1 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS GISELLE DE FARIA ROMERO AS TEORIAS DE LAMARCK NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA: UMA VISÃO SOB A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA São Paulo 2012 2 GISELLE DE FARIA ROMERO AS TEORIAS DE LAMARCK NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA: UMA VISÃO SOB A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para o Curso de Ciências Biológicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para a obtenção do título de Licenciada em Ciências Biológicas. Orientador: Prof. Dr. Waldir Stefano São Paulo 2012 3 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus por ter me proporcionado todas as oportunidades que tive até aqui, sempre estando ao meu lado e me dando todas as forças necessárias para conseguir vencer cada nova etapa da minha vida. Agradeço também a minha família, aos meus pais, avós, meu irmão, tios e primos, que estiveram na torcida pelo meu sucesso diariamente durante todos esses anos, desde o dia em que nasci, sempre me incentivando, me apoiando e me ajudando a seguir em frente e a ultrapassar cada obstáculo. Também agradeço ao meu namorado, que nesses últimos anos da minha vida sempre esteve presente ao meu lado, me incentivando, me ajudando e acreditando no meu potencial. Agradeço ao meu orientador, Waldir Stefano, por toda a ajuda que me forneceu, assim como pela paciência e dedicação durante todo o semestre no auxílio com a construção deste trabalho. A todos os professores do curso de Biologia, deixo meus agradecimentos por terem me mostrado um novo mundo, repleto de informações novas para mim, contribuindo imensamente com a minha formação profissional e pessoal. Agradeço a todos os meus colegas de curso por todo o incentivo, em especial nesse momento aos “Guerreiros da Licenciatura” por toda a amizade, dedicação, ajuda, pelo carinho, pelos trabalhos em conjunto, enfim, por todos os momentos desse período, os quais certamente permanecerão para sempre em nossos corações. 4 Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende. Leonardo da Vinci 5 RESUMO Sabe-se que a utilização da História da Ciência em sala de aula pode ser uma ferramenta importante de auxílio para o professor e para os alunos, facilitando o trabalho e a compreensão de como a ciência é constituída, que não é algo linear, imutável ou verdade absoluta. Sua utilização pode estabelecer um ensino contextualizado e crítico. O livro didático é um material que tem significativa importância nesse processo, já que é utilizado em diversas escolas da rede básica de ensino brasileira, chegando a ser muitas vezes o único material a que os alunos têm acesso, ou o material do qual os professores se utilizam para aprimorar seus conhecimentos e criar seus planos de aula. Dessa forma, os objetivos do trabalho visam conhecer mais sobre como a História da Ciência vem sendo apresentada nos livros didáticos de Biologia no Brasil, quanto ao tema Evolução e mais especificamente quanto às teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744 – 1829). Para atingir os objetivos mencionados, foi realizado um levantamento bibliográfico, com foco nas teorias de Lamarck, com posterior análise dos dados obtidos, de acordo com o referencial teórico. Os resultados mostram que em todos os livros analisados estão presentes apenas duas das quatro leis descritas por Lamarck, às quais é atribuído o caráter de meras hipóteses não-científicas, por não terem sido comprovadas cientificamente, também, é mencionada apenas uma das publicações desse naturalista, como se fosse sua única. Além disso, percebe-se que existe pouca abordagem dos contextos Histórico e Filosófico nesse material, o que pode levar os alunos a formar uma visão distorcida e tendenciosa sobre a construção do pensamento científico e sobre as contribuições feitas ao longo do tempo pelos diversos naturalistas e pesquisadores. Palavras-chave: Evolução, Ensino, Livro Didático, Contexto Histórico e Filosófico, Lamarck. 6 ABSTRACT It is known that the use of History of Science in the classroom can be an important tool of aid for the teacher and the students, facilitating the work and understanding of how science is composed, that is not something linear, immutable or absolute truth. Its use can establish a teaching contextualized and critical. The textbook is a material that has significant importance in this process, because that is used in various schools of the basic network of brazilian education, reaching to often be the only material to which the students have access, or the material of which the teachers if they use to improve their knowledge and create their lesson plans. This way, the objectives of the work aimed at understanding more about how the History of Science has been presented in textbooks of Biology in Brazil, on the subject development and more specifically on the theories of Jean-Baptiste Pierre Antoin, the knight of Lamarck (1744 – 1829). To achieve the objectives mentioned, a bibliographic survey was carried out, with a focus on the theories of Lamarck, with further analysis of the data obtained, according to the theoretical framework. The results show that in all analyzed books are present only two of the four laws described by Lamarck, assigned the character of mere hypotheses nonscientific, because they have not been proven scientifically, and mentioned, also, only one of the publications of this naturalist, as if it were his only work. In addition, it is seen that there is little approach of historical contexts and philosophical in that material, which can lead students to form a vision distorted and biased on the construction of scientific thought and on the contributions made over time by various naturalists and researchers. Keywords: Evolution, Philosophical, Lamarck. Education, Textbook, Historical Context and 7 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................8 2. REFERENCIAL TEÓRICO ...........................................................................10 2.1 Os processos de ensino e aprendizagem ..............................................10 2.2 O Livro Didático e o PNLEM (Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio) .................................................................................................12 2.3 A utilização da História da Ciência na Educação ..................................15 2.4 Breve histórico sobre Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck, e suas teorias ...........................................................21 3. METODOLOGIA ...........................................................................................26 4. RESULTADOS .............................................................................................30 5. ANÁLISE …...................................................................................................49 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................57 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................58 8 1. INTRODUÇÃO Tendo-se conhecimento de que a ciência é uma produção humana, influenciada pelos princípios que regem a cultura e a sociedade, Carvalho et al. (2004) diz que não se pode conceber atualmente o ensino de Ciências e Biologia sem que este esteja vinculado às discussões sobre os aspectos tecnológicos e sociais que cercam a construção da ciência. Nessa mesma perspectiva, Martins e Brito (2006) afirmam que a utilização da História da Ciência no ensino da ciência pode contribuir para uma visão mais adequada da maneira como ocorre a construção do pensamento científico, das contribuições dos pesquisadores e também levar a uma maior compreensão e melhor conhecimento do processo de formação de teorias, modelos, entre outros. Segundo Rosa e Silva (2010), o livro didático se tornou um material pedagogicamente popular, podendo ser, em muitos casos, o único material com que os estudantes têm contato. Porém, os livros e apostilas de Biologia raramente abordam a História da Ciência e, quando o fazem, muitas vezes abordam na forma de pequenas biografias separadas do texto principal, levando o aluno a criar uma visão da ciência como neutra, livre de erros e formada pelos acertos de poucas pessoas geniais (BELTRAN et al., 2011). Quanto às teorias evolucionistas presentes nos livros didáticos de biologia, de acordo com Dias e Bertolozzi (2009), é comum encontrar a abordagem do tema Evolução como concluído e desprovido de contextualização histórica. A teoria da Evolução muitas vezes é apresentada na forma de uma análise superficial, se dando muitas vezes pela comparação entre as teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744 – 1829) e Charles Robert Darwin (1809 – 1882), na qual as teorias de Lamarck geralmente são colocadas como erradas e posteriormente corrigidas por Darwin (1809 – 1882) (BELTRAN et al., 2011). Apresentando ideias semelhantes, Dias e Bertolozzi (2009) retratam que nesses materiais a teoria de Lamarck é rebaixada a uma mera hipótese sem base experimental e sem a prova científica da transmissão das características adquiridas, portanto é errada e não científica, enquanto que as teorias de Darwin compõem um trabalho científico devido ao fato de ele ter provado experimentalmente sua veracidade, corrigindo o que Lamarck havia dito sobre tal assunto. 9 Partindo-se do pressuposto de que o livro didático está diretamente relacionado ao ensino e aprendizagem, de modo que já não seja mais possível ocorrer uma desvinculação entre ambos, e que contribui diretamente para a formação dos cidadãos, julgou-se necessária a avaliação das obras antes de sua aquisição pelas instituições escolares. Desse modo, têm sido feitos diversos programas de melhoria da qualidade do livro didático e da garantia de ampla distribuição desse material para os estudantes da rede pública brasileira pelo Governo Federal, por intermédio do Ministério da Educação, desde a década de trinta do século vinte (FRACALANZA; NETO, 2003). Pensando-se na importância da contextualização científica para facilitar e aprimorar o ensino, julgou-se necessária a presença desse conteúdo nos livros didáticos, estabelecendo-se como um dos critérios de classificação destes pelo PNLEM a apresentação adequada da História da Ciência contida neles. Dias e Bertolozzi (2009) dizem que os PCN do Ensino Médio afirmam que os livros didáticos devem permitir ao educando a compreensão das ciências como atividade humana e que, como tal, se desenvolve por continuidade ou ruptura de paradigmas, não tem respostas definitivas para tudo e pode ser questionada e transformada, o que se torna melhor perceptível quando os contextos históricos e filosóficos são trabalhados. Por esses motivos o presente trabalho realiza uma análise bibliográfica em livros didáticos, utilizados por alunos do Ensino Médio na rede básica de ensino brasileira, a fim de buscar neles dados referentes à História da Ciência, relacionados às teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744-1829), e como objetivos específicos, pretende-se conhecer a maneira como as teorias de Lamarck são apresentadas nos livros didáticos de Ensino Médio, verificar as semelhanças e diferenças entre os livros didáticos, no que se refere às teorias desse naturalista, e, por ultimo, propor maneiras para o aprimoramento da abordagem dos contextos histórico e filosófico no ensino de Evolução. 10 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Os processos de ensino e aprendizagem Antes de se pensar nos recursos didáticos utilizados no processo educativo, do qual o livro didático faz parte, é preciso primeiramente termos ciência do que é a educação e, portanto, sabermos um pouco sobre os processos de ensino e aprendizagem que a caracterizam. Existem basicamente três modelos de representação das relações entre ensino e aprendizagem, descritos por grande parte dos autores que trabalham com esse assunto, sendo eles o modelo tradicional, o interpretativo e o interacionista. O modelo tradicional descrito por Mizukami (1968) afirma que o aluno não adquire conhecimentos sem que haja uma transmissão deste para ele, feita por alguém que já o possua e que tenha experiência suficiente para passá-lo ao aluno. Tal modelo considera a Ciência como verdade absoluta e indiscutível. Becker (1994), também relata que o conhecimento, segundo o modelo tradicional, é transmitido ao aluno pelo seu professor, mas, além disso, diz que o conhecimento é adquirido com grande influência dos meios físico e social que cercam os alunos, e que o papel do professor, uma vez que esse já se apropriou do conhecimento, é o de transmiti-lo aos educandos. De acordo com essa concepção o estudante é considerado estruturalmente incapaz de assimilar o saber por conta própria, sendo comparado a uma tábula rasa, pois não pode possuir nenhum conhecimento sem que esse lhe seja transmitido por alguém que já o possua. Já para Pozo e Echeverría (2001), o modelo tradicional também é transmissivo, mas para eles existe uma relação linear entre as condições e os resultados da aprendizagem, pois aprender estaria diretamente relacionado com imitar a realidade, uma vez que o conhecimento reflete fielmente o objeto. O modelo interpretativo, nomeado dessa maneira por Pozo e Echeverría (2001), diz que a aprendizagem é ativa, porém também reprodutiva, uma vez que para o aluno adquirir o conhecimento é necessária uma imitação da realidade, mas com sua atividade mental, pois o conhecimento reflete o objeto de maneira distorcida, sendo necessário o uso de técnicas adequadas para reverter essa distorção. Para esse mesmo modelo, o autor Becker (1994) dá o 11 nome de pedagogia não-diretiva, pois nesse caso a pessoa possui uma bagagem hereditária que irá lhe gerar uma predisposição a aprender algumas áreas do conhecimento por conta própria com maior facilidade, sendo papel do professor, portanto, intervir o mínimo possível no processo de aprendizagem e, quando o fizer, deve ser apenas um facilitador. Na visão de Mizukami (1968) quanto ao modelo interpretativo, ao qual atribui o nome de humanismo, todas as pessoas já nascem sabendo determinadas áreas do conhecimento e são capazes de saber que decisões tomar, sendo isso determinado por implicações genéticas, portanto, o professor também é visto como um facilitador, agindo dessa forma apenas nas áreas em que o educando possui hereditariamente mais facilidade. O modelo interacionista, descrito por Becker (1994) como pedagogia relacional, se caracteriza pela problematização. Nesse caso o sujeito desconstrói os conceitos que já possui, devido a uma perturbação, e depois os reconstrói de maneira adequada. Isso é possível porque agora o educando não é mais visto como alguém que não sabe nada antes de lhe ser ensinado, mas sim como alguém dotado de conhecimentos prévios, portanto, o aluno age e problematiza a ação, podendo sempre aprender coisas novas. De acordo com Mizukami (1968), assim como para Pozo e Escheverría (2001), o interacionismo também é baseado na mudança conceitual pela desestruturação e reestruturação de conceitos. Isso ocorre quando o aluno é submetido a situações problema, as quais demandam um rearranjo de seus conceitos prévios para a agregação do novo conceito que está sendo estudado. Segundo os autores, o construtivismo é um modelo interacionista, no qual o aluno e o professor, assim como a relação estabelecida entre ambos, possuem a mesma importância na construção do aprendizado, dependendo um do outro para a eficiência da educação. Vistas algumas das possíveis relações existentes entre ensino e aprendizagem, cabe agora retratarmos a educação em um âmbito mais geral. Segundo Dias e Bertolozzi (2009), grande parte dos conhecimentos e das compreensões que os alunos possuem são provenientes do ensino formal praticado nas escolas. Desta maneira cabe à educação formal, exercida nesse espaço, o cumprimento de dois principais objetivos que são: propiciar ao aluno condições para o desenvolvimento de postura crítica, de modo que ele possa 12 intervir na sociedade desigualdade, e, buscando minimizar os também, proporcionar-lhes efeitos causados pela condições para seu desenvolvimento cognitivo. Krasilchik e Marandino (2004) acrescentam que é necessária a formação dos alunos visando que eles sejam cidadãos dotados de espírito crítico, o que implica que a escola forneça aos alunos condições apropriadas para desenvolverem capacidade analítica para chegar a uma decisão, capacidade de comunicação para ouvir e expressar diferentes pontos de vista e imaginação para se colocar no lugar de outras pessoas, compreendendo suas razões e seus argumentos sem preconceitos. De acordo com o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (2009), no contexto educacional atual é preciso que os professores sejam capazes de proporcionar aos alunos experiências pedagógicas significativas, diversificadas e condizentes com a sociedade em que eles estão inseridos. Dias e Bertolozzi (2009) afirmam que o processo educativo requer que o professor use estratégias e recursos que instiguem, motivem e surpreendam os alunos para que estes possam mudar seus estados de conhecimento, sendo, então, o livro didático um importante material de base para o professor. Em ambos os modelos, os materiais de ensino, em especial o livro didático, têm papel importante na construção do conhecimento dos alunos. Por esse motivo, o tópico seguinte se refere ao livro didático e ao Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio. 2.2 O Livro Didático e o PNLEM (Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio) Entre a variada quantidade de recursos didáticos existentes e que podem ser utilizados por professores e alunos em sala de aula nas escolas de Ensino Básico, é perceptível o destaque que recebem os livros didáticos nos processos de Ensino e Aprendizagem. De acordo com Núñez et al. (2000), o livro didático passou a ter um papel significativo na composição do currículo escolar feita pelos professores, principalmente quanto a escolha dos conteúdos a serem trabalhados durante o ano letivo e ao tipo de atividades de aprendizagem e avaliação administradas ao longo do processo. 13 Sua importância se deve ao fato de este estabelecer grande parte das condições materiais para o ensino e aprendizagem em diversas escolas de diversos países pelo mundo, por ser, de acordo com Brasil (2009), o maior responsável por auxiliar os professores na busca de caminhos possíveis para sua prática pedagógica. Portanto, a apresentação de conceitos equivocados por tais materiais pode fazer com que o aluno os aprenda e repita ao longo de sua vida, podendo até chegar a comprometê-lo profissionalmente e, com isso, comprometer também a outras pessoas (DIAS; BERTOLOZZI, 2009). Outro fator caracterizador da importância desse material, descrito por Rosa e Silva (2010), considera que o livro didático é um instrumento que introduz os alunos na aprendizagem de uma disciplina científica, portanto, é também um material responsável por introduzir os alunos aos conteúdos e conceitos científicos. Fracalanza e Neto (2003) destacam três modos de utilização efetiva do livro didático em sala de aula, evidenciando o quão importante é a avaliação destes materiais, visando que eles contenham fundamentos teórico- metodológicos corretos e adequados para que não prejudiquem os processos de ensino e aprendizagem e, consequentemente, a construção de conhecimentos feita pelos alunos e, assim, sua futura participação na sociedade. De acordo com os autores, o livro didático é utilizado pelos professores para a elaboração e preparação de seus planejamentos anuais e das aulas ministradas ao longo do período letivo, como apoio para as atividades de ensino e aprendizagem, tais como leituras de textos, realização de exercícios e de outras atividades ou como fonte de imagens para os estudos escolares, e por ultimo como fonte bibliográfica para que os próprios professores complementem seus conhecimentos e para que os alunos também o façam, utilizando este material como fonte de levantamento e obtenção de dados para realizarem as chamadas pesquisas escolares. Partindo do pressuposto de que esse material está diretamente relacionado ao ensino e aprendizagem, de modo que já não seja mais possível ocorrer uma desvinculação entre ambos, e que contribui diretamente para a formação dos cidadãos, julgou-se necessária a avaliação das obras antes de sua aquisição pelas instituições escolares. Desse modo, têm sido feitos diversos programas de melhoria da qualidade do livro didático e da garantia de ampla distribuição desse material para os estudantes da rede pública brasileira, 14 pelo Governo Federal, por intermédio do Ministério da Educação, desde a década de trinta do século vinte (FRACALANZA; NETO, 2003). Segundo Brasil (2012), desde o ano de 1929 existem programas voltados à distribuição de obras didáticas aos estudantes da rede pública de escolas brasileiras, sendo que desde essa data até o presente momento, o programa teve diferentes nomes e foi aperfeiçoado diversas vezes, passando a ser chamado de Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), como é atualmente, apenas no ano de 1985. De acordo com Bizzo (2000), até o ano de 1994 a compra e distribuição dos materiais didáticos realizados pelo Ministério da Educação (MEC) garantia que as escolas recebessem os livros escolhidos pelos próprios professores, porém não dava a garantia de que o material fosse de qualidade, apropriado à educação, nem que chegasse em tempo hábil de utilização no período letivo, sem atrasos. Como medida de solução a este problema, no ano de 1994 o MEC publicou um documento denominado Definição de Critérios para Avaliação dos Livros Didáticos, realizando a análise de livros didáticos de primeira a quarta séries do Ensino Fundamental, caracterizando assim a primeira medida de avaliação do material didático (FRACALANZA; NETO, 2003). Nos anos seguintes, de 1996, 1998 e 2000, um novo documento foi produzido pelo MEC, dessa vez sendo chamado de Guia do Livro Didático, com a intenção de realizar avaliações das coleções de livros didáticos, abrangendo agora desde a primeira até a oitava séries do Ensino Fundamental (FRACALANZA; NETO, 2003). Foi apenas no ano de 2004, com a elaboração do Guia do Livro Didático que contemplaria a avaliação das obras a serem distribuídas no ano seguinte (2005), que foi implementado o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM), com a finalidade de avaliar as obras que seriam utilizadas nas escolas pelos alunos do Ensino Médio (BRASIL, 2012). De acordo com El-Hani et al. (2011), o PNLEM tem como objetivos universalizar a distribuição de livros didáticos no país e avaliar as obras, analisando quais, dentre as que foram submetidas ao programa pelas editoras, serão recomendadas para compra pelo MEC por satisfazerem os requisitos mínimos de qualidade exigidos, produzindo resenhas críticas dos materiais 15 analisados, reunidas em um guia de orientação de escolha para os professores. Para que fosse garantida ao menos a mínima qualidade das obras analisadas pelo PNLEM, alguns critérios de exclusão e classificação foram estabelecidos pelo programa, em relação as seguintes classes: correção e adequação dos conceitos apresentados, coerência e possibilidade de realização das atividades propostas, princípios éticos e de educação para a cidadania e, por último, em relação a promoção de visão adequada sobre a natureza da ciência (BRAISL, 2009). Quanto a ultima classe de critérios apresentada pelo programa, para que os livros sejam aprovados devem incluir, entre outas coisas, o tratamento adequado da história da ciência, de modo integrado e não se limitando apenas a biografias de cientistas e a descobertas isoladas, também, devem evitar a apresentação de um suposto “método científico” caracterizado por uma sequência rígida de etapas seguidas linear e mecanicamente, assim como não devem apresentar a ciência como verdade absoluta, imutável, cópia da realidade, única forma e fonte de conhecimento ou como uma atividade neutra que não recebe influências por parte alguma (EL-HANI et al. 2011). Levando-se em consideração a função e importância dos livros didáticos nos processos de ensino e aprendizagem, bem como os objetivos e critérios de avaliação desse material, parte-se então para o próximo tópico, referente ao uso da Filosofia e História da Ciência nos livros didáticos e, portanto, na educação. 2.3 A utilização da História da Ciência na Educação Os conteúdos da cultura, da ciência, da arte e a maneira como o mundo se desenvolve são expressos pela ação dos homens nas relações que esses estabelecem com o ambiente natural e social. Desse modo, os homens estão sempre investigando a natureza e as relações sociais que os cercam, buscando compreendê-los mais profundamente, elaborando conhecimentos e experiências, e, portanto, constituindo o que se chama de saber científico. (LIBÂNEO, 2009). 16 Dessa maneira, todos os conhecimentos adquiridos pela humanidade são fruto do trabalho humano realizado a partir da atividade científica e cultural que percorre por muitas gerações, o que implica que a herança da história recebida anteriormente vai sendo modificada a cada geração, conforme os novos conhecimentos são produzidos e sistematizados (LIBÂNEO, 2009). Apresentando ideias semelhantes a essa, Lewontin (2000), afirma que os problemas que a ciência trata, bem como as ideias que usa na investigação desses problemas e, por consequência, os próprios resultados científicos são profundamente influenciados pela sociedade na qual vivemos, portanto, a ciência é uma instituição social que está totalmente integrada e influenciada pela estrutura das demais instituições sociais. Afinal Dois fatores precisam ser levados em consideração quando se pensa em produção científica: O primeiro é o fato de que os cientistas não começam suas vidas já como cientistas, mas sim como seres sociais, pertencentes a uma família, dentro de um Estado, e por esse motivo tendem a enxergar a natureza por meio de “lentes” que foram moldadas pelas experiências sociais que viveram. O segundo é o fato de que as produções científicas gastam tempo e dinheiro, e que por esse motivo as forças sociais econômicas dominantes tendem a determinar em grande parte o que a ciência já fez e faz atualmente (LEWONTIN, 2000). Em seu texto, Morin (2005), assim como os demais autores citados anteriormente, afirma que a ciência está atrelada a sociedade, que as teorias científicas surgem de ações humanas imersas em uma cultura, o que implica que todas as ciências são sociais e, por serem sociais, são alimentadas e controladas pelos poderes econômicos e estatais, e estão em constante estado de transformação, uma vez que os resultados obtidos pelos procedimentos científicos transformam a sociedade, mas também, retroativamente, a sociedade tem o poder de transformar a própria ciência. Dessa mesma maneira, Krasilchik e Marandino (2004), retratam em seu texto que a ciência produz ao longo dos anos conhecimentos cumulativos, tentativos e historicamente dependentes, os quais se integram com a sociedade e com a cultura e que, portanto, estão em um constante movimento, sempre comportando rupturas com antigos paradigmas e abrindo espaço para a adoção de novos. 17 Campos e Nigro (1999) também apresentam a ideia de que a ciência é uma atividade humana, e que como tal, os pensamentos de uma época, a sociedade em que vive determinado pensador e as ideias dos antecessores desse pensador exercem influência sobre suas próprias ideias, influenciando também os produtos científicos como um todo. Em seu texto, os autores Campos e Nigro (1999) trazem um exemplo de como as produções científicas estão relacionadas com a sociedade e com os conhecimentos científicos e tecnológicos que ela já possui, mencionando a teoria de Cláudio Galeno1 (129-200 d.C.) sobre o funcionamento do coração, o qual acreditava, assim como seus antecessores, que a vida era uma propriedade dos seres, que possuíam algo não-material denominado “princípio vital”, portanto, para ele o coração deveria funcionar provavelmente como um lampião ou fornalha, onde ocorria uma mistura do sangue e ar que ascendia uma espécie de “fogo cardíaco”, gerador da misteriosa força vital que mantinha os seres quentes e vivos. Além disso, o fogo cardíaco, para Galeno, era responsável pelo refinamento do sangue, assim como o fogo nas fornalhas era responsável pelo refinamento de minérios na Roma antiga (o que era evidenciado pela mudança de coloração que o sangue sofria ao passar pelo coração, uma vez que entrava nesse órgão com coloração vermelha escura e saía vermelho-vivo) (CAMPOS; NIGRO, 1999). Os autores explicam que atualmente o modelo proposto por Galeno pode parecer imaginativo, fantasioso, mas que para a época em que ele viveu tais ideias faziam sentido. Campos e Nigro (1999) afirmam, ainda, que naquela época as fornalhas eram muito utilizadas e conhecidas por todos os cidadãos, sendo que a bomba hidráulica, cujo sistema se compara ao funcionamento do coração atualmente, só passou a ser utilizada em grande escala para a extração de minério no ano a partir do século dezesseis. Outro motivo que levou Galeno a essa conclusão foi que para ele, e para seus contemporâneos, o sangue não circulava, mas ia e vinha pelo corpo, ____________________________ 1 Cláudio Galeno nasceu na Grécia em 129 d.C. e morreu no ano 200 d.C., em Roma. Foi médico do imperador romano Marco Aurélio. Fez diversificadas descobertas em anatomia, sendo sua influência na medicina dominante na Europa até a Idade Média (DELIZOICOV et al., 2004). 18 como o fluxo das ondas do mar. Tais fatos ilustram, portanto, que a situação histórica em que um cientista vive é ao mesmo tempo o que impulsiona e o que restringe as suas ideias, as suas teorias, influenciando a pesquisa científica e seus resultados (CAMPOS; NIGRO, 1999). Tendo conhecimento de que a ciência é uma produção humana, influenciada pelos princípios que regem a cultura e a sociedade, Carvalho et al. (2004), diz que não se pode conceber atualmente o ensino de Ciências e Biologia sem que este esteja vinculado às discussões sobre os aspectos tecnológicos e sociais que cercam a construção da ciência. Nessa mesma perspectiva, Martins e Brito (2006) afirmam que a utilização da História da ciência no ensino da ciência pode contribuir para uma visão mais adequada da maneira como ocorre a construção do pensamento científico, das contribuições dos cientistas e também levar a uma maior compreensão e melhor conhecimento do processo de formação de teorias, modelos, entre outros. Para Martins (1998), a História da Ciência pode ser utilizada como um dispositivo didático que torna mais interessante e fácil o ensino de Ciências e Biologia, facilitando assim o aprendizado dos alunos. Sua utilização pode contribuir com o ensino ao se mostrar para o aluno, por meio de episódios históricos, o processo lento e gradativo da produção do conhecimento científico, da transformação dos conceitos até chegar nos que são aceitos atualmente e também que a aceitação ou não de alguma proposta não depende apensas da sua fundamentação, mas que nesse processo também estão envolvidas forças sociais, políticas, filosóficas ou religiosas. Ainda nesse sentido, Beltran et al. (2011), acreditam que a utilização da História da Ciência em sala de aula pode ser um importante recurso tanto para os professores, quanto para os alunos, uma vez que utilizando-se de fontes adequadas, o professor pode ajudar seus alunos a construírem uma visão crítica em relação à ciência e à construção do conhecimento científico, com base em todos os conceitos mencionados por este referencial anteriormente. Além desses pontos mencionados, o uso da História da Ciência permite que o professor trabalhe em sala de aula determinados aspectos da ciência que muitas vezes não são pensados ou percebidos facilmente pelos alunos, tais como o fato de que o fazer científico envolve conflitos e debates assim como qualquer atividade humana (BELTRAN et al., 2011), ou que a ciência não 19 é apenas um reflexo da realidade, uma verdade absoluta, mas sim que é a tradução da realidade em teorias mutáveis e refutáveis (aceita que sua falsidade possa ser eventualmente demonstrada), ou que o cientista é um ser superior ou desinteressado em relação as demais pessoas, quando na verdade ele é uma pessoa como qualquer outra e está tão suscetível a cometer erros quanto as demais (MORIN, 2005). Segundo Rosa e Silva (2010), o livro didático se tornou um material pedagogicamente popular, podendo ser, em muitos casos, o único material com que os estudantes têm contato. Porém, os livros e apostilas de Biologia raramente abordam a História da Ciência e, quando o fazem, muitas vezes abordam na forma de pequenas biografias separadas do texto principal, levando o aluno a criar uma visão da ciência como neutra, livre de erros e formada pelos acertos de poucas pessoas geniais (BELTRAN et al., 2011). Segundo Rosa e Silva (2010), o conteúdo histórico apresentado pelos livros didáticos é dotado de uma linearidade, com os fatos apresentados na forma de uma sucessão dos acontecimentos e de suas datas, que é feita a intenção de facilitar a explicação da história narrada pelo material didático, porém, colocado dessa maneira, o conteúdo histórico nem sempre favorece a reflexão e nem estimula a capacidade de investigação do aluno e perde o caráter de contextualização. Dessa maneira o tempo acaba se parecendo uma entidade à parte, desvinculado de todo o processo científico, sendo representado de maneira genérica e sem considerar os aspectos geológicos, biológicos, históricos e filosóficos (BELLINI, 2006). De acordo com Carneiro e Gastal (2005), essa linearidade, por desconsiderar o tempo e os movimentos transitórios da ciência, acaba produzindo nos alunos o efeito de pensar no conhecimento científico como pronto, acabado e definitivo, pois pode deixar implícito que existe apenas um único conjunto de explicações para todos os fenômenos, as que são aceitas e compartilhadas pela comunidade científica atualmente. Quanto às teorias evolucionistas, de acordo com o que Dias e Bertolozzi (2009) mencionam em seu texto, também é comum encontrar nos livros didáticos de biologia a abordagem do tema Evolução como concluído e desprovido de contextualização histórica. A teoria da Evolução muitas vezes é apresentada na forma de uma análise superficial, se dando muitas vezes pela 20 comparação entre as teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744 – 1829) e Charles Robert Darwin (1809 – 1882), na qual as teorias de Lamarck geralmente são colocadas como erradas e posteriormente corrigidas por Darwin (BELTRAN et al., 2011). Almeida e Falcão (2005) dizem que o tema evolução passou a ser abordado nos livros de História Natural por volta da década de 30, sendo tratado nos tópicos referentes à paleontologia ou à hereditariedade, não existindo ainda a comparação entre as teorias de Lamarck e Darwin. Apresentando ideias semelhantes, Dias e Bertolozzi (2009) retratam que nesses materiais a teoria de Lamarck é rebaixada a uma mera hipótese sem base experimental e sem a prova científica da transmissão das características adquiridas, portanto é errada e não científica, enquanto que as teorias de Darwin compõem um trabalho científico devido ao fato de ele ter provado experimentalmente sua veracidade, corrigindo o que Lamarck havia dito sobre tal assunto. Bellini (2006) argumenta em seu texto que a formação desse tipo de visão sobre Lamack, criada pelos livros didáticos, se deve ao fato de os autores desse material geralmente optarem por utilizar argumentos didáticos para descrever as teorias evolucionistas, com a intenção de facilitar a compreensão deste conteúdo por parte dos educandos. Essa opção, segundo a autora, significa reduzir os modelos científicos a algo pedagógico, implicando na omissão de parte das teorias ao apresentar-se versões simplificadas delas, sendo este também um dos fatores responsáveis por desmoralizar e rebaixar a teoria desse naturalista. Ainda de acordo com Bellini (2006), os textos didáticos fazem parecer que Lamarck e Darwin se utilizaram do termo Evolução, quando na verdade nenhum dos dois chegou a utilizar esse termo. De acordo com a autora, Lamarck teria utilizado o termo transformismo, e Darwin, o termo descendência por modificação. Para a autora nem haveria sentido em Darwin ter utilizado o termo evolução, já que essa palavra, derivada do latim envolvere, traz o significado de progressão, indicando a existência de seres superiores e seres inferiores e estabelecendo, assim, a noção de que alguns seres eram melhores do que os outros, noção que Darwin sempre combateu. 21 Nesse mesmo sentido, Martins e Brito (2006) destacam que a utilização de termos que não foram originalmente adotados por Lamarck e Darwin, assim como a utilização de termos que surgiram posteriormente a esses naturalistas e que sugerem conhecimentos que não existiam nessa época, mas que existem e são aceitos atualmente, aparece com certa frequência na descrição das ideias dos dois. Esse fator pode contribuir para a formação de ideias distorcidas sobre as teorias desses naturalistas e também fazer com que o educando acabe valorizando somente o que é aceito pela ciência atualmente. Pensando-se na importância da contextualização científica, feita de maneira correta e adequada, para facilitar e aprimorar o ensino, julgou-se necessária a presença desse conteúdo nos livros didáticos, estabelecendo-se como um dos critérios de classificação das obras pelo PNLEM a apresentação adequada da História da Ciência contida nelas. De acordo com Rosa e Silva (2010), isso se deve ao fato de este item também estar presente nos documentos oficiais, como o PCN, por exemplo. Ainda nessa perspectiva, Dias e Bertolozzi (2009) dizem que os PCN do Ensino Médio afirmam que os livros didáticos devem permitir ao educando a compreensão das ciências como atividade humana e que, como tal, se desenvolve por continuidade ou ruptura de paradigmas, não tem respostas definitivas para tudo e pode ser questionada e transformada, o que se torna melhor perceptível quando os contextos históricos e filosóficos são trabalhados. 2.4. Breve histórico sobre Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck, e suas teorias Tendo em vista que os objetivos específicos deste trabalho visam conhecer a maneira como a História da Ciência está presente nos livros didáticos de Biologia, em relação às teorias de Lamarck (1744 – 1829), a apresentação de um breve histórico sobre esse naturalista e suas teorias se faz necessária. Jean-Baptiste Pierre Antonie de Monet, cavaleiro de Lamarck, nasceu em 1º de agosto de 1744 em Bezentin-le-Petit, filho de família nobre rural. Começou, no ano de 1755, seus estudos em um colégio de jesuítas, pois seu 22 pai queria que ele seguisse carreira eclesiástica, permanecendo lá até 1759 (FERREIRA, 2007). No ano de 1756, quando Lamarck tinha doze anos de idade, teve início a Gerra dos Sete Anos, perdurando até 1763. Esse acontecimento fez com que os jesuítas fossem expulsos da França no ano de 1761 e com que se expandissem as oportunidades de sucesso profissional na carreira militar. Tais fatos, associados com a morte de seu pai em 1759, levaram Lamarck a tentar se tornar militar, porém em 1768, devido a um ferimento de guerra, ele decidiu abandonar a carreira militar. Posteriormente, em 1771, dedicou-se à medicina e às ciências naturais, contudo, no ano de 1779, decidiu abandonar a medicina e ingressar na botânica, aos trinta e quatro anos de idade (FERREIRA, 2007). Ainda segundo Ferreira (2007), Lamarck trabalhou na instituição do Gabinete e Jardim do Rei (Jardin du Roi) como botânico e publicou cerca de duas dezenas de artigos sobre o assunto durante esse tempo. Porém, com a Revolução Francesa e a consequente reestruturação do jardim botânico em 1793, o qual se tornou o Museu Nacional da História Natural, Lamarck passou a exercer o cargo de professor da disciplina dos animais sem vértebras, convergindo seus interesses para outras áreas tais como meteorologia, química, geologia e principalmente a zoologia. Os autores Almeida e Falcão (2005) acreditam que Lamarck desenvolveu seu programa de pesquisa em uma das épocas mais revolucionárias da história da humanidade, a da Revolução Francesa² e do Iluminismo³, o que impactou tanto na política quanto nas contribuições intelectuais da época, portanto suas ideias provavelmente também foram influenciadas pelo contexto desse momento de aguçamento do criticismo. Diferentemente do que pensavam os demais naturalistas de sua época, Lamarck construiu uma teoria excluindo Deus de qualquer interferência direta __________________________________ ² A Revolução Francesa foi um movimento comandado pelo povo fracês, iniciado pelas classes mais altas (burguesia alta e baixa) e em seguida incorporado pelas classes mais baixas (proletariado qualificado e não qualificado), com a intenção de retirar o poder concentrado nas mãos do Império para atribuir-lhe à população. Ocorreu no século XVIII, a fim de acabar com as desigualdades sociais existentes entre o Império, que vivia sob extremo luxo, e a população francesa, que enfrentava condições de extrema pobreza (CANFORA, 2008). ³ Foi no período do Iluminismo que gerou-se a opinião de que só a ciência abre o justo acesso à verdade (RÉGIS, 2001). 23 nas mudanças ocorridas nos organismos, para ele Deus criou a natureza e depois foi ela quem deu origem a todos os seres vivos. A natureza seria dessa forma uma ordem, sempre sujeita a regularidades imutáveis, a leis (MARTINS, 1997). Para os autores Almeida e Falcão (2005), sua obra é considerada pelos historiadores da ciência como a primeira explicação sistemática de evolução dos seres vivos . De acordo com Beltran et al. (2011), até o ano de 1799 Lamarck ainda acreditava que as espécies vegetais e animais eram fixas, assim como seus contemporâneos. Porém esses autores, assim como Martins (1997), relatam que já no ano seguinte, em 1800, ele passou a acreditar que as espécies sofriam um aperfeiçoamento gradual (ideia de variação das espécies), registrando tais ideias em suas obras. É comum encontrar escrito nos livros didáticos de Biologia que Lamarck baseou sua teoria em duas suposições. A primeira referente à lei do uso e desuso, a qual diz que quanto mais uma parte do corpo ou um órgão é utilizado, mais ele se desenvolve, enquanto que as partes menos usadas atrofiam e chegam até a desaparecer, e a segunda referente à lei da herança dos caracteres adquiridos, segundo a qual os animais passariam para seus descendentes as atrofias ou hipertrofias adquiridas por eles ao longo de suas vidas (ALMEIDA; FALCÃO, 2010). Martins (1997) afirma que a maioria dos autores não descreve bem as leis de Lamarck, pois citam apenas essas duas e, além disso, em muitos casos descrevem suas leis baseando-se apenas em uma de suas obras, a Philosophie Zoologique (1809), sendo que existem várias outras que deixam de ser mencionadas. Beltran et al. (2011) também explicitam em seu texto que a obra geral de Lamarck, ao contrário do que se mostra nos livros didáticos, é muito grande e composta por diversas obras, não sendo a Philosophie Zoologique (1809) a única versão, ou a versão final de seu trabalho. Como exemplos de outras obras escritas por esse naturalista, Almeida e Falcão (2005) destacam as obras Recheches sus l'organisation des corps vivants (1800); Historie naturelle des animaux sans vertebrès (1815), e os discursos como os Discours d'orventure (1800-1803), entre outros. Quanto às leis definidas por Lamarck, diferentemente do que é apresentado pelos livros didáticos atuais, não foram enunciadas por ele apenas 24 duas leis, mas sim quatro. Além das duas mais apresentadas nos livros didáticos, o naturalista francês apresentou nas versões finais de seu trabalho mais duas leis (MARTINS; BRITO, 2006). Martins (1997) diz que tais leis podem ser encontradas na última versão de sua obra, a Historie naturelle des animaux sans vertebrès (1815). Suas leis, segundo Martins (1997), são: 1ª) Tendência para o aumento da complexidade: Lamarck considera que existe um aumento progressivo da complexidade, um processo de aperfeiçoamento, que ocorre nos seres vivos. Para fundamentar essa lei ele tentou, implicitamente, construir argumentos com dois tipos de fatos: um observável, comparação entre o estado de um animal quando passa a existir (início de sua vida) e seu estado na fase final de vida; e um não-observável, o qual se trata da tendência ao aumento da complexidade na escala animal e o aumento das faculdades dos seres vivos ao longo do tempo (desde os seres microscópicos, até os animais vertebrados (MARTINS, 1997). O primeiro argumento considera o que atualmente conhecemos por ontogênese (processos de modificações sofridas por um ser vivo ao longo de sua vida, desde o ovo até o animal adulto, o crescimento), já o segundo se refere a um passado que não estava documentado, portanto hipotético, e com isso torna-se um fato não-observável. Contudo, por meio de suas comparações torna-se possível perceber que em cada indivíduo o aumento da complexidade e o crescimento possuem um limite, o qual não teria ocorrido entre as espécies. Talvez para explicar o motivo de essa progressão continuar nas espécies, Lamarck propôs uma segunda lei (MARTINS, 1997). 2ª) Surgimento de órgãos em função de necessidades que se fazem sentir e que se mantêm. Essa lei se refere à formação de novos órgãos, o que ocorreria a partir da necessidade de se utilizar determinado órgão encaminharia para essa região, na qual existe tal necessidade, fluidos nervosos e nutritivos que promovem o surgimento do novo órgão (em sua obra Historie naturalle, citada em Martins, 1997). De acordo com Martins (1997), Lamarck deu como exemplo de atuação da segunda lei a formação das antenas existentes na cabeça de um molusco gastrópode e também o desenvolvimento de chifres em ruminantes. 25 Além disso, ainda segundo Martins (1997), na enunciação dessa lei em uma de suas publicações, na revista Recheches, o naturalista se utilizou do termo “vontade”, o qual provavelmente tenha sido interpretado como “desejo” presente nos animais para a formação de um novo órgão, quando ele estava na verdade se referindo ao processo de atendimento de uma necessidade fisiológica, como comer, por exemplo. 3ª) Desenvolvimento ou atrofia de um órgão em função do seu emprego: Se refere à utilização contínua de um órgão e à sua não utilização. Um órgão muito utilizado tenderia a se desenvolver, enquanto que um não utilizado seria levado ao seu atrofiamento e desaparecimento. Tal lei se equivale a “lei do uso e do desuso”, como mencionado em muitos livros didáticos, porém, ressalta-se que Lamarck nunca utilizou a expressão “uso e desuso”, esse termo aparece em autores posteriores a ele, como Charles Robert Darwin (1809-1882), por exemplo (MARTINS,1997). Essa lei está presente em diversas obras de Lamarck e é possível encontrarmos como exemplo: Olhos de animais que não o utilizam tornam-se vestigiais, como na toupeira; As patas das serpentes que desapareceram devido a elas se arrastarem para se locomover; o pescoço longo das aves que pescam na beira da água, entre outros exemplos (MARTINS, 1997). 4ª) A herança do adquirido. Para a descrição dessa lei, Lamarck não se utilizou de muitos exemplos, descrevendo-a rapidamente, sem achar julgar que merecesse maior atenção. Nota-se, entretanto, que diversas vezes sua teoria tem sido associada a essa ideia e, por tal motivo, criticada como um todo (MARTINS, 1997). Ainda segundo a autora, esse princípio era defendido por muitos pesquisadores da época, antes mesmo de Lamarck ter se referido a ele, sendo por essa razão que o naturalista não achou necessário entrar em mais detalhes quando mencionou essa lei, a qual diz que as características adquiridas ou perdidas, desde que as mudanças fossem comuns aos progenitores, seria herdadas de alguma maneira por seus descendentes. Justificativa: Conhecendo-se um pouco mais sobre o mérito do ensino para a formação dos cidadãos (a fim de possibilitar-lhes uma gama de conhecimentos conceituais e práticos que possam ser utilizados para sua participação social efetiva), sobre a importância que se dá ao livro didático como material educacional nas escolas brasileiras, sobre a contribuição da 26 utilização da História da Ciência como dispositivo didático nas aulas (para a percepção de como ocorre o processo de construção do conhecimento científico) e, por ultimo, sobre as deficiências existentes nos livros didáticos de Biologia quanto à apresentação dos contextos histórico e filosóficos e quanto às leis de Lamarck, estabeleceu-se como objetivos desse trabalho o conhecimento de como esses dois últimos aspectos mencionados são apresentados nas obras destinadas ao Ensino Médio, pensando-se em propor maneiras para o aprimoramento de sua abordagem. 3. METODOLOGIA Este trabalho tem como objetivo geral conhecer mais sobre como a História da Ciência vem sendo apresentada nos livros didáticos de Biologia no Brasil, quanto ao tema Evolução e mais especificamente quanto às teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744 – 1829), portanto, foi realizado um levantamento bibliográfico em livros didáticos utilizados por alunos do Ensino Médio na rede básica de ensino brasileira, com o intuito de buscar neles dados referentes à História da Ciência relacionados às teorias de Lamarck. Como objetivos específicos, pretende-se conhecer a maneira como as teorias de Lamarck são apresentadas nos livros didáticos de Ensino Médio, verificar as semelhanças e diferenças entre os livros didáticos, no que se refere às teorias desse naturalista, e, por ultimo, propor maneiras para o aprimoramento da abordagem dos contextos histórico e filosófico no ensino de Evolução. O método escolhido para a realização deste trabalho foi o levantamento bibliográfico, com foco nas teorias de Lamarck, com posterior análise dos dados obtidos, de acordo com o referencial teórico. Para a escolha das obras utilizadas no Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI) estabeleceu-se como critério que cada uma delas deveria constar na lista de livros didáticos submetidos e aprovados pelo Programa Nacional de Livros para o Ensino Médio (PNLEM) mais recentemente disponível no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Entretanto, a lista mais recente presente no site do FNDE era a do ano 27 de 2012, a qual apresentava livros para que a aquisição fosse feita no ano de 2013, com isso as obras que constavam nessa lista eram muito recentes e não puderam ser encontradas nas bibliotecas públicas, as quais possuem esse tipo de material apenas quando os recebem como doação. Como alternativa, optouse então pela utilização dos livros aprovados pelo PNLEM no ano de 2009 (a segunda lista mais recente encontrada no site do FNDE). A escolha de utilização das obras aprovadas pelo PNLEM se deve ao fato de que os livros que constam nessas listas são comumente utilizados em grande escala pelas escolas da rede pública brasileira, sendo estes, portanto, responsáveis por conduzir a aprendizagem de inúmeros alunos, gerando diferentes impactos em sua construção do conhecimento e determinando, de certa forma, a visão que eles terão ao longo de suas vidas sobre os conteúdos presentes e trabalhados nos livros didáticos que utilizaram durante o período de sua formação. Quarenta e três milhões, cento e oito mil, trezentos e cinquenta (43.108.350) livros didáticos foram distribuídos para as escolas da rede pública brasileira no ano de 2009, dentre eles constam livros das disciplinas de português, matemática, biologia, história, química, física e geografia. Com essa distribuição, dezessete mil, duzentas e setenta e seis (17.276) escolas foram beneficiadas, totalizando uma quantidade significativa de sete milhões, duzentos e quarenta e nove mil, setecentos e setenta e quatro (7.249.774) alunos abrangidos pelo programa somente neste ano, conforme constam os dados no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, consultado em agosto de 2012, daí a importância de se analisar os conteúdos presentes em tais obras. Nove obras foram avaliadas e aprovadas pelo PNLEM no ano de 2009, dentre elas quatro foram selecionadas para integrarem o presente trabalho. Ressaltando-se que o número de obras escolhidas para a análise tem a ver com o tempo disponível para a realização do TGI, o qual foi relativamente curto (tendo sido efetuado em apenas um semestre), em relação à demanda de trabalho que o método utilizado implica para o pesquisador. A escolha das obras foi feita conforme sua disponibilidade na Biblioteca Pública Mário de Andrade, localizada na Rua da Consolação, número 94, próxima a Universidade Presbiteriana Mackenzie, e também pelo empréstimo 28 fornecido por uma colega que cursa atualmente o sexto semestre do Curso de Ciências Biológicas, também na Universidade Presbiteriana Mackenzie. As obras escolhidas para análise foram: FAVARETTO, José. A; MERCADANTE, Clarinda. A origem da vida e das células e Evolução da vida. In: ___. Biologia. São Paulo: Editora Moderna, V. Único, 1ª Ed. 2005. p. 111-112 e p. 159-161. JÚNIOR, César. S; SASSON, Sezar. As teorias da Evolução: Lamarck, Darwin e a seleção natural. In: ___. Biologia. São Paulo: Editora Saraiva V. 3, 8ª Ed. 2005. p. 217-237. LAURENCE, J. Evolução humana e fisiologia humana I: coordenação nervosa e locomoção; Evolução: conceito e evidências. In: ____. Biologia. São Paulo: Editora Nova Geração, V. Único, 1ª Ed. 2005. p. 521-524 e p. 662-677. PAULINO. Wilson R. O mecanismo evolutivo. In:____. Biologia. São Paulo: Editora Ática, V. 3, 1ª Ed. 2005. p. 145-163. Para escolha dos capítulos a serem examinados, primeiramente foram selecionados e lidos aqueles que tratavam sobre o tema da Evolução Biológica, o que pôde ser feito pela realização de uma busca no sumário de cada livro, para que se encontrassem tais capítulos. Optou-se primeiramente por ser feita uma breve leitura do capítulo como um todo, visando-se uma melhor compreensão do contexto em que o conteúdo está sendo apresentado, o que tornou possível, posteriormente, uma análise mais rica sobre a apresentação das teorias de Lamarck, especificamente, pois a simples leitura da parte que aborda as teorias desse cientista, feita de maneira isolada, não permite uma apreciação geral do material, o que poderia causar interferência na sua interpretação. Para a coleta dos resultados, e sua posterior análise, levou-se em consideração os seguintes aspectos: • Quantidade de páginas destinadas à Evolução e às teorias de Lamarck; • Maneira como as teorias de Lamarck são tratadas; • A imagem que é passada para os leitores dos livros didáticos sobre Lamarck; 29 • Presença ou ausência do contexto histórico e filosófico na apresentação das teorias de Lamarck, e a maneira como este é tratado; • Presença ou ausência de quadros contendo alguma explicação sobre a construção do conhecimento científico; • Apresentação de figuras ou imagens exemplificando as teorias de Lamarck e o que elas retratam; • Presença ou ausência de exercícios sobre Lamarck e como estes são elaborados. A quantidade de páginas destinadas ao assunto Evolução e às leis de Lamarck, bem como a quantidade e o tipo de figuras e exercícios relacionados a esses temas foram observadas e acrescentadas nos resultados e na análise, pois segundo Rocha e Silva (2006 apud DIAS; BERTOLOZZI, 2009) o volume de páginas destinadas a um determinado assunto nos livros didáticos reflete o grau de importância atribuído a ele, enquanto que as figuras e os exercícios se fazem necessários devido ao fato de a Biologia ser uma disciplina que possui muitos de seus conceitos de forma abstrata e complexa, sendo as figuras e os exercícios, portanto, requisitos importantes para a aprendizagem dos alunos, facilitando sua compreensão sobre tais conceitos. O tópico destinado à apresentação dos resultados está dividido em duas partes. A primeira parte contém breves resumos do material coletado em cada livro, enquanto que na segunda parte é feita uma comparação entre os dados obtidos após o exame dos quatro livros. Os objetivos específicos desse trabalho não visam fazer críticas ou apontar os problemas encontrados especificamente nos livros aqui utilizados, mas sim conhecer a maneira como a História da Ciência é veiculada nos livros didáticos (com ênfase nas teorias de Lamarck) de modo geral, propondo-se em seguida alternativas para que seja possível minimizar os problemas mais comumente encontrados. Por esse motivo os nomes dos livros didáticos e de seus autores, bem como os números das páginas nas citações dos excertos retirados dos livros, não serão mencionados na apresentação dos resultados e nem na análise, para que assim eles não sejam identificados. Portanto, os livros serão chamados apenas de livro 1, livro 2, livro 3 e livro 4, e nos momentos de apresentação dos resultados e de análise não estarão 30 dispostos na mesma ordem em que foram apresentados anteriormente por este tópico. 4. RESULTADOS A apresentação dos resultados, juntamente com a discussão, está dividida em duas partes. A primeira apresenta breves resumos sobre o que foi encontrado em cada livro didático, enquanto que a segunda traz dados referentes às comparações realizadas entre as obras, na forma de gráficos e quadros. 4.1. RESUMOS 4.1.1. Livro 1 O livro possui seis capítulos destinados ao tema Evolução, sendo que as teorias evolucionistas são retratadas em apenas um deles. O capítulo que apresenta as teorias evolucionistas começa com um pequeno texto sobre o inseticida Dicloro-Difenil-Tricloroetano4 (DDT) e sua eficácia, explicando seu método de utilização e a razão pela qual se descobriu que eram necessárias quantidades cada vez maiores de DDT para combater a mesma quantidade de pragas que se tinha no início, atribuindo-se esse fato à uma certa resistência que os organismos desenvolveram ao inseticida. A mesma relação é feita com os antibióticos, mais ao final do texto. Entretanto, pouco se fala sobre o contexto histórico do surgimento e utilização do DDT e do antibiótico. Logo em seguida são trazidas as contribuições do naturalista Georges Louis Leclerc, conde de Buffon5 (1707-1788) para a atual teoria evolucionista, apresentada em um texto de dez linhas, o qual diz que Buffon, com a ajuda de sua equipe, reuniu todo o conhecimento da época em uma obra de 44 volumes, ____________________________ 4 O DDT é um pesticida que foi muito utilizado durante a Segunda Guerra Mundial como forma de proteção contra insetos transmissores de doenças como a Malária e como controle de pragas na agricultura. Seu uso foi abandonado por volta dos anos 70 em praticamente todo o mundo, pelos seus efeitos adversos no ambiente. (TORRES; MALM, 2002). 5 Buffon foi um dos primeiros naturalistas a pensar na ocorrência de modificações orgânicas. Pensou que o ambiente atuou diretamente nos organismos, porém, mesmo acreditando nesse processo, não forneceu um mecanismo coerente para explicar tais mudanças (CAPONI, 2011). 31 dando ênfase na importância da influência do clima na variação hereditária, não sendo mencionado com maior profundidade o contexto histórico existente na época em que Buffon viveu, muito menos uma exploração de como esse contexto pôde ter influenciado as obras desse naturalista. O próximo tópico apresentado no capítulo destina-se a apresentar aos leitores as teorias, ou leis, de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (17441829). Para isso, o livro disponibiliza um espaço de uma página e meia. Logo no início do texto já está presente o exemplo das girafas, utilizado por muitos autores nesse mesmo contexto, acompanhado por uma imagem desses animais, cuja respectiva legenda as denomina de “as girafas de Lamarck”. No texto, está descrito que para Lamarck as girafas faziam grande esforço esticando seus pescoços para obterem alimento nas copas das árvores, gerando o aumento de tamanho desse membro, que ficou mais longo, e que essa característica obtida seria passada para as próximas gerações. O texto diz também que embora essa teoria seja rejeitada atualmente, Lamarck teve o mérito de ser um dos primeiros pensadores que rejeitaram as ideias fixistas aceitas até então. Como contexto histórico da época em que Lamarck viveu, e sobre a sua própria história de vida, o livro apresenta brevemente alguns fatos, trazendo apenas alguns dados, tais como que esse naturalista era o encarregado do departamento de invertebrados do museu de História Natural de Paris, que ele comparava fósseis com organismos viventes em sua época e dessa maneira percebia a existência de uma gradação evolutiva com aumento da complexidade, que foi o primeiro a tentar explicar cientificamente o mecanismo pelo qual a evolução ocorre, entre outros. O livro retrata apenas as publicações que Lamarck fez na “Philosophie Zoologique”, no ano de 1809, afirmando que todas as ideias desse naturalista estavam reunidas nessa obra. Diz que Lamarck utilizou-se dos termos “uso e desuso” em sua obra para explicar o desenvolvimento ou atrofia de determinados órgãos ou estruturas no corpo dos animais, e que essas características adquiridas nos animais pelo uso e desuso de determinadas estruturas pode ser transmitido à prole, afirmando que Lamarck acreditava nessa hipótese. Em seguida, autor do 32 livro diz que tais teorias estão erradas, pois já foi comprovado experimentalmente que as características adquiridas não são passadas à prole. Também é dito que, segundo Lamarck, os animais possuíam uma necessidade de adquirir uma determinada característica e que a necessidade da característica implicaria em seu aparecimento, enquanto que a não necessidade da mesma implicaria em seu desaparecimento. Para finalizar esse tópico, o livro diz que era por essa linha de raciocínio que Lamarck explicava a origem de novas espécies. Afirma que o Lamarckismo parece ser extremamente lógico para os leigos e que por esse motivo tais ideias são mais aceitas ou utilizadas mais facilmente entre as pessoas. Nessa mesma página existe um pequeno quadro, cujo título é “Mais História da Biologia”, o qual fala brevemente sobre a herança dos caracteres adquiridos, contando mais detalhadamente sobre os experimentos que desmentiram as teorias de Lamarck. No capítulo, é apresentado ao leitor, detalhadamente, um desses experimentos, o qual aborda a resistência das bactérias ao antibiótico. Destaca-se um excerto referente a fala de introdução ao experimento, feita pelo autor: As bactérias estão cada vez mais resistentes aos antibióticos usados na medicina. A ideia aparentemente lógica de que, em contato com o antibiótico, as bactérias criam uma resistência e a transmitem aos descendentes é um conceito lamarckista. Como demonstrar experimentalmente que essa ideia não é válida? Para isso, leia com atenção a descrição do experimento abaixo, observando também os esquemas. Ao final do quadro com o experimento o autor escreve: “O antibiótico não induziu à adaptação, apenas selecionou os indivíduos resistentes, que se reproduzem, enquanto os sensíveis morrem.” O ultimo tópico apresentado neste capítulo faz uma comparação entre as teorias de Lamarck e de Charles Robert Darwin (1809-1882). Neste tópico é dito que tanto Lamarck quanto Darwin acreditavam que o meio exercia influência para a adaptação das populações. Diz, porém, que a diferença está na maneira como cada um dos dois enxerga essa relação do ambiente com as modificações nos indivíduos. Explica brevemente, em quatro linhas, o que Lamarck pensava sobre o assunto, da seguinte maneira: 33 Para Lamarck, o ambiente é, quase sempre, o responsável direto pela mudança evolutiva. Em certo ambiente, o indivíduo adquiriria determinadas características adaptativas que seriam, então, transmitidas à descendência. E explica, em mais quatro linhas, como Darwin pensava: Para Darwin, o ambiente tem um papel fundamental: selecionar, escolher dentro de um grupo de organismos os que têm as variações mais interessantes ao ambiente. Já que essas variações são hereditárias, os escolhidos têm maior chance de sobreviver e se reproduzir. Para encerrar o capítulo, o livro didático em questão traz uma série de questões e propostas para discussão. Todas as questões são retiradas de modelos de vestibulares de universidades como a USP, UFV, UNIFESP, UNESP, Unicamp, entre outras, em um total de nove páginas. 4.1.2. Livro 2 A parte do livro didático que trata sobre a Evolução está subdividida em três capítulos, os quais contêm dezenove, doze e nove páginas cada um, respectivamente, totalizando quarenta páginas. As teorias de Lamarck estão descritas em apenas um dos três capítulos, o qual tem início com uma introdução para o tema Evolução, apresentando os conceitos de adaptação e sua definição atual. Na mesma página existe também um quadro, com nove linhas, falando sobre os mecanismos de alterações gênicas das populações, origem de novas espécies e extinção de outras. O tópico que descreve as teorias de Lamarck tem início com uma apresentação sobre ele, a qual traz algumas informações sobre sua vida, tais como a ideia que defendia (transformismo em contraposição ao fixismo) e a obra que escreveu, dizendo que Lamarck fez um livro chamado “Philosophie Zoologique”, na tentativa de explicar como ocorre o mecanismo de transformação das espécies. Esse texto ocupa o espaço de aproximadamente dois sextos de uma página. Acompanhando o texto encontra-se uma figura com o desenho de Lamarck, e abaixo dela a sua respectiva legenda, dizendo o período em que ele viveu e também que ele propôs, no ano de 1809, uma teoria voltada ao conceito de adaptação. Essa legenda é relevante, pois está escrita em letras 34 bem pequenas e somente nesse local aparece o período de tempo em que Lamarck viveu. Ainda no texto inicial que descreve Lamarck, o autor do livro diz que este cientista supunha que o ambiente provocaria a adaptação da espécie e que, nesse caso, os indivíduos da espécie poderiam adquirir novos hábitos, o que induziria a utilização de certas partes do organismo com maior frequência, causando hipertrofia, e outras que ficariam inutilizadas, causando atrofia, assim a espécie adquiriria novas características que seriam passadas aos seus descentes. Após isso, está presente um sub-tópico que ocupa aproximadamente um sexto da página e contém treze linhas, falando sobre duas leis criadas por Lamarck, as quais são denominadas de “Lei do Uso e do Desuso” e “Lei da Transmissão das Características Adquiridas”. Antes de descrever cada uma das leis, o texto diz que Lamarck as construiu por achar que o ambiente condicionava as mudanças e a aquisição de novas características pelos organismos e que essas características adquiridas eram transmitidas aos seus descendentes. Em seguida, existe a explicação para cada uma das duas leis, feita separadamente, contendo o seguinte: Lei do Uso e do Desuso: supõe que o uso frequente de partes do organismo conduz essas partes à hipertrofia, enquanto o desuso prolongado ocasiona-lhes atrofia; Lei da Transmissão das Características Adquiridas: supõe que as características adquiridas pelo uso ou perdidas pelo desuso são transmitidas de geração a geração. O próximo sub-tópico, destinado à explicação de Lamarck para suas teorias, preenche quatro sextos da página, sendo que dessa quantia dois sextos são ocupados por uma figura de duas girafas comendo folhas da copa de uma árvore, com seus pescoços esticados para cima. Abaixo de tal figura, encontra-se sua legenda, dizendo o seguinte: O lamarckismo e o comprimento do pescoço das girafas: o uso frequente da musculatura do pescoço provocou o desenvolvimento dessa estrutura; as características foram lentamente transferidas aos descendentes. 35 Existe também outra figura exemplificando as teorias de Lamarck. Esta ocupa uma dimensão de aproximadamente um sexto da página, contendo uma foto de dois tamanduás e a seguinte legenda: Tamanduá. Segundo o lamarckismo, esse animal teria fortes garras e focinho comprido como resultado do contínuo esforço dessas estruturas no processo de revolver a terra dos formigueiros e capturar formigas. O texto que explica as teorias de lamarckistas é iniciado com o exemplo das girafas, afirmando ser este um exemplo clássico e, também, que Lamarck supunha que em tempos passados este animal tenha tido pescoço curto e os membros anteriores de tamanho semelhante ao dos posteriores, mas que eles viviam em ambientes onde a vegetação rasteira era escassa e, por isso, teriam sido induzidos, por “solicitação do ambiente”, a se alimentar de folhas presentes nas copas das árvores, tendo de esticar seus pescoços e membros anteriores para alcançá-las. O uso frequente dessas estruturas fez com que elas se desenvolvessem e essas características fossem passadas lentamente de geração para geração, até resultar nas girafas atuais. Além deste exemplo, o texto cita mais dois exemplos, sendo o primeiro referente ao coelho, que teria orelhas grandes em resposta à frequente utilização da audição para a prevenção contra predadores, e dos tamanduás, que teriam garras e língua grandes em função da necessidade de escavar o solo e de esticar a língua para se alimentar. Outro sub tópico relevante ocupa um total de quase dois sextos da página, com dois pequenos parágrafos, e está desprovido de imagens. Este é iniciado com a seguinte frase: “O Lamarckismo constitui uma ideia destituída de fundamento científico.” Em seguida faz a explicação para essa afirmação, dizendo que, em primeiro lugar, apenas os órgãos musculares sofrem atrofia ou hipertrofia como resposta ao uso e desuso frequentes a que são submetidos e, em segundo lugar, que essas características adquiridas pelo uso e desuso não podem ser transmitidas aos descendentes, explicando que a transmissão de características ocorre devido à presença dos genes contidos nos cromossomos das células de reprodução, os quais já existiam nos indivíduos desde quando eram zigotos, portanto apenas as alterações que ocorrem no código genético podem afetar a descendência e que por causa 36 desse fato que Lamarck não considerou, sua principal falha está na teoria da transmissão das características adquiridas. Contudo, o autor do livro didático conclui o texto dizendo que embora o lamarckismo seja refutado para explicar o mecanismo evolutivo das espécies, possui relativa importância principalmente por considerar a adaptação como processo necessário para o sucesso evolutivo das espécies. Ao final do capítulo estão presentes as páginas com as questões sobre o que foi apresentado no capítulo. Existe o total de cinquenta e oito questões, as quais estão divididas em dissertativas e de múltipla escolha, distribuídas em oito páginas. As questões dissertativas aparecem de três maneiras: ou é pedido para que o aluno discuta e compare as teorias de Lamarck e Darwin, ou é dado um pequeno texto introdutório com uma hipótese evolutiva e pedido ao aluno, em seguida, para que diga quem a teria descrito, ou então é apresentada uma ideia lamarckista e perguntado ao aluno se ela é correta ou não e solicitada uma justificativa para a resposta. Já as questões de múltipla escolha são todas retiradas dos vestibulares de universidades públicas, sendo que as que falam sobre Lamarck são as primeiras, seguidas pelas que abordam as teorias darwinistas. Aparecem de duas maneiras: ou são dados os nomes das teorias de Lamarck e Darwin e pedido para os alunos escolherem quais foram pensadas pelo primeiro e quais foram pensadas pelo segundo, ou então é apresentada uma história (questão problema) e perguntado quem teria explicado o fato da maneira como está descrito na questão, com as opções de resposta sendo Lamarck ou Darwin. Uma das questões encontrada no livro está destacada abaixo: Fragmentos de On the origin of species: […] Contudo, subsiste ainda uma dificuldade. Depois que um órgão deixou de desempenhar alguma função e que por esse motivo se reduziu em proporções, como pode ainda sofrer uma diminuição posterior até não deixar mais vestígios imperceptíveis e, por fim, desaparecer? Não é possível que a falta de uso possa continuar a produzir novos efeitos sobre um órgão que cessou de desempenhar todas as funções […] (Charles Darwin, 1859). A alternativa considerada como correta pelo gabarito de respostas do livro diz que é correto afirmar que o excerto a cima faz uma séria crítica a uma das leis de Lamarck, por esse naturalista acreditar que a falta de uso de um 37 determinado órgão ou estrutura levaria a tamanhas modificações no copo do animal até desencadear sua perda total, sem deixar vestígios de sua existência. Portanto, tanto a questão, quanto sua resposta levam o leitor a pensar que Darwin era contra a teoria proposta por Lamarck, principalmente quanto a “lei do uso e do desuso”. 4.1.3. Livro 3 Para a coleta dos dados e análise dos conteúdos deste livro, dois capítulos foram escolhidos. O primeiro retrata a origem da vida e o segundo capítulo apresenta as teorias evolucionistas, sendo que cada um contém seis e quatorze páginas, respectivamente. O primeiro capítulo analisado está subdividido em dois tópicos, porém será discutido apenas o primeiro tópico deste capítulo. Esta parte do livro tem seu começo retratando sobre Aristóteles, que falava no princípio ativo capaz de produzir matéria viva a partir de matéria bruta, quando em condições favoráveis, o que é a chamada teoria da geração espontânea, afirmando que essa teoria pode parecer estranha agora, mas que antigamente era perfeitamente aceitável devido aos poucos conhecimentos científicos que existiam até então. O texto traz, ainda, um exemplo de experimento que foi realizado pelo médico, químico e fisiologista Jean Baptiste Van Helmont6 (1579 - 1644), o qual criou uma receita contendo como ingredientes uma camiseta suja guardada com grãos de trigo em um local calmo, para a produção de camundongos. anteriormente, Depois ilustram diz que uma tais questão experimentos, relacionada à como o citado construção do conhecimento científico e à produção dos trabalhos científicos, pois os preconceitos e suposições dos cientistas a respeito do assunto que estão investigando podem influenciar a metodologia e os resultados de seus experimentos. ____________________________ 6 Até o início do século XIX, o surgimento de novos seres vivos não era um assunto que preocupava a comunidade científica, pois todos acreditavam que os seres vivos poderiam surgir de duas formas: a partir de seus semelhantes (pais) ou por geração espontânea (a partir de matéria inanimada). Jean Baptiste Van Helmont foi um desses pensadores que acreditavam na geração espontânea, chegando a propor experimentos a favor dessa teoria (ZAIA, 2003). 38 Contando um pouco mais sobre a história da construção do conhecimento científico sobre a origem da vida, o texto diz que em 1668 o naturalista Francesco Redi7 (1626-1697) quem iniciou a contestação da abiogênese e que por esse motivo formulou experimentos para verificar a origem de insetos, colocando pedaços de carne e peixe em frascos abertos e observava que em alguns dias surgiam larvas em grande quantidade, mas quando ele fazia o mesmo experimento com os frascos fechados observava que as larvas não apareciam. O texto também conta ao leitor que os defensores da abiogênese contestavam os experimentos de Redi, por trazerem resultados desfavoráveis à essa teoria, dizendo que as larvas não se formavam nos frascos fechados por falta de ar, que era um dos ingredientes geradores de vida. Em resposta às contestações, Redi cobriu os frascos com gaze, permitindo assim a passagem do ar, e as larvas também não se formaram. Essa nova teoria defendida por Redi era a chamada biogênese. Porém, o livro conta que mesmo com esses resultados, a teoria da abiogênese era fortemente defendida por vários pesquisadores renomados, como René Descartes e Isaac Newton, e que por esse motivo ela continuou prevalecendo ainda por muito tempo. Outros cientistas, e suas contribuições, são mencionados ao longo do capítulo, mostrando ao leitor que o que impulsiona a Ciência é a curiosidade, seguida da realização de experimentos, criação de teorias, as quais são contestadas e, em seguida são feitos novos experimentos e novas teorias sobre determinado assunto. O capítulo que aborda as teorias evolucionistas é composto por quatro tópicos, dentre estes apenas um se dedica a falar sobre tais ideias, citando as teorias de Lamarck. Neste tópico, antes de retratar as teorias evolucionistas, o livro traz uma breve contextualização sobre o criacionismo e o evolucionismo, afirmando que _____________________________ 7 Francesco Redi foi um dos primeiros naturalistas a discordar da teoria da geração espontânea. Tendo conhecimento dos experimentos realizados por Helmont, decidiu modificálos um pouco e, a partir dos novos resultados obtidos, chegou à conclusão de que os seres vivos somente poderiam surgir a partir de outros já existentes, desencorajando assim a teoria da abiogênese e abrindo espaço para a teoria da biogênese (ZAIA, 2003). 39 o primeiro foi, e ainda é, aceito por uma quantidade muito grande de pessoas e que passou a ser contestado por descobertas, como as de geólogos, que mostram que a Terra passa por alterações de relevo e clima, levando ao conhecimento de uma noção de dinamismo, fazendo com que alguns naturalistas pensassem na possibilidade de a vida ter sido afetada pelas mudanças ambientais, firmando-se a ideia de evolução dos seres vivos. Traz também as contribuições dos achados de fósseis e dos estudos realizados com eles para a elaboração das teorias evolucionistas. Este sub tópico preenche um espaço na página de aproximadamente dois sextos do espaço total, não existindo qualquer imagem atrelada ao texto. O texto tem início com a afirmação de que Jean Baptiste Lamarck publicou em 1809 o seu livro Philosophie Zoologique, tendo sido a obra mal recebida na época pelos demais naturalistas, mas que suas ideias foram de grande importância na história da biologia. Em seguida, é dito que Lamarck se baseava na premissa de que os seres vivos têm um impulso interior capaz de permitir sua adaptação ao ambiente, desde que pressionados por alguma necessidade imposta pelo ambiente. Como definição da lei chamada de “Lei do Uso e do Desuso”, o livro traz o seguinte: Eles (os animais) adotariam novos hábitos de vida, empregando algumas partes do corpo com mais frequência e intensidade do que outras; as partes mais utilizadas se desenvolveriam, e as menos utilizadas se atrofiariam ou chegariam a desaparecer. E como definição da lei de “Transmissão das Características Adquiridas”, traz o seguinte: As mudanças ocorridas nos organismos em recorrência de imposições ambientais seriam transmitidas aos descendentes. Após a apresentação das definições de ambas as leis, o livro afirma que a lei do uso e do desuso é válida somente para alguns órgãos como os músculos, que se desenvolvem por meio de exercícios físicos e se atrofiam com a inatividade, mas que isso não é herdado pelos descendentes. Para a segunda lei, é dito que esta não é válida em nenhuma circunstância, pois os 40 seres vivos transmitem apenas seu material genético para os descendentes, justificando, com isso, o motivo de as duas leis não serem aceitas. Lamarck é abordado novamente, após a apresentação das teorias de Darwin, em um sub-tópico que tem como intenção fazer uma comparação entre as teorias de ambos os naturalistas. O sub-tópico tem início com a seguinte pergunta: “Na visão desses dois estudiosos, como explicar o tamanho atual do pescoço das girafas?” Logo abaixo da pergunta estão presentes duas sequências com três figuras cada uma, uma abaixo da outra, e identificadas como sequência A e sequência B, respectivamente. A primeira sequência possui, representadas na primeira imagem, duas girafas de pescoço curto e patas anteriores de tamanho semelhante ao das patas posteriores, tentando alcançar galhos da copa de uma árvore, em seguida, na segunda imagem, estão representadas mais duas girafas só que com os pescoços e patas anteriores um pouco mais longos e por fim, na terceira imagem, as duas girafas já possuem o pescoço e os membros anteriores do tamanho e forma existentes atualmente. A segunda sequência tem, representadas na primeira figura, três girafas com pescoços e membros anteriores de tamanhos diferenciados, já na segunda imagem existem apenas duas girafas, uma com o pescoço e patas longos e a outra com estes membros de tamanho mediano, e na terceira e última figura aparecem novamente três girafas, porém todas elas possuem o pescoço e os membros anteriores do tamanho e forma existentes atualmente. A legenda das figuras contém as seguintes informações: Sequência A. Explicação lamarckista: para alcançar as folhas nas copas das árvores, as girafas precisam esticar o pescoços, que cresceu ao longo do tempo (lei do uso e do desuso). Essa característica foi sendo passada para a descendência, geração após geração (lei da transmissão das características adquiridas); Sequência B. Explicação Darwinista: entre as girafas havia diversidade, que podia ser transmitida para a prole. Animais de pescoço longo tinham mais condições de consumirem alimento no alto das árvores, o que favorecia a sobrevivência e a reprodução (seleção natural). Em consequência, passaram a dominar na população. Para finalizar a comparação feita entre ambos os naturalistas, o texto apresenta uma conclusão dizendo que tanto um quanto o outro foram 41 evolucionistas que explicaram a origem das adaptações como resultado de mudanças nos seres vivos. Lamarck considerava o ambiente como elemento estimulador e Darwin considerava-o como agente de seleção natural, atuando sobre a diversidade de espécies. Por fim, existe a sequência de exercícios propostos pelo livro aos alunos. Existem questões dissertativas e de múltipla escolha, ocupando um espaço no livro de três páginas. Sendo que as de múltipla escolha são retiradas de vestibulares de universidades públicas brasileiras. As questões dissertativas aparecem de duas maneiras, ou é apresentada, no início do exercício, uma situação problema e em seguida pedido ao aluno a explique de acordo com teorias lamarckistas, ou é trazida também uma situação problema e depois pedido ao aluno que indique se as afirmações apresentadas são corretas ou não, justificando sua resposta. Já as questões de múltipla escolha aparecem de duas formas. N a primeira são apresentadas frases diversas ao aluno, as quais possuem explicações lamarckistas e darwinistas para algumas hipóteses, e pedido a ele que escolha a frase errada, sendo que no gabarito a resposta errada é a que se refere às ideias de Lamarck. Já o outro tipo de questão apresenta uma hipótese e pede ao aluno que escolha o nome da teoria que a justificaria, sendo que dentre as opções de resposta estão as teorias de Lamarck. 4.1.4. Livro 4 Deste livro dois capítulos foram examinados. Um deles retrata a evolução humana, enquanto que o outro apresenta as teorias evolucionistas e o conceito de evolução. O primeiro capítulo possui dezoito páginas, sendo que o tópico que discute sobre evolução humana contém apenas quatro páginas desse total. Já o segundo capítulo é formado por quinze páginas, sendo que as teorias evolutivas ocupam cinco páginas do livro. O primeiro capítulo tem início com a apresentação de uma linha do tempo, a qual descreve alguns eventos na evolução dos animais, com ilustrações para cada período, enfatizando a ideia trazida pelo texto de que a evolução é um processo recente na história da evolução de todos os seres vivos. 42 Em seguida é dito no livro que os seres humanos compartilham muitas características com os demais animais, por serem mamíferos como a nossa espécie, porém, a espécie humana é classificada mais especificamente como pertencente à ordem dos primatas, como os macacos atuais e os fósseis de hominídeos. Apresenta as características dos hominídeos, contando um pouco melhor sobre o parentesco dos animais pertencentes a essa ordem, e logo abaixo desse texto traz um cladograma que representa as relações evolutivas entre os primatas. Por fim, o livro apresenta os primeiros hominídeos, contando um pouco sobre o período em que teriam surgido. Um quadro contendo uma figura de dois esqueletos, de um gorila e de um homem, faz uma comparação entre suas características, e, abaixo deste, o texto retrata as principais modificações evolutivas que a espécie humana sofreu em relação aos demais primatas. É apresentado, ainda, todos os ancestrais do homem, com suas características descritas. O capítulo possui duas páginas com exercícios, dentre todos os exercícios, nove dissertativos e doze de múltipla escolha, dez deles se referem à evolução humana. O próximo capítulo aborda os conceitos gerais de Evolução. Antes de serem mencionadas as teorias evolucionistas, propriamente ditas, é feita uma introdução, contendo o significado do termo evolução e uma breve apresentação sobre o que será discutido nesse contexto, seguida por vários tópicos que falam sobre as evidências da evolução, sobre os fósseis e sua importância científica, comparações anatômicas, órgãos vestigiais e comparação entre moléculas, para somente então começarem a ser apresentadas as teorias. Os únicos naturalistas mencionados no capítulo são Lamarck e Darwin. O primeiro tem um espaço de praticamente uma página inteira de explicação das suas teorias, enquanto que o segundo dispõe de um espaço preenchido por quatro páginas. Ao descreve as teorias de Lamarck, o livro conta brevemente quem foi esse cientista. Para isso, estão presentes no texto informações como o período de tempo que ele viveu, em anos, a obra que escreveu (diz o livro que Lamarck 43 escreveu em 1809 sua obra chamada “Philosophie Zoologique”) e que sua teoria foi a primeira tentativa de explicação da evolução de forma sistemática. O texto retrata que Lamarck pensou em duas leis, porém essas não foram nomeadas pelo autor do livro, sendo apenas descritas em um parágrafo. Nessa descrição o autor afirma que para Lamarck o uso de determinada estrutura faz com que ela se desenvolva, enquanto que a falta de seu uso provocaria o contrário, e que essas modificações adquiridas durante a vida do animal poderiam ser transmitidas aos descendentes, desde que fossem úteis. Nessa obra o autor não se utiliza do exemplo da girafa para ilustrar as teorias de Lamarck, mas utiliza como exemplo as aves pernaltas, cuja existência poderia ser justificada, de acordo com Lamarck, pelo fato de elas terem feito esforço para andar nas águas rasas e devido à esse esforço as pernas se desenvolviam, sendo útil essa característica para as aves, as quais foram passadas para as próximas gerações. Por fim, é dito no texto que essa lei de transmissão dos caracteres adquiridos não está de acordo com as leis da hereditariedade de que apenas características herdadas no genótipo são transmissíveis, e que as adquiridas durante a vida não são porque não compõem o genótipo, porém na conclusão é dito que Lamarck nem poderia ter pensado nisso e, portanto, ter explicado corretamente, pois na época não se sabia nada sobre genes, DNA e herança genotípica. É dito também que embora as teorias de Lamarck não estivessem corretas elas foram de grande importância para a ciência, pois Lamarck foi que teve o mérito de relacionar muitos exemplos de adaptações e foi o primeiro a falar em evolução numa época em que esse assunto não era aceito pela comunidade científica. Existem duas imagens relacionadas à Lamarck presentes no texto, uma é um retrato do naturalista e a outra é a foto de uma ave pernalta, sendo o tamanho de ambas as imagens de aproximadamente um sexto da página para cada. Não existem quadros contextualizando historicamente o período em que Lamarck viveu, nem sobre a construção do conhecimento científico, sendo que tais informações não se fazem presentes nem no próprio corpo do texto. Outra 44 coisa que não existe é a comparação feita entre as teorias de Lamarck e Darwin. Um fator que chama a atenção no capítulo é que ao final deste existe uma página que se dedica a criticar informações estudadas. O tema deste item é a utilização das girafas como exemplo clássico para as teorias de Lamarck, o qual, segundo o autor do livro, tem sido muito contestado pelos cientistas, os quais afirmam que tal exemplo é utilizado pela força de sua tradição porque nem Lamarck e nem Darwin deram destaque à girafa como símbolo do processo de evolução. As crítica, segundo o autor, se devem às observações de que as girafas somente se alimentam das folhas presentes nas copas das árvores durante a estação chuvosa, pois na estação seca seu alimento é retirado de arbustos , de que as fêmeas possuem o pescoço significativamente menor em relação aos machos de sua espécie e de que não há nenhum registro fóssil de formas aparentadas com a girafa, porém com pescoço mais curto. O capítulo possui duas páginas de exercícios, sendo que eles compõem um total de quatorze questões. 4.2. COMPARAÇÃO ENTRE AS OBRAS Neste item, serão comparados os resultados obtidos com o exame dos quatro livros didáticos, facilitando para os leitores a visualização e compreensão dos aspectos abordados pelo TGI. Após a realização dos resumos individuais de cada uma das obras, é possível perceber que alguns dos conteúdos, bem como outras características, são comuns a todas elas. Nota-se que em geral os livros didáticos mencionam pouco, ou nada, sobre outros naturalistas que viveram anteriormente ou no mesmo período em que Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744 – 1829) viveu, e quando isso ocorre, é mostrado ao aluno apenas uma das teorias desses naturalistas, geralmente não sendo explicado a maneira como estas poderiam ter influenciado as ideias de Lamarck ou até mesmo de outros pesquisadores. 45 Além disso, quando é apresentado algo sobre o contexto histórico, é feito de maneira breve, sendo descritos, dentro do próprio corpo do texto, apenas alguns detalhes sobre os naturalistas, os quais não permitem ao aluno conhecer e entender como de fato era o contexto em que eles estavam inseridos. Essas informações geralmente são a data em que o naturalista nasceu e a data em que ele morreu, a principal ideia que ele desenvolveu, onde trabalhou e em que revista publicou sua teoria, ou seja, uma breve biografia. Esse tipo de abordagem, descontextualizada, não permite ao educando compreender exatamente a maneira como a construção do conhecimento científico ocorre, pois mesmo sendo apresentado o naturalista e suas ideias, não é mencionado nada sobre o processo de construção de suas ideias, sobre a influência que as obras de outros naturalistas possam ter exercido sobre seus pensamentos, ou mesmo sobre as críticas que ele possa ter recebido ao divulgar suas teorias. Quando pretende-se contar sobre o contexto histórico mais geral que estava ocorrendo em um determinado período (movimentos filosóficos, avanços tecnológicos e sociais, por exemplo), não relacionado diretamente com o naturalista, mas que pôde ter exercido influências sobre ele, são utilizados quadros separados do texto. Porém essa relação entre o contexto e a construção das teorias não é apresentada de maneira explícita, podendo dificultar sua compreensão pelo aluno. Também foi encontrado nas obras examinadas, talvez para facilitar a compreensão dos alunos sobre a lei do uso e do desuso, o exemplo das girafas, que segundo as explicações presentes no material, tiveram que esticar seus pescoços e membros anteriores para alcançar as folhas das copas das árvores e assim conseguirem se alimentar. Esse exemplo somente não está presente no livro 4, no qual as girafas são mencionadas apenas no final do capítulo, como uma crítica a sua comum presença como exemplo nos demais livros didáticos. Em geral, esse exemplo aparece no corpo do texto, na forma de ilustrações e também nos exercícios, sendo rara a presença de outros exemplos que ilustrem as leis de Lamarck, como o exemplo dos tamanduás, apresentado pelo livro 2. 46 Algo que aparece bastante (quando aparece) diz respeito às publicações das leis de Lamarck. Na maioria dos livros aparece a informação de que as leis desse naturalista foram publicadas apenas na Philosophie Zoologique, e que essa foi sua obra final, ou até mesmo sua única obra, quando isso não é verdade. Além disso, é comum encontrar nesse material uma comparação entre as obras de Lamarck e de Darwin. Em algumas delas, a comparação é feita explicitamente, como no livro 1, no qual existe um tópico especificamente para isso, confrontando as ideias de ambos os naturalistas, principalmente quanto a influência do meio (o papel que o este exerce sobre as mutações) na visão de cada um dos dois. Essa comparação também aparece implicitamente quando antes ou após a apresentação das teorias de Darwin é dito que, de certa forma, ele “corrigiu” o que Lamarck havia dito. Tal comparação também é encontrada em grande parte dos exercícios que acompanham o capítulo. Reforça a ideia de que Lamarck estava errado e não pensou direito, e de que Darwin foi um gênio que corrigiu a “burrada” que o outro fez. É encontrada, também, nos livros didáticos a utilização de termos que surgiram recentemente na história, sendo apresentados como se eles já tivessem sido pensados e utilizados pelos naturalistas naquela época, o que é errado e contribui erroneamente para a compreensão dos alunos sobre a construção do conhecimento científico (acronologia). Além disso, alguns termos que Lamarck utilizou em suas obras, e que já foram questionados por outros pesquisadores (como o termo necessidade), é mencionado e utilizado didaticamente para explicar uma das leis de Lamarck, a chamada de segunda lei. Isso pode influenciar o aluno a pensar que as leis de Lamarck, principalmente essa, não são científicas e que estavam erradas. Também foi possível observar que na maioria das obras examinadas a quantidade de páginas destinadas ao tema Evolução é pequena, em alguns deles nem chegando a ocupar quinze páginas (como é o caso do livro 3), embora apareça em maior quantidade em alguns deles (como no livro 1, no qual esse tema ocupa um espaço de 107 páginas, contando com os exercícios). 47 O mesmo acontece com Lamarck. Nos materiais analisados as teorias desse naturalista são apresentadas em duas ou três páginas, no máximo, considerando-se o total de páginas do livro e também do capítulo em que elas são apresentadas. Essas informações são mais bem percebidas com a figura 1: Figura 1: Comparativo entre a quantidade total de páginas dos quatro livros didáticos, a quantidade destinada ao tema Evolução e a quantidade referente às teorias de Lamarck. Já em relação aos exercícios presentes nos livros, foram selecionados somente os que abordavam o tema Evolução e, entre estes, os que abordavam as teorias de Lamarck. Os resultados obtidos estão representados na figura 2. Figura 2: Comparativo entre os livros, referente à quantidade total de exercícios presentes no capítulo sobre Evolução e à quantidade de exercícios sobre as teorias de Lamarck, presentes no mesmo capítulo. 48 Após observar os dados é possível perceber que a quantidade de exercícios que trabalham com as leis de Lamarck nos livros didáticos mantém uma determinada proporção entre os materiais, ocupando aproximadamente um terço da quantidade total de exercícios em cada um. A outra parte, (aproximadamente dois terços) que não está representada no gráfico acima, diz respeito às teorias do naturalista Charles Robert Darwin (1809 – 1882). Já quanto às imagens referentes a Lamarck presentes neles, de maneira geral, não existem mais do que três ou quatro figuras representando o naturalista e suas leis. O que predomina nos livros são imagens que representam fotos desse naturalista (aparecendo em 2 dos) e figuras ilustrando o exemplo das girafas, o que aparece em três dos quatro examinados, sendo que no livro 4 essa imagem também aparece, porém no final do capítulo e na forma de um questionamento sobre essa informação (o que pode ser verificado no resumo deste material). Aparecem também, em alguns desses materiais, como nos livros 2 e 4, alguns outros exemplos como o do tamanduá e o de aves pernaltas, descritos por Lamarck. Outro fato que chama a atenção e merece destaque nos resultados é que em todos os quatro livros examinados estão presentes apenas duas de suas leis, a “lei do uso e do desuso” e a “lei de transmissão das características adquiridas”, quando na verdade Lamarck não criou apenas essas duas, mas sim quatro leis no total. Os nomes dessas duas leis mencionadas pelos livros didáticos não são os originais, sendo eles, respectivamente “desenvolvimento ou atrofia de um órgão em função de seu emprego” e “a herança do adquirido”. As outras duas leis, que recebem o nome de “tendência para o aumento da complexidade” e “surgimento de órgãos em função de necessidades que se fazem sentir e que se mantém”, não são mencionadas em momento algum por nenhuma das obras. Na maioria dos livros, Lamarck aparece como um pesquisador que não comprovou cientificamente suas teorias, tendo contribuído para a ciência apenas por ser um dos primeiros pensadores que rejeitaram as ideias fixistas de que todas as espécies viventes foram criadas por Deus e se mantiveram 49 dessa forma, sem sofrer alteração alguma, desde seu surgimento. Este o único atributo bom que Lamarck recebe nos livros didáticos. 5. ANÁLISE Sendo que os objetivos do trabalho visam conhecer a maneira como o contexto histórico e filosófico é apresentado nos livros didáticos de Biologia, assim como as teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, o cavaleiro de Lamarck (1744-1829), verificando-se as semelhanças e diferenças desses conteúdos entre as obras examinadas, a fim de propor maneiras para o aprimoramento da abordagem de ambos os aspectos no ensino de Evolução, foi elaborada a seguinte análise (a qual foi elaborada segundo os tópicos de observação descritos na metodologia e está pautada nos referenciais teóricos). Quanto à organização dos conteúdos nos livros didáticos, de maneira geral, os que se referem ao tema Evolução estão presentes na metade ou no final do livro, o que pode significar que esse assunto provavelmente será um dos últimos trabalhados em sala de aula, principalmente no caso de o professor seguir a sequência de conteúdos, exatamente da maneira como ela está presente nesse material, para a preparação de suas aulas. Isso é possível de acontecer, pois segundo Fracalanza e Neto (2003) o livro didático é utilizado pelos professores para a elaboração e preparação de seus planejamentos anuais e de suas aulas, portanto, a tendência é de que seja seguida a sequência de conteúdos de acordo com o material que eles utilizaram como base. Encontrar os capítulos referentes a Evolução na parte final do livro ocorreu conforme o esperado, pois o estudo sobre os conteúdos presentes nos livros didáticos de Biologia, realizado por Cicillini (1991 apud DIAS; BERTOLOZZI, 2009), mostra que em geral estes materiais seguem uma tendência na forma como apresentam a sequência de seus conteúdos, a qual quase sempre começa com a apresentação das células, depois dos tecidos e órgãos e por fim chega ao estudo dos seres vivos, da Genética, Evolução e Ecologia, podendo existir apenas algumas pequenas variações entre as obras. Apresentando ideias semelhantes a essa, os autores Almeida e Falcão (2010) dizem que o tema Evolução quase sempre aparece nos livros didáticos 50 após a unidade referente à Genética, estando esse sequenciamento baseado no pressuposto de que a apresentação da Genética, precedendo as teorias evolucionistas, facilitaria a compreensão dos alunos sobre a teoria de Darwin, o que tornaria possível ao educando compatibilizar os conceitos de Genética e Evolução simplesmente por tomarem conhecimento de ambos. Porém, ainda segundo os autores, essa forma de apresentação dos conteúdos não garante que os alunos compreenderão tão facilmente essa sequência didática, podendo levá-los a não adquirir a noção de que na história essa não foi a verdadeira ordem dos acontecimentos. Outro fato também percebido quanto à organização dos livros didáticos refere-se à quantidade de páginas. Foi observado que entre a quantidade total de páginas presente em cada livro, as destinadas ao tema Evolução eram significativamente poucas, assim como as destinadas à apresentação das leis de Lamarck, o que, segundo Dias e Bertolozzi (2009), pode indicar que para os autores dos livros didáticos examinados não é dada muita importância a esses temas, uma vez que a quantidade de páginas destinadas a um determinado assunto nesse material reflete sua importância para o seu autor. Sobre a maneira como as teorias de Lamarck são tratadas, em todas as obras examinadas ela se resume a apenas duas leis, chamadas por elas de “Lei do uso e do desuso”, a qual seria a primeira lei formulada por esse naturalista, e a outra de “Lei da transmissão das características adquiridas”, a qual seria sua segunda lei. No entanto, ao fazer isso, os autores estão cometendo erros de duas naturezas, os quais estão destacados nos próximos parágrafos. O primeiro é a denominação que essas leis recebem nos livros didáticos, pois elas não foram chamadas dessa maneira por Lamarck. Originalmente a primeira lei mencionada pelas obras didáticas recebeu o nome de “desenvolvimento ou atrofia de um órgão em função de seu emprego” e a segunda lei de “herança do adquirido”, e, embora a explicação de ambas, feita por esses materiais se aproxime da explicação original, os autores se utilizam de termos que não existiam na época e que não foram originalmente utilizados pelo naturalista. Segundo Martins e Brito (2006), o uso de termos que surgiram após a elaboração de uma determinada teoria, para descrevê-la didaticamente, pode fazer com que o aluno valorize somente o que é aceito e utilizado 51 atualmente, ou então pode levá-lo a formar uma visão distorcida e tendenciosa em relação às ideias originais, por esse motivo deveria ser priorizada a utilização dos termos originalmente descritos. O segundo erro diz respeito à citação de apenas duas leis (as quais são intituladas como primeira e segunda leis), quando na verdade existem outras duas, totalizando quatro leis. Segundo Martins e Brito (2006), nas versões finais da teoria de Lamarck, mais especificamente na Historie naturelle des animaux sans vertebrès (MARTINS, 1997), são apresentadas outras duas leis, as quais seriam na realidade as duas primeiras, ao contrário do que está descrito nos livros didáticos. A primeira lei, como foi originalmente intitulada por Lamarck, recebeu o nome de “tendência para o aumento da complexidade” e faz referência à tendência existente na natureza para o aumento da complexidade na escala animal e para o aumento das faculdades dos seres vivos ao longo do tempo, sendo essa tendência o fator responsável pelo desenvolvimento e pelas mudanças ocorridas no indivíduo desde o ovo até sua fase adulta e também pela constituição de uma escala, entre os grandes grupos taxonômicos, formada devido à presença de um crescente aumento na complexidade dos órgãos essenciais, aparelhos e sistemas (MARTINS, 1997, MARTINS; BRITO, 2006). Já a segunda lei originalmente descrita por ele, recebeu o nome de “surgimento de órgãos em função de necessidades que se fazem sentir e que se mantêm”. Com essa lei, Lamarck tentou explicar o surgimento de um novo órgão a partir de mudanças ocorridas nas circunstâncias do ambiente, as quais acabam gerando novas necessidades e, consequentemente, movimentos nos fluidos corpóreos, nutritivos e nervosos do animal, fazendo com que os fluidos se concentrem em uma determinada região (onde a necessidade se faz presente) e que isso, ao longo de muitas gerações, possa provocar o aparecimento de novos órgãos em seu corpo, os quais poderão ser mantidos se as circunstâncias do meio que provocaram seu surgimento se mantiverem as mesmas e se a necessidade ainda se fizer sentir (MARTINS, 1997, MARTINS; BRITO, 2006). Também foi mencionado por quase todos os materiais examinados o exemplo das girafas, utilizado para exemplificar a chamada lei 52 do uso e do desuso (originalmente chamada de desenvolvimento ou atrofia de um órgão em função de seu emprego), ou para fazer uma comparação entre as explicações de Lamarck e de Darwin quanto ao papel do ambiente (a influência que este exerce) sobre a aquisição de novas características pelos seres vivos. De acordo com Almeida e Falcão (2010), esse exemplo foi utilizado no Brasil possivelmente pela primeira vez nos anos 60, com a publicação do BSCS8 versão azul (Biological Sciences Curriculum Study), o qual teria sido traduzido para o Português e trazido para cá nesse período por provavelmente ter sido visto como uma inovação para o ensino das ciências. Desde então, ainda segundo esses autores, o exemplo das girafas passou a ser frequentemente reproduzido nos demais livros brasileiros. Ainda quanto ao exemplo das girafas, Bellini (2006) diz que os livros didáticos permanecem contando, de geração a geração, essa tradicional história para explicar a lei do uso e do desuso, colocando-a como parte central da hipótese de Lamarck. Entretanto, a autora afirma que a alusão ao pescoço das girafas na história de Lamarck só está presente, de maneira breve, em apenas uma parte da obra Philosophie Zoologique, e que, portanto, não tem a importância que os livros didáticos lhe conferem. Relata, ainda, que vários outros exemplos foram mencionados nas obras de Lamarck, mas que mesmo assim esse se tornou o mais utilizado. Foi também na coleção de livros do BSCS que, segundo Almeida e Falcão (2010), possivelmente apareceu pela primeira vez a comparação entre as teorias de Lamarck e de Darwin, colocada como dois pontos de vista em conflito, o que acaba passando a ideia de que a teoria de Lamarck não passou de uma mera hipótese sem base experimental e provas científicas (principalmente referente a lei da transmissão das características adquiridas), enquanto que a teoria de Darwin ocupa o papel oposto, de trabalho experimental comprovado cientificamente pela seleção natural. ___________________________ 8 A coleção dos livros de Biologia denominadas Biological Science Curriculum Study (BSCS) surgiu nos Estados Unidos, nos anos 60, a fim de garantir maior desenvolvimento econômico, cultural e social, assim como maior hegemonia norte-Americana, incentivando jovens talentos a seguir carreiras científicos. Além dessa coleção, surgiram também, no mesmo período, as coleções de Física (Physical Science Study Commitee – PSSC), de Química (Chemical Bond Approach – CBA) e de Matemática (Science Mathematics Study Group – SMSG) (KRASILCHICK, 2000). 53 Outro aspecto relevante encontrado com frequência nos livros foi a menção que é feita a apenas uma das obras de Lamarck, a Philosophie Zoologique, não sendo apresentadas as outras obras publicadas pelo naturalista, tais como Recheches sus l'organisation des corps vivants (1800); Historie naturelle des animaux sans vertebrès (1815), e os discursos como os Discours d'orventure (1800-1803), entre outras, o que acaba por omitir um conjunto de obras onde ele descreveu suas teorias, não permitindo aos alunos conhecerem mais profundamente a teoria geral, provocando neles uma visão tendenciosa e diferente da real (ALMEIDA; FALCÃO, 2010). A maneira como as ideias de Lamarck são apresentadas nos livros didáticos de biologia abandona a riqueza dos detalhes observados por ele e, consequentemente, da construção metodológica que ele teceu para dar suas explicações teóricas. Descrevem uma suposta teoria e supostas leis, a partir de um único exemplo, supostamente presente em uma única obra, que se transforma em modelo (BELLINI, 2006). Não se pode dizer que a teoria de Lamarck está baseada em apenas duas leis, dotadas de apenas dois clássicos exemplos e agrupada em apenas uma única obra. Para uma boa descrição da teoria deste naturalista é preciso saber que existem outras obras, ler todas elas e compará-las, e não se basear em apenas uma, como geralmente é feito (MARTINS, 1998). As teorias , hipóteses ou ideias são descritas erroneamente pelos autores dos livros didáticos, justamente pelo fato de eles desconhecerem grande parte das obras originais, o que os leva a se utilizarem de informações errôneas e, com isso, construírem relações também equivocadas e conclusões erradas, as quais serão aprendidas pelos alunos (MARTINS; BRITO, 2006). Ao abandonar os detalhes e se ater apenas a uma visão simplista, com narrativas simplificadas, acabam-se omitindo aspectos importantes e, consequentemente, impedindo a percepção de que a construção do conhecimento e pensamento científico é um processo complexo e que inclui erros e acertos, também omite a realidade de que a ciência, por ser feita por seres humanos que podem cometer enganos e erros, é falível, questionável e mutável (MARTINS; BRITO, 2006). Referente à imagem que é passada para os leitores dos livros didáticos sobre Lamarck, de maneira geral, é dito nesses materiais que sua teoria não 54 pode ser considerada como científica, pois as explicações e exemplos levantados por ele não puderam ser provados experimentalmente e, também, porque suas leis trazem conceitos errados, principalmente a qual recebe o nome nos livros de “lei de transmissão das características adquiridas”. De acordo com os livros, essa lei não pode ser aceita porque já foi comprovado cientificamente que as características adquiridas ao longo da vida do animal não podem ser transmitidas para as futuras gerações, pois só se transmite para a prole o que está presente no material genético do indivíduo. Realmente no período atual a ideia de transmissão de caracteres adquiridos não é aceita, pois já sabemos que a transmissão das características só ocorre pelo genótipo, porém, ao fazer essa afirmação os autores dos livros didáticos excluem o contexto histórico da época de Lamarck, pois não mencionam que essa não é uma ideia original dele, mas que já aparecia na literatura, sendo bem aceita na época, muito antes de ser descrita por ele e que talvez por esse motivo ele não tenha entrado em muitos detalhes e nem se utilizado de muitos exemplos para descrever essa lei em suas obras (MARTINS; BRITO, 2006). Martins, 1997, relata em seu texto que além de a herança do adquirido ocupar um papel secundário em sua hipótese, essa é uma ideia muito anterior a Lamarck e que continuou existindo por muito tempo depois dele, sendo aceita também por Charles Darwin, que a considerou até o fim de sua vida, admitindo que as mudanças acidentais, como a perda do chifre de uma vaca por doença, fossem transmitidas aos seus descendentes, porém isso não é mencionado em momento algum pelos livros didáticos. A possível limitação de conhecimentos sobre a Filosofia e a História da Ciência por parte dos autores dos livros didáticos, bem como o tipo de narrativa geralmente simplificada empregada por eles nesse material, na busca por facilitar a compreensão dos conteúdos pelos estudantes, são fatores que podem vir a contribuir para a formação da ideia de que existiram os cientistas geniais (que fizeram tudo certo, comprovando experimentalmente suas ideias e apresentando, já em seu tempo, exatamente o que é aceito agora), e que, por outro lado, existiram os imbecis que fizeram tudo errado, podendo, sem querer, acabar criando a ideia de que as teorias desses últimos não passaram de 55 simples hipóteses sem caráter científico. (MARTINS; BRITO, 2006, BELTRAN et al., 2011, DIAS; BERTOLOZZI, 2009, BELLINI, 2006). Quando é mencionado algum mérito científico de Lamarck, apenas é dito que ele foi um dos primeiros pesquisadores a romper com a tradicional ideia fixista de que os organismos foram criados por Deus e que permaneceram possuindo exatamente as mesmas características desde então. Esse fato é verdadeiro, porém ele também contribuiu de outras maneiras para o avanço da ciência, as quais não são mencionadas. Como exemplos de suas demais contribuições, Lamarck colaborou com a sistemática ao introduzir no meio científico o critério presença ou ausência de ossos, empregando, nesse sentido, os termos “vertebrados” e “invertebrados”, procurou explicar a origem do homem e de suas faculdades superiores (como capacidade de memorização e atenção), tentou elaborar uma história da natureza, esforçou-se para descrever o conhecimento sobre o mundo natural e, dentre outras coisas mais, cunhou o termo biologia (foi o primeiro naturalista a definir a Biologia e o que ela estuda), o que levou à união das diversas áreas de conhecimento, do que até então era estudado de maneira fragmentada dentro das ciências naturais (MARTINS; BRITO, 2006, DIAS; BERTOLOZZI, 2009). Em suma, os principais problemas encontrados nos livros didáticos, referentes à Lamarck se devem, em grande parte, à problemas relativos a utilização da Filosofia e História da Ciência, a qual na maioria das vezes não se mostra satisfatória. Outro fator que se mostra problemático é a simplificação de sua teoria nos livros didáticos de biologia, talvez até por causa do pouco conhecimento que os autores desse material possam ter sobre as obras originais do naturalista (MARTINS; BRTIO, 2006, BELTRAN et al., 2011, DIAS; BERTOLOZZI, 2009, BELLINI, 2006). O contexto histórico geralmente é pouco mencionado nos livros didáticos, sendo apresentadas as teorias dos naturalistas sem praticamente ser feita a relação entre eles e o contexto de sua época, ou a relação entre os próprios naturalistas (sobre quem viveu em época anterior ou posterior, ou sobre como as ideias de um podem ter influenciado as ideias do outro). Quando o contexto histórico aparece nos livros, geralmente está descrito em poucas linhas no próprio texto, na forma de pequenas biografias, ou então em 56 um pequeno quadro ao lado do texto principal, possivelmente não fornecendo ao leitor um conhecimento mais aprofundado a esse respeito. Os autores Beltran et al., 2011 retratam em seu texto que esse tipo de abordagem histórica, na forma de biografias ou de quadros separados do texto principal, pode ser um dos fatores que levariam os alunos a criar uma visão distorcida sobre a construção do conhecimento científico, ou a pensar que a ciência é neutra, sem erros e concluída/imutável. Para minimizar esses problemas, os autores dos livros didáticos poderiam receber o auxílio de profissionais especialistas em Filosofia e História da Ciência para escrever os conteúdos presentes nesses materiais. Enquanto isso não é realizado, cabe aos professores procurarem contextualizar, da melhor maneira que puderem, os conteúdos que estão trabalhando com os alunos. Para isso, os professores podem procurar conhecer melhor o contexto histórico presente por trás das teorias, pesquisando as obras originais dos naturalistas e cientistas, lendo trabalhos que, assim como este, abordem esse tipo de problema, ou até mesmo, podem levar para a sala de aula outros materiais que complementem os livros didáticos, entre outras ações que podem ser feitas. É importante que os professores desconfiem de relatos extremistas, que apresentem a ideia de existência de gênios que elaboraram suas teorias sem problema algum, sem dificuldades, as quais já foram imediatamente aceitas pela comunidade científica, pois essa visão descaracteriza a ciência como de fato ela é. Devem também desconfiar da apresentação da situação oposta, da existência daqueles pesquisadores que fizeram tudo errado, o que implicou na não aceitação de suas teorias em momento algum, pois é provável que embora elas não sejam mais aceitas atualmente, já tenham sido plausíveis e aceitáveis em sua época. Os professores poderiam, também, mencionar em suas aulas que as ideias e teorias que surgem antes, na escala do tempo, são utilizadas como base para as teorias que surgiram posteriormente, pois os autores das teorias mais modernas podem ter tido acesso às mais antigas e se baseado nelas para elaborar as suas próprias. No contexto de Lamarck e Darwin, é necessário e 57 importante que o professor não deixe de mencionar que esse caso pode ter acontecido entre eles. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os livros didáticos constituem um material importante para alunos e professores, podendo ser o único material a que os estudantes têm acesso durante sua formação, além de ser o material utilizado de base para os professores prepararem suas aulas. A presença de conteúdos pouco contextualizados nesse material pode contribuir para que os alunos formem uma visão inadequada da Ciência, da maneira como ela é constituida e dos processos pelos quais ela passa constantemente. A visão inadequada dos estudantes sobre a Ciência, deixando de perceber que ela é um processo humano e que, como tal é passível de erros, pode levá-los a não desenvolverem senso crítico e, consequentemente, a aceitarem todas as informações que receberem ao longo de suas vidas como verdades absolutas. Dessa forma podem deixar de fazer suas próprias escolhas e, assim, tornarem-se vulneráveis a manipulações de diversos agentes sociais. Nesse sentido, há a necessidade de uma reflexão sobre os conteúdos relacionados à História da Ciência nos livros didáticos, a fim de que eles possibilitem ao aluno uma melhor compreensão sobre a construção do pensamento científico, sobre a participação humana nessa atividade, e para que possa assim desenvolver senso crítico e ser capaz de participar efetivamente das questões sociais. Dessa forma, pesquisas relacionadas aos livros didáticos e à utilização da História da Ciência por eles (não somente aos utilizados pelo Ensino Médio, mas também a todos os outros níveis de ensino), podem auxiliar na melhoria e na maior adequação desses materiais. 58 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, A. V.; FALCÃO, J.T.R. A estrutura histórico-conceitual dos programas de pesquisa de Darwin e Lamarck e sua transposição para o ambiente escolar. Ciência & Educação, Bauru, v. 11, n. 1, p. 17-32, 2005. ALMEIDA, A. V.; FALCÃO, J.T.R. As teorias de Lamarck e Darwin nos livros didáticos de biologia no Brasil. Ciência & Educação, Bauru, v. 16, n. 3, p. 649665, 2010. BECKER, F. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos Educação e Realidade. Porto Alegre, 19(1): jan/jun. 1994. p 89-96. BELTRAN, Maria Helena Roxo et al. História da Ciência em Sala de aula – Propostas para o ensino das Teorias da Evolução. História da Ciência e Ensino, São Paulo, SP, v. 4, p. 49 – 61. 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