Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636
PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO NO CAMINHO DA EDUCAÇÃO POPULAR
Cênio Back WEYH1
Letícia Rieger DUARTE2
Mariana Scholze da SILVA3
RESUMO
O artigo trata da experiência de Educação Popular vivenciada em um Projeto de Extensão
desenvolvido no Centro de Formação São José – Lar da Menina – de Santo Ângelo, fundamentado
nas categorias da participação e diálogo. Tendo Paulo Freire como referencial teórico, o texto
aborda a educação enquanto mediação transformadora da realidade social na medida em que
potencializa a construção da autonomia, o sentir-se sujeito, o pertencimento, o dizer a sua palavra e
o agir contextualizado. As atividades práticas tinham como objetivo o exercício dialógico e a
construção de uma ‘leitura de mundo’, na perspectiva freireana, instigando o olhar crítico e a
crescente participação dos sujeitos. Os encontros foram realizados a partir de temáticas de interesse
do grupo. No campo metodológico, as atividades eram desenvolvidas através do diálogo, dinâmicas,
brincadeiras, músicas, textos, notícias, histórias, cartazes, representações e filmes. As temáticas
eram avaliadas e adaptadas constantemente a fim de atingir os objetivos que o trabalho propunha.
Com Freire, entende-se que só se faz Educação Popular a partir do envolvimento, da participação
efetiva dos sujeitos no processo. É ouvindo que nos fazemos ouvir. Avalia-se que a participação no
Projeto de Extensão potencializou a construção da autonomia, a responsabilidade social e elevou a
auto-estima do grupo de trabalho. Ainda, contribuiu para um despertar de consciência quanto as
possibilidades de transformação social da realidade, tarefa que é de cada sujeito histórico.
Palavras-chave: Educação Popular, Participação, Diálogo.
ABSTRACT
This article try to handle the experience of Popular Education that was lived in a Extension Project
that was developed on the “Homeless Girls Center São José”, in Santo Angelo,BR, based on the
Participation and Dialog categories. Having Paulo Freire as the theoretical referential, this text
approach the education as a mediation capable to transform the social reality at the same time that
can powerful the personal autonomy construction, the personal feeling of been and belong, the
speech and coherence on acting. The practical activities aimed to develop the dialog and their own
world interpretation, on a Freire perspective, instigating a critical look and a participation of the
subjects. The meetings were realized around the group interest thematics. On methodological field,
the activities were developed through the dialog, dynamics, role plays, musics, texts, news, history,
posters, and movies. The theme were always evaluated and adapted to get on the objectives the
researchers proposed. Through Freire, it is understood that Popular Education only is made from
the engagement, the effective participation of the subjects on the precess. It is hearing that we will
be listened. It is evaluated that the participation on this Extension Project brace the group
autonomy construction, the social responsibility and the self-esteem. Also, it has contributed to the
conscience awakening as a possibility to change the social reality, task belonged to each historical
1
Docente do Departamento de Ciências Humanas – URI-campus de Santo Ângelo.
Acadêmica do curso de Pedagogia da URI-campus de Santo Ângelo.
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Acadêmica do curso de Pedagogia da URI-campus de Santo Ângelo.
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subject.
Key words: Popular Education, Participation, Dialog
INTRODUÇÃO
A educação libertadora foca as necessidades básicas da população em um processo
contínuo de envolvimento e comprometimento do/a educador/a com a realidade na qual está
inserido/a. Na medida em que esse/a tem clareza de que a prática educativa não é neutra estará
contribuindo para o despertar da consciência crítica dos/as educandos/as.
Na Educação Popular, conhecer a realidade dos sujeitos envolvidos num processo tornase aspecto essencial para todo trabalho educativo. Segundo Freire, “para ser válida, toda educação,
toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma
análise do meio de vida concreto do homem concreto a quem queremos educar (ou melhor dito: a
quem queremos ajudar a educar-se)” (1979, p.33).
Uma educação realizada nessa perspectiva só existirá a partir do desejo de uma
sociedade melhor, na consciência de que a mudança não só é necessária, mas é também possível.
Desse modo, a esperança conduz a educação a um sentido mais humano, um sentido que busque a
superação do pensamento capitalista centrado no ser humano como sujeito. “A educação como tal
tem sentido na medida em que propõe ‘conduzir’ um ser para uma condição de ‘ser melhor’, de
mais humanização” (SUNG, 2006, p.49).
É essa perspectiva de uma educação mais humanizante e esperançosa que desperta a
autonomia que buscamos no trabalho vinculado a um projeto de extensão4 realizado no Centro de
Formação São José – Lar da Menina, em Santo Ângelo. O trabalho de extensão buscou suporte
teórico na obra de Paulo Freire, desenvolvendo-se a partir das seguintes categorias: educação
popular, pedagogia dialógica e da participação.
EDUCAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
A educação transformadora deve ser entendida como meio de libertação e criação de
uma utopia que, na visão de Freire apud Freitas, “está relacionada à concretização de sonhos
possíveis” (2008, p.418). Dentro dessa perspectiva é fundamental, na pedagogia freireana, a
necessidade de a educadora e o educador conhecer a complexa realidade com a qual convive.
A educação popular é elemento potencializador de transformação social na medida em que
problematiza a realidade. A consciência crítica emerge do conhecimento e da problematização da
realidade como também da busca concreta pela transformação.
A consciência política do/a educador/a é tão importante quanto sua ação. Toda prática
pedagógica é subsidiada pelo posicionamento político assumido ou não pelo/a educador/a. Daí a
necessidade de entender o contexto social tanto global quanto local para, na relação entre um e
outro, educar para a participação, na sociedade, como sujeito que luta por seus direitos. A dimensão
política da educação busca despertar no/a educando/a a consciência crítica, motivando-o/a, pela
percepção de mundo, a assumir compromissos com o meio em que vive.
Nesse processo, busca-se a construção da autonomia para que os indivíduos
participantes da prática educativa se percebam sujeitos capazes de, no exercício de sua palavra e de
sua ação, transformar o seu entorno. “Não é no silêncio que os homens se fazem mas na palavra, no
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“Paulo Freire, Educação Popular e Pedagogia da participação”.
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trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 1987, p.78).
Educadores e educadoras que buscam a libertação dos oprimidos, no sentido de que,
estes, se percebam como desfavorecidos num contexto de desigualdade social, devem buscar a
mobilização pela justiça social. Importa também, vivenciar a utopia de uma sociedade mais bonita
e, através da práxis, contribuir para a formação de novos sujeitos capazes de transformar a sua
realidade ou de despertar essa consciência em outras pessoas ainda em situação de opressão.
[...] a relação entre a clareza política na leitura do mundo e os níveis de
engajamento no processo de mobilização e de organização para a luta, para
a defesa dos direitos, para a reivindicação da justiça. Educadoras e
educadores progressistas têm de estar alerta com relação a este dado, no seu
trabalho de educação popular, uma vez que, não apenas os conteúdos mas as
formas como abordá-los estão em relação direta com os níveis de luta acima
referidos (FREIRE, 1992, p.42).
Pensando nisso e com a finalidade de assumir a perspectiva da Educação Popular na prática,
realizou-se um trabalho de extensão com um grupo de meninas do Centro de Formação São José.
Esse trabalho procurou alimentar a esperança na medida em que se acredita que a educação, apesar
de não ser capaz de mudar a sociedade, pode e, nessa perspectiva, deve despertar e motivar
lideranças comprometidas que se engajem em um processo de transformação social.
O futuro com que sonhamos não é inexorável. Temos de fazê-lo, de
produzi-lo, ou não virá de forma como mais ou menos queríamos. É bem
verdade que temos que fazê-lo não arbitrariamente com os materiais, com o
concreto de que dispomos e mais com o projeto, com o sonho, por que
sonhamos (FREIRE, 1992, p.102).
Uma educação de perspectiva conscientizadora não traz resultados imediatos, mas sim,
busca resultados significativos que alimentam a esperança de um processo educativo mais humano
proporcionando aos sujeitos um posicionamento diferente diante do mundo. Como diz Freire apud
Freitas, “a utopia freireana está relacionada à concretização dos sonhos possíveis e decorre de sua
compreensão da história como possibilidade, ou seja, a compreensão acerca de que a realidade não
“é”, mas “está sendo” e que, portanto, pode vir a ser transformada” (2008, p.418).
A transformação, almejada por quem se depara com situações em que os direitos
fundamentais são negados ao próprio ser humano, se constrói pelo engajamento e participação. Em
Freire, o processo de ensinar e aprender a ser no mundo é constante. “Não é possível ser gente sem,
desta ou daquela forma, se achar entranhado numa certa prática educativa. [...] O ser humano
jamais para de educar-se” (2003, p.21).
VIVÊNCIAS DE EDUCAÇÃO POPULAR
O Centro de Formação São José – Lar da Menina de Santo Ângelo caracteriza-se por uma
instituição que atende meninas de idade entre 4 a 14 anos, de classe desfavorecida pelo sistema, no
turno inverso da escola. A instituição é mantida pela Prefeitura Municipal e pelo apoio da
comunidade.
A proposta de trabalhar no Centro de Formação São José iniciou com uma conversa com as
pessoas responsáveis pela formação das participantes, o que foi importante para que as
extensionistas pudessem compreender melhor o contexto do local de desenvolvimento das
atividades. Os encontros que se sucederam no período de agosto de 2009 a julho de 2010 foram
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realizados com uma turma de meninas de idade entre 9 a 12 anos a partir de temáticas escolhidas
com o conhecimento prévio da realidade e, após um tempo de envolvimento, os assuntos passaram
a ser sugeridos e definidos a partir dos interesses e necessidades do próprio grupo de meninas.
As atividades práticas realizadas no Lar da Menina propunham o diálogo e a construção
de uma “leitura de mundo” na perspectiva freireana, instigando o olhar crítico e a crescente
participação das meninas envolvidas. O trabalho partiu da realidade do grupo, no entanto, sem
perder de vista o objetivo de integração global no contexto da sociedade. Em Freire,
O homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na
transformação da realidade se não for ajudado a tomar consciência da
realidade e da sua própria capacidade para transformar [...]. Ninguém luta
contra forças que não entende, cuja importância não meça, cujas formas e
contornos não discirna; [...] Isto é verdade se se refere às forças da natureza
[...] isto também é assim nas forças sociais [...]. A realidade não pode ser
modificada senão quando o homem descobre que é modificável e que ele o
pode fazer (1977, p. 48).
Com esse intuito e acreditando na possibilidade da transformação da realidade na qual cada
um pode contribuir para a mudança é que foram desenvolvidos os encontros no Lar da Menina.
Após o encontro inicial com as participantes, o trabalho teve sequência com os seguintes
assuntos: “O sentido da vida”, “Sexualidade”, “Conviver com as diferenças”, “Igualdade de
gêneros”, “Família”, “O sentido da felicidade”, “A sociedade e eu”, “individualidade e
coletividade”, “Valores”, e “Valorização pessoal”.
Os encontros com as participantes ocorriam duas vezes por semanas no turno da manhã,
sendo que os demais dias eram reservados para o estudo, encontro com o orientador, avaliação dos
encontros realizados e preparação dos próximos. As extensionistas envolvidas participaram, no
decorrer do projeto, de seminários e encontros sobre Educação Popular a fim de ampliar seus
conhecimentos e ter um maior envolvimento com o campo popular e a educação freireana.
No campo metodológico, os encontros foram sendo desenvolvidos através de diálogos
com as participantes, dinâmicas, brincadeiras, músicas, textos, notícias, histórias, cartazes,
representações e filmes. Tais temáticas eram avaliadas e adaptadas constantemente a fim de atingir
os objetivos que o trabalho propunha.
O trabalho com criação de histórias foi um dos recursos que mais despertou interesse
nas meninas. Percebeu-se que muitas participantes sentiram-se autoras, entretidas e envolvidas com
a atividade e muitas disseram que se identificaram com a história que escreveram, o que foi possível
confirmar em conversa posterior com a psicóloga da instituição. Com isso percebeu-se que as
participantes foram tocadas em sua autoestima, sentiram-se autovalorizadas e perceberam-se
sujeitos de criação. O próprio Freire entende que “você só trabalha realmente em favor das classes
populares se você trabalha com elas, discutindo com respeito seus sonhos, seus desejos, suas
frustrações, seus medos, suas alegrias” (2003, p.85). Para escolher cada temática foi necessário
conhecer as participantes, estar com elas escutando suas angústias, seus anseios e, principalmente,
problematizando suas realidades.
O trabalho realizado, de maneira geral e específica, trouxe significativos resultados à
realidade na qual foi desenvolvido. Confirmando Freire, “ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo
aos poucos, na prática social de que tomamos parte” (2003, p.79), pois o ser humano está em
constante aprendizado e transformação. Desse ponto de vista não se percebeu metas imediatas
atingidas, mas mudanças que ocorreram nas participantes em sua maneira de pensar, de agir e de
sistematizar sentimentos e opiniões, que depende da incorporação de aprendizados individualmente
ou em grupo, mas que não podem ser dimensionadas no presente. Trata-se de mudanças
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comportamentais e de vivências resultantes da aceitação de valores, o que poderá ser constatado a
médio e longo prazo.
CONCLUSÃO
O trabalho de extensão realizado com as meninas do Centro de Formação São José
reafirmou a concepção freireana na qual os sujeitos dialógicos e participativos são agentes de seu
processo formador e capazes de se engajar na transformação de si e da sociedade. A educação é
mediação fundamental para viabilizar a mudança social na medida em que proporciona o diálogo
crítico da realidade e contribui para a formação de sujeitos autônomos, comprometidos com a
prática social.
A prática educativa que crê na capacidade que o ser humano tem de cada vez mais tornar-se
sujeito e intervir no seu entorno é uma prática progressista de caráter libertador. O educador e a
educadora popular, esperançosos na ação educativa, trabalharão para que cada pessoa seja liberta
em sua capacidade de dizer sua palavra, agir em seu contexto e, conseqüentemente, transformar sua
realidade.
As atividades desempenhadas no Centro de Formação São José – Lar da Menina –
foram muito importantes para melhor compreender a prática educativa e proporcionar aprendizados,
na tentativa da práxis freireana de uma educação emancipadora. O trabalho partiu do conhecimento
da realidade dos sujeitos envolvidos pela participação.
A utopia de sociedade que cada educador/a possui vai transparecendo na sua prática. Nesse
sentido, é necessário um engajamento com a opção que se toma frente aos desafios sociais para que
haja um comprometimento com a sua realidade e com a dos/as educandos/as. Só assim será possível
ao/à educador/a que sua ação seja de fato transformadora.
A prática político-pedagógica freireana desencadeia um processo de emancipação que
possibilita aos sujeitos a compreensão de seu entorno e o sentimento de pertença para que se
envolvam em um processo de intervenção na realidade.
Em conclusão, é possível afirmar que o trabalho de extensão produziu um significativo
envolvimento e comprometimento das meninas para com a melhoria das relações sociais no grupo.
Isso evidencia os avanços na caminhada individual e coletiva dos sujeitos na busca do mundo
melhor. Só por isso o trabalho já valeu a pena pois educar é educar-se conforme o próprio Freire.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_____________. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 6ª ed.,
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FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Utopia. In STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI,
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