Nome: Português Nº: 3º ano Edifício Edifício Master Turma: Wilton fev/0 fev/08 /08 Só devassamos o mistério na medida em que o encontramos no cotidiano, graças a uma ótica dialética que vê o cotidiano como impenetrável e o impenetrável como cotidiano.” (Walter Benjamin) Para o filósofo frankfurtiano Walter Benjamin, o que marca o homem moderno é o empobrecimento da “erfahrung” (experiência). O ato de “contar” parte da transmissão de uma experiência comum ao narrador e ao ouvinte, o que seria impossível dentro da estrutura de um mundo moderno calcado na distância entre grupos e gerações. O ato de narrar está também ligado a uma determinada organização de trabalho artesanal em detrimento de outra que privilegia a rapidez típica de um processo industrial e, finalmente, contar pressupõe a transmissão de uma sabedoria prática a ouvintes abertos aos conselhos de um narrador. O mundo moderno está marcado pela fragmentação e pela falta de tradição e memórias comuns, o indivíduo sente-se solitário e desamparado. Causa-nos desconforto o pensamento de Walter Benjamin exposto no célebre ensaio “O narrador”: a arte de narrar está fadada ao desaparecimento. Talvez a justificativa usada para explicar tal vaticínio seja ainda mais incômoda: não há o que narrar. A experiência escasseia a cada dia. O filme Edifício Master, ao optar pela estrutura de mosaico, parece reconhecer a fragmentação do mundo moderno e o empobrecimento da experiência. Embora quase tudo que se faça em sala de aula seja necessariamente planejado com antecedência, algumas surpresas acabam aparecendo no meio do caminho, como diria o poeta, afinal epifanias e insights não se planejam. Edifício Master foi um desses achados que não estavam planejados. Em meio às aulas (planejadas) sobre os pós-modernistas, na qual discutíamos Guimarães Rosa, entramos numa prosa boa sobre a tradição oral. A questão que se apresentou naquele momento foi: as histórias contadas pelo povo, isentas de atribuição estética, podem ser consideradas arte? Essa indagação apareceu porque os alunos perceberam que as “escrevinhações” de Rosa, por mais impregnadas que estivessem das estórias/histórias da gente do sertão de Minas, receberam um tratamento tal que as transformou em literatura, no sentido mais acadêmico possível que esse termo possa ter. Não é por coincidência que o sertão roseano se mitifica e dialoga com os grandes arquétipos da civilização, propondo discussões metafísicas acerca disto que denominamos realidade. Além de mim, um ou dois alunos haviam assistido ao documentário de Eduardo Coutinho e daí surgiu a idéia de “coletivizarmos a experiência” para que pudéssemos retomar a questão do possível valor artístico do discurso prosaico. Edifício Master – o documentário Edifício Master, do mesmo diretor de Santo Forte, Babilônia e do recente O fim e o princípio, trata de um grande edifício do bairro de Copacabana. São 23 apartamentos por andar, totalizando 276 conjugados, onde vivem aproximadamente 500 pessoas. Coutinho e sua equipe ficaram no prédio por um mês, filmando os depoimentos de 37 moradores. Em princípio, o que um filme sem trilha sonora, sem efeitos especiais, sem grandes astros ou tramas sofisticadas, contando histórias de gente comum que se espreme em um edifício quente da Zona Sul do Rio de Janeiro pode dizer ao um público adolescente? Pode dizer muito. Em Edifício Master, os moradores vivem a uma quadra da praia, entretanto, no filme de Coutinho, as monumentais calçadas de Copacabana são ignoradas. Privilegia-se o “de-dentro”. Contrapõe-se a imensidão mais do que vista do mar carioca à solidão dos moradores de um prédio qualquer. Desprezando a discussão centrada nos aspectos sócioeconômicos, o filme de Coutinho, ao contrário de seus anteriores, muda o foco da alteridade. O diretor não trata de moradores de favela ou de religiosos, ele trata de (des)conhecidos que habitam o mesmo espaço. Cabe ao espectador, diante do contato com o outro anônimo, a aprovação, a rejeição, a classificação ou a identificação com o que vê. Freud, já no início do século passado, em um artigo traduzido para o português como O estranho, trouxe à tona o estranhamento que se presentifica quando nos defrontamos com algo familiarmente incômodo a que reprimimos por qualquer razão. Edifício Master nos faz reviver esse estranhamento da nossa própria realidade – a vida metropolitana – quando focaliza em closes (muita vez incômodos) pessoas que poderiam ser qualquer um de nós. Por outro lado, fugindo à lógica reinante dos encontros fortuitos e frios em elevadores (e outras áreas comuns) e da falta de tempo, características dos edifícios, verdadeiras metonímias da metrópole, Coutinho conversa calmamente e sobre assuntos íntimos com cada um dos moradores do Master. Com isso, o cineasta promove uma desautomatização do olhar moderno, retomando uma das principais funções do cinema e da literatura: a contemplação e o choque. As lacunas que caracterizam o fazer cinematográfico de Eduardo Coutinho desmascaram qualquer tentativa de uma imagem totalizante de mundo, explicitando sua fragmentação e desordem. Wilton Ormundo é professor de Português do 3o. ano