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IV Reunião Equatorial de Antropologia
XIII Reunião de Antropologia do Norte e Nordeste
04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza -CE
GT – 44. Grupo de Trabalho: Manifestações culturais, arte e antropologia.
Coordenadores: Carla Dias , Isabelle Braz
ARTE NA RUA – DIÁLOGOS ENTRE INDIVÍDUO, CULTURA E ESPAÇO
URBANO
Maria Eduarda Caseira Gimenes (NEI/UFES/GREM/UFPB)
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo refletir a experiência vivida por artistas urbanos em
um recente – e crescente – diálogo criado com o espaço público, em Vitória capital do Espírito
Santo. Em um movimento que se intitulou “Pontos da Arte – A cor da rua”, a arte saiu das
galerias e foi para as ruas, ao encontro aos citadinos, alterando antigas noções de arte,
utilização da cidade e dos patrimônios públicos. Nesse processo, identidades são criadas e
novas memórias são construídas.
A metodologia utilizada foi a de observação e
documentação fotográfica, em que acompanhei, participei – e fotografei - intervenções
artísticas em sessenta pontos de ônibus na cidade de Vitória. A maioria dos artistas utilizaram
da técnica do graffiti, oriundo de um movimento cultural marginal – o hip hop. Percebeu-se que
surgia um movimento de rompimento com a tradição– arte fora da galeria – e que se criava um
diálogo entre arte, cultura, indivíduo e espaço urbano, sensibilizando consciências, fazendo
surgir uma nova relação com o espaço comum, abalando antigas estruturas e criando
novidades. Formando, assim, novas imagens capazes de sugerir significados – frutos dessa
nova relação, mais próxima, da cidade com cada cidadão e o espaço coletivo considerado
patrimônio público. Conclui-se, então, que o graffiti contribui com a criação de identidades,
socialização e reconhecimento no espaço urbano para quem o faz, e torna-se uma galeria a
céu aberto para quem o vê, aumentando a interação do individuo com o meio em que vive.
Além da exposição da cultura marginal ser importante na autoestima de quem o faz, também
assume essa importância na memória da cidade.
Palavras-chave: arte, urbano, indivíduo, ressinificação, diálogos
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INTRODUÇÃO
Proponho nesse trabalho construir uma análise a respeito de um movimento
que se instaurou em Vitória – ES e intitulou-se “Pontos da Arte – A cor da rua”,
que constitui em trazer a arte-intervenção em sessenta pontos de ônibus da
cidade. Um acontecimento que reuniu diversos segmentos de artistas, com
suas diferenciações técnicas e ideológicas, em prol da criação de novos
significados e de uma nova interação com o espaço público urbano. A arte,
então, saiu das galerias e foi para as ruas, ao encontro dos citadinos, alterando
estabelecidas noções sobre o que é arte, sobre como deve ser utilizada essas
noções de arte, da utilização da cidade e dos patrimônios públicos. O novo
buscou se inscrever em novas tradições, abalando e desordenando uma ordem
estabelecida pelos padrões (BALANDIER, 1997 ).
A maioria dos artistas utilizou da técnica do graffiti, oriundo de um movimento
cultural marginal – o hip hop. Nascendo dentro dos grandes centros, o graffiti
traz uma nova construção da subjetividade de seus indivíduos. Quanto maior o
fluxo de informação, de imagens e de pessoas na cidade, maior a liberdade
buscada pelos indivíduos que nela atuam. O efeito da repressão dos outdoors
e da publicidade faz com que esses atores busquem uma nova forma de
dialogo, melhor dizendo, um grito dos que ‘’devem se manter calados’’. E
utilizam a arte para isso.
Noto que a arte tem se ressignificado diante dessa necessidade de expressão,
caminhando em paralelo com a repressão de um ambiente pacato, acimentado
e segregado, fazendo com que desabroche esses atores, acompanhados de
seus sprays e criatividade.
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PROBLEMA - identidade e ressignificações da arte no urbano
Posso dizer que graffiti surge como uma nova forma de interpretação do
urbano no que se refere a apropriação do espaço pelos seus habitantes e a
criação de identidades nesse contexto. Dentro de um quadro do caos, da
buzina, dos carros, dos muros, surgem as cores, a expressão de indivíduos
ocultos que se comunicam pela arte.
Procurarei entender essas novas identidades – e resistências - urbanas como
uma ressignificação na forma como enxergarmos a cidade. E ainda, esses
indivíduos atuantes, que, normalmente, nasceram na cidade, nela cresceram e
nela sentem necessidade de falar. E se realizam a partir do momento que o
fazem.
Compreendo o graffiti enquanto arte, e que o muro e os espaços públicos, a
ninguém mais deveria pertencer, a não ser ao povo, que cria, a partir de
determinadas ações no espaço, uma nova forma de apropriação desses
lugares, que agora se estabelecem em suas mentes e na memória da cidade.
Como e porque essas identidades são criadas? Como a arte é ressignificada?
Quem são esses indivíduos, e porque buscam o graffiti como realização
pessoal? Quais são essas ressignificações do urbano? Que cidade é essa que
os atores querem ressignificar? Como é essa cidade que esse fenômeno
artístico quer aparecer? Uma cidade que as pessoas querem participar se
envolver?
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EM BUSCA DE UMA ETNOGRAFIA DE UMA ARTE MARGINAL
O presente trabalho constitui uma etnografia e registros fotográficos, com
anotações escritas a respeito do cotidiano e da nova linguagem e utilização do
graffiti nesses espaços de fluxo urbano, da Grande Vitoria. Apoiarei-me nas
considerações de Clifford Geertz acerca das categorias antropológicas
utilizadas para tratar os fenômenos culturais, em Gilberto Velho e sua
antropologia urbana, em Balandier, com a oposição tradição/novidade, em
Benjamin e a flânerie. E ainda, em Canclini e suas ressignificações, em Georg
Simmel e em Wirth com sua descrição e visualizações do fenômeno urbano.
Geertz propõe uma nova leitura do conceito de cultura, dando ênfase às suas
dimensões simbólicas. Entendendo a cultura a partir de uma leitura semiótica,
ele a assume como sendo um “sistema entrelaçado de signos interpretáveis”
(GEERTZ, 1989, p.22) ; um contexto dentro do qual os comportamentos
tornam-se inteligíveis. "A cultura é pública porque a significação o é" (Geertz,
1989, p. 22) O pensamento é tanto público como privado – pessoal – e seu
lugar é a rua. Tal posicionamento implica em tomar a cultura como sendo
essencialmente um texto, ou discurso social, que se faz no ato. Sendo assim,
cada evento é parte do texto da cultura e expressa, em algum grau, algo sobre
ela. Geertz propõe uma hermenêutica da cultura, relegando ao antropólogo a
tarefa de interpretar os possíveis significados implícitos na agência humana.
Todavia, deve-se reconhecer na interpretação não mais do que uma
possibilidade, deixando de lado as pretensões de certeza.
Segundo Geertz, a etnografia seria o esforço intelectual por uma descrição
densa e atenta para os possíveis significados das ações; uma descrição que
não se contenta em narrar os acontecimentos, mas que procura interpretar o
fluxo do discurso social e sua representatividade.
Portanto, minha pesquisa se utilizou de observação participante, de registros
fotográficos, de conversas informais, e de interações em grupos de redes
sociais, voltadas para o assunto, tornando-me livre e aberta para outros
diálogos e outros acontecimentos.
O fato de eu ser um indivíduo nascido e criado no urbano e ter tido contato
contato prévio com o movimento graffiti - especificamente em uma etnografia
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sobre PIXO no Espírito Santo -
tive de tomar certas precauções, como o
distanciamento e estranhamento do que por vezes é óbvio e comum no
cotidiano de um urbanoide, como afirma Gilberto Velho "[...] para realizar seu
trabalho precisa permanentemente manter uma atitude de estranhamento
diante do que se passa não só a sua volta como com ele mesmo." (VELHO,
Gilberto. 1980. p.18). Ainda na obra de Gilberto Velho: "[...] há distancias
culturais nítidas internas ao meio urbano em que vivemos, permitindo ao nativo
fazer pesquisas antropológicas com grupos diferentes do seu, embora possam
estar basicamente próximos." (VELHO, Gilberto. 1980. p.16), compreendi a
possibilidade de exercer essa análise, utilizando a literaturo do autor, em que o
mesmo afirma: “"[...] poderemos estranhar situações e fatos que são naturais
para o nativo. Mas se este estranhamento não for elaborado, poderá ser
apenas uma reação preconceituosa de espanto diante do inusitado." (VELHO,
Gilberto. 1980. p.16). Logo, mantive um estranhamento analítico da situação,
sem os pré-julgamentos, que o grupo e o objeto estudados estão acostumados
a receber, e, vivenciar: "[...] a importância de procurar perceber como os
indivíduos da sociedade investigada constroem e definem a sua realidade,
como articulam e que peso relativo tem os fatos que vivenciam." (VELHO,
Gilberto. 1980, p.16). E assim, foi possível: "[...] ir alem da percepção das
diferenças e mesmo dos conflitos para captar a lógica que define a
especificidade da experiência de um sistema cultural particular." (VELHO,
Gilberto. 1980, p.17). Dessa forma, deve-se valorizar a obra de Velho e o
método antropológico na compreensão da sociedade urbana moderna.
Com Firth e sua idéia de organização social, pude, através da negociação da
realidade, interagir com os indivíduos e as diferentes redes de relação (FIRTH,
Raymon. 1971), e, assim, na teoria de Schutz, compartilhamos por um tempo
uma definição comum de realidade em uma província de significados
(SCHUTZ, A. 1979).
Utilizei, também, a leitura de ‘‘Sociedade da Esquina” de William Foote Whyte,
que nos seus estudos urbanos, se dedicou à relação "indivíduo e sociedade”
Foote Whyte crê no indivíduo como sujeito ativo, atuando dentro de um grupo e
interagindo com os outros indivíduos e grupos sociais. Crê na mudança e na
reinvenção social. Assim, percebo o papel dos grafiteiros e do graffiti no meio
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social: estão em constante mudança, e em intensa interação, com o espaço e
com quem circula nele.
A leitura de Sociedade da Esquina foi importante porque trata de conflitos e
violência e desigualdade, e criação de estereótipos, que se encaixa
perfeitamente com o grupo com que trabalhei. Trabalhadores, estudantes, que
cometem um crime previsto na Constituição – caso do pixo em patrimônios
públicos ou privados - mas que nessa situação específica do projeto, estavam
livres para fazer o que gostam, sem se preocupar com a detenção. A
legalidade do processo, no entanto, não impedia a constante aparição da
polícia, guardas municipais ou vizinhos que apareciam para constatar a
autorização que tínhamos para estar ali, intervindo em um espaço público.
Esses jovens, a maioria surgindo de uma periferia, estereotipados, ou não,
vivem sempre no conflito, correndo da polícia, buscando seu espaço no meio
urbano, que cresce a cada dia, junto com a violência.
Assim como Foote Whyte defendia, realizei observação participante, com
constante e intensa aproximação e troca com o universo que investiguei, com
o devido cuidado, como salienta o autor, para não me tornar participante nãoobservador.
Participei,
mas
me
mantive
observadora,
diante
dessa
possibilidade que a antropologia urbana proporciona, de analisar o familiar, a
partir do estranhamento.
Gilberto Velho disse na apresentação à edição brasileira do livro Sociedade de
Esquina sobre o modo de Foote Whyte pesquisar:
Esse sentido, viver e conviver com os universos pesquisados,
participando dessas dificuldades e dramas, por períodos de
tempo mais extensos, representava, de saída, um esforço para
não ficar preso ao senso comum, estereótipos e preconceitos,
estudando situações, matizes, ambiguidades, contradições são
características inescapáveis. (VELHO, Gilberto apud FOOTEWHYTE, William. 2005)
A partir dessas leituras, encontrei uma saída para minha pesquisa. Não quis
ficar presa ao papel, a tempo ou a normas. Tinha, de início, uma ideia do que
seria, tinha a minha proposta inicial, mas estava lá por eles, para ouvi-los,
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entrar em contato com ‘’grupo de esquina’’. Buscava entender esse grito que
surge de uma indignação e que se descobre um prazer. Para quem faz, e, para
a maioria que o vê. O urbano engloba, reforça, constrói, ascende, ressignifica e
reinventa sentimentos e emoções. E é ai que o antropólogo precisa deixar de
ser espectador e passar a perceber as práticas e os simbolismos que estão
presentes diariamente nesse fervo urbano. Essa atitude blasé pertence à
maioria da sociedade que olha os espaços urbanos diariamente, mas não o vê,
devido a multiplicidade de informações e fluxo de pensamentos e imagens. E
que, a partir de determinadas intervenções, o olhar muda. Comecei, então, a
enxergar e a entender o que antes era ininteligível para mim.
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INDIVÍDUO, ARTE, ESPAÇO URBANO
O patrimônio público representa a coletividade, e, na idéia geral, deve ser
preservado. Da mesma forma, a arte, tradicionalmente, é colocada dentro de
galerias e museus, em espaços privados e fechados para ela.
Sendo os pontos de ônibus locais de passagem e encontro das pessoas, a
ideia de customizar esses locais, além contribuir para a diminuição da poluição
visual dos cartazes de propaganda, e suas consequentes sujeiras, também
interferiu na vida das pessoas que passam por eles, pois essa intervenção de
arte
urbana
permitiu
uma
maior
interação
com
o
espaço
publico.
Os desenhos que antes existiam apenas em muros, ou em fachadas, de
formas às vezes ilegais, puderam ser apresentados em um local alternativo,
legítimo e de grande visualização. Dessa maneira, foram abertas novas frentes
de atuação e visibilidade da arte, que agora foi exposta fora dos espaços
consagrados de atuação, tornando-a mais acessível ao público.
São esses fenômenos atuais que estão questionando essas tradicionais
noções de arte. Eu acompanhei, observei, registrei fotograficamente todo o
processo. Participei observando. E fui tomada pela causa. O que pra mim já
era uma paixão, a arte urbana, se tornou objeto de minha pesquisa, juntamente
com o indivíduo atuante nessa causa.
Nessa experiência, busquei questionar que cidade é essa que buscamos, a
forma dessa cidade, e as ressignificações da arte dentro dela. Principalmente a
arte marginal, uma vez que o graffiti surge nesse movimento marginal que é o
hip hop. E, também, analisar esse sujeito, que fica entre uma situação de
alienação, perturbação, ausência de sentido nessa nova cidade metropolitana.
Onde há muitas imagens, muitas perdições. O cinza do concreto impera, e
também a luminosidade e poluição visual dos outdoors. O individuo é oprimido,
tem dificuldade de se manifestar, e se perde, muitas vezes, nessa tentativa de
criar uma identidade.
Além da utilização da cidade e dos patrimônios públicos, esse processo se
encaixa na teoria de Balandier (1997) em que o novo busca se inscrever em
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novas tradições, abalando e desordenando uma ordem estabelecida pelos
padrões, uma vez que, na cultura ocidental, o par opositivo ordem/desordem se
estabelece a partir de outro par opositivo: tradição/novidade. O novo abala.
Transforma. O presente entra em conflito com o passado, e ocorre a
mobilidade de signos e símbolos, que é a essência da vida urbana.
Annateresa, coloca em sua obra:
“Conflito e integração são os dois pólos que articulam esse
segundo eixo, marcado pela presença das categorias, como
desfuncionalizaçao/refuncionalizaçao, conquista do espaço
simbólico, articulação do novo num regime totalitário, presença
do moderno numa situação peculiarmente periférica. Nos
vários momentos, a cidade é o cenário no qual essas ações se
desenrolam, pois ela é sua verdadeira razão de ser.” (FABRIS,
Annateresa, 2000, p.10).
E é isso que aconteceu com o projeto: transformou a cidade, os simbolos, arte
virou memória, os indivíduos passaram a ter outra relação com o espaço
urbano, no caso os pontos de ônibus, o cinza tomou cor, o interventor passou a
pintar mais – devido a boa repercussão de seu trabalho – e isso tudo invadiu a
mídia e as redes sociais, dando mais visibilidade para o que era esquecido pela
cidade e seu grande fluxo de informação uma vez que, como afirma
Annateresa Fabris, é na cidade que é possível ir de encontro a esses estímulos
e a esses canais de divulgação (FABRIS, Annateresa, 2000).
Utilizando definições de Canclini (CANCLINI, Nestor. 2005) afirmo que as
chamadas belas-artes e obras de vanguarda passam por reconceituações ,
uma vez que torna-se necessário redefinir a arte. Retirá-la dos museus e
colocá-la na rua é um processo que ocorre pela mudança dos atores, pela
união dessas minorias para combater ou lutar por um ideal – que Canclini
expõe no fim do primeiro capítulo de “Diferentes, Desiguais e Desconectados” e que, finalmente, ao passarem a ser vistos, tornam-se objetos de uso e
apropriação de outros grupos, criando uma relação com esses outros sujeitos,
que passam a enxergar essa arte e manifestação de outra forma, podendo ser
até comercial e de valorização estética, o que não muda o significado original,
mas o transforma, de acordo com o grupo que o analisa e o utiliza. E, já que se
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mudam os atores, mudam os sentidos de produção e de apreciação da arte.
Logo, altera-se a forma como as pessoas ressignificam um muro vazio, ou o
uso daquele espaço da cidade. Há, na obra de Benjamin “Charles Baudelaire,
um lírico no auge do capitalismo”, a afirmação de Baudelaire de que a arte não
deve ser separada da utilidade (BENJAMIN, W. 1989). E, fazendo alusão a
Canclini e suas ressignificações - ao passar de um sistema cultural a outro, e
ao inserir-se em novas relações sociais e simbólicas - a arte se transforma.
Nesse caso, transforma-se ao ser trazida, por esse específico grupo urbano,
com suas particularidades, para uma galeria a céu aberto, que é a cidade. E
que nela, há uma circulação de mensagens e novos significados – que, nesse
caso, são imagens capazes de sugeri-los, uma vez que elementos visuais
podem complementar – ou ser a totalidade – um texto, considerando a
expressividade e potencialidade desses elementos. Quem definirá isso, será o
cidadão que sempre passou por determinados locais, mas que agora, que
alguém interveio com cores, mensagens e desenhos, interage diferentemente
com o patrimônio, diminuindo as distâncias entre a relação individuo x espaço
urbano.
O projeto “Pontos da Arte” surgiu para abalar e dar um novo olhar a esses
espaços públicos. Tradições se quebram nessa ação, ao tirar a arte da galeria,
e trazer aos olhos do público, na rua, sensibilizando consciências, criando uma
nova relação com o espaço comum, e, assim, abalando as antigas estruturas e
criando novidades. Formando, então, novas memórias. Nos indivíduos e na
própria cidade. Teve como objetivo principal criar um espaço de convivência e
trocas na cidade, um verdadeiro diálogo, seja ele por palavras (poemas,
canções, frases) ou desenhos (composições abstratas, alusões a temas do
cotidiano ou obras famosas, representações divertidas). Além de divulgar os
trabalhos de outros jovens e adolescentes que participam de oficinas de graffiti
em projetos sociais de Vitória.
Gosto
da
fala
de
Annateresa
Fabris,
em
Fragmentos
Urbanos
–
Representações Culturais (2000), em que ela coloca a cidade como um espaço
de utopias possíveis, onde podemos projetar nossas vontades, com
comportamentos inovadores, ações coletivas e transformações.
“Modelo espacial, social e cultural, a cidade apresenta-se , não
raras vezes, como o território privilegiado da utopia. Em muitas
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“arquiteturas pintadas”, típicas do Renascimento, configura-se
o desejo utópico de construir modelos ideais, proceçoes de
uma visão de mundo, de um pensamento filosófico, que só em
poucas ocasiões terão oportunidade de transformar-se em
realidade” (FABRIS, Annateresa, 2000, p.9).
O espaço urbano moderno é um território possível dessa transformação
antropológica, que alia arte e sociedade e gera novos comportamentos e novas
percepções, transformando a mente do ser humano que nela habita, e
tornando a arte imprescindível como memória da cidade, que se ressignifica
constantemente.
A cidade é o espaço possível para a arte, para o confronto de idéias, para
expor as obras e reflexões individuais. O sentimento blasé, de Simmel, que a
quantidade de informações e fluxo de pensamentos que a cidade abriga, é
muitas vezes deixado de lado quando nos deparamos com algo diferente, com
esse novo que choca e abala e transforma. Simmel também afirma que a
atividade visual é preponderante nos seres humanos na cidade. E o que
propusemos foi essa galeria a céu aberto. Para acesso de todos, para envolver
o individuo nesse espaço que também é dele. Andar pela cidade e se deparar
com algo que o faça parar, e olhar – o que é cada vez mais difícil nesse espaço
moderno. Essa ressignificaçao das funções da arte e a utilização dessa cidade
possível de se expurgar, e se utilizar. Aproveito para citar Benjamim, que,
analisando a cidade e o flâneur, retrata essa transformação de interior em rua.
Se a galeria é a forma clássica do interior sob o qual a rua se
apresenta ao flâneur, então sua forma decadente é a grande
loja. Este é, por assim dizer, o derradeiro refúgio do flâneur.
Se, no começo, as ruas se transformaram para ele em
interiores, agora são esses interiores que se transformam em
ruas e, através do labirinto de mercadorias, ele vagueia como
outrora através do labirinto urbano (BENJAMIM, W p.51)
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Essa é a cidade que atuamos, uma cidade possível de realizações, de
estímulos e divulgação artística e cultural. Onde os sujeitos, como os flâneurs,
se encontram. A rua é moradia para o flâneur (BENJAMIN), e também para o
interventor urbano. Nesse caos de imagens e informações, o individuo busca
liberdade, e é nos muros e nos espaços públicos que encontra espaço e
motivações para expurgar suas vontades, seus gritos, sua arte, já que a galeria
e os museus não permitiram seu acesso.
Essa possibilidade de espalhar imagens que a cidade oferece, dá ao artista e
interventor urbano um leque de ações. E espalhar sua imagem pela cidade, faz
com que esse indivíduo nela se encontre. No meio dessa atividade intensa
urbana, reconhece-se. Identifica-se. Cria uma identidade, que as vezes foi
reprimida, por essa dualidade que o urbano delega, de você ser ao mesmo
tempo visto a qualquer momento, mas também ser apenas mais uma pessoa
qualquer nessa multidão. Que é, também, segundo Benjamin, a dialética da
flâneria; o homem se sente olhado por tudo e por todos, é suspeito, e por outro
lado, é insondável, escondido. Nessa arte de rua, e imagens lançadas sobre
ela, o individuo se realiza. “O prazer de se achar numa multidão é uma
expressão misteriosa do gozo pela multiplicação do número” (BAUDELAIRE
apud BENJAMIN, 1994, p. 54).
Nos doze finais de semana que me dediquei a passar o dia fotografando,
pintando e conversando com os 48 artistas que participaram do projeto pude
constatar o consenso do prazer em interagir e se enxergar a partir dessa
interação no espaço urbano. Segundo Simmel, em “Metrópole e a vida
mental”, a característica mais significativa da metrópole é a sua extensão para
além de suas fronteiras físicas, que a torna sede da divisão econômica do
trabalho. Nela a pessoa precisa enfrentar a dificuldade de afirmar sua própria
personalidade no meio da multidão, voltando-se às diferenças qualitativas para
atrair a atenção do seu círculo social, tentada a adotar extravagâncias
especificamente metropolitanas. O que nos faz voltar em Baudelaire e o prazer
de se achar na multidão (BAUDELAIRE apud BENJAMIN, 1994, p.
54). Fazer-se conhecido torna-se o meio de salvar a posição e a autoestima. O
graffiti permite a criação de uma identidade, da socialização e do
reconhecimento de si mesmo no espaço urbano. Retomando essa obra de
Benjamin, chamamos atenção para o flâneur, já citado nesse trabalho, que é
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personagem urbano, apaixonado pela cidade e pela multidão, e que tem como
habito a flânerie, que seria a apreensão e representação desse espaço urbano
– constantemente reconstruído e ressignificado – gerando novas propostas
estéticas e novos olhares sobre o espaço comum. O citadino que intervém no
espaço, e aquele que o percebe, podem ser representações desse flâneur, já
que estão em constante observação do espaço e de seus agentes, e já que,
segundo Benjamin “a cidade é o autêntico chão sagrado da flanêurie” (1994:
191) e o “fenômeno da banalização do espaço” é experiência fundamental para
o flanêur (1994: 188). Além de que, consenso entre os artistas com que
convivi: somente quando passeamos, percorremos e percebemos a cidade
nos é possível conhecê-la. E eles o fazem em busca de novos muros e
espaços para interação, além de apreciação de intervenções alheias. A rua,
então, é refúgio para o flâneur, e espaço onde essa paixão pode ser
exteriorizada:
A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas
dos prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês entre
suas quatro paredes. Para ele, os letreiros esmaltados e
brilhantes das firmas são um adorno de parede tão bom ou
melhor que a pintura a óleo no salão do burguês; muros são a
escrivaninha onde apóia o bloco de apontamentos; bancas de
jornais são suas bibliotecas, e os terraços dos cafés, as
sacadas de onde, após o trabalho observa o ambiente. Que a
vida em toda sua diversidade, em toda a sua inesgotável
riqueza
de
variações,
só
se
desenvolva
entre
os
paralelepípedos cinzentos e ante o cinzento pano de fundo do
despotismo: eis o pensamento político secreto da escritura de
que
faziam
parte
as
fisiologias.
(BAUDELAIRE
apud
BENJAMIN, 1994)
Muros como escrivaninhas e adornos de parede melhores que pintura a óleo
no salão, são representações dos grafiteiros, e que casam com essa descrição
de Benjamin.
A crítica do descaso burguês com a coisa pública, feito por Walter Benjamin em
Flâneur, é muito válida. Pegamos pontos de ônibus sujos, maltratados e, por
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nossas mãos, transformamos em arte, enaltecendo e preservando a identidade
de um grupo. Para esse cosmopolita moderno, as imagens são mais
importantes que a realidade. Nada que é normal diz respeito ao flâneur. O
flâneur também é aquele que vem contradizer, transformar, questionar. Logo,
quem faz e quem consegue enxergar essa nova arte, criticamente ou não, age
como flaneur no atual sistema. A degradação da experiência na vida moderna
torna-se algo doloroso e dá impulso para outra base artística, com uma nova
objetividade: arte na rua, apropriação dos patrimônios públicos, e cultura
marginal ascendendo e criando identidades.
E concordando e aproveitando-me da máxima de Diderot: “É bela a rua”,
acredito que ao interagirmos e nos apropriarmos dela, admirando ou intervindo,
dialogando ou simplesmente criando um olhar diferente desse blasé que a
imensidade de fluxo de idéias que o urbano nos trás, a rua se embelezará cada
vez mais, uma vez que torna-se de todos.
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CONCLUSÃO
Escolhi a rua, pois me interessei pela possibilidade de analisar o que está no
meu cotidiano e que requer um olhar de dentro para que possa ser
compreendido.
Entusiasta da literatura, da arte e de Baudelaire, que sou, encanto-me pelas
mensagens visuais – incluindo as escritas - que o urbano proporciona. Cheia
de símbolos e significados, que cabe a nós, antropólogos, analisar, sem
absolutas certezas. Compartilho do sentimento da Annateresa Fabris, quando
diz:
“É, sem dúvida, em Baudelaire e, sobretudo no Baudelaire de
“O pintor da vida moderna” que o cronista carioca encontra a
idéia da multidão citadina como movimento instável e fugidio,
na qual o eu, presa do turbilhão e do sentido de embriaguez
que ela emana, perde sua dimensão individual” (FABRIS,
Annateresa, 2000, p.9).
O individual na sua trajetória e projetos, perpassa e convive no campo de
possibilidades do urbano, e, muitas vezes, essa complexidade da rede de
significados nos faz conviver com trajetórias sem penetrá-las. Esse fervo de
informações e possíveis ações instiga a continuidade da pesquisa na cidade e
sobre a mesma. Para ilustrar a razão de meus anseios, cito de novo
Annateresa:
“Antípoda do espaço rural, a cidade é frequentemente um
centro de poder político-administrativo, econômico, militar,
religioso, artístico e cultural. Desde a Revolução Industrial,
tornou-se o espaço mais propicio a produção artístico- cultural.
É nela que se configura uma vida artística e cultural intensa. É
nela que vivem os artistas, atraídos pela possibilidade de
confrontar obras e idéias, de inserir suas produções num
circuito peculiar. É nela que a produção artístico-cultural
encontra estímulos e canais de divulgação, que o confronto
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entre o presente e o passado se torna mais acirrado, gerando
aquela mobilidade de signos e símbolos, que é a verdadeira
essência da vida urbana e de seus produtos simbólicos.”
(FABRIS, Annateresa, 2000, p.10).
O projeto “Pontos de arte – A cor da rua” conseguiu ilustrar essas potências e
características do urbano. Utilizando-se da preponderância do visual, das
ressignificaçoes do espaço, da arte, do individuo e sua vontade de
pertencimento e reconhecimento no espaço, das criações de identidade, e de
uma nova relação entre o espaço público e os habitantes dele. Transformando,
da maneira que o urbano consegue, a mente do ser humano.
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Benjamin, Walter. O surrealismo. O último instantâneo da inteligência
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Sérgio Paulo Rouanet, são Paulo: Brasiliense, 1994,
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Diferentes, desiguais e desconexos: mapas da interculturalidade. Rio de
Janeiro: Editora da UFRJ, 2005
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O. (org.). Homem e. Sociedade. São Paulo: Cia. Editira Nacional, 1971.
SIMMEL, Georg. A Metropole e a Vida Mental. In: VELHO, Otávio Guilherme
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