UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE FARMÁCIA
Ana Célia de Oliveira Ambrósio Pires
Cristiane Patrícia de Oliveira Ferreira
Fábio de Oliveira Ramos
Lucas Lima de Souza
Lucilene da Penha Valbuza Siqueira
O PAPEL DA CORTICOTERAPIA NA DOENÇA DE CROHN
Governador Valadares
2010
ANA CÉLIA DE OLIVEIRA AMBRÓSIO PIRES
CRISTIANE PATRÍCIA DE OLIVEIRA FERREIRA
FÁBIO DE OLIVEIRA RAMOS
LUCAS LIMA DE SOUZA
LUCILENE DA PENHA VALBUZA SIQUEIRA
O PAPEL DA CORTICOTERAPIA NA DOENÇA DE CROHN
Trabalho de conclusão de curso para
obtenção do grau de bacharel em Farmácia,
apresentado à Faculdade de Ciências da
Saúde da Universidade Vale do Rio Doce.
Governador Valadares
2010
ANA CÉLIA DE OLIVEIRA AMBRÓSIO PIRES
CRISTIANE PATRÍCIA DE OLIVEIRA FERREIRA
FÁBIO DE OLIVEIRA RAMOS
LUCAS LIMA DE SOUZA
LUCILENE DA PENHA VALBUZA SIQUEIRA
O PAPEL DA CORTICOTERAPIA NA DOENÇA DE CROHN
Trabalho
de
conclusão
de
curso
apresentado como requisito para obtenção
do grau de bacharel em Farmácia pela
Faculdade de Ciências da Saúde da
Universidade Vale do Rio Doce.
Governador Valadares, ______ de ___________________ de ________.
Banca Examinadora:
_____________________________________________________________
Orientador: Prof. Ms. Carlos Alberto Silva
______________________________________________________________
Examinador 1
______________________________________________________________
Examinador 2
Dedicamos
este
trabalho
a
toda
comunidade acadêmica, aos portadores
da Doença de Crohn, aos nossos
orientadores Prof. Ms. Carlos Alberto e
Profª. Dra. Maria José Morato, ao nosso
grande
colaborador
Dr.
Fabricio
Munhen Ferreira, ao Ernane Celso
Ambrosio Pires (in memorian), e ao
grande amigo e colega acadêmico Fábio
de Oliveira Ramos.
AGRADECIMENTO (S)
Agradecemos primeiramente a Deus pela luz e sabedoria a nós concedidas nesta
longa caminhada.
Agradecemos aos nossos queridos pais pela criação, amor e dedicação; aos
cônjuges por todo carinho e compreensão; aos filhos, por compreender os momentos de
ausência; aos colegas pela amizade, apoio nessa jornada e aos mestres pelos valiosos
ensinamentos a nós ministrados.
Agradecemos aos nossos orientadores Prof. Ms. Carlos Alberto e Profª. Dra.
Maria José Morato, por acreditarem na realização deste trabalho, pelo incentivo, apoio,
dedicação, paciência, exemplo, ética, carinho e valores construídos, dentre eles a grande
amizade consolidada.
Agradecemos ao amigo colaborador Dr. Fabrício Munhen Ferreira pela atenção,
disponibilidade de conhecimento,
material,
interesse, experiência profissional
transmitida e pela amizade consolidada.
Agradecemos também aos grandes inspiradores deste trabalho, o aluno Fábio de
Oliveira Ramos e ao Ernane Celso Ambrósio Pires (in memorian), esposo da aluna Ana
Célia de Oliveira Ambrósio Pires, desde a escolha do tema até a conclusão deste estudo,
pelo sentimento vivenciado por estes de forma intensa na luta e na busca da cura para
esta doença, que ainda não foi encontrada.
RESUMO
A Doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal crônica, podendo acometer
desde a boca ao ânus, é de origem idiopática, sugere-se a participação de alterações
gênicas capazes de gerar um quadro de reações imunológicas acentuadas, em várias
partes do trato gastrointestinal. Essa patologia é marcada por períodos de cronicidade e
remissão. O tratamento clínico da DC abrange dois grupos de fármacos. Utiliza-se
primariamente a sulfassalazina, no intuito da redução dos efeitos da cascata
infalmatória. Em segunda escolha os glicocorticóides, que são indicados nas várias
formas da doença para promover rápido e efetivo alívio dos sintomas, interrompendo a
resposta inflamatória e promovendo a remissão da doença. No entanto, apesar do
reconhecimento dos efeitos benéficos dos glicocorticóides seu uso prolongado tem
efeitos colaterais sistêmicos significativos. Portanto, o objetivo deste trabalho foi
esclarecer o papel dos glicocorticóides na terapia medicamentosa da DC.
Palavras-chave: Corticoterapia. Glicocorticóides. Ação terapêutica dos glicocorticóides.
ABSTRACT
Crohn's disease is a Chronic, inflammatory bowel disease and tackling from mouth to
anus, idiopathic origin, suggested participation changes gênicas capable of generating a
framework of immunological reactions accented in various parts of the gastrointestinal
tract. This pathology is marked by periods of remission and chronicity. The clinical
treatment of CD covers two groups of drugs. Uses primarily the sulfassalazina, in order
to reduce the effects of cascade infalmatória. The second choice, that glucocorticoids
are indicated in the various forms of the disease to promote fast and effective relief of
symptoms, stopping the inflammatory response and promoting the remission of the
disease. However, despite the recognition of the beneficial effects of glucocorticoids its
prolonged use has significant systemic side effects. So the goal of this work was to
clarify the role of glucocorticoids in drug therapy of CD.
Keyword:
corticosteroid
glucocorticoids.
treatment.
Glucocorticoids.
Therapeutic
action
of
LISTA DE ABREVISTURAS
Bcl-2 - B-cell CLL/lymphoma 2
PPARG - receptor gama ativado por
CAA - Células apresentadoras de
proliferador de peroxissoma
antígenos
RNA - Ácido ribonucleico
CD- Células dendríticas
Th - T helper
CD 4/8/25/28/40/80/86 – cluster of
TLR - Toll-like receptors
differentiation
TL1A – TNF family ligand
CER - Complexo esteróide-receptor
TNF-α - Tumor necrosis factor alfa
CRH
–
Hormônio
liberador
de
Tr/ Treg - Células T reguladoras
corticotrofina
VLDL - Lipoproteína de muito baixa
DNA - ácido desoxirribonucleico
densidade
GC - Glicocorticóide
G-CSF
-
Granulocyte
LDL - Lipoproteína de baixa
colony-
stimulating factor
GM-CSF - Granulocyte-macrophage
colony-stimulating factor
ICAM-1 - Intercellular cell adhesion
molecule 1
IFNα/β - Interferon alfa/beta TIR Receptor Toll-interleucina1
Ig - Imunoglobulina
IL- Interleucina
LH - Hormônio luteinizante
LHRH - hormônio agonista liberador
de hormônio luteinizante
MHC-II - Major histocompatibility
complex II
MTX - Metotrexato
NF-κB - Nuclear factor kappa B
NK - Natural Killers
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
2 OBJETIVOS ................................................................................................................... 13
3 JUSTIFICATIVA............................................................................................................ 14
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................................................................... 15
4.1 A DOENÇA DE CROHN .............................................................................................. 15
4.1.1 Diagnóstico ................................................................................................................ 15
4.1.2 O papel do sistema imunológico na DC .................................................................... 16
4.1.2.1 Imunidade Inata da DC ............................................................................................. 17
4.1.2.2 Imunidade Adaptaviva na DC ................................................................................... 20
4.1.2.3 Respostas celulares mediadas por linfócitos T e B .................................................... 20
4.1.2.4 O papel da apoptose celular na DC ........................................................................... 23
4.2 TRATAMENTO DA DC ............................................................................................... 24
4.2.1 Classes de fármacos utilizados no tratamento da DC .............................................. 25
4.2.1.1 Aminosalissilatos ..................................................................................................... 25
4.2.1.2 Antibióticos .............................................................................................................. 25
4.2.1.3 Imunossupressores.................................................................................................... 26
4.2.1.4 Glicocorticóides ....................................................................................................... 27
4.2.2 Tratamento clínico de acordo com o grau de atividade inflamatória...................... 28
4.3 EFEITOS SISTÊMICOS DA CORTICOTERAPIA PROLONGADA ............................ 30
4.3.1 Metabolismo intermediário de glicídios ................................................................... 30
4.3.2 Metabolismo intermediário de lipídios ..................................................................... 31
4.3.3 Metabolismo intermediário de protídeos.................................................................. 31
4.3.4 Efeitos do balanço hidroeletrolítico .......................................................................... 32
4.3.4.1 Cálcio ....................................................................................................................... 32
4.3.4.2 Sódio e potássio........................................................................................................ 33
4.3.5 Efeitos na pressão arterial ......................................................................................... 33
4.3.6 Efeitos no sistema imune ........................................................................................... 34
4.3.7 Efeitos no sistema reprodutor ................................................................................... 35
4.3.8 Efeitos em outros sistemas ........................................................................................ 35
4.4 SÍNDROME DA RETIRADA........................................................................................ 37
4.5 INTERAÇÃO ENTRE GLICOCORTICÓIDES E OUTRAS MEDICAÇÕES ............... 38
10
5 METODOLOGIA ........................................................................................................... 40
6 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 41
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 42
11
1 INTRODUÇÃO
A DC é uma resposta inflamatória recorrente, do tipo granulomatoso capaz de afetar
qualquer porção do trato gastrointestinal, partindo da boca até o ânus. Aproximadamente em
40% das pessoas com a doença, as lesões restringem-se ao intestino delgado; em 30%,
somente o intestino grosso encontra-se afetado; e, nos 30% remanescentes tanto o intestino
grosso como o delgado são afetados (PORTH, 2004).
O risco relativo de DC de se desenvolver em irmãos de pacientes afligidos é de 17 a
35 vezes maior que na população geral. Gêmeos monozigóticos têm uma taxa de
concordância de 58% para DC, embora a herança mendeliana por si só não descreva a ligação
genética (ENGSTRON e GOOSENBERG, 2002).
Existem relatos de DC em vários estados do Brasil, mas não se dispõe de dados
estatísticos do País, como um todo. Por isso então está sendo criado o Núcleo de Estudos das
Doenças Inflamatórias Intestinais (ROSA, DANI e ALVES, 2002).
Trata-se de uma doença lentamente progressiva, persistente e, muitas vezes
incapacitante. Com relação ao aumento substancial da prevalência da DC no século vinte, a
distribuição dos locais afetados não se modificou substancialmente. A doença geralmente
ataca adolescentes e adultos jovens, sendo mais comum entre pessoas de origem européia,
com frequência consideravelmente maior entre os judeus asquenazes (PORTH, 2004).
Uma característica marcante na DC são lesões granulomatosas, envolvidas por tecido
da mucosa de aparência normal. Quando múltiplas, as lesões comumente são denominadas de
lesões salpicadas, pois se encontram dispersas entre o que parecem ser seguimentos colônicos
normais. Todas as camadas do intestino encontram-se envolvidas apresentando-se a camada
submucosa mais extensamente comprometida. A superfície do local inflamado possui
característica de pedras de calçamento, resultado de fissuras e fendas que se desenvolve e são
circundadas com áreas de edema submucoso. Geralmente, as camadas de músculo liso do
intestino são menos acometidas de alterações inflamatórias e fibróticas da camada submucosa.
A parede intestinal, depois de algum tempo, torna-se frequentemente engrossada e inflexível:
sua aparência tem sido descrita como a de mangueira de borracha. O mesentério pode
inflamar-se, e os linfonodos regionais e seus canais podem ficar dilatados (PORTH, 2004).
O tratamento é primariamente farmacológico, com cirurgias sendo reservadas para
doença que não respondeu a um teste adequado de medicação.
12
A causa da DC permanece ainda desconhecida. Atualmente sugere-se que indivíduos
geneticamente predispostos apresentem resposta imunológica inadequada na mucosa
intestinal diante de diferentes estímulos ambientais (ROSA; DANI e ALVES, 2002).
Fatores genéticos favorecem além de um padrão individual favorável ao
desenvolvimento da doença, um tipo predominante de resposta com relação à imunidade
celular.
Por isso, então, carece de terapêutica específica. As medidas preconizadas não são
curativas nem alteram a história natural da doença e, na maioria dos casos, consegue apenas
aliviar os sintomas e prevenir complicações. Portanto o tratamento deve ter por objetivos:
a)
Suprimir a atividade da doença, aliviando os sintomas gastrointestinais e extraintestinais;
b)
Prevenir suas complicações;
c)
Corrigir deficiências nutricionais e garantir aporte calórico adequado para
crescimento linear e ganho de peso normal;
d)
Minimizar o impacto emocional da doença sobre o paciente e a família.
A abordagem é individualizada de acordo com a resposta sintomática e a tolerância
medicamentosa. A terapia medicamentosa empregada na DC consiste no uso de
glicocorticóides. Os glicocorticóides são drogas capazes de induzir remissão da doença na
grande maioria dos pacientes portadores de DC, independentemente da distribuição das
lesões. Portanto não deve ser utilizada na manutenção da remissão, por sua capacidade de
causar efeitos sistêmicos graves, corticodependência e corticoresistência. A sua habilidade em
controlar o processo inflamatório intestinal justifica-se pelo profundo efeito sobre o sistema
imunológico e inibição da resposta inflamatória.
O uso crônico de glicocorticóides, ainda que apenas tópico, associa-se a efeitos
colaterais sistêmicos significativos. Citam-se inibição do crescimento (em crianças), acne,
moon face (face em forma de lua cheia), hirsutismo, estrias, catarata subcapsular posterior,
necrose asséptica da cabeça do fêmur, colapso vertebral, hipertensão arterial e depressão
(ROSA, DANI e ALVES, 2002).
13
2 OBJETIVOS
Esclarecer o papel dos glicocorticóides na terapia medicamentosa da DC. Assim os
objetivos são vários:

Compreender a fisiopatologia da DC;

Relacionar o tipo de terapia medicamentosa com os diferentes tipos de
manifestações da DC;

Revisar a farmacodinâmica dos glicocorticóides indicados no tratamento da
DC e suas respectivas vias de administração;

Elucidar os efeitos sistêmicos da corticoterapia prolongada;

Evidenciar as interações dos glicocorticóides com outros fármacos.
14
3 JUSTIFICATIVA
Diversos estudos epidemiológicos demonstraram ter havido um aumento da incidência
da DC nas últimas décadas na população adulta e pediátrica de vários países (ROSA; DANI e
ALVES, 2002). Embora esse fato possa ser explicado em parte, por melhor reconhecimento
da doença, ele também parece refletir uma elevação real na incidência, sugerindo a
participação de fatores ambientais ainda não identificados. A DC é uma doença inflamatória
crônica, não sendo clínica ou cirurgicamente curável e sua história natural é marcada por
períodos de exacerbações e remissões.
O tratamento clínico da DC abrange dois grupos de fármacos de primeira linha que são
a sulfassalazina e os glicocorticóides. São indicados nas várias formas da doença para
promover rápido e efetivo alívio dos sintomas por intermédio de sua ação em várias vias na
cascata do fenômeno inflamatório, interrompendo a resposta inflamatória e promovendo a
remissão da doença. No entanto, o uso prolongado de glicocorticóides tem efeitos colaterais
sistêmicos significativos.
Assim, compreender a fisiopatologia da DC para esclarecer o papel da corticoterapia
na sua terapêutica torna imprescindível, devido ao fato de tratar-se de uma doença crônica. No
caso, os glicocorticóides utilizados a longo prazo podem causar risco em decorrência de
interações medicamentosas, efeitos colaterais e sistêmicos.
15
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 A DOENÇA DE CROHN
Quando foi definitivamente descrita por Crohn, Ginsburg e Oppenheimer, em 1932, a
DC foi considerada como limitada ao íleo terminal, mas, o reconhecimento de segmentos
intestinais bem delimitados e afetados interpostos entre áreas não afetadas levou ao nome
alternativo de enterite regional. Atualmente se sabe que qualquer parte do trato
gastrointestinal pode estar envolvida e que há manifestações sistêmicas, portanto é preferível
falar DC.
Os sinais e sintomas observados são: dor abdominal, diarréia, febre, déficit de
crescimento, retardo na maturação sexual, anorexia, náuseas e vômitos, sangramento
intestinal, sintomas gerais comuns às doenças crônicas, como astenia, fraqueza e incapacidade
para realizar as tarefas diárias, também são referidos.
A DC pode comprometer praticamente todos os sistemas e órgãos, seja por efeito local
ou sistêmico ou, até mesmo, em decorrência de seu tratamento.
As manifestações extra-intestinais podem preceder, acompanhar ou surgir após início
das alterações intestinais. Os pacientes que apresentam uma das manifestações extraintestinais têm maior risco de apresentar outras. A explicação para tais ocorrências parece ser
de ordem imunológica (ROSA; DANI e ALVES, 2002).
.
4.1.1 Diagnóstico
A diversidade na apresentação clínica da DC é fruto da localização e extensão do
envolvimento do tubo digestivo, da presença ou não de manifestações sistêmicas e de
complicações da doença. O intervalo prolongado entre o início dos sintomas e o correto
diagnóstico dessa condição, variando de meses a anos, demonstra dificuldades diagnósticas
em muitos casos (ROSA; DANI e ALVES, 2002).
O quadro de dor abdominal crônica, principalmente na fossa ilíaca direita, com massa
inflamatória local, febre baixa, diarréia crônica ou quadro de semi-obstrução intestinal e com
16
intenso comprometimento do estado geral (emagrecimento, anemia, astenia), sugere, além de
DC, linfoma ou tuberculose intestinal, ou, mais raramente, blastomicose ou complicações da
síndrome da imunodeficiência adquirida. As fístulas e as manifestações extra-intestinais
(doença perianal, eritema nodoso, artralgias) são comuns a estas doenças, não servindo para
diferenciá-las. Em alguns casos, a DC manifesta-se de maneira aguda e intensa, sendo
confundida com a apendicite aguda. (ROCHA et.al, 1998)
O diagnóstico é, então, feito por uma variedade ou combinação de estudos
endoscópicos, radiográficos ou patológicos que documentam os aspectos típicos focais,
assimétricos, transmurais ou, ocasionalmente, granulomatosos. A biópsia intestinal com
acompanhamento clínico é um dos exames ainda mais precisos e bastante utilizados (ROSA;
DANI e ALVES, 2002). As lesões macroscópicas mais precoces da doença de Crohn parecem
ser pequenas ulcerações "aftóides" focais da mucosa, com nódulos de tecido linfóide na base.
Às vezes estas lesões aftóides iniciais regridem, em outros casos, o processo inflamatório
progride, envolvendo todas as camadas da parede intestinal, que se torna bastante espessada.
As alterações são mais acentuadas na submucosa, com linfedema e infiltração linfocítica no
princípio e fibrose extensa posteriormente. Desenvolvem-se ulcerações irregulares nas
mucosas e a combinação de úlceras longitudinais e transversais com áreas de mucosa
edemaciada entre elas cria o aspecto característico de "chão de paralelepípedos". Os
linfonodos mesentéricos aumentam. A inflamação transmural, ulceração profunda, edema e a
fibrose são responsáveis pela obstrução, aderências, fístulas e abscessos mesentéricos, que são
as principais complicações locais (Manual Merck, 2010)
Mais importante para o diagnostico da DC não é o encontro do granuloma e, sim, a
presença de inflamação em todas as camadas do intestino. Como a doença pode estar grave,
exames invasivos permitem a piora das condições clínicas e emocionais dos pacientes.
4.1.2 O papel do sistema imunológico na DC
Os grandes avanços científicos nas últimas décadas permitiram um profundo
conhecimento no que diz respeito às alterações imunológicas observadas na DC. Os fatores
ambientais ainda não identificados e genéticos têm grande contribuição para os distúrbios
imunológicos observados nesta doença. No entanto, três fatores são essenciais para
compreensão dos mecanismos imunológicos e conseqüentemente, ajuda-nos a definir novas
17
bases de tratamento. São eles: susceptibilidade do hospedeiro, microbiota entérica e
imunidade da mucosa (KUCHARZIK et al., 2006; SHANAHAN, 2001). Assim, a inflamação
intestinal será iniciada e perpetuada por uma resposta imunológica a antígenos desconhecidos
num hospedeiro geneticamente susceptível.
4.1.2.1 Imunidade inata na DC
Uma das fronteiras do organismo com o meio externo e componente da imunidade
inata é a barreira intestinal formada pelo epitélio intacto recoberto por uma camada de muco,
com secreção de fatores protetores (ácido gástrico, sais biliares, defensinas) e sistema imune
(tecido linfóide associado ao tubo digestivo). Este detecta e interpreta o microambiente local,
reconhece e evita reação com a microflora comensal, isto se chama tolerância, mantendo a
capacidade de resposta a patógenos. Em circunstâncias normais, na mucosa intestinal há
“inflamação controlada” ou “fisiológica”. As doenças intestinais inflamatórias, como a DC
poderão resultar de desregulação imunológica: resposta exacerbada do sistema normal a
antígenos intestinais (microbianos ou dietéticos), ou por resposta imunológica apropriada a
antígenos que só as desencadeiam por presença de anomalias intrínsecas da barreira mucosa.
O sistema imune inicia ativação de células não imunes, resultando em resposta inflamatória
responsável pela lesão tecidual (FIOCCHI, 1999).
Danese & Fiocchi (2006) associaram a DC com mutações a nível dos genes
NOD2/CARD15 e de receptores Toll cujos produtos são encontrados em células da
imunidade inata, como por exemplo as defensinas que são peptídeos antibióticos naturais que
representam um importante mecanismo de defesa uma vez que eliminam rapidamente os
microorganismos, ajudando assim a prevenir a invasão bacteriana da mucosa intestinal e
mantendo uma homeostasia intestinal.
Ativação do NF-κB estimula a expressão de diversas moléculas relevantes para a
patogênese da DC: IL-1, IL-6, IL-8, IL-12, IL-23, TNF-α, moléculas de adesão e moléculas
co-estimuladoras (CD40, CD80, CD86 essenciais para a interação entre os vários elementos
do sistema imunológico e da imunidade inata até a adaptativa) (SHIH e TARGAN, 2008).
Na DC, os macrófagos e as células dendríticas não só estão aumentadas em número,
como também expressam acentuadamente TLR2 e TLR4, moléculas co-estimuladoras
produzem mais citocinas pró-inflamatórias como IL-12 e IL-6, com a conseqüente ativação de
18
células Th1 (DANESE e FIOCCHI, 2006). Além disso, as células dendríticas produzem
menos IL-10, o que diminui as respostas reguladoras. Isso se deve a mutações no gene
NOD2/CARD15 (codifica um receptor responsável pelo reconhecimento intracelular de
produtos bacterianos) que diminui a produção de citocinas anti-inflamatórias IL-10 pelas CD,
além disso outras importantes consequências: diminuição do reconhecimento bacteriano e da
produção de citocinas (IL-1; IL-8) e quimiocinas o que origina um defeito na eliminação das
bactérias invasoras e a aumento da susceptibilidade para infecções; diminuição do
reconhecimento das bactérias comensais, o que evita o desenvolvimento de tolerância à
microflora comensal e o desencadeamento de respostas inflamatórias (BAMIAS e
COMINELLI, 2007). A tabela 1 representa os vários tipos de citocinas inflamatórias
predominantemente produzidas pelo sistema imunitário inato.
Percebe-se que, embora estas citocinas sejam também produzidas por outros tipos de
células, o seu aumento na DC deve-se, sobretudo, ao sistema imunológico inato. Na DC, a
mutação do gene NOD2 diminui a produção das defensinas por estas células, o que reduz a
resistência contra os microorganismos entéricos. As moléculas de adesão, como a ICAM-1 e
as integrinas, são essenciais para a migração dos leucócitos para o foco inflamatório, sendo a
sua produção está aumentada na DC (RIBEIRO, 2009).
O TNF-α é um dos mediadores mais importantes nesta doença. É produzido por vários
tipos de células e tem entre outras funções, a produção de moléculas de adesão e citocinas
inflamatórias, apoptose celular, recrutamento de neutrófilos para os locais de inflamação,
ativação da coagulação e indução da formação de granulomas (SANDBORN E HANAUER,
1999).
Vários estudos demonstraram um aumento do TNF- α no soro, fezes e mucosa
intestinal de indivíduos com DC (KUCHARZIK et al., 2006). Um desequilíbrio entre a
secreção e a inibição do TNF-α poderá estar implicado na patogênese da doença (NOGUCHI
et al., 1998). O bloqueio do TNF-α por anticorpos monoclonais diminui as respostas Th1,
sendo por isso usado como uma forma de tratamento eficaz na DC moderada a severa, com
melhorias em termos clínicos e endoscópicos (SHIH e TARGAN, 2008).
O TL1A, recentemente identificado como membro da família do TNF-α, está
aumentado nas doenças intestinais inflamatórias. É produzido pelas células dendríticas e atua
nas células TCD4+, onde estimula a produção de IFN-γ. Mutações no gene do TL1A
aumentam a susceptibilidade para a DC (TORRES e RIOS, 2008).
19
Grupo de citocinas inflamatórias produzidas pelo sistema imunitário inato na DC
Citocina
Células produtoras
Células alvo
Efeitos
Todas as células
Aumenta a produção de
IL-1
Monócitos/ macrófagos,
moléculas de adesão;
fibroblastos; células
recrutamento de
epiteliais; células B
neutrófilos e macrófagos;
aumento da produção
hepática de proteínas de
fase aguda
Monócitos/macrófagos;
Células T; células B;
Aumento da produção de
IL-6
fibroblastos; células
células epiteliais;
proteínas de fase aguda;
epiteliais e endoteliais
monócitos/ macrófagos
diferenciação e
crescimento de células T e
B
Monócitos/macrófagos;
Neutrófilos; células T;
Induz a migração de
IL-8
células T; neutrófilo;
monócitos/macrófagos;
neutrófilos, monócitos e
fibroblastos; células
células endoteliais e
células T; aderência dos
endoteliais e epiteliais
basófilos
neutrófilos as células
endoteliais e a liberação de
histamina pelos basófilos
Linfócitos Th2 e
Linfócitos Th1
Inibe a síntese de citocinas
IL-10
macrófagos
Macrófagos, CD,
Células T e NK
Induz a formação de
IL-12
neutrófilos;
células Th1 e aumenta a
atividade das células
citotóxicas TCD8+
Macrófagos
Células T e B;
Aumenta a produção de
IL-18
macrófagos
IFN-Ƴ;
aumenta a citotoxidade das
NK
CD,
Células Th17
Estimula a produção de
IL-23
Monócitos/ macrófagos
IL-17, TNF-α e IL-6
Monócitos/macrófagos;
Todas as células exceto
Aumento da citotoxidade
TNF-α
mastócitos; basófilos;
os eritrócitos
dos leucócitos; aumento da
eosinófilos; NK, células
função das NK; induz a
B, células T, células
produção de citocinas próepiteliais
inflamatórias e de
proteínas de fase aguda;
recrutamento de
neutrófilos; produção de
moléculas de adesão
ativação da coagulação
Tabela 1 - Citocinas inflamatórias produzidas pelo sistema imunitário inato na DC.
Fonte: Tabela traduzida de . Fauci AS, Braunwald E, Isselbacher KJ, Wilson JD, Martin JB, Kasper DL, et al,
editors. Harrison’s principles of internal medicine. 17th ed. New York: McGraw Hill, Health; Professions
Division; 2008.
O sistema imunitário inato tem um importante papel no controle da invasão das
bactérias luminais e na prevenção de respostas pró-inflamatórias de longa. Qualquer falha
nestes mecanismos pode ser uma das causas da origem da DC duração (BAMIAS e
COMINELLI, 2007).
20
4.1.2.2 Imunidade adaptativa na DC
O sistema imunológico adaptativo desempenha um papel essencial na patogênese da
DC. A natureza das respostas imunitárias e o tipo de citocinas produzidas estão sob o controle
genético e determina as características do processo inflamatório (TORRES e RIOS, 2008).
4.1.2.3 Respostas celulares mediadas por linfócitos T e B
Dois tipos de células TCD4+ efetoras, Th1 e Th2, levam a uma inflamação crônica
intestinal, predominando na DC um padrão de respostas Th1 e na Colite ulcerativa o padrão
Th2. A IL-12 produzido por APC’s induz a formação de células Th1 produtoras de IFN-γ, IL2 e TNF-α. Por sua vez a IL-4 estimula a produção de IL-5 e IL-10 pelas células Th2
(TORRES e RIOS, 2008).
Os principais tipos de citocinas inflamatórias produzidas na DC pelo sistema
imunológico adaptativo estão representados na tabela 2.
Citocinas inflamatórias produzidas pelo sistema imunitário adaptativo na DC
Citocinas
Células produtoras
Células alvo
Efeitos
IFN-Ƴ
Células Th e NK
Todas as células
Regula
a
ativação
dos
macrófagos e NK; estimula a
secreção de Ig pelas células B;
aumenta
a
expressão
de
moléculas MHC-II; estimula a
produção de células Th1
IL-17
Células TCD4+
Fibroblastos,
Aumento da
citocinas que
respostas Th1;
endotélio e
epitélio
secreção de
estimulam as
Tabela 2 - Grupo de citocinas inflamatórias produzidas pelas respostas imunitárias adaptativas na DC. Fonte:
Tabela traduzida e adaptada de Fauci AS, Braunwald E, Isselbacher KJ, Wilson JD, Martin JB, Kasper DL, et al,
editors. Harrison’s principles of internal medicine. 17th ed. New York: McGraw Hill, Health; Professions
Division; 2008.
21
Para a inflamação na DC, contribui uma resposta exagerada das células Th1 aos
componentes da microbiota intestinal (SARTOR, 2006). Estas células, têm entre outras
funções, o aumento da expressão de moléculas MHC-II nas APC’s, a ativação de células T
citotóxicas (TCD8+), a ativação de macrófagos e a produção de IgG pelos linfócitos B
(GOLDSBY et al., 2003), mostrados na figura 1.
Figura 1 – Ativação do sistema imunitário adaptativo na DC e suas funções. As Células Dendríticas ou outras
APC’s produzem IL-12 e IL-23, citocinas responsáveis pela ativação de células Th1 e Th17, respectivamente. As
células Th1, pela produção de várias IL, nomeadamente a IL-2, TNF-α e IFN-γ, estimulam a ação células
citotóxicas TCD8+, dos macrófagos e a produção de IgG pelos linfócitos B. As células Th17 produzem IL-17,
TNF-α e IL-6. A IL-17 é responsável pela produção de citocinas que promovem as respostas Th1, de
quimiocinas, factores de crescimento (G-CSF, GM-CSF, IL-6) e moléculas de adesão pelas células epiteliais,
endoteliais e fibroblastos
Fonte: Adaptada FAUCI, AS; BRAUNWALD, E; ISSELBACHER, KJ; WILSON, JD; MARTIN, JB; KASPER,
DL; et al, editors. Harrison’s principles of internal medicine. 17th ed. New York: McGraw Hill, Health;
Professions Division; 2008.
22
Além deste tipo de respostas imunológicas, existe outra que se tem dado cada vez mais
atenção: IL-23/IL-17. Estas citocinas estão aumentadas nos tecidos de indivíduos com doença
de Crohn (SHIH E TARGAN, 2008).
A IL-23, produzida pelas APC’s, tais como as células dendríticas e macrófagos,
estimula a produção de IL-17, TNF-α e IL-6 pelas células Th17 (TORRES & RIOS, 2008)
(Figura1). A IL-17 tem uma potente atividade pró-inflamatória que induz a produção de
citocinas que aumentam as respostas Th1, quimiocinas, fatores de crescimento (G-CSF, GMCSF, IL-6) e moléculas de adesão pelas células epiteliais, endoteliais e fibroblastos (KOLLS
& LINDE, 2004).
Embora se considere que a DC seja mediada por células Th1 devido aos elevados
níveis de IL-12 e IFN-γ detectados, novos achados sugerem que a IL-23 é uma citocina chave
na inflamação intestinal (TORRES & RIOS, 2008). Num estudo realizado por Yen D e
colaboradores, verificou-se que, em modelos animais, o desenvolvimento de colite estaria
suprimido pela deficiência de IL-23 mas não de IL-12 e que a administração de IL-23 acelera
o início de colite (YEN et al., 2006). Esta supressão é devida à subsequente inibição da IL-17.
Apesar destes resultados, o papel das células Th1 não deve ser excluído, uma vez que
a IL-12/IFN-γ e a IL-23/IL-17 são vias paralelas na DC. No entanto, elas são mutuamente
exclusivas, uma vez que o IFN-γ suprime a IL-17 e vice-versa (SHIH & TARGAN, 2008).
Sendo assim, quer a resposta Th1 quer o eixo IL-17/IL-23 devem ser considerados da
maior importância para a patogênese da DC. O balanço entre as células TCD4+ efetoras e as
células Treg é essencial para a manutenção da homeostasia da mucosa (Kucharzik., 2006). Os
principais tipos de células Treg são as células Treg CD4+/CD25+, Treg 1, células Th3 e as
células TCD8+/CD28-. Estas células, através da produção das citocinas IL-10 e TGF-β,
inibem a produção de interleucinas inflamatórias pelos macrófagos e diminuem a ativação das
células Th1 e de células apresentadoras de antígenos, podendo constituir terapêuticas
potenciais em doenças induzidas por este tipo de células (KUCHARZIK, 2006).
Em indivíduos normais, existe um equilíbrio entre as células TCD4+ efetoras e as
células Treg. No entanto, na DC verifica-se que ocorre um desequilíbrio entre estes dois tipos
de células: as primeiras com respostas inflamatórias excessivas e as segundas com atividade
de supressão inflamatória diminuída (KUCHARZIK, 2006).
Para além das alterações nas células T, também as células B se encontram afetadas. A
produção de IgG, principalmente IgG2, está aumentada a nível sistêmico assim como na
mucosa intestinal de doentes com DC (DANESE & FIOCCHI, 2006).
A figura 2 faz um resumo das alterações imunitárias na DC.
23
Figura 2 – Defeitos da imunorregulação na DC. Respostas imunitárias inatas inadequadas, quer pelas APC’s ou
pelas Células epiteliais intestinais, induzem respostas inflamatórias através da secreção de quimiocinas e
Interleucinas pró-inflamatórias. Disfunção das células Tr ou CAA originam respostas T agressivas.
Fonte: Sartor RB. Microbial influences in inflammatory bowel diseases. Gastroenterol 2008;134:577-94.
4.1.2.4 O papel da apoptose celular na DC
Um aspecto importante a ter em consideração quando se fala dos mecanismos
imunológicos na DC, diz respeito à capacidade de expansão das células TCD4+ efetoras. Em
virtude do grande estado de ativação destas células, um aumento da apoptose é necessário
para manter a homeostase imunitária intestinal. Na DC ocorre uma diminuição dessa
susceptibilidade à apoptose (RIBEIRO, 2009).
Num estudo realizado por Ina K e colaboradores, verificou-se que nos indivíduos com
DC, as células T são mais resistentes à apoptose induzida pelo antígeno Fas, TNF, óxido
nítrico e pela falta de IL-2. Estas anormalidades são devidas a uma alteração do balanço Bcl2/Bax na mucosa. O Bcl-2 contribui para a proteção contra a apoptose enquanto o Bax a
promove. Na DC expressão do Bax está diminuída e a de Bcl-2 aumentada.
24
A insuficiente apoptose pode interferir com os mecanismos reguladores da tolerância à
microbiota intestinal e originar uma acumulação de células TCD4+ efetoras, o que contribui
para a inflamação crônica característica da DC.
4.2 TRATAMENTO DA DC
Confirmada a doença, o tratamento deve começar de imediato. Envolve medidas
gerais e específicas e depende, além da natureza da doença, de fatores como gravidade,
localização e extensão da doença, bem como seu padrão de comportamento evolutivo. Dentre
as medidas gerais, é interessante ressaltar a completa orientação do paciente sobre a natureza
crônica redicivante da doença e a importância da sua adesão às medidas médicas
recomendadas e aos controles periódicos. As opções são individualizadas de acordo com a
resposta sintomática e a tolerância ao tratamento.
O tratamento clínico é feito com aminossalicilatos, glicocorticóides, antibióticos e
imunossupressores e objetiva diminuir os sintomas da fase aguda e, após, manter a remissão.
Sulfassalazina, mesalazina e antibióticos não tem ação uniforme ao longo do trato
gastrointestinal, enquanto glicocorticóides, imunossupressores e terapias anti-TNF parecem
ter uma ação mais constante em todos os segmentos gastrointestinais.
O tratamento cirúrgico é necessário para tratar obstruções, complicações supurativas e
doença refratária ao tratamento clínico. No momento não há evidência para a indicação de
ácidos graxos omega-3 ou probióticos (SHEN, 2009). Também não há evidência atualmente
para a indicação de talidomida ou terapia tuberculostática objetivando o controle da DC
(BORGAONKAR, 2000).
Outras abordagens para a DC incluem um tratamento dietético com dietas elementares
ou nutrição parenteral total. Embora essas abordagens tenham sido úteis no reparo do estado
nutricional dos pacientes e na produção de melhora sintomática da doença aguda, não levam a
remissões clínicas prolongadas. (PARSLOW et al, 2004)
25
4.2.1 Classes de fármacos utilizados no tratamento da DC
4.2.1.1 Aminossalicilatos
Os aminossalicilatos (sulfassalazina, messalazina) são fármacos usados há muito
tempo na indução da remissão e manutenção da DC ligeira. Estes fármacos têm múltiplos
efeitos anti-inflamatórios, incluindo a inibição da cicloxigenase, lipoxigenase, células B e
citocinas inflamatórias. Os agentes 5-ASA ativam o PPARG que inibe a activação do NF-κB
e o consequente desenvolvimento de respostas inflamatórias (KOZUCK & STEPHEN, 2008).
4.2.1.2 Antibióticos
Tendo em conta que a evidência do papel das bactérias na patogénese da DC tem
aumentado, os antibióticos poderão ser considerados possíveis terapêuticas. Dois antibióticos
têm sido estudados no sentido de determinar a sua eficácia como tratamento de indução da
remissão e na manutenção da DC: o metronidazol e o ciprofloxaxino. Estes dois fármacos
atuam nos microorganismos gram-negativos e têm uma ação imunomoduladora que ainda não
está bem esclarecida. Não há, contudo, evidência que nos permita a sua utilização como
terapêutica de primeira linha na DC com atividade ligeira. No entanto, o metronidazol poderá
ter um papel importante na doença localizada no cólon. Têm sobretudo na terapêutica das
complicações sépticas, no sobrecrescimento bacteriano e na doença perianal, nomeadamente
as fístulas. Estes antibióticos não são usados como terapêutica de manutenção (RIBEIRO,
2009).
26
4.2.1.3 Imunossupressores
As drogas imunossupressoras atualmente representam opções para o tratamento, a
longo prazo, de DC com atividade moderada a grave: a AZA, a 6-MP e o MTX (RIBEIRO,
2009).
A 6-MP e a AZA (convertida em 6-MP) são dois imunossupressores membros da
classe das tiopurinas, com início de ação lento (cerca de 3 meses) e eficácia demonstrada no
tratamento da DC (LICHTENSTEIN, 2006).
Estes agentes interferem com a síntese de ácidos nucléicos, têm efeitos antiproliferativos nos linfócitos ativados e induzem a apoptose destas células (KOZUCK &
STEPHEN, 2008).
Para além de induzirem a remissão e poderem ser utilizados como terapêutica de
manutenção da DC moderada a severa, permitem a poupança de glicocorticóides em doentes
corticodependentes. São moderadamente eficazes na diminuição da recorrência pósoperatória. Alguns estudos referem alguma eficácia no tratamento e cura das fístulas perianais
e entéricas. As tiopurinas induzem a remissão clínica em 60% dos doentes e a sua manutenção
em mais de 50% dos casos, aos 5 anos (RIBEIRO, 2009).
Ainda existe alguma controvérsia no que diz respeito ao tempo de duração em que as
tiopurinas podem ser utilizadas na DC em remissão prolongada. Há autores que questionam o
seu uso prolongado, mas há estudos que demonstram que, em doentes tratados com AZA pelo
menos durante 42 meses, a taxa de recidiva naqueles que suspenderam o tratamento é o triplo
daqueles que mantiveram o esquema terapêutico (RIBEIRO, 2009).
A AZA e a 6-MP apresentam um conjunto de efeitos secundários que podem ser dosedependentes (tipo A) – associados à produção de metabolitos potencialmente tóxicos: malestar, naúseas, complicações infecciosas, hepatite e mielossupressão – e dose-independentes
(tipo B) – febre, rash e artralgias. A pancreatite ocorre em 3-4% dos doentes e é uma reacção
idiossincrática (RIBEIRO, 2009). A utilização destes agentes poderá estar associada a um
aumento de cerca de quatro vezes de desenvolver linfoma, em comparação com a população
em geral, o que poderá ser explicado pela leucopenia prolongada (KOZUCK & STEPHEN,
2008).
Antes do início da terapêutica recomenda-se a genotipagem da tiopurina
metiltransferase, uma vez que a deficiência homozigótica desta enzima potencia os efeitos
adversos da 6-MP e da AZA. Além disso, deve ser feita uma monitorização periódica do
27
hemograma e das enzimas hepáticas todas as semanas durante o primeiro mês e depois
mensalmente (KUHBACHER & FOLSCH, 2007).
O MTX é um análogo do folato e um inibidor da diidrofolato redutase, resultando
numa diminuição da síntese do DNA. Além disso, tem propriedades anti-inflamatórias,
incluindo a diminuição de citocinas e apoptose dos linfócitos ativados (KOZUCK &
STEPHEN, 2008).
É uma alternativa às tiopurinas no tratamento da DC corticorresistente ou
corticodependente. Tem uma acção mais rápida que as tiopurinas e é eficaz na indução da
remissão da DC moderada a severa e poupança de glicocorticóides (RIBEIRO, 2009).
Também pode ser usada como terapêutica de manutenção (LICHTENSTEIN, 2006). O MTX
é relativamente bem tolerado, embora com potenciais toxicidades: leucopenia e fibrose
hepática, pelo que, também aqui, se recomenda uma avaliação periódica do hemograma e
função hepática (FAUCI et al, 2008).
4.2.1.4 Glicocorticóides
Os glicocorticóides tópicos ou sistêmicos são potentes agentes usados no tratamento
de várias formas de DC. Ligando-se a receptores intra-citoplasmáticos em vários tipos de
células (leucócitos e células endoteliais), os glicocorticóides podem atravessar a membrana
nuclear e interagir com sequências de nucleótideos, reduzindo a produção de ácido
araquidônico, de leucotrienos, prostaglandinas e citocinas inflamatórias, assim como inibir o
NF-κB. Além disso, diminuem o recrutamento e proliferação de linfócitos, monócitos e
macrófagos e a migração dos neutrófilos para os locais de inflamação.
A indução da remissão clínica com os glicocorticóides oscila entre 46-92%. No
entanto, o benefício terapêutico destes fármacos é contrabalançado pelos seus efeitos
secundários.
Uma vez alcançada a remissão clínica, a dose dos glicocorticóides deverá ser
diminuída gradualmente. Cerca de 80% dos doentes tratados com glicocorticóides tornam-se
dependentes ou são resistentes a esta terapêutica, pelo que se devem considerar tratamentos
alternativos tais como imunossupressores (AZA ou 6-MP) ou infliximab.
28
Novas formulações de glicocorticóides vem sendo desenvolvidas, com grande
potência de atividade antiinflamatória e poucos efeitos sistêmicos (pequena absorção e rápida
inativação hepática) (ROSA; DANI e ALVES, 2002).
O deflazacort é um glicocorticóides, de uso oral, com propriedades antiinflamatórias e
imunossupressoras, protegendo os ossos e apresentando reduzidos efeitos diabetogênicos. A
equivalência terapêutica à prednisona é de 6mg a 9mg (média de 7,5mg) para cada 5mg de
prednisona. A transição de um esquema para outro deve ser gradual. A resposta, na fase
aguda, não é tão boa quanto à obtida com a prednisona (ROSA; DANI e ALVES, 2002).
A budesonida é cem vezes mais potente que a cortisona. Somente 10% ficam
disponíveis em virtude de sua auto extração pela primeira passagem pelo fígado. Está
disponível em preparações protegidas e de liberação entérica lenta, de 3mg. A dose de 9mg de
budesonida é tão eficiente quanto 40mg de prednisona para reduzir remissão da DC, mas não
é indicada para manutenção (ROSA; DANI e ALVES, 2002).
4.2.2 Tratamento clínico de acordo com o grau de atividade inflamatória
Os glicocorticóides são fármacos eficazes no tratamento da fase aguda da doença, mas
devido ao seu potencial de causar efeitos adversos, recomenda-se iniciar o tratamento da
doença leve a moderada colônica ou ileocolônica com sulfassalazina 3-6g/dia (sulfassalazina
500mg por dia via oral, elevando-se a dose, gradualmente, conforme a tolerância do
indivíduo). Pacientes com doença ileal devem ser tratados com glicocorticóides. E aqueles
que não obtiverem reposta clínica significativa após 6 semanas devem ser tratados como
tendo doença moderada a grave, de acordo com seu estado clínico (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2010).
Os pacientes com doença colônica ou ileocolônica que se tornem intolerantes ao uso da
sulfassalazina pelo desenvolvimento de reações alérgicas, discrasias sangüíneas, hepatite,
pancreatite, dor abdominal de forte intensidade ou algum outro efeito adverso grave, podem
utilizar mesalazina (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
No caso de pacientes que não responderam ou não tolerarem a terapia com
aminossalicilatos orais, pode-se usar antibióticos como o metronidazol 10 a 20mg/kg/dia ou
1-2g/d por 3-6 meses. Muitas vezes é necessário seu uso em longo prazo, mas pode ser
complicado por uma neuropatia periférica debilitante. Além de suas propriedades
29
antibacterianas, o metronidazol interfere diretamente com o processo inflamatório. Ele é igual
em eficácia aos aminossalicilatos no tratamento da colite aguda de Crohn e é especialmente
útil nas complicações perianais e perineais, tais como a fístula perianal. O ciprofloxacino ou a
claritromicina podem ser substituídos pelo metronidazol, que é melhor tolerado, ou eles
podem ser usados em combinação com ele para doença perianal (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2010).
Pacientes com doença moderada a grave devem ser tratados com prednisona 4060mg/dia até melhorarem os sintomas e cessação da perda de peso. Altas doses de
glicocorticóides (prednisona 1mg/kg/d ou metilprednisolona 1mg/kg/d) tem taxas de resposta
de 80% a 90%. Não há benefício em associar aminossalicilatos ao esquema com
glicocorticóides. Após a melhora dos sintomas (usualmente 7 a 28 dias depois), a dose é
reduzida lentamente, para evitar recaídas e proporcionar o retorno gradual da função da
glândula adrenal. A dose do glicocorticóides deve ser lentamente reduzida, pois uma redução
abrupta pode levar a recidiva da inflamação, além de insuficiência adrenal. Recomenda-se
reduzir o glicocorticóides em 5-10mg/d até a dose seja de 20mg/d, e em seguida, diminuir
2,5-5mg/d até suspender o tratamento. Não há beneficio na associação de aminossalicilato
oral com glicocorticóides na fase aguda. Uma vez que quase metades desses pacientes vão se
tornar dependentes de esteróides ou resistentes, a ressecção cirúrgica deve ser considerada na
doença limitada. Na doença extensa, ou se houver indicação de cirurgia, a 6-mercaptopurina
ou a azatioprina (2-2,5mg/kg/dia, dose única diária) podem ser adicionadas na doença
refratária e na manutenção da remissão (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
Pacientes com DC em atividade inflamatória intestinal grave a fulminante devem ser
preferencialmente tratados em hospitais. Devem receber terapia de suporte com reidratação,
transfusões sanguíneas e suporte nutricional se clinicamente indicado. Pacientes que
apresentam infecções ou abscessos devem receber antibioticoterapia apropriada com
drenagem cirúrgica ou percutânea, conforme o mais apropriado a cada paciente dentro das
condições assistenciais do local de atendimento. A avaliação cirúrgica deve ser solicitada se
houver suspeita de obstrução, embora a obstrução devido à inflamação possa responder
apenas à terapia clinica, e também em quadros clínicos sugestivos de suboclusão crônica
associado à desnutrição significativa (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
O tratamento farmacológico inicia-se com hidrocortisona 100mg, de 8/8h, por via
parenteral intravenosa (IV), se não houver contra-indicação, pois esta via se torna um acesso
mais viável e de melhor absorção, para uma possível rapidez na redução do quadro
inflamatório. Após a melhora clínica e a retomada da via oral (VO), pode-se trocar o
30
glicocorticóides parenteral por 40-60mg de glicocorticóides VO, sendo preconizado a
prednisona, sendo, após, tratados da mesma forma que os pacientes com doença moderada a
grave. Deve ser considerada a associação de azatioprina ou metotrexato nestes pacientes,
especialmente naqueles com recaída precoce. Não há estudos controlados avaliando o uso de
infliximabe ou adalimumabe nesta situação. Também não existem estudos controlados com
ciclosporina para pacientes com DC, embora devido à gravidade do quadro, baseados em
estudos não controlados, autores recomendam o uso de ciclosporina endovenosa nesta
situação como meio de evitar ou retardar a necessidade de um procedimento cirúrgico urgente
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
4.3 EFEITOS SISTÊMICOS DA CORTICOTERAPIA PROLONGADA
O uso crônico de glicocorticóides ainda que apenas tópico, associa-se a efeitos
colaterais sistêmicos significativos. Citam-se inibição do crescimento (quando utilizado na
infância) acne, moon face (face em forma de lua cheia), hisurtismo, estrias, catarata
subcapsular posterior, necrose asséptica da cabeça do fêmur, colapso vertebral, hipertensão
arterial, depressão, efeito sobre o metabolismo intermediário de glicídios, lipídeos e protídeos,
efeitos no balanço hidroeletrolítico, efeito no sistema reprodutor, efeitos oculares e sobre o
sistema nervoso central.
4.3.1 Metabolismo intermediário de glicídios
O excesso de glicocorticóides produz, habitualmente, uma tendência à diminuição da
tolerância aos carboidratos, podendo, em alguns casos, resultar em hiperglicemia de jejum. A
intensidade desse distúrbio depende tanto da reserva pancreática de insulina como do grau de
ativação da gliconeogênese hepática, resultado da combinação de maior atividade da cascata
enzimática (fosfoenolpiruvato carboxiquinase e glicose-6-fosfatase), do maior afluxo de
substratos periféricos (aminoácidos - principalmente alanina -, glicerol e lactato) e da
habilidade de outros hormônios (especialmente glucagon e catecolaminas) em estimular este
processo (ROCHA et al, 1998).
31
A presença de resistência insulínica, contribuindo para a redução da tolerância aos
carboidratos, é documentada pela elevação dos níveis de insulina basal e estimulada,
resultando, a longo prazo, em hiperplasia das células β pancreáticas (ROCHA et al, 1998).
4.3.2 Metabolismo intermediário de lipídios
A distribuição característica de gordura em pacientes fazendo uso crônico de
glicocorticóides é quase constante e decorrente da perda de tecido celular subcutâneo de modo
diferenciado (redução nas extremidades e acúmulo na região central). A causa dessa
heterogeneidade na distribuição da gordura corporal deve-se, provavelmente, à variabilidade
dos tecidos em responder tanto à ação catabólica dos glicocorticóides como anabólica da
insulina (ROCHA et al, 1998).
A alteração lipídica mais freqüentemente observada no hipercortisolismo é a elevação
de lipoproteínas de baixa densidade (VLDL E LDL), tendo como conseqüência um
incremento dos níveis séricos de colesterol e triglicerídeos. A razão é multifatorial, sendo as
causas mais observadas a influência na síntese do VLDL, a produção aumentada de ácidos
graxos e a ativação da lípase endotelial hepática (ROCHA et al, 1998).
4.3.3 Metabolismo intermediário de protídeos
A síntese protéica encontra-se reduzida durante o uso crônico de glicocorticóides,
sendo observado um balanço nitrogenado negativo constante. A influência sobre a síntese de
proteínas decorre da sua ação sobre a expressão do RNA e DNA celulares: há um aumento da
síntese hepática de RNA e inibição da sua produção periférica, enquanto ocorre uma
acentuada degradação periférica do DNA (ROCHA et al, 1998).
32
4.3.4 Efeitos do balanço hidroeletrolítico
4.3.4.1 Cálcio
O metabolismo do cálcio é alterado pelos glicocorticóides em diferentes sítios, como o
intestino, rins e unidades de remodelação óssea. No intestino, a influência mais evidente é a
diminuição da sua absorção. Um dos mecanismos responsáveis é a inibição do transporte
ativo celular, justificado, por diminuição da síntese de proteínas ligadoras do cálcio,
diminuição de cálcio pela mitocôndria, e estimulação da bomba de sódio e potássio (ROCHA
et al, 1998).
De modo semelhante, a corticoterapia influencia negativamente o metabolismo do
cálcio em nível renal. Inicialmente, os glicocorticóides aumentam a excreção urinária de
cálcio, provavelmente, devido à redução da sua reabsorção tubular renal. Essa ação se deve à
maior carga filtrada de cálcio (devido ao aumento da reabsorção óssea ou ao efeito
vasodilatador dos glicocorticóides, levando ao aumento do fluxo renal sanguíneo e da taxa de
filtração glomerular) ou a uma redução das proteínas ligadoras de cálcio, dependente de
vitamina D, presentes nas células tubulares. Esse efeito renal associado ao intestinal induzirá,
conseqüentemente, ao hiperparatiroidismo secundário (ROCHA et al, 1998).
Em relação à unidade de remodelação óssea, tem-se demonstrado ação tanto na
reabsorção quanto na formação. Quanto à formação, nota-se uma redução óssea de 30%, da
quantidade de osso reposto em cada ciclo da formação de cálcio, justificada pela diminuição
da vida média de osteoblastos ativos, devido à ação inibitória dos corticoesteróides na
replicação e diferenciação dos mesmos (ROCHA et al, 1998).
Além dos efeitos diretos dos glicocorticóides na remodelação óssea, observa-se
também um efeito indireto não menos importante, que ocorre devido à sua ação nos eixos
hipotálamo-hípofise-adrenal e gonodal. Os hormônios sexuais são reguladores da
remodulação óssea. Assim, por serem bloqueadores da hipófise, tanto na resposta do LH ao
estimulo pelo LHRH, como do ACTH ao CRH, reduzindo a produção de hormônios sexuais,
tanto feminino quanto masculino (ROCHA et al, 1998).
33
4.3.4.2 Sódio e potássio
Os glicocorticóides promovem aumento da excreção renal de sódio e água,
secundariamente ao estímulo da produção do peptídeo atrial natriurético e do aumento do
fluxo glomerular renal. Assim, a dexametasona, potente glicocorticóides sintético
praticamente sem atividade mineralocorticóide, produz natriurese acentuada, e na retenção de
sódio (ROCHA et al, 1998).
Doses elevadas de glicocorticóides produzem caliurese, resultado tanto da sua ação
mineralocorticóide como aumento transitório do fluxo plasmático renal. Apesar disso, as
concentrações plasmáticas de potássio encontram-se normais ou discretamente diminuídas,
uma vez que ocorre um contrabalanço pelo aumento do catabolismo protéico celular
(ROCHA et al, 1998).
A alcalose metabólica, associada ao uso de glicocorticóides, resulta da elevada
excreção renal, mas com mínima alteração do pH urinário, devido à estimulação da excreção
de fosfatos (por bloqueio na reabsorção), e de amônia (por aumento na produção) (ROCHA et
al, 1998).
4.3.5 Efeitos na pressão arterial
A hipertensão arterial é encontrada em 70-80% dos pacientes com síndrome de
Cushing endógena, mas, em menos de 20% daqueles em uso crônico de glicocorticóides. O
aumento da atividade vascular é decorrente da ação de glicocorticóides na musculatura lisa
vascular e nas células endoteliais aumentando a ação de substâncias vasoativas, especialmente
catecolaminas e reduzindo a síntese e ação de sistemas vasodilatadores endógenos, o que,
somado a uma ação direta sobre a fibra cardíaca, resulta em elevação dos níveis pressóricos.
A redução da síntese das prostaglandinas (principais produtos do ácido araquidônico em veias
e artérias) --- potentes agentes vasodilatadores ---- é confirmada pelo achado da excreção
urinaria reduzida de prostaglandinas em pacientes sob corticoterapia prolongada, favorecendo
a prevalência de substância vasoconstritoras, como a angiotensina II e catecolaminas
(ROCHA et al, 1998).
34
Outro mecanismo envolvido na fisiopatologia da hipertensão arterial é o sistema
renina-angiotensina-aldosterona. Os glicocorticóides elevam os níveis de renina e estimulam a
produção hepática de seu subproduto (angiotensinogênio), produzindo uma aceleração na
reação de conversão de angiotensina I para angiotensina II, provocando uma elevação na
pressão arterial podendo inferir no tratamento com inibidores da enzima conversora da
angiotensina (ROCHA et al, 1998).
4.3.6 Efeitos no sistema imune
O uso crônico de glicocorticóides aumenta a frequência e a severidade dos processos
infecciosos/inflamatórios, devida a supressão das respostas imunológicas e inflamatórias.
Sabe-se pouco sobre a resposta imunológica da patologia do Crohn, mas sugere-se que
o hipercortisolismo iniba a resposta auto-imune contra os antígenos presentes nos tecidos
lesados. O fato de os glicocorticóides suprimirem a reação de leucócitos autólogos, sem afetar
a reação alogênica, é compatível com esta hipótese (ROCHA et al, 1998).
Os eventos das respostas inflamatórias são decorrentes da produção ou atividade de
agentes vasoativos do movimento de leucócitos e da função de células imunocompetentes no
local da inflamação, tais como macrófagos, linfócitos B e T, células polimorfonucleares,
mononucleares e liberação de prostaglandinas, cininas, interleucinas e proteases (como o fator
ativador de plasminogênio) (ROCHA et al, 1998).
A diminuição da síntese de prostaglandinas ocorre devido à ação da macrocortina, que
tem uma função inibitória sobre a fosfolipase A, sendo este efeito provocado pelos
glicocorticóides. Outro efeito encontrado na corticoterapia é o bloqueio da bradicinina, que
regula a síntese das prostaglandinas. Os esteróides presentes nos glicocorticóides bloqueiam
produção de histamina e substâncias que produzem anafilaxia, como os leucotrienos (ROCHA
et al, 1998).
A administração de glicocorticóides causa neutrofilia, devido à produção acelerada
pela medula óssea, meia-vida aumentada do fármaco e remarginalização reduzida. Por outro
lado, os glicocorticóides produzem linfocitopenia, monocitopenia e eosinopenia. As ações nos
linfócitos e monócitos ocorrem dentro de 4 a 6 horas após a administração do fármaco,
retornando à normalidade dentro de 24 a 48 horas e persistindo com a administração contínua
(ROCHA et al, 1998).
35
No local do processo inflamatório, ocorre redução dos níveis de leucócitos
polimorfonucleares, macrófagos e linfócitos. Isso ocorre devido ao fato de que os
glicocorticóides inibem o fator de plasminogênio, afetando o acúmulo dessas células no local
da lesão, sendo este o seu principal mecanismo de ação antinflamatória dos glicocorticóides
(ROCHA et al, 1998).
4.3.7 Efeitos no sistema reprodutor
Os efeitos inibitórios sobre este sistema são observados predominantemente com doses
elevadas dos glicocorticóides. A diminuição da concentração plasmática de testosterona
resulta da produção de LH e de ações diretas nos testículos, além de potencialização do
feedback negativo sobre a produção de gonadotrofinas. Nas mulheres, ocorrem: supressão dos
níveis plasmáticos basais de LH e após estímulo como LHRH (o que não ocorre com o FSH);
supressão da produção de estrogênios e progesterona; supressão da ovulação; e retardo no
início da puberdade. Entretanto, nas células adiposas, observa-se um aumento paradoxal dos
níveis de aromatase, induzindo a conversão de androgênio a estrogênios (ROCHA et al,
1998).
4.3.8 Efeitos em outros sistemas
A corticoterapia prolongada também causa efeitos sistêmicos no trato gastrintestinal,
oculares e sobre o sistema nervoso central. No trato gastrintestinal, induz a um aumento
discreto da produção de ácido clorídrico pela mucosa gástrica, mas não existe aumento na
incidência de úlceras pépticas. Exceto nos indivíduos recebendo, concomitantemente
antiinflamatórios não-esteródes (ROCHA et al, 1998).
Em indivíduos susceptíveis, o excesso de glicocorticóides eleva a pressão intra-ocular,
atuando provavelmente na drenagem trabecular do humor aquoso, particularmente em
pacientes com glaucoma do ângulo aberto. Altas doses por tempo prolongado podem
aumentar a ligação covalente dos esteróides às proteínas do cristalino, induzindo a formação
de catarata (ROCHA et al, 1998).
36
A barreira hematoencefálica tem sua permeabilidade modulada a uma série de
substâncias pelos glicocorticóides, o que possibilita o seu uso na terapia antiedema cerebral.
Varias alterações do humor são descritas no hipercortisolismo, os corticosteróides
podem interferir nas funções cerebrais basicamente através de dois mecanismos: interagindo
com o genoma e interagindo com as membranas celulares. Os corticosteróides atravessam
livremente as membranas celulares e, em neurônios que contêm receptores citoplasmáticos
esteróide-específicos, o CER penetra no núcleo celular. Então, o CER se liga a cromatina e
regula a transcrição de genes específicos. Esses eventos moleculares possivelmente são
importantes para se compreender os efeitos sobre o comportamento exercidos pelos
esteróides, já que neurônios que contêm receptores esteróide-específicos encontram-se
largamente concentrados no hipocampo, área septal e amígdala – partes do cérebro
intimamente envolvidas no comportamento, humor, aprendizado e memória (COWEN, 2002).
Tais situações podem ser evitadas com a co-administração de imunomodulares, como
o infliximab, que atuam como agentes poupadores de glicocorticóides, mas em curto prazo e
no contexto de DC ativa moderada a grave. Estas situações podem ser evitadas também na
indicação precoce de cirurgia nos casos refratários do tratamento clínico.
Os motivos para esta heterogeneidade de manifestações relacionam-se, provavelmente,
à farmacocinética ou às diferentes concentrações plasmáticas das proteínas transportadoras de
tais fármacos. Estas diferenças podem ser observadas, também, quando ocorrem alterações do
seu clearance metabólico, como:
a)
Diminuição encontrada em hepatopatias, nefropatias, terapia estrogênica, uso
de cetoconazol e alguns antiinflamatórios, e em idosos; ou
b)
Aceleração secundária ao uso de fenitoína, fenobarbital e rifampicina,
indutores de enzimas hepáticas de degradação dos glicocorticóides.
Variados esquemas terapêuticos têm sido propostos, com o intuito de minimizar os
efeitos deletérios associados ao seu uso continuado, o mais efetivo é o seu emprego em dias
alternados, atenuando significativamente a supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e a
redução da velocidade de crescimento linear em crianças. Apesar disso, no entanto, a
incidência de osteoporose não se mostra reduzida. É importante realçar que diferenças
37
observadas entre os vários esquemas posológicos dependem de fatores, como tipo e potência
do corticosteróide empregado, dose, horário de administração e duração do tratamento.
4.4 SÍNDROME DA RETIRADA
O uso terapêutico adequado dos glicocorticóides implica o conhecimento de situações
extremamente delicadas: os seus efeitos colaterais e a chamada síndrome da retirada, que
consiste em um conjunto de sinais e sintomas recorrentes da redução abrupta ou retirada total
dos glicocorticóides (ROCHA et al, 1998).
A introdução de glicocorticóides num determinado esquema terapêutico por um lado
implica os efeitos colaterais já descritos, por outro, a sua suspensão é potencialmente danosa
devido à possibilidade de ocorrer a insuficiência adrenocortical, que é um efeito deletério da
redução abrupta da produção de hormônios produzidos pela glândula adrenal (FINAMOR;
FINAMOR & MUCCIOLI, 2002).
A síndrome da retirada caracteriza-se por anorexia, letargia, náusea, artralgia,
fraqueza, perda de peso, descamação da pele e febre. Ela é marcada pela integridade do eixo
HHA (hipotálamo-hipófise-adrenal), além de se constatar a ausência de recrudescência da
doença de base (FINAMOR; FINAMOR & MUCCIOLI, 2002).
Os mecanismos responsáveis pela síndrome da retirada não são bem conhecidos.
Acredita-se que existam duas possibilidades. Primeiro, à variação da concentração sérica
devido à mudança abrupta de doses altas para baixas do fármaco, induzindo a insuficiência
adrenal. A outra é relativo grau de resistência aos glicocorticóides, causando um estado de
hipocortisolemia.
A síndrome da retirada pode ser classificada em quatro subtipos diferentes:

Tipo I: evidências clínicas e hormonais de supressão do eixo HHA,
demonstrada de maneira rigorosa;

Tipo II: recrudescência dos sintomas da doença de base para a qual a
corticoterapia foi instalada com resposta normal do eixo HHA;

Tipo III: presença dos sintomas característicos da síndrome, porém com
resposta normal do eixo HHA e sem recrudescência da doença de base, cujos
sintomas melhoram com administração de corticosteróide em doses discretas;
38

Tipo IV: presença confirmada de insuficiência do eixo HHA, porém sem
sintomas da síndrome ou da doença de base.
Deste modo, a situação clínica do paciente, no momento da retirada do corticosteróide,
é muito variável, dependendo do esquema e da duração da terapia medicamentosa (ROCHA
et al, 1998).
4.5 INTERAÇÕES ENTRE GLICOCORTICÓIDES E OUTROS FÁRMACOS
Apesar do reconhecimento dos efeitos benéficos dos glicocorticóides eles também são
conhecidos pelos inúmeros efeitos adversos. Vale ressaltar ainda as interações
medicamentosas visíveis principalmente em usuários crônicos, o que requer atenção especial
a esses pacientes, pois essas interações podem aumentar ou diminuir o efeito dos
glicocorticóides, conforme as principais listadas na tabela 3. Diversos fármacos podem
aumentar ou diminuir a ação farmacológica dos GC.
Devido a isso é necessário a intervenção de um profissional com conhecimento
farmacológico, capaz de abordar de maneira efetiva a conscientização do uso racional destes
fármacos, expondo os riscos de sua má utilização. No caso dos pacientes com a DC em uso da
corticoterapia se faz necessário que o farmacêutico ofereça um atendimento especial, para que
estes tenham clareza de seu tratamento, impedindo a não adesão.
39
FÁRMACO
INTERAÇÃO
CONSEQUÊNCIA
Fenitoína, barbitúricos,
Aceleram o metabolismo
Podem diminuir o efeito
carbamazepina, rifampicina
hepático dos GC
farmacológico
Antiácidos
Diminui a biodisponibilidade dos
Podem diminuir o efeito
GC
farmacológico
Insulina, hipoglicemiantes rais,
Têm suas necessidades
Alterações da glicemia,
anti-hipertensivos, medicações
aumentadas pelos GC
pressão arterial, pressão
intraocular
para glaucoma, hipnóticos,
antidepressivos
GC podem facilitar a
Pode haver acentuação da
toxicidade associada à
toxicidade digital devido à
hipocalemia
alteração eletrolítica
Estrogênios e contraceptivos
Aumentam a meia-vida dos GC
Aumenta o efeito farmacológico
Antiinfl amatórios não
Aumento da incidência de
Aumento da incidência de
esteróides
alterações gastrintestinais
úlcera
Vacinas e toxóides
Atenuam a resposta
Potencialização da replicação dos
Digitálicos (nahipocalemia)
microorganismo em vacina de
vírus vivos
Diuréticos depletadores de
Acentuação da hipocalemia
devido à hipocalemia
potássio
Salicilatos
Repercussão clínica
Diminuição dos níveis
Diminuição da eficácia do
plasmáticos
salicilato
Tabela 3 – Interação de diversos fármacos com os glicocorticóides.
Fonte: ANTI, S M; GIORGI, R D N; CHAHADE, W H; Antiinflamatórios hormonais: glicocorticoides.
Einstein. 2008; 6 (1): S159-S165.
40
5
METODOLOGIA
A presente revisão foi realizada a partir da busca de periódicos indexados e publicados
no período de 1999 a maio de 2010, em base de dados científicos ICAP, Scielo, Medline, a
partir das palavras-chave doença de Crohn, corticoterapia, reações adversas da corticoterapia,
glicocorticóides, ação terapêutica dos glicocorticóides. Também foram revisados livros e
periódicos disponíveis na biblioteca da UNIVALE, manuais de gastroenterologia e trabalhos
publicados em anais.
Para analisar o material encontrado foi realizada uma leitura horizontal do mesmo,
selecionando os conteúdos daqueles que abordaram mais especificamente o tema escolhido,
com fins de construir um referencial teórico sobre os riscos e benefícios da corticoterapia e
seus efeitos sistêmicos, quando em uso prolongado pelos indivíduos com DC.
41
6 CONCLUSÃO
Apesar de os glicocorticóides serem uma classe de fármacos reconhecidos pelos seus
efeitos benéficos, também são conhecidos pelos seus inúmeros efeitos adversos. Vale ressaltar
ainda as interações medicamentosas visíveis principalmente em usuários crônicos, o que
requer atenção especial a esses indivíduos com DC, pois essas interações podem aumentar ou
diminuir o efeito dos glicocorticóides.
O glicocorticóides tem seu papel na indução da remissão da inflamação em vários
graus de atividade inflamatória. Na atividade inflamatória leve a moderada é usado quando há
intolerância aos fármacos de primeira escolha, aminossalicilatos e antibióticos, e quando não
houve melhora clínica com estes. Na atividade inflamatória moderada a grave o
glicocorticóide é o fármaco de primeira escolha, e é usado até a a melhora dos sintomas e
retirado gradualmente. No estado grave a fulminante é utilizado na forma IV, devido a
gravidade dos sintomas, até a melhora dos sintomas e o reestabelecimento da via oral, em
seguida continua-se o tratamento da mesma forma que os indivíduos com doença moderada a
grave.
Os glicocorticóides não devem ser usados na manutenção da remissão devido ao seu
potencial em causar efeitos adveros sistêmicos significantes, principalmente pela supressão do
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e a redução da velocidade de crescimento linear em
ciranças. Na manutenção é indicado o uso de aminossalicitatos e imunomoduladores. É
improvável que pacientes que necessitem do uso de corticóides para induzir a remissão
permaneça assintomático por mais de um ano sem tratamento de manutenção. Nos pacientes
corticodependentes, deve-se considerar o uso de metotrexato ou azatioprina Para pacientes
que entraram em remissão com o uso de metotrexato, pode-se manter esse fármaco.
Por ser um fármaco com grande potência antiinflamatória e causar efeitos adversos, é
necessária a monitorização dos indivíduos com DC por profissionais com conhecimento
farmacológico capaz de abordar de maneira efetiva a conscientização do uso racional destes
fármacos, expondo os riscos de sua má utilização sendo o ideal a inclusão de um profissional
farmacêutico na participação deste tratamento.
42
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