoso central envolveram o homem ocidental numa sessão contínua de sinestesia."(1988: 354) 6 Acentuada a característica sintática do veículo diremos que é justamente, pela sua forma de aparecer e de se constituir enquanto um conjunto de normas, com certa lógica que possibilita a fragmentação, segmentação do fato no telejornal sem perda de sequencialidade) é que a composição visual ganaha o estatuto de linguagem. Conforme colocamos e agora frisamos a televisão possibilita a manipulação plena da linguagem. O que nos proporciona um tempo simbólico ((mas que também é real já que a emissão é ao vivo) para que a notícia, possa se fazer enquanto tal, ou seja, passe a ser signo de algo que acontece no cotidiano. Através do esquema de mediação signica diremos que o acontecimento em si passa a ser objeto imediato( modo pelo qual o fato está representado), notícia. Sua veracidade passa a ser creditada muitas vezes pela própria inclusão na tela eletrônica daquela que tornou presente dentro de nossas casas as cenas de acontecimentos, que não nos foi possível presenciar a não ser por meio da televisão. Isto é dado a ver pela forte presença das câmeras no vídeo que se incorporam ao cenário do telejornal e apontam para seu próprio fazer, para a mídia ela mesma. No caso do Jornal Nacional, Rede Globo, foto acima esse signo é visível e faz parte do cenário dos acontecimentos e no CA essa ocorrência é dada no decorrer do plano sequência de modo não figurativo. Estamos querendo dizer com isso que a notícia enquanto tal se diferencia do fato o qual denominamos objeto dinâmico que esta fora do processo signico. Porém, ali se faz representar, ressaltando a sua presença através da inserção das diferentes vozes do telejornal que medeiam o fenômeno. Temos sempre um corte no continuum. Continuum do lado do objeto e do lado do processo signico em si. O percepto( nome que o objeto dinâmico recebe na teoria da percepção peirceana) insiste e persiste e é dado pelo objeto imediato, modo como a notícia é apresentada. Isto é visível no vídeo através das imagens do fato enquanto o repórter está em off (Vieira, 1992)7 na fala deste quando sinaliza, indica o acontecimento. Porém, o mais interessante observar é que a sua simples presença remete para algo que está fora do processo sígnico, ou seja, o fato mediado por ele. Enfatizando: por sua fala, pela sua presença. O repórter é duplamente signo. Entretanto, não apenas a inserção daquela "pessoa-personagem" aponta para a predominância da segundidade no telejornal. A própria vinheta guarda em si traços de indicialidade, apesar de ter que se fazer enquanto icone de toda a linguagem do telenoticiário. A sua tarefa é a de indicializar por semelhança o programa emitido. Com isto, vamos caminhando para as relações propostas a nível de interpretantes a partir dos fundamentos do objeto, ou seja, a partir das qualidades encarnadas no processo signico. 2.2 Os Interpretantes Neste momento queremos ressaltar que de modo genérico este tipo de linguagem que é o telejornal é simbólica, portanto trabalha a nível de terceiridade. Ordena os signos naturais através de argumentos. Através da palavra. Entretanto, podemos salientar, na busca de uma melhor compreensão das diferentes vozes alí presentes, a preponderância de certas mediações signicas na inserção de alguns personagens. O comentarista, presente em alguns telejornais, no JN por exemplo, articula a notícia trazendo interpretantes lógicos para os fatos, pontuando as interpretações, finalizando-as. Já as fontes procuram criar interpretantes provisórios para os fatos, dão a sua versão para os acontecimentos, interferindo na produção signica. É Umberto Eco(1984:186)8 quem acrescenta que quem olha para as câmeras representa a si próprio e ao mesmo tempo afirma como interpretante a própria presença da mídia. Ao contrário é o procedimento de quem não olha para as câmeras. Afirma o interpretante: a voz de quem fala representa a realidade. Não compactua com o jogo televisivo, apesar de acabar tomando parte deste tipo de produção signica. O cenário do telejornal é para onde se confluem todos os elementos. É o local onde o tempo simbólico se corporifica, encarnando o tempo real. A linguagem, combinação de todos os signos, traz as marcas das referências culturais, da transformação do tempo real e propõe para os acontecimentos cotidianos noticiáveis interpretantes de diferentes níveis. Onde cada elemento presente no vídeo acaba tornando-se signo e fazendo parte da semiose em toda sua extensão triádica. Conclusão A televisão opera uma lógica em que a sequencialidade dos fatos é dada de modo fragmentado e segmentalizado. Como consequência deste tipo de linguagem temos um processo sígnico que provoca o pensamento sobre ele mesmo, inserindo o interpréte dentro do processo de significação. Vemos assim a investigação semiótica como pesquisa de abrangência qualitativa. O seu papel seria justamente o de vislumbar os processos signicos, assinalar as relações e lógicas alí desencadeadas e as possibilidades de sentidos expressas sejam ou não atualizadas por um receptor. Ressaltamos neste curto espaço aqui dedicado a esta problemática uma das contradições do telejornal: ao mesmo tempo que tem o objetivo de transmitir os acontecimentos do mundo se afasta deles ao afirmar ser tv e estar diante dos fatos. Para terminar lembremos Peirce " ...o objeto do signo,aquilo a que o signo virtualmente, pelo menos, professa como sendo aplicável, só pode, ele mesmo, ser um signo."( in Santaella 1995: 55).9 Para finalizar gostaríamos ainda de dizer que o hábito de assistir a um ou outro programa deve-se a uma escolha e identificação estética a partir daquilo que é visto no vídeo.Entretanto, a condução para esta opção deve-se a uma visão ética que certamente relaciona-se ao tipo de hábito de pensamento, conduta e ação que as próprias pessoas têm e adotam no seu próprio cotidiano. Seja ele noticiável ou não. Notas Bibliográficas 1 RANSDELL, Joseph. 1979.The Epistemic Function Of Iconicity in Perception. Peirce Studies. Lubbock, Texas, Institute For Studies In Pragmaticism. 53-66. 2 Vieira, Soraya Maria Ferreira.1992. Estudo Descritivo do Jornal Nacional.Dissertação de mestrado. São Paulo, PUC. Mestrado 3 KERCKHOVE, Derrick de.1997.Cultura da Pele. Lisboa, Relógio D Água.294. 4 Pignatari, Décio.1988.O Paleolhar Da Televisão. In O Olhar.Adauto Novaes(org). São Paulo, Companhia Das Letras.487-492 5 MACHADO, Arlindo.1989. A Imagem eEletrônica: Problemas de Representação. In Face Revista de Semiótica e Comunicação.São Paulo, Educ- PUC. Vol 2 nº1.69-81. 6 MCLUHAN, Marshall. 1988. Os Meios De Comunicação Como Extensões Do Homem.São Paulo, Cultrix. 7 Idem 2 8 ECO, Umberto.1984. Tevê a Transparência Perdida. In Viagem na Irrealidade Cotidiana. Rio de Janeira. Nova Fronteira.182 -212 . 9 SANTAELLA, Lúcia. 1985. A teoria Geral dos Signos Semiose e Autogeração.São Paulo. Ática.199.