ID: 61150369 28-09-2015 Tiragem: 35268 Pág: 8 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 30,78 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 3 Facturação dos hospitais privados mais do que duplicou numa década ADRIANO MIRANDA Estados europeus baixam gastos com saúde. Alerta vem de Itália: nível de qualidade não será garantido se despesa pública cair abaixo de 7% do PIB Saúde Alexandra Campos O volume de negócios do sector privado da saúde em Portugal cresceu mais do dobro em dez anos: em 2005 era de 750 milhões de euros, no ano passado chegou a 1750 milhões de euros, segundo dados da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada. A descida da despesa pública levou, por outro lado, as famílias a elevarem os seus gastos em saúde. Em 2012, a despesa total (pública e privada) representava 9,5% do PIB, ligeiramente acima da média dos países da OCDE, mas os gastos públicos correspondiam apenas a 6,1% do PIB. Nesse ano, só 65% da despesa total com a saúde em Portugal era financiada pelo Estado, tendo a despesa das famílias aumentado proporcionalmente. Portugal é um de vários países europeus onde, nos últimos anos, o Estado está a diminuir a despesa em saúde, uma tendência que vai gerar um fosso tecnológico e assistencial que não será possível colmatar rapidamente. O alerta parte do presidente da Associação Italiana de Hospitais Privados, Gabriele Pelissero, para quem um nível de gastos abaixo dos 7% do Produto Interno Bruto (PIB) não será suficiente para manter o nível de qualidade a que os cidadãos se habituaram. “O que vai acontecer nos países que estão a desinvestir na saúde?”, perguntou Gabriele Pelissero no II Congresso da União Europeia da Hospitalização Privada (UEHP), em Milão, perante uma plateia de responsáveis de associações do sector, de representantes da Comissão Europeia e de grupos de reflexão independentes. Na União Europeia (UE), são grandes as desigualdades a este nível. “Há uma Europa a duas velocidades”, sintetizou Pelissero, ilustrando com os casos dos países que entraram há menos tempo na UE, e onde a despesa pública com a saúde ronda cerca de 4% do PIB, enquanto em outros chega a ser mais do dobro. Na Holanda, exemplificou, é de 9,7% do PIB. “Quem tem estado a mandar na saúde [nos últimos anos] são os ministros das Finanças”, corroborou Hans Marter, representante do Centro Político Europeu, um grupo de reflexão independente, que acredita também que o desinvestimento na modernização representa um grande risco. Pelas suas contas, bastaria um crescimento da ordem dos 0,5% ao ano neste indicador para conter o peso do impacto demográfico (envelhecimento e doenças crónicas) e dos custos dos medicamentos inovadores. Gerry O’Dwyer, da Associação Europeia dos Administradores Hospitalares, lembrou o caso irlandês, em que o corte na despesa, entre 2008 e 2014, ascendeu a 25%. “Foram cerca de quatro mil milhões de euros que obrigaram a uma reconfiguração hospitalar”, acentuou, para defender que o fundamental “não é gastar mais, mas sim gastar melhor”. É isso que os responsáveis do sector privado garantem que já fazem. Lamine Gharbi, da associação que em França representa os hospitais privados, indica que, “com 17% do financiamento os privados asseguram 34% da actividade” graças à “eficiência”. Convencido de que o sector privado é fundamental para ajudar a diminuir os custos em saúde, Ulrich Wandscchneider, da associação alemã, garante que a eficiência não implica pôr em causa a qualidade — “na Alemanha há a obrigação de cada hospital publicar indicadores de qualidade de dois em dois anos”. No congresso em que se pretendia debater a modernização e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, os responsáveis pelas associações (a UEHP representa 4500 hospitais em 18 Estados-membros) quiseram passar a mensagem de que são um parceiro indispensável neste desafio. Sublinhando que a percentagem de camas dos hospitais privados e os internamentos representam cerca de 20% do total, em média, lembram que nos últimos anos foram os privados que cresceram em muitos Estados-membros, enquanto, em simultâneo, se observou uma redução generalizada no número de camas hospitalares no sector público. Os dados do Eurostat relativos Hospitais privados da Europa querem sistema com liberdade de escolha e concorrência saudável ID: 61150369 28-09-2015 Tiragem: 35268 Pág: 9 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 30,32 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 3 1750 105 milhões de euros foi a facturação, em 2014, dos hospitais privados (cerca de um terço de cuidados de saúde públicos), nos dados da APHP a 2012 indicam que quase 30% das camas dos hospitais na Alemanha pertenciam já ao sector privado lucrativo, na França eram 23,7% do total, e em Itália, 27,9%. Portugal tinha nesse ano 7,6% das camas privadas, mas os valores disponibilizados pelas várias fontes não coincidem. Os políticos e os profissionais de saúde, enfatizam, devem participar no debate sobre como desenvolver um sistema de saúde europeu baseado “na liberdade de escolha, na sustentabilidade, na eficiência, e na concorrência saudável”. Os privados, acrescentam, contribuem para a modernização dos sistemas de saúde na Europa, ao demonstrarem uma grande resiliência, conseguindo adaptarse à inovação tecnológica e às restrições económicas dos anos de crise. Sobre a directiva dos cuidados de saúde transfronteiriços, que permite aos doentes tratar-se noutro Estadomembro caso não consigam uma resposta atempada no seu país, e que 5 Os quatro maiores grupos (Mello Saúde, Espírito Santo Saúde, Lusíadas e Trofa Saúde) fizeram em 2014 mais 5 milhões de consultas demorou dez anos a ser posta em prática, lamentam que, um ano depois de entrar em vigor, o impacto seja tão reduzido. “É anedótico, só existe no papel”, lamentam, aludindo ao escasso número de doentes europeus (cerca de 1% do total) que beneficiaram desta possibilidade. Um recente relatório da Comissão Europeia indica que só a França, o Luxemburgo, a Dinamarca e a Finlândia reportaram alguns milhares de reembolsos de cuidados de saúde programados, e que em seis países, Portugal incluído, nenhum doente usufruiu desta possibilidade. No Reino Unido, lembrou Roberto Bertollini, da Organização Mundial de Saúde, 35% dos médicos e 22% dos enfermeiros são estrangeiros. A esperança é a de que os jovens que estão a emigrar na Europa reclamem um tratamento similar quando regressarem aos seus países: “As pessoas vão ter que perceber que não podem continuar com as fronteiras fechadas.” O PÚBLICO foi a Milão a convite da Associação Portuguesa da Hospitalização Privada é o número de hospitais privados existentes em Portugal, segundo dados do INE “Estado ainda tem estrutura muito salazarenta” Entrevista Alexandra Campos “Antigamente as misericórdias viviam das doações, até havia cortejos de oferendas. Agora os cortejos de oferendas são os dinheiros públicos”, afirma Artur Osório, presidente da Associação Portuguesa da Hospitalização Privada, que também preside ao conselho de administração do grupo Trofa Saúde. O médico defende que estes aspectos “penalizam muito a gestão privada”. Entre 2005 e 2014, os hospitais privados em Portugal mais do que duplicaram o volume de facturação e nos anos de austeridade continuaram a crescer. O sector sentiu a crise? Todos sentiram a crise. Os cortes na despesa pública afectamnos. A sociedade de consumo também chegou à saúde, mas há muito consumo que tem de ser racionalizado sem que isso penalize os doentes. Tem de haver uma organização, responsabilização de quem dirige e sensibilização sobretudo dos médicos. Uma das teses defendidas no congresso foi a de que uma despesa pública abaixo de 7% do PIB é um limite a partir do qual a qualidade pode ser posta em risco. Concorda? Também me parece que sim. A componente do financiamento privado em Portugal já é das mais altas da Europa e da OCDE. Na prestação, estamos a aumentar, mas continuamos abaixo da média europeia (que ronda os 19, 20%) e nós temos cerca de 7%. Esses dados não batem certo com os de outras fontes, como o INE, o que indica que cerca de um terço das camas hospitalares são dos privados. Por que é que isto acontece? É difícil obter números precisos. Na associação temos essa dificuldade, até porque alguns prestadores não nos dão números. Este Governo passou muitas coisas para o sector social. Recentemente assinou um contrato com oito misericórdias do Norte, que em cinco anos vão receber 125 milhões de euros para fazer consultas. Vão mesmo interpor uma acção contestando este contrato, como anunciaram? A acção está a ser elaborada e tem fortes probabilidades de êxito. Uma coisa é o sector social, que tem determinadas benesses e regalias. Não pagam impostos, nem têm que ser licenciados. Estão fora de todas as regras de concorrência. Nós estamos ainda sujeitos a regras e fiscalizações, eles não, nomeadamente pela lei da Concordata. Antigamente as misericórdias viviam das doações, até havia cortejos de oferendas. Agora os cortejos de oferendas são os dinheiros públicos. São aspectos que penalizam muito a gestão privada. Creio que isto é resultado de muitas pressões políticas transversais que talvez ultrapassem o ministro da Saúde. Também têm raiz noutro lado, como a Maria de Belém (PS), nos partidos do poder. O nosso Estado ainda tem infelizmente uma estrutura muito salazarenta. Tem de se ir lá de chapéu na mão. Mas os privados também dependem do dinheiro público... O que é que neste país não depende do dinheiro público? Claro que sim, os hospitais estão indubitavelmente ligados ao sector público, aos seguros públicos, mas são organizações autónomas. Já disse que não concorda com o facto de que a ADSE seja gerida pelo Ministério da Saúde... Não, é um anacronismo total. Até há pouco tempo os funcionários públicos iam ao sector privado mais para as coisas menos complicadas. Progressivamente, estão a ir aos privados com patologias mais complicadas, oncologia e doenças auto-imunes, doenças cardíacas, cateterismos. Mas um doente na ADSE gasta por ano à volta de 300 euros, enquanto, no SNS, são 900. Como chega a esses números? São números conhecidos. Mas vão subindo à medida que os privados fazem coisas mais complexas. A ADSE também se está a modernizar. Estão a tentar que os actos sejam pagos em pacote. O que é que isso significa, na prática? Há meses, propusemos que na ADSE fosse tudo pago em pacote, não como agora em que o médico recebe um tanto, a cirurgia, outro. Estamos à espera, este é um período eleitoral, de transição. De qualquer maneira, tem de mudar muito da mentalidade do Ministério da Saúde. Este ministro não parece ter grande vocação reformista. Não foram feitas reformas estruturais. Isso ia criar ruído, mas o país precisa de fazer o que já está a ser feito na Europa. As pessoas estão a ir mais aos privados? Os públicos têm uma resposta DIOGO BAPTISTA “Queremos ser hospitais privados da Europa social”, diz Artur Osório deficiente e acima de tudo burocratizada. Na Europa há liberdade de escolha. Em Portugal, os doentes que têm ADSE podem escolher. E a prova de que isto funciona é que, com a possibilidade de saída deste subsistema, podia ter havido uma fuga maciça, mas só saíram 4 mil, não é nada. No ano passado, facturaram 1750 milhões de euros? 1,2 mil milhões, se retirarmos as PPP (parcerias público-privadas, como os hospitais de Braga e de Loures, por exemplo). Como explica que o número de médicos tenha diminuído enquanto as consultas aumentaram? Porque têm médicos que não trabalham a tempo inteiro. Mas estamos a ter cada vez mais médicos em exclusividade. Temos médicos em número suficiente? Mais do que suficiente. A falta de médicos é um mito. Quando não há organização, há sempre falta. Um relatório de 2014 da OCDE diz que temos dos números mais altos. Que mensagem retirou deste congresso? O sector está interessado em que a Europa mantenha a equidade, não quer o modelo dos EUA. Queremos ser hospitais privados da Europa social, mas o Estado não deve ser detentor de todos os meios de produção. A hospitalização privada tem muito peso na União Europeia? Não, em Portugal está longe disso, está muito assente em lobizinhos. A europeia tem mais peso nalguns países como a Alemanha, onde, se se incluírem as entidades sem fins lucrativos, o peso do não-público é de cerca de 60%. Os cidadãos têm liberdade de escolha. Cá, isso é impossível. O Estado definiu três tabelas: uma, elevada, para pagar aos hospitais [públicos], outra para as convenções [acordos com o SNS], sempre muito ratada e nalguns casos mesmo abaixo do custo, e, depois, ainda tem outra para os cuidados transfronteiriços, que é mista. Isto é um anacronismo. Gerir bem é garantir o direito de acesso à saúde às pessoas onde esta é melhor e mais barata. ID: 61150369 28-09-2015 Tiragem: 35268 Pág: 1 País: Portugal Cores: Preto e Branco Period.: Diária Área: 5,14 x 4,42 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 3 de 3 Facturação de hospitais privados duplicou em dez anos Despesa pública diminuiu. Quatro maiores grupos privados fizeram mais cinco milhões de consultas p8/9