INVESTIGAÇÃO A NEGÓCIO NA DEFESA CHEFE DE GABINETE DE PORTAS NO GOVERNO ESTEVE SOB ESCUTA Nº 206 – 10 A 16 DE ABRIL DE 2008 – € 2,80 (CONT.) CRIME NO JET SET OS ESQUEMAS DE MARIA DAS DORES NA PRISÃO Como a socialite passou os últimos 14 meses na cadeia, depois de o marido ter sido assassinado: conseguiu ganhar a confiança de uma guarda prisional, trocou cinco vezes de advogados e fez tudo para controlar uma herança de 2 milhões de euros BRIDGE, VELA E NEVE HISTÓRIAS DE HIPOCONDRÍACOS Como se distraem os antigos administradores do BCP Pessoas que vivem à procura de doenças OS ANOS DE SALAZAR VOLUME 7 POR APENAS € 7,95 Destaque REPORTAGEM. OS ÚLTIMOS 14 MESES DA EX-SOCIALITE AVIDA DE MARIA DAS DORES ATRÁS DAS GRADES Nos últimos 14 meses, teve duas grandes preocupações. Uma era a sua vida na cadeia: tentou ter um tratamento especial, ganhou a confiança de uma guarda e fez exigências mirabolantes. Outra era a vida cá fora: escreveu cartas com pedidos e ameaças a familiares e amigos e lutou pelo controlo sobre uma herança de 2 milhões de euros. Por NunoTiagoPinto ! DIAS NA CADEIA “Rosinha, (...) A Dr.ª Judite emprestou-me € 22 que agradeço que lhe pague que logo que chegue a casa lhe pagarei. O meu advogado, o Dr. Nabais, está a tratar da pulseira electrónica, penso que é mais 15/20 dias. Acredite que estou inocente. Deusvaiajudar-me. AamigaMariaCruz” Carta escrita a 14/2/2007 para Rosa Capelo, a quem queria vender um carro Quando lhe passavam à frente na fila para o telefone, o máximo que Maria das Dores Correia Alpalhão Pereira da Cruz conseguia era provocar as gargalhadas das outras reclusas. Seja porque os protestos eram feitos de formaeducada ou por partirem de alguém que nos primeiros meses parecia querer transformar a estadia no Estabelecimento Prisional de Tires numas férias. De acordo com o relatório de perícia de personalidade realizado pela Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS), aque aSÁBADO teve acesso, Maria das Dores, 48 anos, “procurouinicialmente que lhe fosse conferido um estatuto diferenciado, com privilégios relativamente às restantes reclusas”. Chegou a pedir sushi, cremes e artigos de beleza. Até telefonou transferida pouco depois, numarotação de directores. Hoje lidera o Estabelecimento Prisional da PJ, em Lisboa, e recusou falar com a SÁBADO. Anovarotinadiária também foi uma alteração brusca. As detidas levantam-se às 7h15, saem da cela uma hora depois e tomam o pequeno-almoço às 8h30. Entreas 9he as 11hpodemandar pelo recreio. Foi aí que Maria das Dores teve um dos últimos problemas, a 8 de Fevereiro deste ano. Várias reclusas estavam a jogar ao “mata” e, quando foi atingida por uma bola, Maria das Dores terá protestado. As companheiras não gostarame, segundo os seus advogados, vandalizaram-lhe a cela. De acordo com o relatório da DGRS, Maria das Dores não teve qualquer sanção disciplinardesde que foi detida no início de 2007, acusada de mandar matar o marido, Paulo Pereira da Cruz, no dia 20 de Janeiro do mesmo ano. Houve, contudo, “um processo de averiguações, entretanto arquivado”. As reclusas almoçam às 11h45 e a partir do início da tarde podem dedicar-se a actividades ou não fazer nada. É o caso de Maria das Dores, que, mais de um ano depois, continua sem participar na vida pri- sional. Prefere arranjaro cabelo e as unhas e, segundo o filho mais velho, David Motta, “ajudar outras reclusas aescrevercartas”. Jantam às 17h45 e às 19h voltam às celas, de onde só saem no dia seguinte. Deve ser neste período que Maria das Dores escreve um diário que planeia transformar em livro. A obra terá sido oferecida a várias editoras e David Motta garante játerumapropostade compra. “Só não aceitei porque teria de ser eu a passar tudo para computador”, diz. Desse diário deverá constar a tentativa de suicídio da semana passada. Na madrugada de sexta-feira, Maria das Dores tentou enforcar-se na cela com uma écharpe. Não conseguiu e fo i le vad a ao p s iquiatra do Hospital Prisiona S. João de D e us , e m C axias , que decidiu internála. Foi um regresso à ala psiquiátrica onde esteve entre 19 de Abril e 21 de Agosto e de 6 a 12 de Novembro de 2007. David é dos poucos que a têm visitado às terças-feiras àtarde ou aos sábados de manhã. Leva-lhe fruta, pão integralouleite de sojaporque amãe não gosta da comida da cadeia – emagreceu muito desde o início do julgamento. José Castelo Branco não ! parao dietistaFernando Póvoas para saber se ele dava consultas na prisão. “Disse-me que estava com excesso de peso e que tomava antidepressivos que engordavam”, le mb ra o mé d ico . “Respondi-lhe que a atendiamas só se viesse ao consultório.” Estes esquemas valeram-lhe alcunhas como “tia”, “dondoca” e “jetset”. As outras detidas também interpretarammalos pedidos de ajuda da socialite para tarefas básicas e obrigatórias, como fazer a cama. O acidente de viação que sofreu a 1 de Abrilde 2000 levou à amputação de parte do seu antebraço esquerdo e a uma incapacidade de 83%. Hoje, Mariadas Dores precisade auxílio para quase tudo – incluindo vestir-se. Uma companheira de cela ajudou-a no início. Mas as duas foramseparadas depois de terem sido publicadas fotografias de ambas na revista Lux. Nemavisitade José Castelo Branco à prisão, em 13 de Fevereiro do ano passado, quatro dias após asua detenção, a ajudou. Pelo contrário. Realizada fora do horário normal – e aprovada pelaentão directorada cadeia, Fernanda Aragão –, a visita acabou em forma de entrevista no jornal 24horas. Fernanda Aragão foi voltou a Tires. Os ex-amigos cabeleireiros Duarte Menezes e João Chaves nunca lá foram. AoutrararavisitaéadeAnaGraça, funcionáriadaÁguas de Portugal, que testemunhouaseufavoremtribunal.Contactadapela SÁBADO, não quis prestar declarações. Aoiníciodatardede20deJaneirode2007, Maria das Dores encontrou-se com o marido, Paulo Pereira da Cruz, à entrada do n.º 11 da Av. António Augusto Aguiar, em Lisboa, para conversarem sobre o divórcio. A pretexto de uma alegada claustrofobia, subiu pelas escadas enquanto o marido foide elevador. O engenheiro,sócio eadministradordaCampotec, foio primeiro achegarao apartamento. Lá dentro estavam João Paulo SilvaePaulo Horta. Apanhado desurpresa,terásido morto comumamarretadecarpinteiro. Maria das Dores foi presa e acusadade terordenado o homicídio. Asentença deverá ter sido lida esta quarta-feira, já depois do fecho desta edição. Cinco dias depois de terchegado àprisão deTires,MariadasDoresaindaesperavavoltaracasacompulseiraelectrónica. O pedido foifeitopeloseuadvogadodeentão,JoãoNabais,ebaseava-senopressupostodequenão 46 Paulo Cruz e Maria das Dores foram casados quase 13 anos. O engenheiro e sócio-gerente da Campotec foi assassinado no apartamento que tinham alugado no 3º andar do número 11 da Av. António Augusto Aguiar, em Lisboa FOTOS ARQUIVO PESSOAL ! DESTAQUE havia quem cuidasse do filho mais novo, o único do casamento com Paulo Pereira da Cruz. David Motta estava nos Estados Unidos,os avós maternos tinhammorridoe,segundoaarguida,ospaternosnãoseriampróximos dacriança. Estapossibilidadedesapa- receu com o regresso de David Motta a Portugal e com aentregado rapaz aos avós. Avidaque tinhaantes dadetenção continuouairtercomelaaTires. A14deFevereiro de 2007, Mariadas Dores recebeu avisita daadvogadadeRosaCapeloparatentarconcluir um negócio combinado antes da sua prisão. As duas conheceram-se em Leiria, uma semana antes da morte de Paulo Cruz. O suficiente para, no dia 22, pouco depois do homicídio, Rosa Capelo a ter visitado no apartamento do Lumiar: “Mostrou-me fotografias deNovaIorqueecontou-mecomo eramfelizes”, lembraàSÁBADO. Passouair ao Lumiar quase dia sim, dia não. Um dos seus funcionários chegou a mudar os cortinados. E foi entre chávenas de chá que Mariadas Dores lhepropôs avendadeumMercedes Classe Apreto e, de imediato, lhe passou as chaves para a mão. As duas combinaram ir ao banco para transferir a posição no leasing do automóvel namanhãde 8 de Fevereiro. Mas quando, às 8h30, Rosachegouao Lumiar, recebeuanotícia do porteiro: “A senhora foi presa pela PJ.” Foiaprimeiraasaber dadetenção. Umahoraemeiaantes,osagentesdaPJencarregues da investigação tinham tocado à campainhadocondomíniofechado. Umdos alegadoscúmplices,JoãoPauloSilva,erapreso àmesmahora. Paulo Hortaseriaapanhadodias depois emEspanha. Fontes dainvestigaçãodisseramàSÁBADOqueaviúvaficou surpreendida com a chegada da PJ. E a sua calmaaumentouaconvicçãodosinspectores: “Quando seestáinocentenão serecebebem os agentes às 7h.” Foi levada para a sede da 10 ABRIL 2008 SÁBADO Carta para Rosa Capelo, escrita em Tires a 14 de Fevereiro de 2007 GomeseJoãoFerreiradaCosta,queapresentaram uma queixa contra Maria João SantananaOrdemdosAdvogados.Oprocessoaindadecorre. Cercadeseis meses depois,os juristas foram substituídos pela advogada oficiosa Ana Valentim – que iniciou o julgamento e foi dispensada por divergências quantoàestratégiaaseguir.Nenhumdostrês quis falar à SÁBADO. Na audiência de 30 de Janeiro, Mariadas Dores apresentouaactual equipadedefesa: Fernando CarvalhaleBrito Ventura, que lhe deram apoio no dia do homicídio. O seuescritório ficaporcimado andar onde Paulo Cruz foiassassinado. " OS CONFLITOS COM A FAMÍLIA DE PAULO PEREIRA DA CRUZ “Eu, Maria das Dores Correia Alpalhão Pereira da Cruz, viúva de Paulo José de Margarido Pereira da Cruz, pela 2.ª vez lhe escrevo, no sentido de solicitarque não estimule ou demova o seu filho João Amílcara dirigir-se à loja do cidadão dos Restauradores (...) solicitando o fecho da luze gásde prédiosurbanosque são propriedade minha (...). Maria Pereira da Cruz Carta dirigida ao sogro, José Pereira da Cruz, em 20 de Maio de 2007 Nos meses seguintes à prisão de Maria das Dores, as contas de luz e gás do apartamento do Lumiarcontinuaramachegarem nomedePauloPereiradaCruz. AtéqueJoão Cruz decidiu cancelar os contratos de abasPUB ! A Drª Judite emprestou-me 22€ que agradeço que lhe pague que logo que eu chegue a casa lhe pagarei.” PJ,naRuaGomesFreire,ondeligouparaoadvogado João Nabais. A partir das 10h foi interrogadanasalada1.ª BrigadadaSecção de Homicídios. Pararam para almoço e à tarde foipresenteaojuizdeinstruçãocriminal,que decretouaprisãopreventiva. EntrounoEstabelecimentoPrisionaldeTiresentrea1heas 2hdamadrugadade 9 de Fevereiro de 2007. Foi-lhe atribuído o número 325. Com o carro na sua posse, Rosa Capelo tentou tratar da transferência de propriedade. Mariadas Dores assinouumadeclaração a “ceder a sua posição contratual do leasing do Mercedes ClasseA”. Mas foiinútil. O carro está em nome do marido. “De vez em quando ponho-o a trabalhar”, diz Rosa Capelo. Haviaaindaumaúltimasurpresa. “Ela conseguiu convencer a minha advogada a emprestar-lhe 22 euros e ainda tive de lhe pagar”, conta entre risos. No fimdo primeiro mês nacadeia, Maria das Dores viu-se envolvida num esquema ainda mal explicado de troca de advogados. João Nabais era o seu representante. Mas, entre 21 de Fevereiro e 2 de Março, Maria João Santana surgiu em vários jornais e revistascomoanovaadvogadadeDavidMotta e damãe. Ajuristagarante que areclusa325 pediu parafalar com elaquando estavaavisitar outra detida em Tires. “Conversámos duas horas e passei a representá-la.” David MottadizqueMariaJoãoSantanasefez“passar por associada” de João Nabais. O advogado confirma a versão de David Motta e diz que já estava insatisfeito com o caso: “Pediàsenhoraqueescolhessealguém para me substituir.” Indicaram-lhe Catarina MARTINS ALVES/CM DESTAQUE ! Durante as alegações finais, João Paulo Silva pediu perdão aos familiares de Paulo Cruz tecimento. Em simultâneo, os pais da vítima foram avisados por vizinhos de que DavidMottaestariaatirarobjectos emóveis do apartamento. Foi pedida “uma providência cautelar de arrolamento dos bens daherança, preliminar ao processo de inventário”, explica Francisco Dias Antunes. O tribunal deu-lhesrazão.Às10hde31deMaiode2007, os oficiais dejustiçaFernando Gomes eJoão Paixão, acompanhados de dois agentes da PSP,deumserralheiro,DiasAntunes,deJosé Pereira da Cruz, da mulher, Maria Manuel, dos filhos, João e AnaLuísa, dos respectivos companheiros e de amigos, tocaram à campainhado apartamento. Só ouviram os latidos de um cão. O serralheiro começou a arrombar afechadurae, segundo várias testemunhas, a porta blindada só se abriu após umgrandeesforço. DooutroladoestariaDavidMottaafazerforçaemsentidocontrário. Este desmente: “Estava a dormir e quando meti a mão à porta ela abriu-se.” O apartamento estava em obras. David Motta diz que preparava a casa para o regresso damãe e do irmão. Haviaparedes às cores,entulhoeroupas amontoadas nochão eocofredePauloPereiradaCruzvazionuma das duas casas debanho. JoãoCruzdisseem tribunalquedesapareceumobíliaebens valiosos. Não encontraram roupas do menor nem da vítima. Havia uma divisão cheia de roupade mulherque não serviriaàsocialite. “Depois, só um roupeiro com dezenas de óculos desol,camisas esapatos alinhados”, conta. “Faltavam as duas guitarras do meu irmão, uma garrafeira que valia mais de 5 mileuros eacolecção dediscos devinilcom primeiras edições de LedZeppelin, Whitesnake ou Jimi Hendrix.” 48 O ambiente esteve pesado até às 17h. O único que apareceuparaacompanharDavid Motta foi o responsável pelas obras – com quem David foi a Nova Iorque entre 19 e 23 de Abrilde 2007. Chama-se MiguelPeres e é filhodasubchefedasguardasprisionaisdeTires,LisetePeres.Terásidoeleatransportarobjectos do Lumiare aconduziro Volkswagen PassatdeMariadasDores. Namadrugadade 7 de Julho, o carro (comprado ao abrigo da leidos deficientes) foiarrestado pelaPSP no bairro 16 de Novembro, em Tires. David Motta não vê qualquer problema nestarelação: “Aminhamãecomentoucom a guarda que eu precisava de alguém que me ajudasse nas coisas de casae que andassecomigo decarro porquenão conduzo. Ela disse-lhe que o filho estava desempregado e era a pessoa ideal.” Umdos esquemas mais insólitos voltoua 10 ABRIL 2008 Carta a José Pereira da Cruz enviada a 20 de Maio de 2007 ALEXANDRE AZEVEDO envolver o Volkswagen Passat. Em Maio de 2007, o banco enviouumemissário àprisão paraconvencê-laaentregaroautomóvel.“Parecia a directora: pintada, maquilhada, penteada, bem vestida. Tentou fazer-me acreditarqueaimprensaatinhacondenado”,dizo funcionárioque,àfrentedeMariadasDores, telefonou a uma colega da sede. A arguida Maria das Dores terá perguntado a José Pessoa se conhecia alguém que matasse o marido SÁBADO encaminhouoassuntoparaoadvogado.Dias depois, João Cruz recebeu uma chamada de uma mulher que se identificou como sendo do banco. Queria saber onde estava o veículo para Maria das Dores o entregar. “Depois pensei: como é que eles tinham o meu telemóvel?”,recorda. “Ligueiparaonúmeroque medeueestavadesligado.” No banco,informaram-no que a referida mulher existe (é a mesmaqueo funcionário contactouàfrente de Mariadas Dores), mas não lhe telefonou. Até hoje não tem certezas sobre quem o fez. Umdiadepois do arresto do Lumiar, José PereiradaCruzrecebeuumachamadaaalertá-lo para uma tentativa de arrombamento do apartamento. Ligou para o 112 e chegou algum tempo depois da PSP. Segundo a denúncia apresentada na esquadra de Telheiras,aqueaSÁBADOteveacesso,aoentrarno edifício José Cruz cruzou-se com Ana Graça, que gritou: “Vemaío paido morto.” Junto à portaestavaMiguelPerescomumarebarbadora. Foram ambos identificados pelaPSP. Nessemesmomês,foifeitaumadenúncia àDGSPeàInspecção-GeraldeJustiça(IGJ)sobrearelaçãoentreMariadasDoreseLisetePeres.Asubchefedasguardasprisionaisfoialvo de um processo disciplinar, proibida de ver Mariadas Dores e afastadado Pavilhão n.º 1 deTires. Entretanto,foi-lheseraplicadauma sanção disciplinar. ADGSP não revelaquala pena aplicada por “estar em prazo de recurso”–aSÁBADOsabequeterásidoumdosprimeiros despachos darecém-nomeadadirectora-geraldosServiçosPrisionais,ClaraAlbino. AIGJ ainda vai avaliar o caso e decidir se serão precisas mais investigações. Entretanto, David Motta e Miguel Peres (que a SÁBADO não conseguiu contactar) afastaram-se. “Eleficouassustadocomoque estavaaacontecer àmãe”, diz DavidMotta. Emrelaçãoaocrime,a famíliade PauloPe- ! MARTINS ALVES/CM Gostaria que aconselhasse o seu filho a não voltar a praticar tais atitudes, caso contrário serei obrigada a agir de uma outra maneira. Maria das Dores nunca desviou o olhar para os familiares e amigos de Paulo Pereira da Cruz. Várias vezes surgiu em tribunal com um colar de pérolas que pertenceu à avó materna do marido. Paulo Horta jurou que não foi ele a matar o engenheiro da Campotec e também pediu perdão à família da vítima DESTAQUE David Motta colocou várias imagens suas no sítio da Internet dedicado a carteiras The Purse Forum (www.forum.purseblog.com). Alguns eram recortes de imprensa que o filho de Maria das Dores garante serem de paparazzi reiradaCruznuncaescondeuassuassuspeitas sobre Maria das Dores. João Cruz, irmão da vítima, foi mesmo dos primeiros a ir depor voluntariamente à PJ. Constituíram--se assistentes do processo e o seu advogado, Francisco Dias Antunes, foi o único a pedir 25 anos para os três arguidos – o MP pediu ao colectivo paraser “implacável”. Nas alegações finais, Dias Antunes recordou o testemunho do taxista José Pessoa, queduranteumano fez vários serviços para Mariadas Dores eaquemelaterápergunta- Guerra pela herança ESTES SÃO OS BENS MAIS VALIOSOS DEIXADOS POR PAULO CRUZ 50 do seconheciaalguémquepudessemataro marido. Também ele foi à PJ por sua iniciativa. “Acordava de noite a pensar naquilo”, diz. À SÁBADO, conta porque é que deixou de trabalhar para a socialite: “Um dia a mãe dela entrou no carro a tremer e desatou a chorar. Contou--mequeestavanacozinhae queadoutoraatinhaatirado ao chão, apontado umafacae dito que amatavase elanão saísse láde casa.” Mais tarde recebeuumtelefonema de Maria das Dores para a levar à Av. António Augusto Aguiar. “No caminho perguntou-me se a mãe me tinha contado alguma coisa. Respondi que não e ela dizme: ‘Já viu que estava a fazer um pão com manteiga e ela começou aos gritos a dizer que a queria matar.’ À chegada, pedi-lhe o dinheiro que me devia.” Emtribunal, o ambiente foitenso ao longodos seis meses dejulgamento. Familiares eamigosdePauloPereiradaCruzesperavam algum arrependimento de Maria das Dores – mas isso nunca aconteceu. Nem sequer olhou para os sogros e cunhados ao percorrerocorredorquedáacessoàsaladeaudiências da7.ªVaraCriminal, no 2.ºandardaBoa € 1.250.000 Seguro de vida É a maior fatia do bolo e terá sido o móbil do crime. Quem tiver a tutela do menor deverá administrá-lo. Não há lugar a citação prévia, devendo proceder à penhora em bens do(s) Executado(s). Autorização de penhora dos bens de Maria das Dores Hora. Atravessavaobatalhãodefotógrafos e público com ar altivo e só sorria para David Motta–quandoeleestava. Apareceusempre elegante e de cabelo arranjado. O uso de um colar de pérolas revoltou a família e amigos dePauloPereiradaCruz: ajóiaeradaavómaternadavítimaefora-lheoferecidapelamãe. Osmétodosdadefesapassaramasercontestados pelaassistência desdequeFernan- € 500.000 Apartamento no Lumiar Situado num condomínio fechado, na zona do Museu do Traje, é o imóvel mais valioso da herança. É um T4. € 200.000 Casa no Algarve Localizada na Vila Marachique, em Alvor, era o destino de férias e de fim-de-semana preferido de Paulo Cruz e da família. 10 ABRIL 2008 SÁBADO ! ! FOTOS ARQUIVO PESSOAL Fotografia tirada durante o arresto dos bens da casa do Lumiar por ordem judicial (à direita) DESTAQUE Os amigos socialites JOÃO CHAVES CABELEIREIRO FORAM APRESENTADOS COMO OS AMIGOS DO JETSETDE MARIA DAS DORES. MAS APÓS A SUA PRISÃO AFASTARAM-SE DE IMEDIATO Refere-se a Maria das Dores como “a assassina” e nem quer ouvir falar dela LEVOU DAVID MOTTA A PARIS E A EVENTOS DE MODA JOSÉ CASTELO BRANCO SOCIALITE CONHECEU MARIA DAS DORES ATRAVÉS DE DAVID MOTTA DUARTE MENEZES CABELEIREIRO CHEGOU A PASSAR FÉRIAS COM O CASAL NO ALGARVE " Não se falam desde que Maria das Dores foi presa. Nem sequer por telefone do Carvalhal e Brito Ventura começaram a representar a arguida. Era convicção geral que a dupla queria prolongar o julgamento – o queestes negam. O ponto alto deu-sena sessão de 12 de Março. Nessa manhã, Brito Ventura começou por pedir que os autores daperíciadepersonalidadeaos arguidos fossem chamados a tribunal. O juiz recusou. O advogado repetiu o pedido e invocou uma nulidadeprocessual.Novarejeição.BritoVenturainvocouumincidentederecusadojuizpresidente. Carlos Alexandre decidiu continuar a sessão. O advogado pediu a palavra: “A defesa lavra protesto em acta e assume a posição de que se irá retirar da sala de audiências.” Levantou-se,tirouatoga,vestiuo casaco, agarrou na pasta preta e saiu. ! AS PENHORAS “Fica deste modo notificado de que nos autos supra-identificadosnão há lugara citação prévia, devendo procederà penhora em bens do(s) Executado(s)”. Autorização da penhora dos bens de Maria das Dores em benefício de uma empresária de Leiria 52 Além do julgamento pela morte do marido,Mariadas Dores foialvodepelomenos mais dois processos pordívidas. Umdeles culminounapenhoradecercadeumterço dasuareforma, porordemdo 3.º Juízo de ExecuçãodeLisboa. Sãomenos 289,30euros acairnacontadequeétitular. Adecisão teve origemnumaacção interpostaporumaempresária de Leiria a 6 de Agosto do ano passado. Será assim até ficar saldada uma dívi- da penhora. David Motta também afirma desconhecê-la: “A reforma da minha mãe paga a prestação do apartamento e vários encargos de saúde.” Em risco esteve ainda a moradia na Vila Marachique, no Algarve. Em causa estaria uma dívida de 7.500 euros às Finanças de Portimão pelo não pagamento do Imposto MunicipaldeTransmissões. A2 de Setembro de 2006, Mariadas Dores terá pedido o pagamento em prestações de 500 euros. As mensalidades não foram pagas e o imóvel foi avaliado para penhora. O processo não avançou porque a família de Paulo Pereira da Cruz descobriu a dívida e pagou-a. Cerca de um terço da reforma de Maria das Dores foi penhorada por ordem judicial da de 6 mil euros – quantia que Maria das Dores teráconvencidoaqueixosaaentregarlheemtrocadapromessadelevaroseufilho toxicodependenteparafazerumadesintoxicação nos Estados Unidos. Como garantia, aempresáriarecebeu da viúva de Paulo Pereira da Cruz o cheque pré-datado n.º 7716362783, do Banif, no valor de 6.450 euros. Os 450 euros a mais seriam, segundo fonte próxima, “para pagar o fato de cowboy que a doutora levou para o filho e as máscaras de Zorro que ela disse serem para os meninos pobres do Colégio Planalto”. Contactados pelaSÁBADO,os advogados de Maria das Dores dizem que não sabiam ! AHERANÇADEPAULOPEREIRADACRUZ “Lembras-te, quando o paifoipara o céu perguntaste-meseeutambémiria,equeseassimfosse, querias vivercom o David? Sim, meu amor, é com o David que tens de ficar, em nossa casa, no teuquarto,natuaescolaeécomoDavidquevais aprendera serum grande homem . (...)” Mãe Maria Carta publicada na revista Caras a 3 de Março de 2007 10 ABRIL 2008 SÁBADO " FOTOS D.R. Entrevistou-a em Tires e nunca mais voltou. Estará a ajudar David Mota a sobreviver FOTOS D.R. Maria das Dores era frequentadora de festas do social e chegou a aparecer em revistas. Aqui com a mulher de José Castelo Branco, Lady Betty Grafstein ! A família Pereira da Cruz algum tempo antes do homicídio do engenheiro da Campotec No centro de todo o processo está o único filho do casamento entrePaulo Pereirada Cruz eMariadas Dores, agoracom8 anos. O menoré achave do que terásido o móbildo crime, segundo a acusação: 1,25 milhões de euros do seguro de vida feito pela Campotec,alémdorestodaherançaconstituídapelo apartamento no Lumiar, a casa no Algarve, carros e acções. O totalrondaráos 2 milhões de euros. Não existe umvalorfinalporque o processo de inventário não terminou. Casada em comunhão de adquiridos, à partidaMariadas Dores teriadireito ametadedo património. Os outros 50% seriamdivididos com o filho mais novo. Na prática, não deveráserassim. “Vamos instaurarum pedido deindignidadesucessória”, diz Dias Antunes. Caso seja considerada indigna de herdar,orapazpassaaterdireitoatudo. Resta a metade dos bens do casal. Nesse sentido, a família de Paulo Pereira da Cruz apresentouumpedido deindemnização cívelde 678.758 euros em favor da criança. Em caso de condenação, Maria das Dores terá de abdicar dos seus 50% para pagar. Desde então, a vida do filho de Maria das Dores mudou radicalmente. Passou a viver com os avós nos Olivais e teve direito a roupae brinquedos novos, porque quase todos os antigos desapareceram. Começou a fazer desporto, abrincarcom os primos e amigos e tornou-se um aluno assíduo. Não voltou a ver a mãe. Nem em fotografias, uma vez que as que havia na casa dos avós foram deitadas fora. O Tribunal de Família decretou um regime de visitas quinzenais, que nunca foi cumprido. No início, seria a irmã de Maria das Dores a levá-lo àcadeia, mas VenerandaCorreiaAlpalhão indicouAnaGraçano seulugar. Mas 54 esta amiga da arguida nunca levou a criançaporque, segundo DavidMottae os avós, elaterárecusado ver amãe. Neste momento, as partes aguardam por uma avaliação psicológica sobre o impacto que as visitas poderão ter. Ao que a SÁBADO conseguiu apurar, esta avaliação está marcada para a primeira quinzena de Maio. David Motta, que Mariadas Dores queria que tomasse conta do filho, não tem condi- ção,contactarFelipaGarnel,directoradaLux. E até a directora da VIP, Cristina Ferreira Almeida,desmentiuDavidMotta. “Aúnicacoisa que recebeu foi o pagamento de uma fotografiaantigae foram uns 100 euros. Nunca pagámos por entrevistas.” DavidMottafezaindaalgumdinheirocom a venda de objectos da casa, a par dos 150 mil euros que transferiu da conta do pai e que deuorigemaumaqueixa-crime que espera acusação. “Não falsifiquei assinaturas para transferir o dinheiro.Acontaeraconjunta”,diz. Masodinheiroeraseu?“Não. Era dele.” E foi gasto. No último ano, David Motta só conseguiu ver o irmão duas vezes: uma no colégio e a outra alguns dias doNatal,quandocomAnaGraçatentouleválo a uma das visitas quinzenais e a criança não quis ir. Foramtambémraras as ocasiões emqueMariadas Dores conseguiufalarcom o filho por telefone. Enviou-lhe cartas a jurarinocênciae o seuamor. Apesardisso, foi impossível mantê-lo afastado do processo. O caso tornou-se um dos mais mediáticos dos últimos anos e afotografiadamãe aparecesucessivamentenas televisões, revistas e jornais. Tudo o que temsido escrito estáa ser arquivado pela família com a intenção de lhe sermostrado no futuro “parasabero que aconteceu”. ! Nunca mais viu o filho mais novo. O rapaz terá recusado ir visitá-la à prisão ções para o fazer. Não trabalha (“Ninguém me dá emprego”), vive no apartamento do Lumiar sem pagar condomínio (“Devemos uns 15 mil euros”) e só consegue saldar as contas de água, luz, gás e Internet graças ao que chama de “balões de oxigénio”: a ajuda deamigos,“uméoJoséCasteloBranco”,eao dinheiro alegadamente ganho em entrevistasefotografiasparapublicaçõescor-de-rosa. “Recebi entre 2 mil e 4 mil euros da Caras, Lux, VIP, entre outras”, diz. “Já que faço papel de palhaço, ao menos ganho com isso.” Contactada pela SÁBADO, a directora da Caras, Luísa Jardim, não quis fazer comentários. Não foipossível, até ao fecho destaedi- 10 ABRIL 2008 SÁBADO