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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
GISELLE DE FARIA ROMERO
AS TEORIAS DE LAMARCK NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA: UMA
VISÃO SOB A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA
São Paulo
2012
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GISELLE DE FARIA ROMERO
AS TEORIAS DE LAMARCK NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA: UMA
VISÃO SOB A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
para o Curso de Ciências Biológicas da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
exigência parcial para a obtenção do título de
Licenciada em Ciências Biológicas.
Orientador: Prof. Dr. Waldir Stefano
São Paulo
2012
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus por ter me proporcionado todas as
oportunidades que tive até aqui, sempre estando ao meu lado e me dando
todas as forças necessárias para conseguir vencer cada nova etapa da minha
vida.
Agradeço também a minha família, aos meus pais, avós, meu irmão, tios
e primos, que estiveram na torcida pelo meu sucesso diariamente durante
todos esses anos, desde o dia em que nasci, sempre me incentivando, me
apoiando e me ajudando a seguir em frente e a ultrapassar cada obstáculo.
Também agradeço ao meu namorado, que nesses últimos anos da minha vida
sempre esteve presente ao meu lado, me incentivando, me ajudando e
acreditando no meu potencial.
Agradeço ao meu orientador, Waldir Stefano, por toda a ajuda que me
forneceu, assim como pela paciência e dedicação durante todo o semestre no
auxílio com a construção deste trabalho. A todos os professores do curso de
Biologia, deixo meus agradecimentos por terem me mostrado um novo mundo,
repleto de informações novas para mim, contribuindo imensamente com a
minha formação profissional e pessoal.
Agradeço a todos os meus colegas de curso por todo o incentivo, em
especial nesse momento aos “Guerreiros da Licenciatura” por toda a amizade,
dedicação, ajuda, pelo carinho, pelos trabalhos em conjunto, enfim, por todos
os momentos desse período, os quais certamente permanecerão para sempre
em nossos corações.
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Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e
nunca se arrepende.
Leonardo da Vinci
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RESUMO
Sabe-se que a utilização da História da Ciência em sala de aula pode
ser uma ferramenta importante de auxílio para o professor e para os alunos,
facilitando o trabalho e a compreensão de como a ciência é constituída, que
não é algo linear, imutável ou verdade absoluta. Sua utilização pode
estabelecer um ensino contextualizado e crítico. O livro didático é um material
que tem significativa importância nesse processo, já que é utilizado em
diversas escolas da rede básica de ensino brasileira, chegando a ser muitas
vezes o único material a que os alunos têm acesso, ou o material do qual os
professores se utilizam para aprimorar seus conhecimentos e criar seus planos
de aula. Dessa forma, os objetivos do trabalho visam conhecer mais sobre
como a História da Ciência vem sendo apresentada nos livros didáticos de
Biologia no Brasil, quanto ao tema Evolução e mais especificamente quanto às
teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck
(1744 – 1829). Para atingir os objetivos mencionados, foi realizado um
levantamento bibliográfico, com foco nas teorias de Lamarck, com posterior
análise dos dados obtidos, de acordo com o referencial teórico. Os resultados
mostram que em todos os livros analisados estão presentes apenas duas das
quatro leis descritas por Lamarck, às quais é atribuído o caráter de meras
hipóteses não-científicas, por não terem sido comprovadas cientificamente,
também, é mencionada apenas uma das publicações desse naturalista, como
se fosse sua única. Além disso, percebe-se que existe pouca abordagem dos
contextos Histórico e Filosófico nesse material, o que pode levar os alunos a
formar uma visão distorcida e tendenciosa sobre a construção do pensamento
científico e sobre as contribuições feitas ao longo do tempo pelos diversos
naturalistas e pesquisadores.
Palavras-chave: Evolução, Ensino, Livro Didático, Contexto Histórico e
Filosófico, Lamarck.
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ABSTRACT
It is known that the use of History of Science in the classroom can be an
important tool of aid for the teacher and the students, facilitating the work and
understanding of how science is composed, that is not something linear,
immutable or absolute truth. Its use can establish a teaching contextualized and
critical. The textbook is a material that has significant importance in this
process, because that is used in various schools of the basic network of
brazilian education, reaching to often be the only material to which the students
have access, or the material of which the teachers if they use to improve their
knowledge and create their lesson plans. This way, the objectives of the work
aimed at understanding more about how the History of Science has been
presented in textbooks of Biology in Brazil, on the subject development and
more specifically on the theories of Jean-Baptiste Pierre Antoin, the knight of
Lamarck (1744 – 1829). To achieve the objectives mentioned, a bibliographic
survey was carried out, with a focus on the theories of Lamarck, with further
analysis of the data obtained, according to the theoretical framework. The
results show that in all analyzed books are present only two of the four laws
described by Lamarck, assigned the character of mere hypotheses nonscientific, because they have not been proven scientifically, and mentioned,
also, only one of the publications of this naturalist, as if it were his only work. In
addition, it is seen that there is little approach of historical contexts and
philosophical in that material, which can lead students to form a vision distorted
and biased on the construction of scientific thought and on the contributions
made over time by various naturalists and researchers.
Keywords:
Evolution,
Philosophical, Lamarck.
Education,
Textbook,
Historical
Context
and
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................8
2. REFERENCIAL TEÓRICO ...........................................................................10
2.1 Os processos de ensino e aprendizagem ..............................................10
2.2 O Livro Didático e o PNLEM (Programa Nacional do Livro para o
Ensino Médio) .................................................................................................12
2.3 A utilização da História da Ciência na Educação ..................................15
2.4 Breve histórico sobre Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o
cavaleiro de Lamarck, e suas teorias ...........................................................21
3. METODOLOGIA ...........................................................................................26
4. RESULTADOS .............................................................................................30
5. ANÁLISE …...................................................................................................49
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................57
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................58
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1. INTRODUÇÃO
Tendo-se conhecimento de que a ciência é uma produção humana,
influenciada pelos princípios que regem a cultura e a sociedade, Carvalho et al.
(2004) diz que não se pode conceber atualmente o ensino de Ciências e
Biologia sem que este esteja vinculado às discussões sobre os aspectos
tecnológicos e sociais que cercam a construção da ciência. Nessa mesma
perspectiva, Martins e Brito (2006) afirmam que a utilização da História da
Ciência no ensino da ciência pode contribuir para uma visão mais adequada da
maneira como ocorre a construção do pensamento científico, das contribuições
dos pesquisadores e também levar a uma maior compreensão e melhor
conhecimento do processo de formação de teorias, modelos, entre outros.
Segundo Rosa e Silva (2010), o livro didático se tornou um material
pedagogicamente popular, podendo ser, em muitos casos, o único material
com que os estudantes têm contato. Porém, os livros e apostilas de Biologia
raramente abordam a História da Ciência e, quando o fazem, muitas vezes
abordam na forma de pequenas biografias separadas do texto principal,
levando o aluno a criar uma visão da ciência como neutra, livre de erros e
formada pelos acertos de poucas pessoas geniais (BELTRAN et al., 2011).
Quanto às teorias evolucionistas presentes nos livros didáticos de
biologia, de acordo com Dias e Bertolozzi (2009), é comum encontrar a
abordagem
do
tema
Evolução
como
concluído
e
desprovido
de
contextualização histórica. A teoria da Evolução muitas vezes é apresentada
na forma de uma análise superficial, se dando muitas vezes pela comparação
entre as teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de
Lamarck (1744 – 1829) e Charles Robert Darwin (1809 – 1882), na qual as
teorias de Lamarck geralmente são colocadas como erradas e posteriormente
corrigidas por Darwin (1809 – 1882) (BELTRAN et al., 2011). Apresentando
ideias semelhantes, Dias e Bertolozzi (2009) retratam que nesses materiais a
teoria de Lamarck é rebaixada a uma mera hipótese sem base experimental e
sem a prova científica da transmissão das características adquiridas, portanto é
errada e não científica, enquanto que as teorias de Darwin compõem um
trabalho científico devido ao fato de ele ter provado experimentalmente sua
veracidade, corrigindo o que Lamarck havia dito sobre tal assunto.
9
Partindo-se do pressuposto de que o livro didático está diretamente
relacionado ao ensino e aprendizagem, de modo que já não seja mais possível
ocorrer uma desvinculação entre ambos, e que contribui diretamente para a
formação dos cidadãos, julgou-se necessária a avaliação das obras antes de
sua aquisição pelas instituições escolares. Desse modo, têm sido feitos
diversos programas de melhoria da qualidade do livro didático e da garantia de
ampla distribuição desse material para os estudantes da rede pública brasileira
pelo Governo Federal, por intermédio do Ministério da Educação, desde a
década de trinta do século vinte (FRACALANZA; NETO, 2003).
Pensando-se na importância da contextualização científica para facilitar
e aprimorar o ensino, julgou-se necessária a presença desse conteúdo nos
livros didáticos, estabelecendo-se como um dos critérios de classificação
destes pelo PNLEM a apresentação adequada da História da Ciência contida
neles. Dias e Bertolozzi (2009) dizem que os PCN do Ensino Médio afirmam
que os livros didáticos devem permitir ao educando a compreensão das
ciências como atividade humana e que, como tal, se desenvolve por
continuidade ou ruptura de paradigmas, não tem respostas definitivas para tudo
e pode ser questionada e transformada, o que se torna melhor perceptível
quando os contextos históricos e filosóficos são trabalhados.
Por esses motivos o presente trabalho realiza uma análise bibliográfica
em livros didáticos, utilizados por alunos do Ensino Médio na rede básica de
ensino brasileira, a fim de buscar neles dados referentes à História da Ciência,
relacionados às teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro
de Lamarck (1744-1829), e como objetivos específicos, pretende-se conhecer a
maneira como as teorias de Lamarck são apresentadas nos livros didáticos de
Ensino Médio, verificar as semelhanças e diferenças entre os livros didáticos,
no que se refere às teorias desse naturalista, e, por ultimo, propor maneiras
para o aprimoramento da abordagem dos contextos histórico e filosófico no
ensino de Evolução.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Os processos de ensino e aprendizagem
Antes de se pensar nos recursos didáticos utilizados no processo
educativo, do qual o livro didático faz parte, é preciso primeiramente termos
ciência do que é a educação e, portanto, sabermos um pouco sobre os
processos de ensino e aprendizagem que a caracterizam.
Existem basicamente três modelos de representação das relações entre
ensino e aprendizagem, descritos por grande parte dos autores que trabalham
com esse assunto, sendo eles o modelo tradicional, o interpretativo e o
interacionista.
O modelo tradicional descrito por Mizukami (1968) afirma que o aluno
não adquire conhecimentos sem que haja uma transmissão deste para ele,
feita por alguém que já o possua e que tenha experiência suficiente para
passá-lo ao aluno. Tal modelo considera a Ciência como verdade absoluta e
indiscutível. Becker (1994), também relata que o conhecimento, segundo o
modelo tradicional, é transmitido ao aluno pelo seu professor, mas, além disso,
diz que o conhecimento é adquirido com grande influência dos meios físico e
social que cercam os alunos, e que o papel do professor, uma vez que esse já
se apropriou do conhecimento, é o de transmiti-lo aos educandos.
De
acordo
com
essa
concepção
o
estudante
é
considerado
estruturalmente incapaz de assimilar o saber por conta própria, sendo
comparado a uma tábula rasa, pois não pode possuir nenhum conhecimento
sem que esse lhe seja transmitido por alguém que já o possua. Já para Pozo e
Echeverría (2001), o modelo tradicional também é transmissivo, mas para eles
existe uma relação linear entre as condições e os resultados da aprendizagem,
pois aprender estaria diretamente relacionado com imitar a realidade, uma vez
que o conhecimento reflete fielmente o objeto.
O modelo interpretativo, nomeado dessa maneira por Pozo e Echeverría
(2001), diz que a aprendizagem é ativa, porém também reprodutiva, uma vez
que para o aluno adquirir o conhecimento é necessária uma imitação da
realidade, mas com sua atividade mental, pois o conhecimento reflete o objeto
de maneira distorcida, sendo necessário o uso de técnicas adequadas para
reverter essa distorção. Para esse mesmo modelo, o autor Becker (1994) dá o
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nome de pedagogia não-diretiva, pois nesse caso a pessoa possui uma
bagagem hereditária que irá lhe gerar uma predisposição a aprender algumas
áreas do conhecimento por conta própria com maior facilidade, sendo papel do
professor, portanto, intervir o mínimo possível no processo de aprendizagem e,
quando o fizer, deve ser apenas um facilitador.
Na visão de Mizukami (1968) quanto ao modelo interpretativo, ao qual
atribui o nome de humanismo, todas as pessoas já nascem sabendo
determinadas áreas do conhecimento e são capazes de saber que decisões
tomar, sendo isso determinado por implicações genéticas, portanto, o professor
também é visto como um facilitador, agindo dessa forma apenas nas áreas em
que o educando possui hereditariamente mais facilidade.
O modelo interacionista, descrito por Becker (1994) como pedagogia
relacional, se caracteriza pela problematização. Nesse caso o sujeito
desconstrói os conceitos que já possui, devido a uma perturbação, e depois os
reconstrói de maneira adequada. Isso é possível porque agora o educando não
é mais visto como alguém que não sabe nada antes de lhe ser ensinado, mas
sim como alguém dotado de conhecimentos prévios, portanto, o aluno age e
problematiza a ação, podendo sempre aprender coisas novas.
De acordo com Mizukami (1968), assim como para Pozo e Escheverría
(2001), o interacionismo também é baseado na mudança conceitual pela
desestruturação e reestruturação de conceitos. Isso ocorre quando o aluno é
submetido a situações problema, as quais demandam um rearranjo de seus
conceitos prévios para a agregação do novo conceito que está sendo
estudado. Segundo os autores, o construtivismo é um modelo interacionista, no
qual o aluno e o professor, assim como a relação estabelecida entre ambos,
possuem a mesma importância na construção do aprendizado, dependendo um
do outro para a eficiência da educação.
Vistas algumas das possíveis relações existentes entre ensino e
aprendizagem, cabe agora retratarmos a educação em um âmbito mais geral.
Segundo Dias e Bertolozzi (2009), grande parte dos conhecimentos e das
compreensões que os alunos possuem são provenientes do ensino formal
praticado nas escolas. Desta maneira cabe à educação formal, exercida nesse
espaço, o cumprimento de dois principais objetivos que são: propiciar ao aluno
condições para o desenvolvimento de postura crítica, de modo que ele possa
12
intervir na
sociedade
desigualdade,
e,
buscando minimizar os
também,
proporcionar-lhes
efeitos causados pela
condições
para
seu
desenvolvimento cognitivo.
Krasilchik e Marandino (2004) acrescentam que é necessária a formação
dos alunos visando que eles sejam cidadãos dotados de espírito crítico, o que
implica que a escola forneça aos alunos condições apropriadas para
desenvolverem capacidade analítica para chegar a uma decisão, capacidade
de comunicação para ouvir e expressar diferentes pontos de vista e imaginação
para se colocar no lugar de outras pessoas, compreendendo suas razões e
seus argumentos sem preconceitos.
De acordo com o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio
(2009), no contexto educacional atual é preciso que os professores sejam
capazes de proporcionar aos alunos experiências pedagógicas significativas,
diversificadas e condizentes com a sociedade em que eles estão inseridos.
Dias e Bertolozzi (2009) afirmam que o processo educativo requer que o
professor use estratégias e recursos que instiguem, motivem e surpreendam os
alunos para que estes possam mudar seus estados de conhecimento, sendo,
então, o livro didático um importante material de base para o professor.
Em ambos os modelos, os materiais de ensino, em especial o livro
didático, têm papel importante na construção do conhecimento dos alunos. Por
esse motivo, o tópico seguinte se refere ao livro didático e ao Programa
Nacional do Livro para o Ensino Médio.
2.2 O Livro Didático e o PNLEM (Programa Nacional do Livro
para o Ensino Médio)
Entre a variada quantidade de recursos didáticos existentes e que
podem ser utilizados por professores e alunos em sala de aula nas escolas de
Ensino Básico, é perceptível o destaque que recebem os livros didáticos nos
processos de Ensino e Aprendizagem. De acordo com Núñez et al. (2000), o
livro didático passou a ter um papel significativo na composição do currículo
escolar feita pelos professores, principalmente quanto a escolha dos conteúdos
a serem trabalhados durante o ano letivo e ao tipo de atividades de
aprendizagem e avaliação administradas ao longo do processo.
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Sua importância se deve ao fato de este estabelecer grande parte das
condições materiais para o ensino e aprendizagem em diversas escolas de
diversos países pelo mundo, por ser, de acordo com Brasil (2009), o maior
responsável por auxiliar os professores na busca de caminhos possíveis para
sua prática pedagógica. Portanto, a apresentação de conceitos equivocados
por tais materiais pode fazer com que o aluno os aprenda e repita ao longo de
sua vida, podendo até chegar a comprometê-lo profissionalmente e, com isso,
comprometer também a outras pessoas (DIAS; BERTOLOZZI, 2009). Outro
fator caracterizador da importância desse material, descrito por Rosa e Silva
(2010), considera que o livro didático é um instrumento que introduz os alunos
na aprendizagem de uma disciplina científica, portanto, é também um material
responsável por introduzir os alunos aos conteúdos e conceitos científicos.
Fracalanza e Neto (2003) destacam três modos de utilização efetiva do
livro didático em sala de aula, evidenciando o quão importante é a avaliação
destes
materiais,
visando
que
eles
contenham
fundamentos
teórico-
metodológicos corretos e adequados para que não prejudiquem os processos
de
ensino
e
aprendizagem
e,
consequentemente,
a
construção
de
conhecimentos feita pelos alunos e, assim, sua futura participação na
sociedade. De acordo com os autores, o livro didático é utilizado pelos
professores para a elaboração e preparação de seus planejamentos anuais e
das aulas ministradas ao longo do período letivo, como apoio para as
atividades de ensino e aprendizagem, tais como leituras de textos, realização
de exercícios e de outras atividades ou como fonte de imagens para os estudos
escolares, e por ultimo como fonte bibliográfica para que os próprios
professores complementem seus conhecimentos e para que os alunos também
o façam, utilizando este material como fonte de levantamento e obtenção de
dados para realizarem as chamadas pesquisas escolares.
Partindo do pressuposto de que esse material está diretamente
relacionado ao ensino e aprendizagem, de modo que já não seja mais possível
ocorrer uma desvinculação entre ambos, e que contribui diretamente para a
formação dos cidadãos, julgou-se necessária a avaliação das obras antes de
sua aquisição pelas instituições escolares. Desse modo, têm sido feitos
diversos programas de melhoria da qualidade do livro didático e da garantia de
ampla distribuição desse material para os estudantes da rede pública brasileira,
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pelo Governo Federal, por intermédio do Ministério da Educação, desde a
década de trinta do século vinte (FRACALANZA; NETO, 2003).
Segundo Brasil (2012), desde o ano de 1929 existem programas
voltados à distribuição de obras didáticas aos estudantes da rede pública de
escolas brasileiras, sendo que desde essa data até o presente momento, o
programa teve diferentes nomes e foi aperfeiçoado diversas vezes, passando a
ser chamado de Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), como é
atualmente, apenas no ano de 1985.
De acordo com Bizzo (2000), até o ano de 1994 a compra e distribuição
dos materiais didáticos realizados pelo Ministério da Educação (MEC) garantia
que as escolas recebessem os livros escolhidos pelos próprios professores,
porém não dava a garantia de que o material fosse de qualidade, apropriado à
educação, nem que chegasse em tempo hábil de utilização no período letivo,
sem atrasos. Como medida de solução a este problema, no ano de 1994 o
MEC publicou um documento denominado Definição de Critérios para
Avaliação dos Livros Didáticos, realizando a análise de livros didáticos de
primeira a quarta séries do Ensino Fundamental, caracterizando assim a
primeira medida de avaliação do material didático (FRACALANZA; NETO,
2003).
Nos anos seguintes, de 1996, 1998 e 2000, um novo documento foi
produzido pelo MEC, dessa vez sendo chamado de Guia do Livro Didático,
com a intenção de realizar avaliações das coleções de livros didáticos,
abrangendo agora desde a primeira até a oitava séries do Ensino Fundamental
(FRACALANZA; NETO, 2003).
Foi apenas no ano de 2004, com a elaboração do Guia do Livro Didático
que contemplaria a avaliação das obras a serem distribuídas no ano seguinte
(2005), que foi implementado o Programa Nacional do Livro para o Ensino
Médio (PNLEM), com a finalidade de avaliar as obras que seriam utilizadas nas
escolas pelos alunos do Ensino Médio (BRASIL, 2012).
De acordo com El-Hani et al. (2011), o PNLEM tem como objetivos
universalizar a distribuição de livros didáticos no país e avaliar as obras,
analisando quais, dentre as que foram submetidas ao programa pelas editoras,
serão recomendadas para compra pelo MEC por satisfazerem os requisitos
mínimos de qualidade exigidos, produzindo resenhas críticas dos materiais
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analisados, reunidas em um guia de orientação de escolha para os
professores.
Para que fosse garantida ao menos a mínima qualidade das obras
analisadas pelo PNLEM, alguns critérios de exclusão e classificação foram
estabelecidos pelo programa, em relação as seguintes classes: correção e
adequação dos conceitos apresentados, coerência e possibilidade de
realização das atividades propostas, princípios éticos e de educação para a
cidadania e, por último, em relação a promoção de visão adequada sobre a
natureza da ciência (BRAISL, 2009).
Quanto a ultima classe de critérios apresentada pelo programa, para que
os livros sejam aprovados devem incluir, entre outas coisas, o tratamento
adequado da história da ciência, de modo integrado e não se limitando apenas
a biografias de cientistas e a descobertas isoladas, também, devem evitar a
apresentação de um suposto “método científico” caracterizado por uma
sequência rígida de etapas seguidas linear e mecanicamente, assim como não
devem apresentar a ciência como verdade absoluta, imutável, cópia da
realidade, única forma e fonte de conhecimento ou como uma atividade neutra
que não recebe influências por parte alguma (EL-HANI et al. 2011).
Levando-se em consideração a função e importância dos livros didáticos
nos processos de ensino e aprendizagem, bem como os objetivos e critérios de
avaliação desse material, parte-se então para o próximo tópico, referente ao
uso da Filosofia e História da Ciência nos livros didáticos e, portanto, na
educação.
2.3 A utilização da História da Ciência na Educação
Os conteúdos da cultura, da ciência, da arte e a maneira como o mundo
se desenvolve são expressos pela ação dos homens nas relações que esses
estabelecem com o ambiente natural e social. Desse modo, os homens estão
sempre investigando a natureza e as relações sociais que os cercam,
buscando compreendê-los mais profundamente, elaborando conhecimentos e
experiências, e, portanto, constituindo o que se chama de saber científico.
(LIBÂNEO, 2009).
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Dessa maneira, todos os conhecimentos adquiridos pela humanidade
são fruto do trabalho humano realizado a partir da atividade científica e cultural
que percorre por muitas gerações, o que implica que a herança da história
recebida anteriormente vai sendo modificada a cada geração, conforme os
novos conhecimentos são produzidos e sistematizados (LIBÂNEO, 2009).
Apresentando ideias semelhantes a essa, Lewontin (2000), afirma que
os problemas que a ciência trata, bem como as ideias que usa na investigação
desses problemas e, por consequência, os próprios resultados científicos são
profundamente influenciados pela sociedade na qual vivemos, portanto, a
ciência é uma instituição social que está totalmente integrada e influenciada
pela estrutura das demais instituições sociais. Afinal
Dois fatores precisam ser levados em consideração quando se pensa
em produção científica: O primeiro é o fato de que os cientistas não começam
suas vidas já como cientistas, mas sim como seres sociais, pertencentes a uma
família, dentro de um Estado, e por esse motivo tendem a enxergar a natureza
por meio de “lentes” que foram moldadas pelas experiências sociais que
viveram. O segundo é o fato de que as produções científicas gastam tempo e
dinheiro, e que por esse motivo as forças sociais econômicas dominantes
tendem a determinar em grande parte o que a ciência já fez e faz atualmente
(LEWONTIN, 2000).
Em seu texto, Morin (2005), assim como os demais autores citados
anteriormente, afirma que a ciência está atrelada a sociedade, que as teorias
científicas surgem de ações humanas imersas em uma cultura, o que implica
que todas as ciências são sociais e, por serem sociais, são alimentadas e
controladas pelos poderes econômicos e estatais, e estão em constante estado
de transformação, uma vez que os resultados obtidos pelos procedimentos
científicos transformam a sociedade, mas também, retroativamente, a
sociedade tem o poder de transformar a própria ciência.
Dessa mesma maneira, Krasilchik e Marandino (2004), retratam em seu
texto que a ciência produz ao longo dos anos conhecimentos cumulativos,
tentativos e historicamente dependentes, os quais se integram com a
sociedade e com a cultura e que, portanto, estão em um constante movimento,
sempre comportando rupturas com antigos paradigmas e abrindo espaço para
a adoção de novos.
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Campos e Nigro (1999) também apresentam a ideia de que a ciência é
uma atividade humana, e que como tal, os pensamentos de uma época, a
sociedade em que vive determinado pensador e as ideias dos antecessores
desse pensador exercem influência sobre suas próprias ideias, influenciando
também os produtos científicos como um todo.
Em seu texto, os autores Campos e Nigro (1999) trazem um exemplo de
como as produções científicas estão relacionadas com a sociedade e com os
conhecimentos científicos e tecnológicos que ela já possui, mencionando a
teoria de Cláudio Galeno1 (129-200 d.C.) sobre o funcionamento do coração, o
qual acreditava, assim como seus antecessores, que a vida era uma
propriedade dos seres, que possuíam algo não-material denominado “princípio
vital”, portanto, para ele o coração deveria funcionar provavelmente como um
lampião ou fornalha, onde ocorria uma mistura do sangue e ar que ascendia
uma espécie de “fogo cardíaco”, gerador da misteriosa força vital que mantinha
os seres quentes e vivos.
Além disso, o fogo cardíaco, para Galeno, era responsável pelo
refinamento do sangue, assim como o fogo nas fornalhas era responsável pelo
refinamento de minérios na Roma antiga (o que era evidenciado pela mudança
de coloração que o sangue sofria ao passar pelo coração, uma vez que entrava
nesse órgão com coloração vermelha escura e saía vermelho-vivo) (CAMPOS;
NIGRO, 1999).
Os autores explicam que atualmente o modelo proposto por Galeno
pode parecer imaginativo, fantasioso, mas que para a época em que ele viveu
tais ideias faziam sentido. Campos e Nigro (1999) afirmam, ainda, que naquela
época as fornalhas eram muito utilizadas e conhecidas por todos os cidadãos,
sendo que a bomba hidráulica, cujo sistema se compara ao funcionamento do
coração atualmente, só passou a ser utilizada em grande escala para a
extração de minério no ano a partir do século dezesseis.
Outro motivo que levou Galeno a essa conclusão foi que para ele, e para
seus contemporâneos, o sangue não circulava, mas ia e vinha pelo corpo,
____________________________
1
Cláudio Galeno nasceu na Grécia em 129 d.C. e morreu no ano 200 d.C., em Roma. Foi
médico do imperador romano Marco Aurélio. Fez diversificadas descobertas em anatomia,
sendo sua influência na medicina dominante na Europa até a Idade Média (DELIZOICOV et al.,
2004).
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como o fluxo das ondas do mar. Tais fatos ilustram, portanto, que a situação
histórica em que um cientista vive é ao mesmo tempo o que impulsiona e o que
restringe as suas ideias, as suas teorias, influenciando a pesquisa científica e
seus resultados (CAMPOS; NIGRO, 1999).
Tendo conhecimento de que a ciência é uma produção humana,
influenciada pelos princípios que regem a cultura e a sociedade, Carvalho et al.
(2004), diz que não se pode conceber atualmente o ensino de Ciências e
Biologia sem que este esteja vinculado às discussões sobre os aspectos
tecnológicos e sociais que cercam a construção da ciência. Nessa mesma
perspectiva, Martins e Brito (2006) afirmam que a utilização da História da
ciência no ensino da ciência pode contribuir para uma visão mais adequada da
maneira como ocorre a construção do pensamento científico, das contribuições
dos cientistas e também levar a uma maior compreensão e melhor
conhecimento do processo de formação de teorias, modelos, entre outros.
Para Martins (1998), a História da Ciência pode ser utilizada como um
dispositivo didático que torna mais interessante e fácil o ensino de Ciências e
Biologia, facilitando assim o aprendizado dos alunos. Sua utilização pode
contribuir com o ensino ao se mostrar para o aluno, por meio de episódios
históricos, o processo lento e gradativo da produção do conhecimento
científico, da transformação dos conceitos até chegar nos que são aceitos
atualmente e também que a aceitação ou não de alguma proposta não
depende apensas da sua fundamentação, mas que nesse processo também
estão envolvidas forças sociais, políticas, filosóficas ou religiosas.
Ainda nesse sentido, Beltran et al. (2011), acreditam que a utilização da
História da Ciência em sala de aula pode ser um importante recurso tanto para
os professores, quanto para os alunos, uma vez que utilizando-se de fontes
adequadas, o professor pode ajudar seus alunos a construírem uma visão
crítica em relação à ciência e à construção do conhecimento científico, com
base em todos os conceitos mencionados por este referencial anteriormente.
Além desses pontos mencionados, o uso da História da Ciência permite
que o professor trabalhe em sala de aula determinados aspectos da ciência
que muitas vezes não são pensados ou percebidos facilmente pelos alunos,
tais como o fato de que o fazer científico envolve conflitos e debates assim
como qualquer atividade humana (BELTRAN et al., 2011), ou que a ciência não
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é apenas um reflexo da realidade, uma verdade absoluta, mas sim que é a
tradução da realidade em teorias mutáveis e refutáveis (aceita que sua
falsidade possa ser eventualmente demonstrada), ou que o cientista é um ser
superior ou desinteressado em relação as demais pessoas, quando na verdade
ele é uma pessoa como qualquer outra e está tão suscetível a cometer erros
quanto as demais (MORIN, 2005).
Segundo Rosa e Silva (2010), o livro didático se tornou um material
pedagogicamente popular, podendo ser, em muitos casos, o único material
com que os estudantes têm contato. Porém, os livros e apostilas de Biologia
raramente abordam a História da Ciência e, quando o fazem, muitas vezes
abordam na forma de pequenas biografias separadas do texto principal,
levando o aluno a criar uma visão da ciência como neutra, livre de erros e
formada pelos acertos de poucas pessoas geniais (BELTRAN et al., 2011).
Segundo Rosa e Silva (2010), o conteúdo histórico apresentado pelos
livros didáticos é dotado de uma linearidade, com os fatos apresentados na
forma de uma sucessão dos acontecimentos e de suas datas, que é feita a
intenção de facilitar a explicação da história narrada pelo material didático,
porém, colocado dessa maneira, o conteúdo histórico nem sempre favorece a
reflexão e nem estimula a capacidade de investigação do aluno e perde o
caráter de contextualização. Dessa maneira o tempo acaba se parecendo uma
entidade à parte, desvinculado de todo o processo científico, sendo
representado de maneira genérica e sem considerar os aspectos geológicos,
biológicos, históricos e filosóficos (BELLINI, 2006).
De acordo com Carneiro e Gastal (2005), essa linearidade, por
desconsiderar o tempo e os movimentos transitórios da ciência, acaba
produzindo nos alunos o efeito de pensar no conhecimento científico como
pronto, acabado e definitivo, pois pode deixar implícito que existe apenas um
único conjunto de explicações para todos os fenômenos, as que são aceitas e
compartilhadas pela comunidade científica atualmente.
Quanto às teorias evolucionistas, de acordo com o que Dias e Bertolozzi
(2009) mencionam em seu texto, também é comum encontrar nos livros
didáticos de biologia a abordagem do tema Evolução como concluído e
desprovido de contextualização histórica. A teoria da Evolução muitas vezes é
apresentada na forma de uma análise superficial, se dando muitas vezes pela
20
comparação entre as teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o
cavaleiro de Lamarck (1744 – 1829) e Charles Robert Darwin (1809 – 1882), na
qual as teorias de Lamarck geralmente são colocadas como erradas e
posteriormente corrigidas por Darwin (BELTRAN et al., 2011). Almeida e
Falcão (2005) dizem que o tema evolução passou a ser abordado nos livros de
História Natural por volta da década de 30, sendo tratado nos tópicos
referentes à paleontologia ou à hereditariedade, não existindo ainda a
comparação entre as teorias de Lamarck e Darwin.
Apresentando ideias semelhantes, Dias e Bertolozzi (2009) retratam que
nesses materiais a teoria de Lamarck é rebaixada a uma mera hipótese sem
base experimental e sem a prova científica da transmissão das características
adquiridas, portanto é errada e não científica, enquanto que as teorias de
Darwin compõem um trabalho científico devido ao fato de ele ter provado
experimentalmente sua veracidade, corrigindo o que Lamarck havia dito sobre
tal assunto.
Bellini (2006) argumenta em seu texto que a formação desse tipo de
visão sobre Lamack, criada pelos livros didáticos, se deve ao fato de os autores
desse material geralmente optarem por utilizar argumentos didáticos para
descrever as teorias evolucionistas, com a intenção de facilitar a compreensão
deste conteúdo por parte dos educandos. Essa opção, segundo a autora,
significa reduzir os modelos científicos a algo pedagógico, implicando na
omissão de parte das teorias ao apresentar-se versões simplificadas delas,
sendo este também um dos fatores responsáveis por desmoralizar e rebaixar a
teoria desse naturalista.
Ainda de acordo com Bellini (2006), os textos didáticos fazem parecer
que Lamarck e Darwin se utilizaram do termo Evolução, quando na verdade
nenhum dos dois chegou a utilizar esse termo. De acordo com a autora,
Lamarck teria utilizado o termo transformismo, e Darwin, o termo descendência
por modificação. Para a autora nem haveria sentido em Darwin ter utilizado o
termo evolução, já que essa palavra, derivada do latim envolvere, traz o
significado de progressão, indicando a existência de seres superiores e seres
inferiores e estabelecendo, assim, a noção de que alguns seres eram melhores
do que os outros, noção que Darwin sempre combateu.
21
Nesse mesmo sentido, Martins e Brito (2006) destacam que a utilização
de termos que não foram originalmente adotados por Lamarck e Darwin, assim
como a utilização de termos que surgiram posteriormente a esses naturalistas
e que sugerem conhecimentos que não existiam nessa época, mas que
existem e são aceitos atualmente, aparece com certa frequência na descrição
das ideias dos dois. Esse fator pode contribuir para a formação de ideias
distorcidas sobre as teorias desses naturalistas e também fazer com que o
educando acabe valorizando somente o que é aceito pela ciência atualmente.
Pensando-se na importância da contextualização científica, feita de
maneira correta e adequada, para facilitar e aprimorar o ensino, julgou-se
necessária a presença desse conteúdo nos livros didáticos, estabelecendo-se
como um dos critérios de classificação das obras pelo PNLEM a apresentação
adequada da História da Ciência contida nelas. De acordo com Rosa e Silva
(2010), isso se deve ao fato de este item também estar presente nos
documentos oficiais, como o PCN, por exemplo. Ainda nessa perspectiva, Dias
e Bertolozzi (2009) dizem que os PCN do Ensino Médio afirmam que os livros
didáticos devem permitir ao educando a compreensão das ciências como
atividade humana e que, como tal, se desenvolve por continuidade ou ruptura
de paradigmas, não tem respostas definitivas para tudo e pode ser questionada
e transformada, o que se torna melhor perceptível quando os contextos
históricos e filosóficos são trabalhados.
2.4. Breve histórico sobre Jean-Baptiste Pierre Antoine de
Monet, o cavaleiro de Lamarck, e suas teorias
Tendo em vista que os objetivos específicos deste trabalho visam
conhecer a maneira como a História da Ciência está presente nos livros
didáticos de Biologia, em relação às teorias de Lamarck (1744 – 1829), a
apresentação de um breve histórico sobre esse naturalista e suas teorias se faz
necessária.
Jean-Baptiste Pierre Antonie de Monet, cavaleiro de Lamarck, nasceu
em 1º de agosto de 1744 em Bezentin-le-Petit, filho de família nobre rural.
Começou, no ano de 1755, seus estudos em um colégio de jesuítas, pois seu
22
pai queria que ele seguisse carreira eclesiástica, permanecendo lá até 1759
(FERREIRA, 2007).
No ano de 1756, quando Lamarck tinha doze anos de idade, teve início a
Gerra dos Sete Anos, perdurando até 1763. Esse acontecimento fez com que
os jesuítas fossem expulsos da França no ano de 1761 e com que se
expandissem as oportunidades de sucesso profissional na carreira militar. Tais
fatos, associados com a morte de seu pai em 1759, levaram Lamarck a tentar
se tornar militar, porém em 1768, devido a um ferimento de guerra, ele decidiu
abandonar a carreira militar. Posteriormente, em 1771, dedicou-se à medicina e
às ciências naturais, contudo, no ano de 1779, decidiu abandonar a medicina e
ingressar na botânica, aos trinta e quatro anos de idade (FERREIRA, 2007).
Ainda segundo Ferreira (2007), Lamarck trabalhou na instituição do
Gabinete e Jardim do Rei (Jardin du Roi) como botânico e publicou cerca de
duas dezenas de artigos sobre o assunto durante esse tempo. Porém, com a
Revolução Francesa e a consequente reestruturação do jardim botânico em
1793, o qual se tornou o Museu Nacional da História Natural, Lamarck passou
a exercer o cargo de professor da disciplina dos animais sem vértebras,
convergindo seus interesses para outras áreas tais como meteorologia,
química, geologia e principalmente a zoologia.
Os autores Almeida e Falcão (2005) acreditam que Lamarck
desenvolveu seu programa de pesquisa em uma das épocas mais
revolucionárias da história da humanidade, a da Revolução Francesa² e do
Iluminismo³, o que impactou tanto na política quanto nas contribuições
intelectuais da época, portanto suas ideias provavelmente também foram
influenciadas pelo contexto desse momento de aguçamento do criticismo.
Diferentemente do que pensavam os demais naturalistas de sua época,
Lamarck construiu uma teoria excluindo Deus de qualquer interferência direta
__________________________________
² A Revolução Francesa foi um movimento comandado pelo povo fracês, iniciado pelas classes
mais altas (burguesia alta e baixa) e em seguida incorporado pelas classes mais baixas
(proletariado qualificado e não qualificado), com a intenção de retirar o poder concentrado nas
mãos do Império para atribuir-lhe à população. Ocorreu no século XVIII, a fim de acabar com
as desigualdades sociais existentes entre o Império, que vivia sob extremo luxo, e a população
francesa, que enfrentava condições de extrema pobreza (CANFORA, 2008).
³ Foi no período do Iluminismo que gerou-se a opinião de que só a ciência abre o justo acesso
à verdade (RÉGIS, 2001).
23
nas mudanças ocorridas nos organismos, para ele Deus criou a natureza e
depois foi ela quem deu origem a todos os seres vivos. A natureza seria dessa
forma uma ordem, sempre sujeita a regularidades imutáveis, a leis (MARTINS,
1997). Para os autores Almeida e Falcão (2005), sua obra é considerada pelos
historiadores da ciência como a primeira explicação sistemática de evolução
dos seres vivos .
De acordo com Beltran et al. (2011), até o ano de 1799 Lamarck ainda
acreditava que as espécies vegetais e animais eram fixas, assim como seus
contemporâneos. Porém esses autores, assim como Martins (1997), relatam
que já no ano seguinte, em 1800, ele passou a acreditar que as espécies
sofriam um aperfeiçoamento gradual (ideia de variação das espécies),
registrando tais ideias em suas obras.
É comum encontrar escrito nos livros didáticos de Biologia que Lamarck
baseou sua teoria em duas suposições. A primeira referente à lei do uso e
desuso, a qual diz que quanto mais uma parte do corpo ou um órgão é
utilizado, mais ele se desenvolve, enquanto que as partes menos usadas
atrofiam e chegam até a desaparecer, e a segunda referente à lei da herança
dos caracteres adquiridos, segundo a qual os animais passariam para seus
descendentes as atrofias ou hipertrofias adquiridas por eles ao longo de suas
vidas (ALMEIDA; FALCÃO, 2010). Martins (1997) afirma que a maioria dos
autores não descreve bem as leis de Lamarck, pois citam apenas essas duas
e, além disso, em muitos casos descrevem suas leis baseando-se apenas em
uma de suas obras, a Philosophie Zoologique (1809), sendo que existem várias
outras que deixam de ser mencionadas.
Beltran et al. (2011) também explicitam em seu texto que a obra geral de
Lamarck, ao contrário do que se mostra nos livros didáticos, é muito grande e
composta por diversas obras, não sendo a Philosophie Zoologique (1809) a
única versão, ou a versão final de seu trabalho. Como exemplos de outras
obras escritas por esse naturalista, Almeida e Falcão (2005) destacam as obras
Recheches sus l'organisation des corps vivants (1800); Historie naturelle des
animaux sans vertebrès (1815), e os discursos como os Discours d'orventure
(1800-1803), entre outros.
Quanto às leis definidas por Lamarck, diferentemente do que é
apresentado pelos livros didáticos atuais, não foram enunciadas por ele apenas
24
duas leis, mas sim quatro. Além das duas mais apresentadas nos livros
didáticos, o naturalista francês apresentou nas versões finais de seu trabalho
mais duas leis (MARTINS; BRITO, 2006). Martins (1997) diz que tais leis
podem ser encontradas na última versão de sua obra, a Historie naturelle des
animaux sans vertebrès (1815).
Suas leis, segundo Martins (1997), são:
1ª) Tendência para o aumento da complexidade: Lamarck considera que existe
um aumento progressivo da complexidade, um processo de aperfeiçoamento,
que ocorre nos seres vivos. Para fundamentar essa lei ele tentou,
implicitamente, construir argumentos com dois tipos de fatos: um observável,
comparação entre o estado de um animal quando passa a existir (início de sua
vida) e seu estado na fase final de vida; e um não-observável, o qual se trata
da tendência ao aumento da complexidade na escala animal e o aumento das
faculdades dos seres vivos ao longo do tempo (desde os seres microscópicos,
até os animais vertebrados (MARTINS, 1997).
O primeiro argumento considera o que atualmente conhecemos por
ontogênese (processos de modificações sofridas por um ser vivo ao longo de
sua vida, desde o ovo até o animal adulto, o crescimento), já o segundo se
refere a um passado que não estava documentado, portanto hipotético, e com
isso torna-se um fato não-observável. Contudo, por meio de suas comparações
torna-se possível perceber que em cada indivíduo o aumento da complexidade
e o crescimento possuem um limite, o qual não teria ocorrido entre as espécies.
Talvez para explicar o motivo de essa progressão continuar nas espécies,
Lamarck propôs uma segunda lei (MARTINS, 1997).
2ª) Surgimento de órgãos em função de necessidades que se fazem sentir e
que se mantêm. Essa lei se refere à formação de novos órgãos, o que ocorreria
a partir da necessidade de se utilizar determinado órgão encaminharia para
essa região, na qual existe tal necessidade, fluidos nervosos e nutritivos que
promovem o surgimento do novo órgão (em sua obra Historie naturalle, citada
em Martins, 1997). De acordo com Martins (1997), Lamarck deu como exemplo
de atuação da segunda lei a formação das antenas existentes na cabeça de
um molusco gastrópode e também o desenvolvimento de chifres em
ruminantes.
25
Além disso, ainda segundo Martins (1997), na enunciação dessa lei em
uma de suas publicações, na revista Recheches, o naturalista se utilizou do
termo “vontade”, o qual provavelmente tenha sido interpretado como “desejo”
presente nos animais para a formação de um novo órgão, quando ele estava
na verdade se referindo ao processo de atendimento de uma necessidade
fisiológica, como comer, por exemplo.
3ª) Desenvolvimento ou atrofia de um órgão em função do seu emprego: Se
refere à utilização contínua de um órgão e à sua não utilização. Um órgão
muito utilizado tenderia a se desenvolver, enquanto que um não utilizado seria
levado ao seu atrofiamento e desaparecimento. Tal lei se equivale a “lei do uso
e do desuso”, como mencionado em muitos livros didáticos, porém, ressalta-se
que Lamarck nunca utilizou a expressão “uso e desuso”, esse termo aparece
em autores posteriores a ele, como Charles Robert Darwin (1809-1882), por
exemplo (MARTINS,1997).
Essa lei está presente em diversas obras de Lamarck e é possível
encontrarmos como exemplo: Olhos de animais que não o utilizam tornam-se
vestigiais, como na toupeira; As patas das serpentes que desapareceram
devido a elas se arrastarem para se locomover; o pescoço longo das aves que
pescam na beira da água, entre outros exemplos (MARTINS, 1997).
4ª) A herança do adquirido. Para a descrição dessa lei, Lamarck não se utilizou
de muitos exemplos, descrevendo-a rapidamente, sem achar julgar que
merecesse maior atenção. Nota-se, entretanto, que diversas vezes sua teoria
tem sido associada a essa ideia e, por tal motivo, criticada como um todo
(MARTINS, 1997). Ainda segundo a autora, esse princípio era defendido por
muitos pesquisadores da época, antes mesmo de Lamarck ter se referido a ele,
sendo por essa razão que o naturalista não achou necessário entrar em mais
detalhes quando mencionou essa lei, a qual diz que as características
adquiridas ou perdidas, desde que as mudanças fossem comuns aos
progenitores, seria herdadas de alguma maneira por seus descendentes.
Justificativa: Conhecendo-se um pouco mais sobre o mérito do ensino
para a formação dos cidadãos (a fim de possibilitar-lhes uma gama de
conhecimentos conceituais e práticos que possam ser utilizados para sua
participação social efetiva), sobre a importância que se dá ao livro didático
como material educacional nas escolas brasileiras, sobre a contribuição da
26
utilização da História da Ciência como dispositivo didático nas aulas (para a
percepção de como ocorre o processo de construção do conhecimento
científico) e, por ultimo, sobre as deficiências existentes nos livros didáticos de
Biologia quanto à apresentação dos contextos histórico e filosóficos e quanto
às leis de Lamarck, estabeleceu-se como objetivos desse trabalho o
conhecimento de como esses dois últimos aspectos mencionados são
apresentados nas obras destinadas ao Ensino Médio, pensando-se em propor
maneiras para o aprimoramento de sua abordagem.
3. METODOLOGIA
Este trabalho tem como objetivo geral conhecer mais sobre como a
História da Ciência vem sendo apresentada nos livros didáticos de Biologia no
Brasil, quanto ao tema Evolução e mais especificamente quanto às teorias de
Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744 – 1829),
portanto, foi realizado um levantamento bibliográfico em livros didáticos
utilizados por alunos do Ensino Médio na rede básica de ensino brasileira, com
o intuito de buscar neles dados referentes à História da Ciência relacionados às
teorias de Lamarck.
Como objetivos específicos, pretende-se conhecer a maneira como as
teorias de Lamarck são apresentadas nos livros didáticos de Ensino Médio,
verificar as semelhanças e diferenças entre os livros didáticos, no que se refere
às teorias desse naturalista, e, por ultimo, propor maneiras para o
aprimoramento da abordagem dos contextos histórico e filosófico no ensino de
Evolução.
O método escolhido para a realização deste trabalho foi o levantamento
bibliográfico, com foco nas teorias de Lamarck, com posterior análise dos
dados obtidos, de acordo com o referencial teórico.
Para a escolha das obras utilizadas no Trabalho de Graduação
Interdisciplinar (TGI) estabeleceu-se como critério que cada uma delas deveria
constar na lista de livros didáticos submetidos e aprovados pelo Programa
Nacional de Livros para o Ensino Médio (PNLEM) mais recentemente
disponível no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE). Entretanto, a lista mais recente presente no site do FNDE era a do ano
27
de 2012, a qual apresentava livros para que a aquisição fosse feita no ano de
2013, com isso as obras que constavam nessa lista eram muito recentes e não
puderam ser encontradas nas bibliotecas públicas, as quais possuem esse tipo
de material apenas quando os recebem como doação. Como alternativa, optouse então pela utilização dos livros aprovados pelo PNLEM no ano de 2009 (a
segunda lista mais recente encontrada no site do FNDE).
A escolha de utilização das obras aprovadas pelo PNLEM se deve ao
fato de que os livros que constam nessas listas são comumente utilizados em
grande escala pelas escolas da rede pública brasileira, sendo estes, portanto,
responsáveis por conduzir a aprendizagem de inúmeros alunos, gerando
diferentes impactos em sua construção do conhecimento e determinando, de
certa forma, a visão que eles terão ao longo de suas vidas sobre os conteúdos
presentes e trabalhados nos livros didáticos que utilizaram durante o período
de sua formação.
Quarenta e três milhões, cento e oito mil, trezentos e cinquenta
(43.108.350) livros didáticos foram distribuídos para as escolas da rede pública
brasileira no ano de 2009, dentre eles constam livros das disciplinas de
português, matemática, biologia, história, química, física e geografia. Com essa
distribuição, dezessete mil, duzentas e setenta e seis (17.276) escolas foram
beneficiadas, totalizando uma quantidade significativa de sete milhões,
duzentos e quarenta e nove mil, setecentos e setenta e quatro (7.249.774)
alunos abrangidos pelo programa somente neste ano, conforme constam os
dados no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação,
consultado em agosto de 2012, daí a importância de se analisar os conteúdos
presentes em tais obras.
Nove obras foram avaliadas e aprovadas pelo PNLEM no ano de 2009,
dentre elas quatro foram selecionadas para integrarem o presente trabalho.
Ressaltando-se que o número de obras escolhidas para a análise tem a ver
com o tempo disponível para a realização do TGI, o qual foi relativamente curto
(tendo sido efetuado em apenas um semestre), em relação à demanda de
trabalho que o método utilizado implica para o pesquisador.
A escolha das obras foi feita conforme sua disponibilidade na Biblioteca
Pública Mário de Andrade, localizada na Rua da Consolação, número 94,
próxima a Universidade Presbiteriana Mackenzie, e também pelo empréstimo
28
fornecido por uma colega que cursa atualmente o sexto semestre do Curso de
Ciências Biológicas, também na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
As obras escolhidas para análise foram:
FAVARETTO, José. A; MERCADANTE, Clarinda. A origem da vida e
das células e Evolução da vida. In: ___. Biologia. São Paulo: Editora Moderna,
V. Único, 1ª Ed. 2005. p. 111-112 e p. 159-161.
JÚNIOR, César. S; SASSON, Sezar. As teorias da Evolução: Lamarck,
Darwin e a seleção natural. In: ___. Biologia. São Paulo: Editora Saraiva V. 3,
8ª Ed. 2005. p. 217-237.
LAURENCE, J. Evolução humana e fisiologia humana I: coordenação
nervosa e locomoção; Evolução: conceito e evidências. In: ____. Biologia. São
Paulo: Editora Nova Geração, V. Único, 1ª Ed. 2005. p. 521-524 e p. 662-677.
PAULINO. Wilson R. O mecanismo evolutivo. In:____. Biologia. São
Paulo: Editora Ática, V. 3, 1ª Ed. 2005. p. 145-163.
Para escolha dos capítulos a serem examinados, primeiramente foram
selecionados e lidos aqueles que tratavam sobre o tema da Evolução Biológica,
o que pôde ser feito pela realização de uma busca no sumário de cada livro,
para que se encontrassem tais capítulos.
Optou-se primeiramente por ser feita uma breve leitura do capítulo como um
todo, visando-se uma melhor compreensão do contexto em que o conteúdo
está sendo apresentado, o que tornou possível, posteriormente, uma análise
mais rica sobre a apresentação das teorias de Lamarck, especificamente, pois
a simples leitura da parte que aborda as teorias desse cientista, feita de
maneira isolada, não permite uma apreciação geral do material, o que poderia
causar interferência na sua interpretação.
Para a coleta dos resultados, e sua posterior análise, levou-se em
consideração os seguintes aspectos:
•
Quantidade de páginas destinadas à Evolução e às teorias de Lamarck;
•
Maneira como as teorias de Lamarck são tratadas;
•
A imagem que é passada para os leitores dos livros didáticos sobre
Lamarck;
29
•
Presença ou ausência do contexto histórico e filosófico na apresentação
das teorias de Lamarck, e a maneira como este é tratado;
•
Presença ou ausência de quadros contendo alguma explicação sobre a
construção do conhecimento científico;
•
Apresentação de figuras ou imagens exemplificando as teorias de
Lamarck e o que elas retratam;
•
Presença ou ausência de exercícios sobre Lamarck e como estes são
elaborados.
A quantidade de páginas destinadas ao assunto Evolução e às leis de
Lamarck, bem como a quantidade e o tipo de figuras e exercícios relacionados
a esses temas foram observadas e acrescentadas nos resultados e na análise,
pois segundo Rocha e Silva (2006 apud DIAS; BERTOLOZZI, 2009) o volume
de páginas destinadas a um determinado assunto nos livros didáticos reflete o
grau de importância atribuído a ele, enquanto que as figuras e os exercícios se
fazem necessários devido ao fato de a Biologia ser uma disciplina que possui
muitos de seus conceitos de forma abstrata e complexa, sendo as figuras e os
exercícios, portanto, requisitos importantes para a aprendizagem dos alunos,
facilitando sua compreensão sobre tais conceitos.
O tópico destinado à apresentação dos resultados está dividido em duas
partes. A primeira parte contém breves resumos do material coletado em cada
livro, enquanto que na segunda parte é feita uma comparação entre os dados
obtidos após o exame dos quatro livros.
Os objetivos específicos desse trabalho não visam fazer críticas ou apontar
os problemas encontrados especificamente nos livros aqui utilizados, mas sim
conhecer a maneira como a História da Ciência é veiculada nos livros didáticos
(com ênfase nas teorias de Lamarck) de modo geral, propondo-se em seguida
alternativas para que seja possível minimizar os problemas mais comumente
encontrados. Por esse motivo os nomes dos livros didáticos e de seus autores,
bem como os números das páginas nas citações dos excertos retirados dos
livros, não serão mencionados na apresentação dos resultados e nem na
análise, para que assim eles não sejam identificados.
Portanto, os livros serão chamados apenas de livro 1, livro 2, livro 3 e livro
4, e nos momentos de apresentação dos resultados e de análise não estarão
30
dispostos na mesma ordem em que foram apresentados anteriormente por este
tópico.
4. RESULTADOS
A apresentação dos resultados, juntamente com a discussão, está
dividida em duas partes. A primeira apresenta breves resumos sobre o que foi
encontrado em cada livro didático, enquanto que a segunda traz dados
referentes às comparações realizadas entre as obras, na forma de gráficos e
quadros.
4.1. RESUMOS
4.1.1. Livro 1
O livro possui seis capítulos destinados ao tema Evolução, sendo que as
teorias evolucionistas são retratadas em apenas um deles.
O capítulo que apresenta as teorias evolucionistas começa com
um pequeno texto sobre o inseticida Dicloro-Difenil-Tricloroetano4 (DDT) e sua
eficácia, explicando seu método de utilização e a razão pela qual se descobriu
que eram necessárias quantidades cada vez maiores de DDT para combater a
mesma quantidade de pragas que se tinha no início, atribuindo-se esse fato à
uma certa resistência que os organismos desenvolveram ao inseticida. A
mesma relação é feita com os antibióticos, mais ao final do texto. Entretanto,
pouco se fala sobre o contexto histórico do surgimento e utilização do DDT e
do antibiótico.
Logo em seguida são trazidas as contribuições do naturalista Georges
Louis Leclerc, conde de Buffon5 (1707-1788) para a atual teoria evolucionista,
apresentada em um texto de dez linhas, o qual diz que Buffon, com a ajuda de
sua equipe, reuniu todo o conhecimento da época em uma obra de 44 volumes,
____________________________
4
O DDT é um pesticida que foi muito utilizado durante a Segunda Guerra Mundial como forma
de proteção contra insetos transmissores de doenças como a Malária e como controle de
pragas na agricultura. Seu uso foi abandonado por volta dos anos 70 em praticamente todo o
mundo, pelos seus efeitos adversos no ambiente. (TORRES; MALM, 2002).
5
Buffon foi um dos primeiros naturalistas a pensar na ocorrência de modificações orgânicas.
Pensou que o ambiente atuou diretamente nos organismos, porém, mesmo acreditando nesse
processo, não forneceu um mecanismo coerente para explicar tais mudanças (CAPONI, 2011).
31
dando ênfase na importância da influência do clima na variação hereditária,
não sendo mencionado com maior profundidade o contexto histórico existente
na época em que Buffon viveu, muito menos uma exploração de como esse
contexto pôde ter influenciado as obras desse naturalista. O próximo tópico
apresentado no capítulo destina-se a apresentar aos leitores as teorias, ou leis,
de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (17441829). Para isso, o livro disponibiliza um espaço de uma página e meia.
Logo no início do texto já está presente o exemplo das girafas, utilizado
por muitos autores nesse mesmo contexto, acompanhado por uma imagem
desses animais, cuja respectiva legenda as denomina de “as girafas de
Lamarck”. No texto, está descrito que para Lamarck as girafas faziam grande
esforço esticando seus pescoços para obterem alimento nas copas das
árvores, gerando o aumento de tamanho desse membro, que ficou mais longo,
e que essa característica obtida seria passada para as próximas gerações.
O texto diz também que embora essa teoria seja rejeitada atualmente,
Lamarck teve o mérito de ser um dos primeiros pensadores que rejeitaram as
ideias fixistas aceitas até então.
Como contexto histórico da época em que Lamarck viveu, e sobre a sua
própria história de vida, o livro apresenta brevemente alguns fatos, trazendo
apenas alguns dados, tais como que esse naturalista era o encarregado do
departamento de invertebrados do museu de História Natural de Paris, que ele
comparava fósseis com organismos viventes em sua época e dessa maneira
percebia a existência de uma gradação evolutiva com aumento da
complexidade, que foi o primeiro a tentar explicar cientificamente o mecanismo
pelo qual a evolução ocorre, entre outros.
O livro retrata apenas as publicações que Lamarck fez na “Philosophie
Zoologique”, no ano de 1809, afirmando que todas as ideias desse naturalista
estavam reunidas nessa obra.
Diz que Lamarck utilizou-se dos termos “uso e desuso” em sua obra
para explicar o desenvolvimento ou atrofia de determinados órgãos ou
estruturas no corpo dos animais, e que essas características adquiridas nos
animais pelo uso e desuso de determinadas estruturas pode ser transmitido à
prole, afirmando que Lamarck acreditava nessa hipótese. Em seguida, autor do
32
livro
diz
que
tais
teorias
estão
erradas,
pois
já
foi
comprovado
experimentalmente que as características adquiridas não são passadas à prole.
Também é dito que, segundo Lamarck, os animais possuíam uma
necessidade de adquirir uma determinada característica e que a necessidade
da característica implicaria em seu aparecimento, enquanto que a não
necessidade da mesma implicaria em seu desaparecimento.
Para finalizar esse tópico, o livro diz que era por essa linha de raciocínio
que Lamarck explicava a origem de novas espécies. Afirma que o Lamarckismo
parece ser extremamente lógico para os leigos e que por esse motivo tais
ideias são mais aceitas ou utilizadas mais facilmente entre as pessoas.
Nessa mesma página existe um pequeno quadro, cujo título é “Mais
História da Biologia”, o qual fala brevemente sobre a herança dos caracteres
adquiridos, contando mais detalhadamente sobre os experimentos que
desmentiram as teorias de Lamarck.
No capítulo, é apresentado ao leitor, detalhadamente, um desses
experimentos, o qual aborda a resistência das bactérias ao antibiótico.
Destaca-se um excerto referente a fala de introdução ao experimento, feita pelo
autor:
As bactérias estão cada vez mais resistentes aos antibióticos
usados na medicina. A ideia aparentemente lógica de que, em
contato com o antibiótico, as bactérias criam uma resistência e
a transmitem aos descendentes é um conceito lamarckista.
Como demonstrar experimentalmente que essa ideia não é
válida? Para isso, leia com atenção a descrição do experimento
abaixo, observando também os esquemas.
Ao final do quadro com o experimento o autor escreve: “O antibiótico não
induziu à adaptação, apenas selecionou os indivíduos resistentes, que se
reproduzem, enquanto os sensíveis morrem.”
O ultimo tópico apresentado neste capítulo faz uma comparação entre
as teorias de Lamarck e de Charles Robert Darwin (1809-1882). Neste tópico é
dito que tanto Lamarck quanto Darwin acreditavam que o meio exercia
influência para a adaptação das populações. Diz, porém, que a diferença está
na maneira como cada um dos dois enxerga essa relação do ambiente com as
modificações nos indivíduos.
Explica brevemente, em quatro linhas, o que Lamarck pensava sobre o
assunto, da seguinte maneira:
33
Para Lamarck, o ambiente é, quase sempre, o responsável
direto pela mudança evolutiva. Em certo ambiente, o indivíduo
adquiriria determinadas características adaptativas que seriam,
então, transmitidas à descendência.
E explica, em mais quatro linhas, como Darwin pensava:
Para Darwin, o ambiente tem um papel fundamental:
selecionar, escolher dentro de um grupo de organismos os que
têm as variações mais interessantes ao ambiente. Já que essas
variações são hereditárias, os escolhidos têm maior chance de
sobreviver e se reproduzir.
Para encerrar o capítulo, o livro didático em questão traz uma série de
questões e propostas para discussão. Todas as questões são retiradas de
modelos de vestibulares de universidades como a USP, UFV, UNIFESP,
UNESP, Unicamp, entre outras, em um total de nove páginas.
4.1.2. Livro 2
A parte do livro didático que trata sobre a Evolução está subdividida em
três capítulos, os quais contêm dezenove, doze e nove páginas cada um,
respectivamente, totalizando quarenta páginas.
As teorias de Lamarck estão descritas em apenas um dos três capítulos,
o qual tem início com uma introdução para o tema Evolução, apresentando os
conceitos de adaptação e sua definição atual. Na mesma página existe
também um quadro, com nove linhas, falando sobre os mecanismos de
alterações gênicas das populações, origem de novas espécies e extinção de
outras.
O tópico que descreve as teorias de Lamarck tem início com uma
apresentação sobre ele, a qual traz algumas informações sobre sua vida, tais
como a ideia que defendia (transformismo em contraposição ao fixismo) e a
obra que escreveu, dizendo que Lamarck fez um livro chamado “Philosophie
Zoologique”, na tentativa de explicar como ocorre o mecanismo de
transformação das espécies. Esse texto ocupa o espaço de aproximadamente
dois sextos de uma página.
Acompanhando o texto encontra-se uma figura com o desenho de
Lamarck, e abaixo dela a sua respectiva legenda, dizendo o período em que
ele viveu e também que ele propôs, no ano de 1809, uma teoria voltada ao
conceito de adaptação. Essa legenda é relevante, pois está escrita em letras
34
bem pequenas e somente nesse local aparece o período de tempo em que
Lamarck viveu.
Ainda no texto inicial que descreve Lamarck, o autor do livro diz que este
cientista supunha que o ambiente provocaria a adaptação da espécie e que,
nesse caso, os indivíduos da espécie poderiam adquirir novos hábitos, o que
induziria a utilização de certas partes do organismo com maior frequência,
causando hipertrofia, e outras que ficariam inutilizadas, causando atrofia, assim
a espécie adquiriria novas características que seriam passadas aos seus
descentes.
Após isso, está presente um sub-tópico que ocupa aproximadamente um
sexto da página e contém treze linhas, falando sobre duas leis criadas por
Lamarck, as quais são denominadas de “Lei do Uso e do Desuso” e “Lei da
Transmissão das Características Adquiridas”.
Antes de descrever cada uma das leis, o texto diz que Lamarck as
construiu por achar que o ambiente condicionava as mudanças e a aquisição
de novas características pelos organismos e que essas características
adquiridas eram transmitidas aos seus descendentes.
Em seguida, existe a explicação para cada uma das duas leis, feita
separadamente, contendo o seguinte:
Lei do Uso e do Desuso: supõe que o uso frequente de partes
do organismo conduz essas partes à hipertrofia, enquanto o
desuso prolongado ocasiona-lhes atrofia;
Lei da Transmissão das Características Adquiridas: supõe que
as características adquiridas pelo uso ou perdidas pelo desuso
são transmitidas de geração a geração.
O próximo sub-tópico, destinado à explicação de Lamarck para suas
teorias, preenche quatro sextos da página, sendo que dessa quantia dois
sextos são ocupados por uma figura de duas girafas comendo folhas da copa
de uma árvore, com seus pescoços esticados para cima. Abaixo de tal figura,
encontra-se sua legenda, dizendo o seguinte:
O lamarckismo e o comprimento do pescoço das girafas: o uso
frequente da musculatura do pescoço provocou o
desenvolvimento dessa estrutura; as características foram
lentamente transferidas aos descendentes.
35
Existe também outra figura exemplificando as teorias de Lamarck. Esta
ocupa uma dimensão de aproximadamente um sexto da página, contendo uma
foto de dois tamanduás e a seguinte legenda:
Tamanduá. Segundo o lamarckismo, esse animal teria fortes
garras e focinho comprido como resultado do contínuo esforço
dessas estruturas no processo de revolver a terra dos
formigueiros e capturar formigas.
O texto que explica as teorias de lamarckistas é iniciado com o exemplo
das girafas, afirmando ser este um exemplo clássico e, também, que Lamarck
supunha que em tempos passados este animal tenha tido pescoço curto e os
membros anteriores de tamanho semelhante ao dos posteriores, mas que eles
viviam em ambientes onde a vegetação rasteira era escassa e, por isso, teriam
sido induzidos, por “solicitação do ambiente”, a se alimentar de folhas
presentes nas copas das árvores, tendo de esticar seus pescoços e membros
anteriores para alcançá-las. O uso frequente dessas estruturas fez com que
elas se desenvolvessem e essas características fossem passadas lentamente
de geração para geração, até resultar nas girafas atuais.
Além deste exemplo, o texto cita mais dois exemplos, sendo o primeiro
referente ao coelho, que teria orelhas grandes em resposta à frequente
utilização da audição para a prevenção contra predadores, e dos tamanduás,
que teriam garras e língua grandes em função da necessidade de escavar o
solo e de esticar a língua para se alimentar.
Outro sub tópico relevante ocupa um total de quase dois sextos da
página, com dois pequenos parágrafos, e está desprovido de imagens.
Este é iniciado com a seguinte frase: “O Lamarckismo constitui uma
ideia destituída de fundamento científico.” Em seguida faz a explicação para
essa afirmação, dizendo que, em primeiro lugar, apenas os órgãos musculares
sofrem atrofia ou hipertrofia como resposta ao uso e desuso frequentes a que
são submetidos e, em segundo lugar, que essas características adquiridas pelo
uso e desuso não podem ser transmitidas aos descendentes, explicando que a
transmissão de características ocorre devido à presença dos genes contidos
nos cromossomos das células de reprodução, os quais já existiam nos
indivíduos desde quando eram zigotos, portanto apenas as alterações que
ocorrem no código genético podem afetar a descendência e que por causa
36
desse fato que Lamarck não considerou, sua principal falha está na teoria da
transmissão das características adquiridas.
Contudo, o autor do livro didático conclui o texto dizendo que embora o
lamarckismo seja refutado para explicar o mecanismo evolutivo das espécies,
possui relativa importância principalmente por considerar a adaptação como
processo necessário para o sucesso evolutivo das espécies.
Ao final do capítulo estão presentes as páginas com as questões sobre o
que foi apresentado no capítulo. Existe o total de cinquenta e oito questões, as
quais estão divididas em dissertativas e de múltipla escolha, distribuídas em
oito páginas.
As questões dissertativas aparecem de três maneiras: ou é pedido para
que o aluno discuta e compare as teorias de Lamarck e Darwin, ou é dado um
pequeno texto introdutório com uma hipótese evolutiva e pedido ao aluno, em
seguida, para que diga quem a teria descrito, ou então é apresentada uma
ideia lamarckista e perguntado ao aluno se ela é correta ou não e solicitada
uma justificativa para a resposta.
Já as questões de múltipla escolha são todas retiradas dos vestibulares
de universidades públicas, sendo que as que falam sobre Lamarck são as
primeiras, seguidas pelas que abordam as teorias darwinistas. Aparecem de
duas maneiras: ou são dados os nomes das teorias de Lamarck e Darwin e
pedido para os alunos escolherem quais foram pensadas pelo primeiro e quais
foram pensadas pelo segundo, ou então é apresentada uma história (questão
problema) e perguntado quem teria explicado o fato da maneira como está
descrito na questão, com as opções de resposta sendo Lamarck ou Darwin.
Uma das questões encontrada no livro está destacada abaixo:
Fragmentos de On the origin of species: […] Contudo, subsiste
ainda uma dificuldade. Depois que um órgão deixou de
desempenhar alguma função e que por esse motivo se reduziu
em proporções, como pode ainda sofrer uma diminuição
posterior até não deixar mais vestígios imperceptíveis e, por
fim, desaparecer? Não é possível que a falta de uso possa
continuar a produzir novos efeitos sobre um órgão que cessou
de desempenhar todas as funções […] (Charles Darwin, 1859).
A alternativa considerada como correta pelo gabarito de respostas do
livro diz que é correto afirmar que o excerto a cima faz uma séria crítica a uma
das leis de Lamarck, por esse naturalista acreditar que a falta de uso de um
37
determinado órgão ou estrutura levaria a tamanhas modificações no copo do
animal até desencadear sua perda total, sem deixar vestígios de sua
existência. Portanto, tanto a questão, quanto sua resposta levam o leitor a
pensar que Darwin era contra a teoria proposta por Lamarck, principalmente
quanto a “lei do uso e do desuso”.
4.1.3. Livro 3
Para a coleta dos dados e análise dos conteúdos deste livro, dois
capítulos foram escolhidos. O primeiro retrata a origem da vida e o segundo
capítulo apresenta as teorias evolucionistas, sendo que cada um contém seis e
quatorze páginas, respectivamente.
O primeiro capítulo analisado está subdividido em dois tópicos, porém
será discutido apenas o primeiro tópico deste capítulo.
Esta parte do livro tem seu começo retratando sobre Aristóteles, que
falava no princípio ativo capaz de produzir matéria viva a partir de matéria
bruta, quando em condições favoráveis, o que é a chamada teoria da geração
espontânea, afirmando que essa teoria pode parecer estranha agora, mas que
antigamente era perfeitamente aceitável devido aos poucos conhecimentos
científicos que existiam até então.
O texto traz, ainda, um exemplo de experimento que foi realizado
pelo médico, químico e fisiologista Jean Baptiste Van Helmont6 (1579 - 1644), o
qual criou uma receita contendo como ingredientes uma camiseta suja
guardada com grãos de trigo em um local calmo, para a produção de
camundongos.
anteriormente,
Depois
ilustram
diz que
uma
tais
questão
experimentos,
relacionada
à
como
o
citado
construção
do
conhecimento científico e à produção dos trabalhos científicos, pois os
preconceitos e suposições dos cientistas a respeito do assunto que estão
investigando podem influenciar a metodologia e os resultados de seus
experimentos.
____________________________
6
Até o início do século XIX, o surgimento de novos seres vivos não era um assunto que
preocupava a comunidade científica, pois todos acreditavam que os seres vivos poderiam
surgir de duas formas: a partir de seus semelhantes (pais) ou por geração espontânea (a partir
de matéria inanimada). Jean Baptiste Van Helmont foi um desses pensadores que acreditavam
na geração espontânea, chegando a propor experimentos a favor dessa teoria (ZAIA, 2003).
38
Contando um pouco mais sobre a história da construção do
conhecimento científico sobre a origem da vida, o texto diz que em 1668 o
naturalista Francesco Redi7 (1626-1697) quem iniciou a contestação da
abiogênese e que por esse motivo formulou experimentos para verificar a
origem de insetos, colocando pedaços de carne e peixe em frascos abertos e
observava que em alguns dias surgiam larvas em grande quantidade, mas
quando ele fazia o mesmo experimento com os frascos fechados observava
que as larvas não apareciam. O texto também conta ao leitor que os
defensores da abiogênese contestavam os experimentos de Redi, por trazerem
resultados desfavoráveis à essa teoria, dizendo que as larvas não se formavam
nos frascos fechados por falta de ar, que era um dos ingredientes geradores de
vida.
Em resposta às contestações, Redi cobriu os frascos com gaze,
permitindo assim a passagem do ar, e as larvas também não se formaram.
Essa nova teoria defendida por Redi era a chamada biogênese. Porém, o livro
conta que mesmo com esses resultados, a teoria da abiogênese era fortemente
defendida por vários pesquisadores renomados, como René Descartes e Isaac
Newton, e que por esse motivo ela continuou prevalecendo ainda por muito
tempo.
Outros cientistas, e suas contribuições, são mencionados ao longo do
capítulo, mostrando ao leitor que o que impulsiona a Ciência é a curiosidade,
seguida da realização de experimentos, criação de teorias, as quais são
contestadas e, em seguida são feitos novos experimentos e novas teorias
sobre determinado assunto.
O capítulo que aborda as teorias evolucionistas é composto por quatro
tópicos, dentre estes apenas um se dedica a falar sobre tais ideias, citando as
teorias de Lamarck.
Neste tópico, antes de retratar as teorias evolucionistas, o livro traz uma
breve contextualização sobre o criacionismo e o evolucionismo, afirmando que
_____________________________
7
Francesco Redi foi um dos primeiros naturalistas a discordar da teoria da geração
espontânea. Tendo conhecimento dos experimentos realizados por Helmont, decidiu modificálos um pouco e, a partir dos novos resultados obtidos, chegou à conclusão de que os seres
vivos somente poderiam surgir a partir de outros já existentes, desencorajando assim a teoria
da abiogênese e abrindo espaço para a teoria da biogênese (ZAIA, 2003).
39
o primeiro foi, e ainda é, aceito por uma quantidade muito grande de pessoas e
que passou a ser contestado por descobertas, como as de geólogos, que
mostram que a Terra passa por alterações de relevo e clima, levando ao
conhecimento de uma noção de dinamismo, fazendo com que alguns
naturalistas pensassem na possibilidade de a vida ter sido afetada pelas
mudanças ambientais, firmando-se a ideia de evolução dos seres vivos. Traz
também as contribuições dos achados de fósseis e dos estudos realizados com
eles para a elaboração das teorias evolucionistas.
Este sub tópico preenche um espaço na página de aproximadamente
dois sextos do espaço total, não existindo qualquer imagem atrelada ao texto.
O texto tem início com a afirmação de que Jean Baptiste Lamarck
publicou em 1809 o seu livro Philosophie Zoologique, tendo sido a obra mal
recebida na época pelos demais naturalistas, mas que suas ideias foram de
grande importância na história da biologia.
Em seguida, é dito que Lamarck se baseava na premissa de que os
seres vivos têm um impulso interior capaz de permitir sua adaptação ao
ambiente, desde que pressionados por alguma necessidade imposta pelo
ambiente.
Como definição da lei chamada de “Lei do Uso e do Desuso”, o livro traz
o seguinte:
Eles (os animais) adotariam novos hábitos de vida,
empregando algumas partes do corpo com mais frequência e
intensidade do que outras; as partes mais utilizadas se
desenvolveriam, e as menos utilizadas se atrofiariam ou
chegariam a desaparecer.
E como definição da lei de “Transmissão das Características
Adquiridas”, traz o seguinte:
As mudanças ocorridas nos organismos em recorrência de
imposições ambientais seriam transmitidas aos descendentes.
Após a apresentação das definições de ambas as leis, o livro afirma que
a lei do uso e do desuso é válida somente para alguns órgãos como os
músculos, que se desenvolvem por meio de exercícios físicos e se atrofiam
com a inatividade, mas que isso não é herdado pelos descendentes. Para a
segunda lei, é dito que esta não é válida em nenhuma circunstância, pois os
40
seres vivos transmitem apenas seu material genético para os descendentes,
justificando, com isso, o motivo de as duas leis não serem aceitas.
Lamarck é abordado novamente, após a apresentação das teorias de
Darwin, em um sub-tópico que tem como intenção fazer uma comparação entre
as teorias de ambos os naturalistas.
O sub-tópico tem início com a seguinte pergunta: “Na visão desses dois
estudiosos, como explicar o tamanho atual do pescoço das girafas?”
Logo abaixo da pergunta estão presentes duas sequências com três
figuras cada uma, uma abaixo da outra, e identificadas como sequência A e
sequência B, respectivamente.
A primeira sequência possui, representadas na primeira imagem, duas
girafas de pescoço curto e patas anteriores de tamanho semelhante ao das
patas posteriores, tentando alcançar galhos da copa de uma árvore, em
seguida, na segunda imagem, estão representadas mais duas girafas só que
com os pescoços e patas anteriores um pouco mais longos e por fim, na
terceira imagem, as duas girafas já possuem o pescoço e os membros
anteriores do tamanho e forma existentes atualmente.
A segunda sequência tem, representadas na primeira figura, três girafas
com pescoços e membros anteriores de tamanhos diferenciados, já na
segunda imagem existem apenas duas girafas, uma com o pescoço e patas
longos e a outra com estes membros de tamanho mediano, e na terceira e
última figura aparecem novamente três girafas, porém todas elas possuem o
pescoço e os membros anteriores do tamanho e forma existentes atualmente.
A legenda das figuras contém as seguintes informações:
Sequência A. Explicação lamarckista: para alcançar as
folhas nas copas das árvores, as girafas precisam esticar o
pescoços, que cresceu ao longo do tempo (lei do uso e do
desuso). Essa característica foi sendo passada para a
descendência, geração após geração (lei da transmissão das
características
adquiridas);
Sequência
B.
Explicação
Darwinista: entre as girafas havia diversidade, que podia ser
transmitida para a prole. Animais de pescoço longo tinham
mais condições de consumirem alimento no alto das árvores, o
que favorecia a sobrevivência e a reprodução (seleção natural).
Em consequência, passaram a dominar na população.
Para finalizar a comparação feita entre ambos os naturalistas, o texto
apresenta uma conclusão dizendo que tanto um quanto o outro foram
41
evolucionistas que explicaram a origem das adaptações como resultado de
mudanças nos seres vivos. Lamarck considerava o ambiente como elemento
estimulador e Darwin considerava-o como agente de seleção natural, atuando
sobre a diversidade de espécies.
Por fim, existe a sequência de exercícios propostos pelo livro aos
alunos. Existem questões dissertativas e de múltipla escolha, ocupando um
espaço no livro de três páginas. Sendo que as de múltipla escolha são
retiradas de vestibulares de universidades públicas brasileiras.
As questões dissertativas aparecem de duas maneiras, ou é
apresentada, no início do exercício, uma situação problema e em seguida
pedido ao aluno a explique de acordo com teorias lamarckistas, ou é trazida
também uma situação problema e depois pedido ao aluno que indique se as
afirmações apresentadas são corretas ou não, justificando sua resposta.
Já as questões de múltipla escolha aparecem de duas formas. N a
primeira são apresentadas frases diversas ao aluno, as quais possuem
explicações lamarckistas e darwinistas para algumas hipóteses, e pedido a ele
que escolha a frase errada, sendo que no gabarito a resposta errada é a que
se refere às ideias de Lamarck. Já o outro tipo de questão apresenta uma
hipótese e pede ao aluno que escolha o nome da teoria que a justificaria,
sendo que dentre as opções de resposta estão as teorias de Lamarck.
4.1.4. Livro 4
Deste livro dois capítulos foram examinados. Um deles retrata a
evolução humana, enquanto que o outro apresenta as teorias evolucionistas e
o conceito de evolução. O primeiro capítulo possui dezoito páginas, sendo que
o tópico que discute sobre evolução humana contém apenas quatro páginas
desse total. Já o segundo capítulo é formado por quinze páginas, sendo que as
teorias evolutivas ocupam cinco páginas do livro.
O primeiro capítulo tem início com a apresentação de uma linha do
tempo, a qual descreve alguns eventos na evolução dos animais, com
ilustrações para cada período, enfatizando a ideia trazida pelo texto de que a
evolução é um processo recente na história da evolução de todos os seres
vivos.
42
Em seguida é dito no livro que os seres humanos compartilham muitas
características com os demais animais, por serem mamíferos como a nossa
espécie, porém, a espécie humana é classificada mais especificamente como
pertencente à ordem dos primatas, como os macacos atuais e os fósseis de
hominídeos. Apresenta as características dos hominídeos, contando um pouco
melhor sobre o parentesco dos animais pertencentes a essa ordem, e logo
abaixo desse texto traz um cladograma que representa as relações evolutivas
entre os primatas.
Por fim, o livro apresenta os primeiros hominídeos, contando um pouco
sobre o período em que teriam surgido. Um quadro contendo uma figura de
dois esqueletos, de um gorila e de um homem, faz uma comparação entre suas
características, e, abaixo deste, o texto retrata as principais modificações
evolutivas que a espécie humana sofreu em relação aos demais primatas. É
apresentado, ainda, todos os ancestrais do homem, com suas características
descritas.
O capítulo possui duas páginas com exercícios, dentre todos os
exercícios, nove dissertativos e doze de múltipla escolha, dez deles se referem
à evolução humana.
O próximo capítulo aborda os conceitos gerais de Evolução. Antes de
serem mencionadas as teorias evolucionistas, propriamente ditas, é feita uma
introdução, contendo o significado do termo evolução e uma breve
apresentação sobre o que será discutido nesse contexto, seguida por vários
tópicos que falam sobre as evidências da evolução, sobre os fósseis e sua
importância
científica,
comparações
anatômicas,
órgãos
vestigiais
e
comparação entre moléculas, para somente então começarem a ser
apresentadas as teorias.
Os únicos naturalistas mencionados no capítulo são Lamarck e Darwin.
O primeiro tem um espaço de praticamente uma página inteira de explicação
das suas teorias, enquanto que o segundo dispõe de um espaço preenchido
por quatro páginas.
Ao descreve as teorias de Lamarck, o livro conta brevemente quem foi
esse cientista. Para isso, estão presentes no texto informações como o período
de tempo que ele viveu, em anos, a obra que escreveu (diz o livro que Lamarck
43
escreveu em 1809 sua obra chamada “Philosophie Zoologique”) e que sua
teoria foi a primeira tentativa de explicação da evolução de forma sistemática.
O texto retrata que Lamarck pensou em duas leis, porém essas não
foram nomeadas pelo autor do livro, sendo apenas descritas em um parágrafo.
Nessa descrição o autor afirma que para Lamarck o uso de determinada
estrutura faz com que ela se desenvolva, enquanto que a falta de seu uso
provocaria o contrário, e que essas modificações adquiridas durante a vida do
animal poderiam ser transmitidas aos descendentes, desde que fossem úteis.
Nessa obra o autor não se utiliza do exemplo da girafa para ilustrar as
teorias de Lamarck, mas utiliza como exemplo as aves pernaltas, cuja
existência poderia ser justificada, de acordo com Lamarck, pelo fato de elas
terem feito esforço para andar nas águas rasas e devido à esse esforço as
pernas se desenvolviam, sendo útil essa característica para as aves, as quais
foram passadas para as próximas gerações.
Por fim, é dito no texto que essa lei de transmissão dos caracteres
adquiridos não está de acordo com as leis da hereditariedade de que apenas
características herdadas no genótipo são transmissíveis, e que as adquiridas
durante a vida não são porque não compõem o genótipo, porém na conclusão
é dito que Lamarck nem poderia ter pensado nisso e, portanto, ter explicado
corretamente, pois na época não se sabia nada sobre genes, DNA e herança
genotípica.
É dito também que embora as teorias de Lamarck não estivessem
corretas elas foram de grande importância para a ciência, pois Lamarck foi que
teve o mérito de relacionar muitos exemplos de adaptações e foi o primeiro a
falar em evolução numa época em que esse assunto não era aceito pela
comunidade científica.
Existem duas imagens relacionadas à Lamarck presentes no texto, uma
é um retrato do naturalista e a outra é a foto de uma ave pernalta, sendo o
tamanho de ambas as imagens de aproximadamente um sexto da página para
cada.
Não existem quadros contextualizando historicamente o período em que
Lamarck viveu, nem sobre a construção do conhecimento científico, sendo que
tais informações não se fazem presentes nem no próprio corpo do texto. Outra
44
coisa que não existe é a comparação feita entre as teorias de Lamarck e
Darwin.
Um fator que chama a atenção no capítulo é que ao final deste existe
uma página que se dedica a criticar informações estudadas. O tema deste item
é a utilização das girafas como exemplo clássico para as teorias de Lamarck, o
qual, segundo o autor do livro, tem sido muito contestado pelos cientistas, os
quais afirmam que tal exemplo é utilizado pela força de sua tradição porque
nem Lamarck e nem Darwin deram destaque à girafa como símbolo do
processo de evolução.
As crítica, segundo o autor, se devem às observações de que as girafas
somente se alimentam das folhas presentes nas copas das árvores durante a
estação chuvosa, pois na estação seca seu alimento é retirado de arbustos , de
que as fêmeas possuem o pescoço significativamente menor em relação aos
machos de sua espécie e de que não há nenhum registro fóssil de formas
aparentadas com a girafa, porém com pescoço mais curto.
O capítulo possui duas páginas de exercícios, sendo que eles compõem
um total de quatorze questões.
4.2. COMPARAÇÃO ENTRE AS OBRAS
Neste item, serão comparados os resultados obtidos com o exame dos
quatro livros didáticos, facilitando para os leitores a visualização e
compreensão dos aspectos abordados pelo TGI.
Após a realização dos resumos individuais de cada uma das obras, é
possível perceber que alguns dos conteúdos, bem como outras características,
são comuns a todas elas.
Nota-se que em geral os livros didáticos mencionam pouco, ou nada,
sobre outros naturalistas que viveram anteriormente ou no mesmo período em
que Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744 –
1829) viveu, e quando isso ocorre, é mostrado ao aluno apenas uma das
teorias desses naturalistas, geralmente não sendo explicado a maneira como
estas poderiam ter influenciado as ideias de Lamarck ou até mesmo de outros
pesquisadores.
45
Além disso, quando é apresentado algo sobre o contexto histórico, é
feito de maneira breve, sendo descritos, dentro do próprio corpo do texto,
apenas alguns detalhes sobre os naturalistas, os quais não permitem ao aluno
conhecer e entender como de fato era o contexto em que eles estavam
inseridos. Essas informações geralmente são a data em que o naturalista
nasceu e a data em que ele morreu, a principal ideia que ele desenvolveu,
onde trabalhou e em que revista publicou sua teoria, ou seja, uma breve
biografia.
Esse tipo de abordagem, descontextualizada, não permite ao educando
compreender exatamente a maneira como a construção do conhecimento
científico ocorre, pois mesmo sendo apresentado o naturalista e suas ideias,
não é mencionado nada sobre o processo de construção de suas ideias, sobre
a influência que as obras de outros naturalistas possam ter exercido sobre seus
pensamentos, ou mesmo sobre as críticas que ele possa ter recebido ao
divulgar suas teorias.
Quando pretende-se contar sobre o contexto histórico mais geral que
estava ocorrendo em um determinado período (movimentos filosóficos,
avanços tecnológicos e sociais, por exemplo), não relacionado diretamente
com o naturalista, mas que pôde ter exercido influências sobre ele, são
utilizados quadros separados do texto. Porém essa relação entre o contexto e a
construção das teorias não é apresentada de maneira explícita, podendo
dificultar sua compreensão pelo aluno.
Também foi encontrado nas obras examinadas, talvez para facilitar a
compreensão dos alunos sobre a lei do uso e do desuso, o exemplo das
girafas, que segundo as explicações presentes no material, tiveram que esticar
seus pescoços e membros anteriores para alcançar as folhas das copas das
árvores e assim conseguirem se alimentar. Esse exemplo somente não está
presente no livro 4, no qual as girafas são mencionadas apenas no final do
capítulo, como uma crítica a sua comum presença como exemplo nos demais
livros didáticos.
Em geral, esse exemplo aparece no corpo do texto, na forma de
ilustrações e também nos exercícios, sendo rara a presença de outros
exemplos que ilustrem as leis de Lamarck, como o exemplo dos tamanduás,
apresentado pelo livro 2.
46
Algo que aparece bastante (quando aparece) diz respeito às publicações
das leis de Lamarck. Na maioria dos livros aparece a informação de que as leis
desse naturalista foram publicadas apenas na Philosophie Zoologique, e que
essa foi sua obra final, ou até mesmo sua única obra, quando isso não é
verdade.
Além disso, é comum encontrar nesse material uma comparação entre
as obras de Lamarck e de Darwin. Em algumas delas, a comparação é feita
explicitamente, como no livro 1, no qual existe um tópico especificamente para
isso, confrontando as ideias de ambos os naturalistas, principalmente quanto a
influência do meio (o papel que o este exerce sobre as mutações) na visão de
cada um dos dois. Essa comparação também aparece implicitamente quando
antes ou após a apresentação das teorias de Darwin é dito que, de certa forma,
ele “corrigiu” o que Lamarck havia dito.
Tal comparação também é encontrada em grande parte dos exercícios
que acompanham o capítulo. Reforça a ideia de que Lamarck estava errado e
não pensou direito, e de que Darwin foi um gênio que corrigiu a “burrada” que o
outro fez.
É encontrada, também, nos livros didáticos a utilização de termos que
surgiram recentemente na história, sendo apresentados como se eles já
tivessem sido pensados e utilizados pelos naturalistas naquela época, o que é
errado e contribui erroneamente para a compreensão dos alunos sobre a
construção do conhecimento científico (acronologia).
Além disso, alguns termos que Lamarck utilizou em suas obras, e que já
foram questionados por outros pesquisadores (como o termo necessidade), é
mencionado e utilizado didaticamente para explicar uma das leis de Lamarck, a
chamada de segunda lei. Isso pode influenciar o aluno a pensar que as leis de
Lamarck, principalmente essa, não são científicas e que estavam erradas.
Também foi possível observar que na maioria das obras examinadas a
quantidade de páginas destinadas ao tema Evolução é pequena, em alguns
deles nem chegando a ocupar quinze páginas (como é o caso do livro 3),
embora apareça em maior quantidade em alguns deles (como no livro 1, no
qual esse tema ocupa um espaço de 107 páginas, contando com os
exercícios).
47
O mesmo acontece com Lamarck. Nos materiais analisados as teorias
desse naturalista são apresentadas em duas ou três páginas, no máximo,
considerando-se o total de páginas do livro e também do capítulo em que elas
são apresentadas. Essas informações são mais bem percebidas com a figura
1:
Figura 1: Comparativo entre a quantidade total de páginas dos quatro livros didáticos, a
quantidade destinada ao tema Evolução e a quantidade referente às teorias de Lamarck.
Já em relação aos exercícios presentes nos livros, foram selecionados
somente os que abordavam o tema Evolução e, entre estes, os que abordavam
as teorias de Lamarck. Os resultados obtidos estão representados na figura 2.
Figura 2: Comparativo entre os livros, referente à quantidade total de exercícios presentes no
capítulo sobre Evolução e à quantidade de exercícios sobre as teorias de Lamarck, presentes
no mesmo capítulo.
48
Após observar os dados é possível perceber que a quantidade de
exercícios que trabalham com as leis de Lamarck nos livros didáticos mantém
uma determinada proporção entre os materiais, ocupando aproximadamente
um terço da quantidade total de exercícios em cada um. A outra parte,
(aproximadamente dois terços) que não está representada no gráfico acima,
diz respeito às teorias do naturalista Charles Robert Darwin (1809 – 1882).
Já quanto às imagens referentes a Lamarck presentes neles, de maneira
geral, não existem mais do que três ou quatro figuras representando o
naturalista e suas leis. O que predomina nos livros são imagens que
representam fotos desse naturalista (aparecendo em 2 dos) e figuras ilustrando
o exemplo das girafas, o que aparece em três dos quatro examinados, sendo
que no livro 4 essa imagem também aparece, porém no final do capítulo e na
forma de um questionamento sobre essa informação (o que pode ser verificado
no resumo deste material). Aparecem também, em alguns desses materiais,
como nos livros 2 e 4, alguns outros exemplos como o do tamanduá e o de
aves pernaltas, descritos por Lamarck.
Outro fato que chama a atenção e merece destaque nos resultados é
que em todos os quatro livros examinados estão presentes apenas duas de
suas leis, a “lei do uso e do desuso” e a “lei de transmissão das características
adquiridas”, quando na verdade Lamarck não criou apenas essas duas, mas
sim quatro leis no total.
Os nomes dessas duas leis mencionadas pelos livros didáticos não são
os originais, sendo eles, respectivamente “desenvolvimento ou atrofia de um
órgão em função de seu emprego” e “a herança do adquirido”.
As outras duas leis, que recebem o nome de “tendência para o aumento
da complexidade” e “surgimento de órgãos em função de necessidades que se
fazem sentir e que se mantém”, não são mencionadas em momento algum por
nenhuma das obras.
Na maioria dos livros, Lamarck aparece como um pesquisador que não
comprovou cientificamente suas teorias, tendo contribuído para a ciência
apenas por ser um dos primeiros pensadores que rejeitaram as ideias fixistas
de que todas as espécies viventes foram criadas por Deus e se mantiveram
49
dessa forma, sem sofrer alteração alguma, desde seu surgimento. Este o único
atributo bom que Lamarck recebe nos livros didáticos.
5. ANÁLISE
Sendo que os objetivos do trabalho visam conhecer a maneira como o
contexto histórico e filosófico é apresentado nos livros didáticos de Biologia,
assim como as teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro
de Lamarck (1744-1829), verificando-se as semelhanças e diferenças desses
conteúdos entre as obras examinadas, a fim de propor maneiras para o
aprimoramento da abordagem de ambos os aspectos no ensino de Evolução,
foi elaborada a seguinte análise (a qual foi elaborada segundo os tópicos de
observação descritos na metodologia e está pautada nos referenciais teóricos).
Quanto à organização dos conteúdos nos livros didáticos, de maneira
geral, os que se referem ao tema Evolução estão presentes na metade ou no
final do livro, o que pode significar que esse assunto provavelmente será um
dos últimos trabalhados em sala de aula, principalmente no caso de o professor
seguir a sequência de conteúdos, exatamente da maneira como ela está
presente nesse material, para a preparação de suas aulas. Isso é possível de
acontecer, pois segundo Fracalanza e Neto (2003) o livro didático é utilizado
pelos professores para a elaboração e preparação de seus planejamentos
anuais e de suas aulas, portanto, a tendência é de que seja seguida a
sequência de conteúdos de acordo com o material que eles utilizaram como
base.
Encontrar os capítulos referentes a Evolução na parte final do livro
ocorreu conforme o esperado, pois o estudo sobre os conteúdos presentes nos
livros didáticos de Biologia, realizado por Cicillini (1991 apud DIAS;
BERTOLOZZI, 2009), mostra que em geral estes materiais seguem uma
tendência na forma como apresentam a sequência de seus conteúdos, a qual
quase sempre começa com a apresentação das células, depois dos tecidos e
órgãos e por fim chega ao estudo dos seres vivos, da Genética, Evolução e
Ecologia, podendo existir apenas algumas pequenas variações entre as obras.
Apresentando ideias semelhantes a essa, os autores Almeida e Falcão
(2010) dizem que o tema Evolução quase sempre aparece nos livros didáticos
50
após a unidade referente à Genética, estando esse sequenciamento baseado
no pressuposto de que a apresentação da Genética, precedendo as teorias
evolucionistas, facilitaria a compreensão dos alunos sobre a teoria de Darwin, o
que tornaria possível ao educando compatibilizar os conceitos de Genética e
Evolução simplesmente por tomarem conhecimento de ambos. Porém, ainda
segundo os autores, essa forma de apresentação dos conteúdos não garante
que os alunos compreenderão tão facilmente essa sequência didática, podendo
levá-los a não adquirir a noção de que na história essa não foi a verdadeira
ordem dos acontecimentos.
Outro fato também percebido quanto à organização dos livros didáticos
refere-se à quantidade de páginas. Foi observado que entre a quantidade total
de páginas presente em cada livro, as destinadas ao tema Evolução eram
significativamente poucas, assim como as destinadas à apresentação das leis
de Lamarck, o que, segundo Dias e Bertolozzi (2009), pode indicar que para os
autores dos livros didáticos examinados não é dada muita importância a esses
temas, uma vez que a quantidade de páginas destinadas a um determinado
assunto nesse material reflete sua importância para o seu autor.
Sobre a maneira como as teorias de Lamarck são tratadas, em todas as
obras examinadas ela se resume a apenas duas leis, chamadas por elas de
“Lei do uso e do desuso”, a qual seria a primeira lei formulada por esse
naturalista, e a outra de “Lei da transmissão das características adquiridas”, a
qual seria sua segunda lei. No entanto, ao fazer isso, os autores estão
cometendo erros de duas naturezas, os quais estão destacados nos próximos
parágrafos.
O primeiro é a denominação que essas leis recebem nos livros didáticos,
pois elas não foram chamadas dessa maneira por Lamarck. Originalmente a
primeira lei mencionada pelas obras didáticas recebeu o nome de
“desenvolvimento ou atrofia de um órgão em função de seu emprego” e a
segunda lei de “herança do adquirido”, e, embora a explicação de ambas, feita
por esses materiais se aproxime da explicação original, os autores se utilizam
de termos que não existiam na época e que não foram originalmente utilizados
pelo naturalista. Segundo Martins e Brito (2006), o uso de termos que surgiram
após a elaboração de uma determinada teoria, para descrevê-la didaticamente,
pode fazer com que o aluno valorize somente o que é aceito e utilizado
51
atualmente, ou então pode levá-lo a formar uma visão distorcida e tendenciosa
em relação às ideias originais, por esse motivo deveria ser priorizada a
utilização dos termos originalmente descritos.
O segundo erro diz respeito à citação de apenas duas leis (as quais são
intituladas como primeira e segunda leis), quando na verdade existem outras
duas, totalizando quatro leis. Segundo Martins e Brito (2006), nas versões
finais da teoria de Lamarck, mais especificamente na Historie naturelle des
animaux sans vertebrès (MARTINS, 1997), são apresentadas outras duas leis,
as quais seriam na realidade as duas primeiras, ao contrário do que está
descrito nos livros didáticos.
A primeira lei, como foi originalmente intitulada por Lamarck, recebeu o
nome de “tendência para o aumento da complexidade” e faz referência à
tendência existente na natureza para o aumento da complexidade na escala
animal e para o aumento das faculdades dos seres vivos ao longo do tempo,
sendo essa tendência o fator responsável pelo desenvolvimento e pelas
mudanças ocorridas no indivíduo desde o ovo até sua fase adulta e também
pela constituição de uma escala, entre os grandes grupos taxonômicos,
formada devido à presença de um crescente aumento na complexidade dos
órgãos essenciais, aparelhos e sistemas (MARTINS, 1997, MARTINS; BRITO,
2006).
Já a segunda lei originalmente descrita por ele, recebeu o nome de
“surgimento de órgãos em função de necessidades que se fazem sentir e que
se mantêm”. Com essa lei, Lamarck tentou explicar o surgimento de um novo
órgão a partir de mudanças ocorridas nas circunstâncias do ambiente, as quais
acabam gerando novas necessidades e, consequentemente, movimentos nos
fluidos corpóreos, nutritivos e nervosos do animal, fazendo com que os fluidos
se concentrem em uma determinada região (onde a necessidade se faz
presente) e que isso, ao longo de muitas gerações, possa provocar o
aparecimento de novos órgãos em seu corpo, os quais poderão ser mantidos
se as circunstâncias do meio que provocaram seu surgimento se mantiverem
as mesmas e se a necessidade ainda se fizer sentir (MARTINS, 1997,
MARTINS; BRITO, 2006).
Também
foi
mencionado
por
quase
todos
os
materiais
examinados o exemplo das girafas, utilizado para exemplificar a chamada lei
52
do uso e do desuso (originalmente chamada de desenvolvimento ou atrofia de
um órgão em função de seu emprego), ou para fazer uma comparação entre as
explicações de Lamarck e de Darwin quanto ao papel do ambiente (a influência
que este exerce) sobre a aquisição de novas características pelos seres vivos.
De acordo com Almeida e Falcão (2010), esse exemplo foi utilizado no Brasil
possivelmente pela primeira vez nos anos 60, com a publicação do BSCS8
versão azul (Biological Sciences Curriculum Study), o qual teria sido traduzido
para o Português e trazido para cá nesse período por provavelmente ter sido
visto como uma inovação para o ensino das ciências. Desde então, ainda
segundo esses autores, o exemplo das girafas passou a ser frequentemente
reproduzido nos demais livros brasileiros.
Ainda quanto ao exemplo das girafas, Bellini (2006) diz que os livros
didáticos permanecem contando, de geração a geração, essa tradicional
história para explicar a lei do uso e do desuso, colocando-a como parte central
da hipótese de Lamarck. Entretanto, a autora afirma que a alusão ao pescoço
das girafas na história de Lamarck só está presente, de maneira breve, em
apenas uma parte da obra Philosophie Zoologique, e que, portanto, não tem a
importância que os livros didáticos lhe conferem. Relata, ainda, que vários
outros exemplos foram mencionados nas obras de Lamarck, mas que mesmo
assim esse se tornou o mais utilizado.
Foi também na coleção de livros do BSCS que, segundo Almeida e
Falcão (2010), possivelmente apareceu pela primeira vez a comparação entre
as teorias de Lamarck e de Darwin, colocada como dois pontos de vista em
conflito, o que acaba passando a ideia de que a teoria de Lamarck não passou
de uma mera hipótese sem base experimental e provas científicas
(principalmente referente a lei da transmissão das características adquiridas),
enquanto que a teoria de Darwin ocupa o papel oposto, de trabalho
experimental comprovado cientificamente pela seleção natural.
___________________________
8
A coleção dos livros de Biologia denominadas Biological Science Curriculum Study (BSCS)
surgiu nos Estados Unidos, nos anos 60, a fim de garantir maior desenvolvimento econômico,
cultural e social, assim como maior hegemonia norte-Americana, incentivando jovens talentos a
seguir carreiras científicos. Além dessa coleção, surgiram também, no mesmo período, as
coleções de Física (Physical Science Study Commitee – PSSC), de Química (Chemical Bond
Approach – CBA) e de Matemática (Science Mathematics Study Group – SMSG)
(KRASILCHICK, 2000).
53
Outro aspecto relevante encontrado com frequência nos livros foi a menção
que é feita a apenas uma das obras de Lamarck, a Philosophie Zoologique,
não sendo apresentadas as outras obras publicadas pelo naturalista, tais como
Recheches sus l'organisation des corps vivants (1800); Historie naturelle des
animaux sans vertebrès (1815), e os discursos como os Discours d'orventure
(1800-1803), entre outras, o que acaba por omitir um conjunto de obras onde
ele descreveu suas teorias, não permitindo aos alunos conhecerem mais
profundamente a teoria geral, provocando neles uma visão tendenciosa e
diferente da real (ALMEIDA; FALCÃO, 2010).
A maneira como as ideias de Lamarck são apresentadas nos livros
didáticos de biologia abandona a riqueza dos detalhes observados por ele e,
consequentemente, da construção metodológica que ele teceu para dar suas
explicações teóricas. Descrevem uma suposta teoria e supostas leis, a partir de
um único exemplo, supostamente presente em uma única obra, que se
transforma em modelo (BELLINI, 2006).
Não se pode dizer que a teoria de Lamarck está baseada em apenas
duas leis, dotadas de apenas dois clássicos exemplos e agrupada em apenas
uma única obra. Para uma boa descrição da teoria deste naturalista é preciso
saber que existem outras obras, ler todas elas e compará-las, e não se basear
em apenas uma, como geralmente é feito (MARTINS, 1998). As teorias ,
hipóteses ou ideias são descritas erroneamente pelos autores dos livros
didáticos, justamente pelo fato de eles desconhecerem grande parte das obras
originais, o que os leva a se utilizarem de informações errôneas e, com isso,
construírem relações também equivocadas e conclusões erradas, as quais
serão aprendidas pelos alunos (MARTINS; BRITO, 2006).
Ao abandonar os detalhes e se ater apenas a uma visão simplista, com
narrativas
simplificadas,
acabam-se
omitindo
aspectos
importantes
e,
consequentemente, impedindo a percepção de que a construção do
conhecimento e pensamento científico é um processo complexo e que inclui
erros e acertos, também omite a realidade de que a ciência, por ser feita por
seres humanos que podem cometer enganos e erros, é falível, questionável e
mutável (MARTINS; BRITO, 2006).
Referente à imagem que é passada para os leitores dos livros didáticos
sobre Lamarck, de maneira geral, é dito nesses materiais que sua teoria não
54
pode ser considerada como científica, pois as explicações e exemplos
levantados por ele não puderam ser provados experimentalmente e, também,
porque suas leis trazem conceitos errados, principalmente a qual recebe o
nome nos livros de “lei de transmissão das características adquiridas”.
De acordo com os livros, essa lei não pode ser aceita porque já foi
comprovado cientificamente que as características adquiridas ao longo da vida
do animal não podem ser transmitidas para as futuras gerações, pois só se
transmite para a prole o que está presente no material genético do indivíduo.
Realmente no período atual a ideia de transmissão de caracteres
adquiridos não é aceita, pois já sabemos que a transmissão das características
só ocorre pelo genótipo, porém, ao fazer essa afirmação os autores dos livros
didáticos excluem o contexto histórico da época de Lamarck, pois não
mencionam que essa não é uma ideia original dele, mas que já aparecia na
literatura, sendo bem aceita na época, muito antes de ser descrita por ele e que
talvez por esse motivo ele não tenha entrado em muitos detalhes e nem se
utilizado de muitos exemplos para descrever essa lei em suas obras
(MARTINS; BRITO, 2006).
Martins, 1997, relata em seu texto que além de a herança do adquirido
ocupar um papel secundário em sua hipótese, essa é uma ideia muito anterior
a Lamarck e que continuou existindo por muito tempo depois dele, sendo aceita
também por Charles Darwin, que a considerou até o fim de sua vida, admitindo
que as mudanças acidentais, como a perda do chifre de uma vaca por doença,
fossem transmitidas aos seus descendentes, porém isso não é mencionado em
momento algum pelos livros didáticos.
A possível limitação de conhecimentos sobre a Filosofia e a História da
Ciência por parte dos autores dos livros didáticos, bem como o tipo de narrativa
geralmente simplificada empregada por eles nesse material, na busca por
facilitar a compreensão dos conteúdos pelos estudantes, são fatores que
podem vir a contribuir para a formação da ideia de que existiram os cientistas
geniais (que fizeram tudo certo, comprovando experimentalmente suas ideias e
apresentando, já em seu tempo, exatamente o que é aceito agora), e que, por
outro lado, existiram os imbecis que fizeram tudo errado, podendo, sem querer,
acabar criando a ideia de que as teorias desses últimos não passaram de
55
simples hipóteses sem caráter científico. (MARTINS; BRITO, 2006, BELTRAN
et al., 2011, DIAS; BERTOLOZZI, 2009, BELLINI, 2006).
Quando é mencionado algum mérito científico de Lamarck, apenas é dito
que ele foi um dos primeiros pesquisadores a romper com a tradicional ideia
fixista de que os organismos foram criados por Deus e que permaneceram
possuindo exatamente as mesmas características desde então. Esse fato é
verdadeiro, porém ele também contribuiu de outras maneiras para o avanço da
ciência, as quais não são mencionadas.
Como exemplos de suas demais contribuições, Lamarck colaborou com
a sistemática ao introduzir no meio científico o critério presença ou ausência de
ossos, empregando, nesse sentido, os termos “vertebrados” e “invertebrados”,
procurou explicar a origem do homem e de suas faculdades superiores (como
capacidade de memorização e atenção), tentou elaborar uma história da
natureza, esforçou-se para descrever o conhecimento sobre o mundo natural e,
dentre outras coisas mais, cunhou o termo biologia (foi o primeiro naturalista a
definir a Biologia e o que ela estuda), o que levou à união das diversas áreas
de conhecimento, do que até então era estudado de maneira fragmentada
dentro das ciências naturais (MARTINS; BRITO, 2006, DIAS; BERTOLOZZI,
2009).
Em suma, os principais problemas encontrados nos livros didáticos,
referentes à Lamarck se devem, em grande parte, à problemas relativos a
utilização da Filosofia e História da Ciência, a qual na maioria das vezes não se
mostra satisfatória. Outro fator que se mostra problemático é a simplificação de
sua teoria nos livros didáticos de biologia, talvez até por causa do pouco
conhecimento que os autores desse material possam ter sobre as obras
originais do naturalista (MARTINS; BRTIO, 2006, BELTRAN et al., 2011, DIAS;
BERTOLOZZI, 2009, BELLINI, 2006).
O contexto histórico geralmente é pouco mencionado nos livros
didáticos, sendo apresentadas as teorias dos naturalistas sem praticamente ser
feita a relação entre eles e o contexto de sua época, ou a relação entre os
próprios naturalistas (sobre quem viveu em época anterior ou posterior, ou
sobre como as ideias de um podem ter influenciado as ideias do outro).
Quando o contexto histórico aparece nos livros, geralmente está descrito em
poucas linhas no próprio texto, na forma de pequenas biografias, ou então em
56
um pequeno quadro ao lado do texto principal, possivelmente não fornecendo
ao leitor um conhecimento mais aprofundado a esse respeito.
Os autores Beltran et al., 2011 retratam em seu texto que esse tipo de
abordagem histórica, na forma de biografias ou de quadros separados do texto
principal, pode ser um dos fatores que levariam os alunos a criar uma visão
distorcida sobre a construção do conhecimento científico, ou a pensar que a
ciência é neutra, sem erros e concluída/imutável.
Para minimizar esses problemas, os autores dos livros didáticos
poderiam receber o auxílio de profissionais especialistas em Filosofia e História
da Ciência para escrever os conteúdos presentes nesses materiais. Enquanto
isso não é realizado, cabe aos professores procurarem contextualizar, da
melhor maneira que puderem, os conteúdos que estão trabalhando com os
alunos.
Para isso, os professores podem procurar conhecer melhor o contexto
histórico presente por trás das teorias, pesquisando as obras originais dos
naturalistas e cientistas, lendo trabalhos que, assim como este, abordem esse
tipo de problema, ou até mesmo, podem levar para a sala de aula outros
materiais que complementem os livros didáticos, entre outras ações que podem
ser feitas.
É importante que os professores desconfiem de relatos extremistas, que
apresentem a ideia de existência de gênios que elaboraram suas teorias sem
problema algum, sem dificuldades, as quais já foram imediatamente aceitas
pela comunidade científica, pois essa visão descaracteriza a ciência como de
fato ela é. Devem também desconfiar da apresentação da situação oposta, da
existência daqueles pesquisadores que fizeram tudo errado, o que implicou na
não aceitação de suas teorias em momento algum, pois é provável que embora
elas não sejam mais aceitas atualmente, já tenham sido plausíveis e aceitáveis
em sua época.
Os professores poderiam, também, mencionar em suas aulas que as
ideias e teorias que surgem antes, na escala do tempo, são utilizadas como
base para as teorias que surgiram posteriormente, pois os autores das teorias
mais modernas podem ter tido acesso às mais antigas e se baseado nelas para
elaborar as suas próprias. No contexto de Lamarck e Darwin, é necessário e
57
importante que o professor não deixe de mencionar que esse caso pode ter
acontecido entre eles.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os livros didáticos constituem um material importante para alunos e
professores, podendo ser o único material a que os estudantes têm acesso
durante sua formação, além de ser o material utilizado de base para os
professores prepararem suas aulas. A presença de conteúdos pouco
contextualizados nesse material pode contribuir para que os alunos formem
uma visão inadequada da Ciência, da maneira como ela é constituida e dos
processos pelos quais ela passa constantemente.
A visão inadequada dos estudantes sobre a Ciência, deixando de
perceber que ela é um processo humano e que,
como tal é passível de erros, pode levá-los a não desenvolverem senso crítico
e, consequentemente, a aceitarem todas as informações que receberem ao
longo de suas vidas como verdades absolutas. Dessa forma podem deixar de
fazer suas próprias escolhas e, assim, tornarem-se vulneráveis a manipulações
de diversos agentes sociais.
Nesse sentido, há a necessidade de uma reflexão sobre os conteúdos
relacionados à História da Ciência nos livros didáticos, a fim de que eles
possibilitem ao aluno uma melhor compreensão sobre a construção do
pensamento científico, sobre a participação humana nessa atividade, e para
que possa assim desenvolver senso crítico e ser capaz de participar
efetivamente das questões sociais.
Dessa forma, pesquisas relacionadas aos livros didáticos e à utilização
da História da Ciência por eles (não somente aos utilizados pelo Ensino Médio,
mas também a todos os outros níveis de ensino), podem auxiliar na melhoria e
na maior adequação desses materiais.
58
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Giselle de Faria Romero