Aos 70 anos, Tom Zé é, mais do que nunca, um menino no palco Recife,24 de outubro de 2006 - terça-feira Aos 70 anos, Tom Zé é, mais do que nunca, um menino no palco Publicado em 23.10.2006 Novo show do músico baiano estreou no último fim de semana, em São Paulo, causando comoção MARCELO PEREIRA Enviado especial SÃO PAULO - Tom Zé é pura energia em seu novo show. Danç-êh-sa - Dança dos herdeiros do sacrifício, que estreou na última sexta-feira, no excelente Teatro do Sesc Pinheiro (no Recife não há nenhum igual, muito menos no circuito do Sesc). Ingressos a preços populares: R$ 20 a inteira. Aos 70 anos, o inquieto filho de Irará parece um menino no palco. Como sempre e cada vez mais, ele corre, dá pulos, se agacha com o microfone, e rebola, teatralmente, às vezes quase circense, provocador sim, extasiando a platéia, na qual se via a predominância de jovens, alguns trintões e quarentões e uns poucos contemporâneos do velho tempo do tropicalismo. Danç-êh-sá tem ainda como subtítulo 7 caymianas para o fim da canção. O show é uma 1/3 Aos 70 anos, Tom Zé é, mais do que nunca, um menino no palco homenagem ao maestro tropicalista Rogério Duarte e as canções falam de sete revoltas de negros, índios e encourados, em cada uma das faixas do disco: Uai-uai, da Revolta Queto Xambá, em Olinda, 1832, Atchim (música que fala sobre os espirros chiques na Daslu), sobre a Paiaiá, em 1673, Triu-Triii, dos Malés, 1835, Cara-Cuá, da nação Nagô-Oió, 1830, Acum-Maha, da Jegê-Mina-Fon, 1834, Taká-tá, da Banta, 1910, e abrindo as Urnas, dos Encourados do Pedrão. Todas essas revoltas são sumariamente descritas em apenas duas linhas no encarte do disco, o que facilita, para quem leu, o entendimento do espetáculo no palco. Tom Zé chama de pós-canção suas novas ludicomposições. E apresenta uma performance sem concessão a qualquer exigência do mercado. Seu disco certamente não tocará no rádio. Não tem a linguagem da MTV nem a sonoridade das rádios FMs. Com sua azeitadíssima banda de oito músicos e um regente – um deles é um DJ – perpetram no palco um caos sonoro orquestrado em que nada é gratuito ou fortuito. O ouvinte menos avisado deve se precaver: não há nada que lembre o Tom Zé de Namorinho no portão, Augusta, Você gosta, Amor é velho menina ou outras canções assobiáveis. Na verdade, o artista dá um passo adiante aos trabalhos Jogos de armar e Estudando o pagode. As sete pós-canções não têm letras, pelo menos formalmente. São colagens silábicas, onomatopéias e que tais, entretecidas pelo discurso contundente. Danç-êh-sá é uma orgia sonora, um embate lúdico-musical, uma carnavalização da música, que vai do frevo (com direito à sombrinha) ao maracatu (Tom Zé aparece no palco como DJ Tão Zé, como se um braço fosse o de um toca-disco e o outro de um DJ, para fazer scratch num disco que tem à barriga, preso à gola estilizada de maracatu), e ao samba com batucada. O show é visceralmente um sincretismo de arte e religião. O cantor debocha, denuncia, profetiza, se engaja. Tom Zé chega a dizer – e é aplaudido – que este ano não há eleição, pois eleger é escolher e ele acha que não há escolha a ser feita. O cantor cita também o filósofo Hesíodo para falar do prazer e termina o show com os bolsos vermelhos da camisa preta inflados como duas tetas brancas, os bolsos de trás formando ancas e uma língua rubra saindo da cintura (sugerindo um pênis). Nem o mais revoltado dos rappers ou punks da periferia, nem o mais cerebral dos vanguardistas (músicos ou artistas plásticos de plantão) conseguem os surpreendentes efeitos de Tom Zé no palco. O show encerra-se em festa, com ele cantando o já tradicional Jingle do disco (para vender suas produções recentes) e cantando Xique-xique. A essa altura, o público 2/3 Aos 70 anos, Tom Zé é, mais do que nunca, um menino no palco já se levantou e dança passos esquisitos de coco e forró. Relutante, ele deixa o palco, para em poucos minutos encarar a longa fila de autógrafos, sob o olhar vigilante da simpática Dona Neusa. Ele merece. E o primeiro autógrafo é meu! 3/3