INSTITUTO A VEZ DO MESTRE UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES MARIA CLARA ESPELLET SOARES O BRASIL NA LIGA DAS NAÇÕES: A HISTÓRIA, O DIREITO E A DIPLOMACIA Rio de Janeiro 2011 1 MARIA CLARA ESPELLET SOARES O BRASIL NA LIGA DAS NAÇÕES: A HISTÓRIA, O DIREITO E A DIPLOMACIA Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Cândido Mendes – Instituto A Vez do Mestre como requisito para a obtenção do grau de pós-graduação em Direito Internacional e Direitos humanos. Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2011 2 RESUMO O trabalho aborda a condução da política externa brasileira na Liga das Nações, a partir de um posicionamento baseado no direito, perspectivas históricas das relações internacionais e o modelo interativo. Procura compreender as atitudes do Brasil diante de uma Nova Ordem Internacional que, pela primeira vez, estabelecia juridicamente o que seria um Tratado no qual os Estados se comprometiam a cooperar uns com os outros a fim de evitar futuros conflitos. As percepções e estratégias diplomáticas da diplomacia brasileira bem como o comportamento das grandes potências com relação à Liga e seus princípios são considerados neste trabalho. Palavras-chave: Política Externa Brasileira. Modelo Interativo. Direito. Perspectivas Históricas das Relações Internacionais. Nova Ordem Internacional 3 ABSTRACT This work analyses the Brazilian foreign policy in the League of Nations from a legal position, International Affair´s historical perspectives and an interactive model. It tries to comprehend the attitudes of Brazil towards a New International Order that, for the first time, established a juridical Treaty in which the States would compromise to cooperate with each other in order to avoid future conflicts. The perceptions and diplomatic strategies of the Brazilian diplomacy as well as the behavior of the great countries towards the League and its principles are considered in this work. Keywords: Brazilian Foreign Policy.International Affair´s Historical Perspectives. Interactive Model. New International Order 4 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................6 2 A LIGA DAS NAÇÕES.........................................................................................................8 2.1 O CENÁRIO INTERNACIONAL NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL......................8 2.2 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE DAS NAÇÕES.........................................................12 2.3 A LIGA NO MUNDO........................................................................................................16 3 O DIREITO, AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E A POLÍTICA EXTERNA.....22 3.1 A ORDEM JURÍDICA NA SOCIEDADE INTERNACIONAL.....................................22 3.2 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS.................... 23 3.3 O MODELO INTERATIVO COMO ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA................ 26 4 O BRASIL NA LIGA: CONDICIONANTES DA SUA RETIRADA......................... 29 4.1 REIVINDICAÇÕES DO BRASIL.................................................................................. 29 4.2 PROCESSO DECISÓRIO E RETIRADA DA LIGA...................................................... 35 5 CONCLUSÃO....................................................................................................................41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 43 5 INTRODUÇÃO Em 1914 o cenário internacional caracterizava-se por rivalidades e tensões entre potências européias, o que levaria o mundo a um conflito armado. A Grande Guerra extenuaria de tal forma as forças dos países nela envolvidos que solaparia a necessidade de se criar uma organização onde a vontade e o poder de alguns países não mais imperariam, mas sim o respeito à integridade territorial de todos os Estados. Assim, em 1919, na Conferência de Paz de Paris, criou-se a Liga das Nações. Um fórum multilateral, uma organização de Estados democráticos no qual o Sistema de Segurança Coletiva tomaria o lugar do balanço de poder. O Sistema de Segurança Coletiva modificaria as normas de intervenção, subordinando a decisão do Estado de usar a força somente perante uma autorização internacional que, certamente, seria delineada por um tratado multilateral e interpretada por uma organização internacional. A Liga das Nações foi uma tentativa ambiciosa de se criar uma associação permanente de Estados, destinada a preservar a paz e a assegurar o cumprimento das normas de direito internacional. O Brasil esteve presente na Conferência de Paz de Paris, em 1919, e aderiu como membro fundador a uma organização que nascia de uma concepção nova, um fórum multilateral sob o nome de Liga das Nações. O governo de Epitácio Pessoa foi fiel à Liga, apesar da ausência norte-americana, devido ao prestígio que o Brasil nela desfrutava como membro temporário do Conselho. Seguindo a política de seu antecessor, procurando elevar o status internacional do país, o governo de Arthur Bernardes traçou como meta prioritária de política externa: a conquista de um assento permanente no Conselho. Esforços não foram medidos para que este objetivo fosse alcançado. Mas estes esforços não impediram as potências européias de tentar 6 fazer implementar o que havia sido acordado em Locarno com relação à pacificação dos ânimos da Europa através da incorporação da Alemanha no quadro político regional. A Alemanha seria dada um assento permanente no Conselho, mas o Brasil, por não ter suas pretensões satisfeitas, vetaria esta proposta, em março de 1926. Em junho deste mesmo ano, o Brasil notificaria o seu afastamento da organização, pois no seu entender ela havia se desvirtuado de seu caráter universal já que não teria sido capaz de manter a liberdade e territorialidade dos Estados e haveria privilegiado os interesses das grandes potências européias. Este trabalho tem por objetivo discutir a conduta do Brasil em Genebra, se houve ou não alguma má percepção de nossa diplomacia com relação à Liga. Para tal, recorre-se a análise dos fatos considerados essenciais para o seu entendimento. Com base em fontes históricas e perspectivas teóricas procura-se interpretar a natureza, as motivações, os interesses e os fins da participação brasileira na Liga bem como da própria Liga que, como foro multilateral, supostamente, estaria imbuída de desenvolver uma política de cooperação entre os Estados. 7 A LIGA DAS NAÇÕES 2.1 O CENÁRIO INTERNACIONAL NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL No plano das vicissitudes históricas, os movimentos que procuraram reverter à ordem política moderna do Ancien Régime, representados pela Revolução Francesa (1789), tiveram por contraponto a expansão napoleônica, que procurou conformar uma Europa unificada pelo império. À derrota de Napoleão em Waterloo (1814), seguiu-se o Congresso de Viena (1815) que, congregando as antigas potências, procurou redesenhar o mapa político europeu pela restauração do poder dinástico. A restauração, informada pelo princípio da legitimidade que havia sido defendido de forma enfática pelo austríaco Metternich em Viena, está na origem do concerto europeu, um longo período de paz construído tendo por vértice o mecanismo de balança de poder. A ordem do concerto europeu, centrada no funcionamento da balança de poder entre as superpotências da época, apresentava-se como resultado de uma intensa atividade diplomática, cuja finalidade era impedir o surgimento de pretensões hegemônicas através da constituição de um sistema de alianças. Por esta razão pode-se dizer que a ordem do concerto europeu tinha uma natureza fundamentalmente político-diplomática, em que a regra de direito internacional poderia ou não ser respeitada conforme os interesses das partes envolvidas. (Sanches, 2002, p.9/10) Entre 1876 e 1915, segundo Hobsbawn em a Era dos Impérios, cerca de um quarto do mundo encontrava-se distribuído ou redistribuído como colônia entre meia dúzia de Estados. A Grã- Bretanha aumentou seus territórios assim como a França, a Alemanha, a Bélgica e a Itália. Este período caracterizou-se como a era imperialista. Para Hobsbawn, o fator econômico era fundamental, pois havia formado uma rede cada vez mais densa, envolvendo países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Um exemplo disso seria o 8 desenvolvimento tecnológico que precisava de matérias-primas que só seriam encontradas em lugares remotos: petróleo no Oriente Médio, cobre no Chile, borracha na Amazônia e assim por diante. A expansão imperial também foi utilizada para diminuir o descontentamento interno por meio de avanço econômico ou reforma social. Na Alemanha, por exemplo, entendeu-se que o surgimento do imperialismo foi explicado em termos da “primazia da política interna”. As massas legitimavam o sistema. No início do século XX as tensões entre as potências imperialistas aumentaram sensivelmente devido à disputa por áreas coloniais provocando profundas divergências e rivalidades. (Hobsbawn, 1987, p. 88/95/105/115) Em 1914, segundo Hobsbawn, em seu livro A Era dos Extremos, o cenário internacional, era de rivalidades e tensões entre potências européias, deflagrando, assim, um conflito armado que levaria a guerra total, a tríplice aliança de França, Grã-Bretanha e Rússia de um lado e as chamadas potências centrais Alemanha e Austria-Hungria, do outro, com a Sérvia e a Bélgica sendo arrastadas para um dos lados devido ao ataque austríaco a primeira e o ataque alemão à segunda. A Turquia e a Bulgária logo se juntaram às potências centrais enquanto que do outro lado, o da tríplice aliança, se avolumava uma coalizão bastante grande. Países como Itália, Portugal, Grécia, Romênia e Japão. Os Estados Unidos entraram em 1917. E foram decisivos em sua intervenção, fortalecendo os países da tríplice aliança, atingindo assim a vitória, derrotando a Alemanha e o império Austro-Húngaro. (Hobsbawn, 1995, p.32). O plano alemão era liquidar a França no ocidente e depois partir para liquidar a Rússia no oriente antes que o Czar pudesse por em ação todo o seu potencial militar humano. O plano alemão quase deu certo. O exército alemão avançou sobre a França, atravessando a Bélgica neutra e só foi detido alguns quilômetros a leste de Paris. Em seguida recuou um pouco e os dois lados – os franceses ajudados pelo que restava dos belgas e por uma força de terra britânica que logo cresceria enormemente - improvisaram linhas paralelas de trincheiras e fortificações defensivas que se estenderam do Canal em Flandres até a fronteira suíça, 9 deixando grande parte da França oriental e da Bélgica sob ocupação alemã. Nos três anos que se seguiram não houve mudanças significativas de posição. Essa era a “Frente Ocidental”, que se tornou uma máquina de massacre provavelmente sem precedentes na história da guerra. Não surpreende que na memória dos britânicos e franceses, esta tenha sido a pior de todas as guerras. Os franceses perderam mais de 20% de seus homens em idade militar, não muito mais de um terço dos soldados franceses saiu da guerra incólume. (Hobsbawn, 1995, p. 33). Os britânicos perderam uma geração – meio milhão de homens com menos de 30 anos. Um quarto dos alunos de Oxford e Cambridge com menos de 25 anos que serviam no exército britânico em 1914, foi morto. (Winter, 1986, p. 83 e 98). Os alemães, embora contassem com mais mortes que os franceses perderam apenas uma pequena proporção de seu contingente militar. Mesmo as baixas aparentemente modestas dos Estados Unidos (116 mil, contra 1.6 milhões de franceses, quase 800.000 britânicos e 1.8 milhão de alemães) demonstram a natureza assassina da Frente Ocidental, a única em que estes lutaram. Enquanto a Frente Ocidental permanecia num impasse sangrento, a Frente Oriental continuava em movimento. Os alemães pulverizaram a força de invasão russa na batalha de Tannenberg, no primeiro mês da guerra, e depois, com a ajuda efetiva dos austríacos, empurraram a Rússia para fora da Polônia. Apesar das ofensivas russas estava claro que as Potências Centrais tinham o domínio e que os russos travavam uma ação defensiva de retaguarda contra o avanço alemão. Nos Bálcãs, as Potências Centrais tinham o controle. Os beligerantes locais, Sérvia e Romênia, sofreram de longe as maiores perdas militares. Os aliados, apesar de ocuparem a Grécia, não fizeram grandes progressos até o colapso das Potências Centrais em 1918. O plano dos italianos de abrir uma frente contra a Áustria- Hungria fracassou, pois os soldados italianos não viam qualquer razão em lutar por 10 um país que não consideravam seu e cuja língua poucos sabiam falar. Tiveram de ser reforçados por transferências de outros exércitos aliados. Enquanto isso, França, Grã-Bretanha e Alemanha sangravam até a morte na Frente Ocidental, a Rússia se via cada vez mais desestabilizada pela guerra que estava perdendo e o império austro-húngaro caminhava para o desmoronamento que, embora fosse desejado pelas frentes nacionalistas locais provocava a resignação dos ministros das Relações Exteriores aliados que previam, com a razão, a desestabilização do continente europeu. Era necessário, crucial que a vitória fosse alcançada, os dois lados, então, tentaram vencer pela tecnologia. Os alemães, fortes em química, levaram o gás venenoso para o campo de batalha, o que se mostrou ao mesmo tempo bárbaro e ineficaz, ocasionando o único caso autêntico de repulsa humanitária governamental a um meio de fazer a guerra. Os britânicos introduziram os chamados Tanques, mas seus generais, não muito brilhantes não souberam como usá-los. Ambos os lados usaram aeroplanos que também, não foram de muita eficácia. A única arma que teve um efeito importante na guerra foi o submarino, pois os dois lados, incapazes de derrotar os soldados um do outro, decidiram matar de fome os civis do adversário. Como todos os suprimentos da Grã-Bretanha eram transportados por mar, parecia possível estrangular as ilhas britânicas mediante uma guerra submarina contra os navios. A campanha chegou perto do êxito em 1917 não fosse o fato de que arrastou de maneira decisiva os Estados Unidos para a luta. A força e superioridade do exército alemão poderia ter se mostrado decisiva a partir de 1917 se os aliados não tivessem podido valer-se dos recursos, praticamente ilimitados, dos EUA. (Hobsbawn, 1995, p. 34-36) Segundo Hobsbawn (1995, p. 37) “a Primeira Guerra foi travada por metas ilimitadas, pois tanto a Alemanha como a Grã-Bretanha perseguiam uma política e posição marítima globais.”. 11 Assim em 1918, com o fim da guerra, o quadro era devastador. Uma Europa que um dia fora estável, liberal e burguesa encontrava-se esgotada. A vitória total, ratificada por uma paz punitiva, onde uma Alemanha, humilhada, não teve outra saída a não ser aceitar as condições de rendição impostas pelos países vitoriosos, trazia incertezas quanto ao futuro e estabilidade do continente europeu. A assinatura da rendição alemã , em 11 de novembro de 1918 , pôs fim à Grande Guerra e abriu o caminho para o processo de negociações dos termos de paz. (Hobsbawn, 1995, p. 40). Segundo Garcia (2005, p. 27): Tendo em vista a destruição e o sofrimento causados, a atmosfera do momento era de alívio e de esperança em dias melhores, na crença de que, segundo Edward Carr em seu livro Vinte anos de crise, aquela tinha sido “a guerra para acabar com todas as guerras” e que o despertar da opinião pública para os assuntos internacionais seria o prenúncio de uma nova era de relações pacíficas entre os povos. Em síntese, O Congresso de Viena (1815) procurou redesenhar o mapa político europeu pela restauração do poder dinástico sendo que sua ordem era centrada no funcionamento da balança de poder entre as superpotências da época. A finalidade era impedir o surgimento de pretensões hegemônicas através da constituição de um sistema de alianças. Porém entre 1876 e 1915 as grandes potências européias, tais como: Grã-Bretanha, França, Bélgica, Itália e Alemanha, aumentaram seus territórios alegando motivos econômicos e no caso da Alemanha o surgimento do imperialismo foi explicado em termos da primazia da política interna. Desta forma chegamos a 1914 onde o cenário internacional era de rivalidades e tensões entre potências européias, deflagrando, assim, um conflito armado que levaria a guerra total. 12 A Grande Guerra extenuou de tal forma os países nela envolvidos que solapou a necessidade de se criar uma organização onde não mais imperasse a vontade e o poder de alguns países, mas sim o respeito à integridade territorial de todos os Estados. 2.2 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE DAS NAÇÕES O pensamento sobre relações internacionais no final da grande guerra teve impacto no que tange à necessidade de se construir um projeto que evitasse a repetição dos eventos de 1914. Ademais, a Revolução Bolchevique de 1917, levou as lideranças européias e norte-americanas a buscar a institucionalização de uma ordem internacional que se contrapusesse às propostas de redefinição das relações internacionais presentes no ideário marxista-leninista. A figura do presidente norte-americano Woodrow Wilson tornou-se paradigmática como representante da aplicação do pensamento liberal às relações internacionais. Ao final da Primeira Guerra, Wilson fez o seu famoso discurso, dirigido ao Senado norte-americano, em 22 de janeiro de 1918, propondo quatorze princípios para garantir a paz. O décimo quarto ponto refere-se à criação da Liga das Nações, que garantiria a independência e a integridade territorial de todos os Estados. O sistema da segurança coletiva tomaria o lugar do balanço de poder, então desacreditado. Segundo o presidente, o balanço de poder seria substituído por uma comunidade de poder e as rivalidades organizadas por uma paz comum organizada. Em sua visão a Liga seria uma organização de Estados democráticos, introduzindo de forma pioneira na arena política internacional a associação entre paz e regimes políticos democráticos. A opinião pública é vista como depositária da racionalidade, do bom senso que poderia evitar a guerra. A crescente hegemonia norte-americana permitiu aliar a idéia de ordem internacional e a legitimidade do Estado liberal-democrático. O 13 princípio da autodeterminação era, para Wilson, um corolário da defesa do Estado liberaldemocrático. (Hertz, p.84-86) A Conferência de Paz que pôs fim à Primeira Guerra Mundial adotou, em 28 de Abril de 1919, o projeto que criou a Sociedade das Nações, também conhecida como Liga das Nações. É importante ressaltar que o Pacto da Liga não vedou formalmente a guerra, mas, sim, limitou-se a fazer dela uma segunda alternativa a ser idealmente preterida e não uma opção legítima desde o seu primeiro momento. Dispunha seu artigo 12: “Todos os membros da Sociedade concordam em que, se entre eles surgir controvérsia suscetível de produzir ruptura, submeterão o caso seja ao processo da arbitragem ou à solução judiciária, seja ao exame do Conselho. Concordam também em que não deverão, em caso algum, recorrer à guerra antes da expiração do prazo de 3 meses após a decisão arbitral ou judiciária, ou o relatório do Conselho”. (Rezek, F. p.376) Tem-se, pela primeira vez, uma organização internacional incumbida de manter a paz através de mecanismos jurídicos cujo princípio de segurança coletiva substituía o velho equilíbrio de poder. O Sistema de Segurança Coletiva modificaria as normas de intervenção, subordinando a decisão do Estado de usar a força à autorização internacional, que um tratado multilateral delinearia e uma organização internacional interpretaria. O direito de autodefesa seria permitido, mas as demais decisões sobre o uso da força passariam a ser subordinadas ao compromisso internacional. Garantir a ordem internacional seria o motivo legítimo para ir à guerra. (Herz, p. 87) Segundo Seitenfus (2002, p. 91) “o fato da Liga estar localizada na Suíça permitiu que ela fosse contaminada por um espírito genebrino; imaginava-se que as relações internacionais poderiam vir a manifestar-se somente pela cooperação e boa vontade.” Portanto, para que tal objetivo pudesse ser alcançado o Pacto das Sociedades das Nações determinava que certas exigências fossem acatadas: aceitar certas obrigações de não recorrer à 14 guerra; manter abertamente relações internacionais fundadas sobre a justiça e a honra; observar rigorosamente as prescrições do direito internacional, reconhecidos doravante como norma efetiva de procedimentos dos governos; e fazer reinar a justiça e respeitar escrupulosamente todas as obrigações dos tratados nas relações mútuas dos povos organizados. Com a Sociedade das Nações, nasceu a fórmula institucional clássica das organizações internacionais. Copiada da organização moderna do Estado, ela será tripartite: Uma Assembléia, com representação plena e igualitária; um conselho restrito, espécie de executivo da organização; e um secretariado permanente. (Seitenfus, 2002, p.91/95). Na Assembléia, cada Estado, poderia contar com até três representantes e suas decisões, como as do Conselho, eram tomadas pela unanimidade dos membros representados na reunião. O Conselho contava, no seu início, com nove membros, cinco dos quais permanentes; Estados Unidos, França, Império Britânico, Itália e Japão. Os outros membros eram eleitos pela Assembléia, anualmente. O Pacto, a princípio, indicou a Bélgica, o Brasil, a Espanha e a Grécia. O Secretariado da Liga reunia, sob a conduta de um Secretário geral, o apoio administrativo e técnico da organização. Criou-se, também, uma Corte permanente de justiça internacional (CPJI) com sede em Haia, formada por quinze juízes, independentes de seus Estados nacionais, eleitos pela Assembléia segundo indicações do Conselho. (Whight, 2002, p. 206) Seitenfus (2002, p.89) afirma que: Com o surgimento da Liga, nasceu a esperança de se poder viver em um mundo onde a paz seria possível. Afinal, acreditava-se, estar sendo criada uma organização que se transformaria em algo fora e acima dos Estados, de caráter permanente, 15 baseada nos princípios da segurança coletiva e da igualdade entre Estados soberanos. Em suma, a Liga seria um fórum multilateral, uma organização de Estados democráticos onde o sistema de segurança coletiva tomaria o lugar do balanço de poder. O Sistema de Segurança Coletiva modificaria as normas de intervenção, subordinando a decisão do Estado de usar a força somente perante uma autorização internacional que seria delineada por um tratado multilateral e interpretada por uma organização internacional. 2.3 A LIGA NO MUNDO A Conferência de Paz de Versalhes impôs à Alemanha uma paz punitiva para mantê-la permanentemente enfraquecida. Isso foi conseguido não tanto por perdas territoriais, mas sim da privação desta de uma marinha e de uma força aérea efetivas; limitando-se seu exército a 100 mil homens; impondo-se reparações (pagamentos dos custos da guerra incorridos pelos vitoriosos) teoricamente infinitas; pela ocupação militar de parte da Alemanha Ocidental; e, não menos, privando-se a Alemanha de todas as suas colônias ultramar. Estas colônias foram redistribuídas entre os britânicos, franceses e em menor extensão aos japoneses. (Hobsbawn, 1995, p. 41) As atividades desenvolvidas pela Sociedade das Nações demonstraram que para que a paz pudesse ser mantida seriam necessários que fossem respeitados os tratados internacionais, principalmente as cláusulas negociadas em Versalhes. Deveriam também haver esforços no sentido de criar um clima de confiança capaz de reforçar a segurança das relações internacionais e, finalmente, deveria haver esforços no sentido de aumentar a cooperação internacional no campo da saúde, da cooperação técnica e laboral. (Seitenfus, 2002, p. 99) 16 Segundo Whight (2002, p.203) “aquilo, porém, que menos foi discutido foi, certamente, o assunto mais importante, ou seja, o novo equilíbrio de poder que constituía a base do Tratado e da Convenção.” A proposta de criação de um sistema de segurança coletiva representava uma ruptura com a lógica do balanço de poder que havia regido as relações entre as potências européias até então. O balanço de poder permitia a manutenção da ordem internacional na medida em que o sistema de alianças entre as potências evitava que um dos Estados representasse uma ameaça à soberania dos demais. O princípio organizacional do sistema seria assim preservado, ou seja, a soberania dos Estados territoriais. O projeto de segurança coletiva tinha objetivos mais ambiciosos, procurando lidar com a guerra como ameaça à ordem, percebida de forma restrita a existência de mecanismos de governança global regulamentando diferentes aspectos das relações internacionais. Enquanto o balanço de poder, mesmo o concerto europeu que o administrou durante uma parte do século XIX, continha um baixo grau de institucionalização, o sistema de segurança coletiva proposto ao final da Primeira Guerra Mundial teria um grau de institucionalização elevado, se inserido no projeto de criação da primeira organização internacional universal. O aparato organizacional criado deveria funcionar de forma constante e não ser acionado em momentos de crise. (Herz, p. 91) Segundo (Herz, p.96) “a recusa dos EUA a juntar-se à Liga das Nações privou-a de qualquer significado real.” Os Estados Unidos não aderiram à Liga como resultado de um conjunto de variáveis. O isolacionismo da maioria da comissão de negócios estrangeiros do Senado impediu que o Tratado de Versalhes fosse ratificado. Havia dois argumentos contra a participação norteamericana. Percebia-se uma contradição entre a obrigação de garantir a integridade territorial e independência de todos os membros da Liga e a defesa da soberania norte-americana. Além disso, o pacto não assegurava aos Estados Unidos o mesmo número de votos que o Império 17 Britânico (Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Índia). Embora a preocupação em garantir o status especial dos Estados Unidos, no hemisfério ocidental, também tenha sido um argumento contra a adesão norte-americana, o Pacto foi modificado, em uma tentativa de convencer os senadores, e há menção explícita à Doutrina Monroe. Aos Estados Unidos era atribuído o papel de protetor do hemisfério, mesmo havendo contradição entre a lógica da Liga e o reconhecimento de uma esfera de influência. Essa atribuição, de protetor do hemisfério ocidental, legitimando assim a Doutrina Monroe , criava uma zona de influência em que o sistema de segurança coletiva não funcionaria , podendo os Estados Unidos envolver-se em atividades militares em despeito aos princípios do Pacto. (Herz, p. 96) Num mundo não mais eurocentrado e eurodeterminado, nenhum acordo não endossado pelo o que era agora uma grande potência mundial podia se sustentar. Duas grandes potências européias estavam temporariamente não apenas eliminadas do jogo internacional, mas tidas como não existindo como jogadores independentes eram elas a Alemanha e a Rússia soviética. Assim que uma ou as duas reentrassem em cena, um acordo de paz baseado apenas na Grã-Bretanha e na França, pois a Itália também continuava insatisfeita, não poderia durar. Mais cedo ou mais tarde a Rússia ou a Alemanha, ou as duas, reapareceriam, inevitavelmente, como grandes jogadores. Qualquer chance que tivesse a paz foi torpedeada pela recusa das potências vitoriosas a reintegrar as vencidas. É verdade que a repressão total da Alemanha e a total proscrição da Rússia soviética logo se revelaram impossível já que os franceses, só de má vontade abandonaram a esperança de manter a Alemanha fraca e impotente e os britânicos queriam apenas esquecer o terror que para eles a guerra representou. Quanto à URSS, os Estados vencedores teriam preferido que não existisse chegando a descartar as ofertas das maiores concessões a investidores estrangeiros feitas por Lênin, desesperado por qualquer 18 forma de reiniciara economia quase destruída pela guerra, a revolução e a guerra civil. A Rússia soviética foi obrigada a desenvolver-se no isolamento, embora, para fins políticos, viesse a juntar-se com a Alemanha no início da década de 20. (Hobsbawn, 1995, p. 42 / 43) Na década de 20 havia um sentimento de euforia que tomava conta das relações internacionais parecia ser possível a consolidação da paz. Foram assinados tratados que objetivavam complementar o sistema. O Tratado de Locarno de 1925 visava a garantir a fronteira franco-germânica, belgo-germânica e a zona desmilitarizada da Renânia, por meio de um tratado entre Reino Unido, França e Alemanha. Finalmente, o ambicioso, mas ineficaz, Pacto Briand-Kellog de 1928 declarava a renúncia à guerra como instrumento da política externa. (Herz, p. 92) Segundo Seitenfus (2002 p.103): Com a queda da bolsa de Nova Iorque em 24 de Outubro de 1929 a economia capitalista entrou em profunda depressão. O crescente desemprego e a falta de perspectivas tornaram-se um fértil terreno para a demagogia e soluções radicais. Renasce o egoísmo nacional e com ele a tradicional diplomacia secreta. Reaparecem as forças do isolamento e do nacionalismo. Surge o nazismo na Alemanha e o militarismo expansionista no Japão. O fascismo na Itália recupera suas posições mais intransigentes. A Sociedade das Nações fica, então, desamparada perante esta nova e inesperada situação. Em 1931 o Japão ataca a província chinesa da Manchúria; em 1933 Hitler assume o poder e dota a Alemanha de importantes forças armadas e em 34 retoma os territórios de Sarre e Dantzig; e para finalizar a Itália em 34, sob o comando de Mussolini, ocupa a Etiópia. Em todas estas ocasiões as represálias da Liga foram pouco eficazes. A não-intervenção da SDN na guerra civil espanhola (1936-1938) quando ficou patente que tanto a Itália quanto a Alemanha auxiliavam as tropas franquezas, e a 19 impossibilidade de fazer frente à nova agressão do Japão à Manchúria (1937) tornaram evidente que a democracia que deveria ser enfatizada pela Liga estava sendo derrotada pelas ditaduras européias e asiáticas. (Seitenfus, 2002, p.107) Segundo Seitenfus (2002, p. 105) “a sociedade das Nações afastava-se, assim, de sua principal responsabilidade, o conceito de segurança coletiva apregoado por ela era apenas uma declaração vazia quando estavam envolvidas as grandes potências.” Era evidente que o mecanismo para impedir uma nova guerra mundial assegurado por um consórcio de grandes potências havia desmoronado. A alternativa, exortada a obstinados politiqueiros europeus pelo presidente Wilson, de estabelecer uma Liga das Nações que tudo abrangesse, e que solucionasse pacífica e democraticamente os problemas antes que se descontrolassem de preferência em negociação pública, pois a guerra também tornara suspeitos, como “diplomacia secreta”, os habituais e sensíveis processos de negociação internacional foram em grande parte uma reação contra os tratado secretos acertados entre os aliados durante a guerra, nos quais dividiram a Europa do pós-guerra e o Oriente - Médio com uma surpreendente falta de atenção pelos desejos, ou mesmo interesses, dos habitantes daquelas regiões. (Hobsbawm, 1995, p. 41). Segundo Seitenfus (2002, p.109) “a ausência dos Estados Unidos, aliado a incapacidade desta de tornar-se um órgão supranacional, o retorno da diplomacia secreta e o egoísmo dos Estados marcaram o fim da Liga das Nações”. Assim, na 21º Assembléia , em 18 de abril de 1946, pôs-se fim ao que se pode chamar de a primeira experiência de uma verdadeira organização internacional de caráter universal. (Seitenfus, 2002, p.109). Em suma, fatos como: a invasão do Japão a província chinesa da Manchúria em 1931, a retomada dos territórios de Sarre e Dantzig, em 1934, pela Alemanha, a ocupação da Etiópia pela Itália,em 1934, a não-intervenção na guerra civil espanhola (1936-1938) e a ausência dos Estados Unidos (percebia uma contradição entre a obrigação de garantir a 20 integridade territorial e independência de todos os membros da Liga e a defesa norteamericana), afastaram a Liga de sua principal responsabilidade, o conceito de segurança coletiva. Este conceito tornou-se uma declaração vazia devido ao envolvimento das grandes potências. A Liga não foi capaz de manter a liberdade e territorialidade dos Estados pelo simples fato de que os interesses das grandes potências, a mentalidade eurocêntrica tão presente no Concerto Europeu e a ausência dos Estados Unidos não permitiram que a organização desempenhasse o seu papel de Fórum multilateral, onde os Estados que dela fizessem parte exerceriam o princípio da igualdade e da segurança coletiva. 21 3. O DIREITO, AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E A POLÍTICA EXTERNA 3.1 A ORDEM JURÍDICA NA SOCIEDADE INTERNACIONAL Diferentemente dos Estados nacionais, a sociedade internacional é descentralizada, Uma autoridade superior garante a vigência da ordem jurídica no plano interno, subordinando compulsoriamente as proposições minoritárias à vontade da maioria, fazendo valer para todos, o acervo legislativo, as situações e atos jurídicos. No plano internacional os Estados se organizam horizontalmente, procedendo de acordo com as normas jurídicas consentidas por eles, não existe autoridade superior. ( Rezek, 1996,p.1) Para alguns autores realistas o direito internacional não é propriamente uma modalidade do direito, mas apenas afirmações morais. A ausência de poderes constituídos no sistema internacional impede a existência de uma ordem legal. Apesar das Organizações, da Corte Internacional de Justiça e do Conselho permanente, nenhum deles possui o poder ou legitimidade para fazer com que os Estados cumpram os acordos internacionais. (Barker, 200) Para Francisco Rezek (1996, p. 2), a ausência de hierarquia entre as normas de Direito Internacional, faz com que a política perpetue um dos princípios mais importantes desta ordem normativa, qual seja o da não intervenção, que caminha lado a lado do princípio da igualdade soberana. Enquanto na ordem interna as relações entre o Estado e os indivíduos se dão a partir da subordinação, na ordem jurídica internacional a relação entre os sujeitos de Direito Internacional se dá a partir de ações de coordenação, pautadas sempre pela intenção de não-intervenção e de reconhecimento de outros Estados como iguais. Determinante essencial do sistema internacional, a igualdade entre Estados foi admitida inicialmente como igualdade jurídica, de caráter formal, uma vez que é facilmente reconhecida a impossibilidade de se 22 garantir na sociedade internacional a determinação da igualdade material, ou seja, a igualdade de condições econômicas, sociais e culturais. Celso de Albuquerque Mello (2000, p. 141) afirma que, não estabelecendo igualdade de oportunidades para os Estados, a competição torna-se injusta, pois as condições de partida não são idênticas. Os Estados mais fracos invocam a igualdade soberana sempre que há possível ingerência de Estados mais poderosos em assuntos internos, ao mesmo tempo em que é reivindicada a desigualdade para que estes possam se proteger principalmente nas relações internacionais de caráter econômico. Assim, descortina-se nas relações internacionais uma igualdade que se situa no plano do desenvolvimento. O fim procurado parece ser mais uma igualdade de oportunidades para cada nação, o que supõe que a comunidade internacional forneça os meios adequados para que tal fim seja atingido. (SILVA, 1996, p. 69). 3.2 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS A institucionalização da disciplina de Relações Internacionais é relativamente recente, data do fim da Primeira Guerra Mundial. É relevante notar que o direito internacional é a área de conhecimento que mais se aproxima desta disciplina embora ela também seja composta por outras áreas do conhecimento, tais como história diplomática, economia e ciência política. (Halliday, 1999, p.22) A perspectiva histórica idealista das Relações Internacionais tem como preocupação central a liberdade do indivíduo. Os chamados direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade representam o fundamento filosófico mais importante das teorias liberais modernas, principalmente aquelas que defendem a idéia do contrato social. 23 Um dos problemas políticos mais importantes para os liberais diz respeito à construção de uma sociedade bem-ordenada que assegure aos indivíduos as melhores condições para o exercício de sua liberdade, pois isto produz um positivo resultado social. A idéia central aqui é a de que as sociedades bem-ordenadas são capazes de corrigir, por meio de instituições e processos inerentes a sua organização, bem como ineficiências e crises que ameacem sua existência Os liberais acreditam que a razão humana pode formular princípios filosóficos, morais e políticos que façam com que as instituições de uma sociedade atuem sempre no sentido do equilíbrio e da auto-regulação. Mais ainda, as sociedades bemordenadas são capazes de promover crescimento econômico e conseqüente aumento do bemestar coletivo. Uma conseqüência importante dessa visão é que o Estado passa a ser percebido como um mal necessário e uma ameaça potencial. Ele é necessário para proteger os indivíduos contra ameaças externas e contra grupos de indivíduos que, internamente não respeitem a lei. Do ponto de vista interno, o risco do exercício tirânico do poder sempre existe, ameaçando as liberdades individuais. Do ponto de vista externo, estão constantemente minando a paz e promovendo guerras. O problema está, portanto, na contradição sempre presente entre o dever de proteger os cidadãos contra inimigos externos e as conseqüências, freqüentemente nocivas às liberdades individuais, da promoção de conflitos armados. (Nogueira e Messari, 2005, p. 5961) Assim, Nogueira e Messari (2005, p. 61) afirmam que: Os liberais chegaram à conclusão de que o Estado de conflito potencial que caracteriza o sistema internacional é uma ameaça permanente no interior dos Estados. Daí a importância e a necessidade de fazer da promoção da paz mundial uma tarefa primordial da política externa de nações comprometidas com o bem-estar de seus cidadãos. 24 Uma das características que diferenciam a tradição liberal da realista é a nãoaceitação de que, a situação de conflito de interesses entre Estados devido à natureza anárquica do sistema internacional seja imutável. A crença no progresso estende-se às relações internacionais, afirmando a possibilidade de transformar o sistema de Estados em uma ordem mais cooperativa e harmoniosa. (Nogueira e Messari, 2005, p. 61) Nogueira e Messari (2005, p. 28) afirmam que: De uma forma geral, os realistas tomam o Estado como uma “caixa preta” e o encaixam dentro do que chamam de modelo da “bola de bilhar”. Isso os leva a abstrair os processos internos de tomada de decisão e as motivações políticas que levam os Estados a agir no plano internacional e a destacar exclusivamente a dinâmica da relação entre essas caixas ou essas bolas. Os realistas consideram que o Estado é um ator unitário e racional, o que quer dizer que o Estado age de maneira uniforme e homogênea e em defesa do interesse nacional. A racionalidade do ator se expressa na medida em que defende esse interesse nacional no nível internacional, procurando simultaneamente o menor custo e o maior benefício. Através desta racionalidade nega-se o componente político das decisões e destaca-se o consenso entre os atores internos em torno dos objetivos que o Estado deveria seguir. Nas relações internacionais, os realistas consideram que a segurança dos indivíduos só é mantida uma vez que a segurança do Estado do qual faz parte é mantida. Pode-se afirmar que os realistas consideram o poder como o elemento central da sua análise das relações internacionais. Uma das denominações da visão realista é precisamente realismo de poder. Várias definições de poder coexistem nas Relações Internacionais. Enquanto alguns autores definem o poder como a soma das capacidades do Estado em termos políticos, militares, econômicos e tecnológicos outros estabelecem uma 25 definição de poder em termos relativos, ao definirem o poder de um Estado não em relação a suas capacidades intrínsecas, mas sim em comparação com os demais Estados com os quais compete. (Nogueira e Messari, 2005, p. 28-29). 3.3 O MODELO INTERATIVO COMO ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA O modelo interativo, por sua vez, procura combinar as possibilidades analíticas dos enfoques realistas e idealistas e, ao mesmo tempo, superar suas principais deficiências. Reserva o âmbito da política externa à ação dos representantes do Estado, incluindo, contudo os determinantes domésticos da política externa: partidos, grupos de interesse, forças sociais, legisladores, além dos representantes do Executivo e arranjos institucionais. Ao incorporar a perspectiva da interação estratégica e os determinantes domésticos não apenas as preferências externas deixam de ser fixas como também o contexto externo. Seu maior rendimento analítico no estudo da política externa é garantir um papel específico para os representantes do Estado, sem pressupor o modelo do ator unitário, focalizando as interações do jogo diplomático no campo internacional e o jogo político interno. O enfoque interativo, como diz o próprio nome, enfatiza as interconexões da política internacional com a política doméstica. De acordo com Putnam, que formalizou esta interação com base no modelo dos jogos em dois níveis, o problema principal dos Executivos centrais consiste em encontrar uma estratégia de negociação que seja politicamente viável, simultaneamente, nas arenas externa e doméstica. Tal imperativo constitui, segundo ele, um dilema estratégico para os decisores, uma vez que movimentos que são racionais para o ator em um jogo, podem ser impolitic no outro. A lógica dos jogos em dois níveis é particularmente relevante em um mundo crescentemente interdependente de Estados democráticos. O decisor central age estrategicamente, procurando oportunidades para ganhos sinérgicos em ambos os jogos simultaneamente. É neste sentido que não se trata apenas de 26 uma teoria das fontes domésticas da política externa, uma vez que os decisores centrais agem com algum grau de autonomia. Finalmente, podemos dizer que, o enfoque interativo focaliza as escolhas dos decisores e suas estratégias de barganha, alcançando seu maior rendimento analítico no estudo de processos de negociação, bilateral ou multilateral. (Soares de Lima, p.1-2) Em suma, o idealismo visava construir um mundo melhor e para tal pregava reformas para a ordem nacional, ou seja, no setor doméstico, a difusão da democracia para todos os Estados e no setor internacional, o papel central das organizações internacionais, neste caso a Liga das Nações garantindo o entendimento e segurança dos Estados. A falha dessa perspectiva teórica para a paz, pois não conseguiu impedir as pretensões expansionistas das potências, expondo, assim a incapacidade da segurança coletiva da Liga, levou a construção e surgimento de uma nova perspectiva, o Realismo. Esta nova perspectiva teórica não só reconhecia o significado moral da ação política e que esta se apresentava governada por leis objetivas, cuja raiz encontrava-se na natureza humana, como também pressupunha que o conceito de interesse definido como poder era uma prerrogativa universal. Esta teoria foi, gradualmente, percebida como tradicional em excesso, dando espaço para que um modelo interativo se desenvolvesse, de forma a garantir a cooperação e segurança entre os Estados. O modelo interativo de política externa desenvolve uma interdependência entre os setores domésticos e internacionais tornando imprescindível a cooperação entre estes para que as relações ocorressem de forma a trazer o bem-estar para todos os atores envolvidos no processo. Portanto, enquanto idealistas buscam limitar a guerra por meio de acordos e organizações internacionais os realistas rotulam de utópicos aqueles que acreditam que o Direito Internacional possa regular e refrear a disputa de poder no sistema internacional 27 devido à ausência de um poder supranacional ocorre a procura por um novo modelo capaz de considerar as diferentes perspectivas sem desprezar o fato de que, tanto na esfera doméstica como na internacional o movimento deve ser sinérgico de forma que haja ganhos para todos. Por fim, este capítulo tem por objetivo trazer à tona a dificuldade que o Sistema Internacional encontra em legitimar o direito e promover a relação pacífica entre os Estados, considerando as diferentes correntes teóricas e a ausência de um poder centralizado. O Brasil como verão nos capítulos a seguir, alerta aos conceitos e perspectivas citadas acima se posiciona diante da Liga, exercendo seu poder de veto como membro do Conselho não permanente e lembrando os princípios pelos quais a organização foi criada. 28 4. O BRASIL NA LIGA: CONDICIONANTES DA SUA RETIRADA 4.1 – REIVINDICAÇÕES DO BRASIL Segundo Garcia (2005, p. 50): A ordem internacional que emergiu de Versalhes no que se refere à diplomacia, marcou-se pelo embate entre forças contrárias, entre o velho e o novo, entre a conservação e a mudança. O período entre guerras pode ser caracterizado como uma era de crises e inquietações nas relações internacionais, já agora ampliadas para a dimensão de um sistema global, mas ainda artificialmente centradas na política européia. A inserção do Brasil se dava em um contexto histórico profundamente alterado, repleto de dificuldades econômicas, disputas políticas e dissensões internas. Alguns traços marcaram a política externa brasileira na década de 1920: alinhamento com os Estados Unidos e tentativa do Brasil de estabelecer uma relação especial entre os dois países; busca de reconhecimento internacional e uso da diplomacia multilateral como instrumento para fortalecer o prestígio do País no exterior; continuidade do modelo econômico de valorização do café e de estímulo a agro exportação; e resistência às propostas de desarmamento, tema dominante na agenda mundial nos anos 20, em função da sensação de vulnerabilidade estratégica e de isolamento diplomático na América do Sul. A diplomacia brasileira na época era construída sobre o legado de dois expoentes da República Velha: o Barão do Rio Branco e Ruy Barbosa. Do Barão, homem pragmático, um executor mais do que um intelectual, permaneceu a idéia de aliança não escrita com os Estados Unidos e de restauração do status brasileiro no plano sub-regional. De Ruy Barbosa, mestre da retórica e acima de tudo um doutrinador, conservou-se a matriz universalista de seu 29 pensamento jurídico-liberal, cujas diretrizes se converteram pouco a pouco em princípios “tradicionais” que à política externa cabia cultivar e preservar no relacionamento internacional. Assim, as oligarquias dominantes conduziam as relações exteriores do País baseando-se a um só tempo em uma prática realista e em discurso idealista, tendo de recorrer às vezes a grandes malabarismos para não manchar de manifesta incoerência a reputação diplomática do Brasil no estrangeiro. (Garcia, 2005, p. 50,51) Breda dos Santos (2003, p. 88) afirma que: Em 1921, um representante britânico dizia que o grande interesse demonstrado pelos brasileiros com relação à Liga explicava-se não porque têm o menor conhecimento ou interesse pelos problemas europeus atuais, mas simplesmente porque a indicação de brasileiros notáveis para postos importantes no Conselho e na Corte Permanente de Justiça Internacional aumenta o orgulho nacional. De fato, se considerações de prestígio não são negligenciáveis para motivar a participação dos países latino-americanos na Liga das Nações, parece evidente que, no caso do Brasil, a busca do prestígio e a oportunidade que a Liga oferece para alcançá-lo não podem ser negligenciados. Por ter participado na Primeira Guerra Mundial junto aos Aliados, o Brasil torna-se membro fundador da liga, iniciando-se, assim, à prática do multilateralismo político e universal, e mais importante: é indicado para ocupar um dos quatro assentos não permanentes do Conselho no primeiro ano de funcionamento do órgão, 1920, sendo reeleito para ocupar o mesmo assento continuamente até 1925. (Santos, 2003, p. 88) A administração de José Félix Pacheco no Ministério das Relações Exteriores correspondeu ao mandato do presidente Arthur Bernardes, de 15 de novembro de 1922 até a mesma data em 1926. Marcou-se internamente pela situação de estado de sítio e externamente pelas gestões do Brasil para se tornar membro permanente do Conselho da Liga das Nações. 30 Enviado a Genebra em agosto, o embaixador Afrâneo de Melo Franco recebeu instruções de obter para o Brasil assento permanente no Conselho da Liga. Antes de partir, solicitou um estudo sobre a situação brasileira naquele órgão ao diplomata Júlio Barbosa Carneiro que assistira à assembléia. Em memorando a Melo Franco, Carneiro previu as dificuldades para as pretensões brasileiras, em razão da concorrência de outros países latinoamericanos. A IV Assembléia Geral da Liga realizou-se em setembro. Foram tratadas questões européias como as minorias alemãs na Polônia e grave incidente ocorrido entre a Itália e a Grécia. O governo de Mussolini ordenara o bombardeio e a ocupação da ilha de Corfu em represália ao assassinato, em território grego, de comissão italiana demarcadora de limites. O Brasil apoiou a ação italiana, mas a maioria dos países a condenou, o que levou o diplomata brasileiro Frederico Clark a alertar Félix Pacheco para a repercussão negativa da atitude tomada. O episódio não impediu, no entanto, que Epitácio Pessoa fosse eleito juiz da Corte Permanente de Justiça Internacional em substituição a Ruy Barbosa, que falecera sem que tivesse assumido o cargo. Em meados de setembro, Melo Franco sugeriu a Félix Pacheco que o país propusesse o aumento, em dois, do número de assentos permanentes do Conselho, destinando-os aos Estados Unidos e à Alemanha, em que seriam ocupados provisoriamente pelo Brasil e pela Espanha, até que aquelas duas grandes potências ingressassem na Liga. Consultado por Melo Franco sobre a idéia, Quiñones de Léon, afirmou que seu país não aceitaria um assento permanente para guardar lugar para a Alemanha. Melo Franco sugeriu, então, que a Espanha representasse o ramo dos países hispano-americanos. Antes que obtivesse instruções, enviou em 20 de setembro, carta confidencial aos representantes da Grã-Bretanha (Robert Cecil), da França (Léon Bourgeois) e da Suécia (Hjalmar Branting), em que defendeu a candidatura brasileira a assento permanente através 31 dos seguintes argumentos: o tamanho do país e de sua população, o volume de sua contribuição à Liga e a representação das Américas. Acrescentou que a ocupação de assentos temporários até a entrada dos Estados Unidos e da Alemanha permitiria a representação de dois grupos étnicos ibero-americanos no Conselho, um pela Espanha, em nome dos países que fizeram parte do grande império colonial, e outro pelo Brasil, a única nação de raça e língua portuguesas na América, e cuja população e território eram superiores aos de todos os outros países latino-americanos reunidos. (Melo, 2001, p. 66-70) Sem conseguir vencer a intransigente oposição britânica ao aumento no número de membros permanentes do Conselho, ao Brasil restou como consolo a opção de reeleger-se membro não permanente pelo voto da Assembléia, apesar das primeiras resistências latinoamericanas. O Brasil foi favorecido pela falta de um regulamento para a escolha dos membros temporários do Conselho, pois para que se definissem os critérios de eleição, era necessária a entrada em vigor da emenda ao Art.4 do Pacto da Liga. Essa emenda dependia da ratificação por parte da Espanha que, pretendendo manter o status quo na composição do Conselho, não o tinha feito até então. O Brasil teve, portanto, mais uma vez seu mandato renovado por um ano. Segundo Garcia (2005, p. 80) “A frustração no caso do assento permanente, no entanto, havia deixado claro que apenas a defesa retórica da candidatura brasileira não iria ser suficiente para atingir o objetivo colimado.” Nesse sentido Melo Franco foi enfático ao precaver Félix Pacheco, de que a pretensão do Brasil não teria êxito “senão mediante trabalho antecipado, metódico e enérgico junto às chancelarias.” Por fim, Melo Franco acabou por revelar uma das motivações básicas para a permanência do Brasil em Genebra ao admitir que sem lugar no Conselho Executivo não valia a pena o sacrifício da nossa presença na Liga das Nações. 32 O insucesso da campanha pelo assento permanente em 1923 serviu para desfazer as ilusões de uma vitória fácil logo na primeira tentativa. O governo Bernardes decidiu continuar investindo na meta que se propôs a realizar. Para tanto foi criada, em 13 de março de 1924, a Delegação Permanente do Brasil junto à Liga das Nações, com status de Embaixada, a primeira do gênero em Genebra. Afrâneo de Melo Franco foi nomeado chefe da Delegação, recebendo a função de embaixador especial do Brasil na Liga. A Delegação Permanente tinha por função acompanhar e participar das reuniões do Conselho, das Assembléias, dos organismos técnicos, das conferências internacionais, das comissões e do Secretariado da Liga. Desde o primeiro semestre de 1923 até meados de março de 1926 os representantes brasileiros foram chamados a apresentar relatórios sobre questões tais como: delimitação da fronteira entre a Tchecoslováquia e a Hungria; aquisição da nacionalidade polaca; pedido de incorporação à Liga feito pela União Internacional da Propriedade Construída; questão fronteiriça de Maritza entre Turquia e a Grécia; colonos de origem alemã na Polônia; e minorias na Estônia, Litania, Grécia, Polônia, Romênia e Turquia. Afrâneo de Melo Franco presidiu a 32ª sessão do Conselho em Roma de 8 a 13 de dezembro de 1924. Teve grande repercussão seu relatório sobre as minorias na Lituânia apresentado ao Conselho em setembro de 1925, ao qual agregou uma exposição doutrinária acerca do conceito histórico de minoria e a sua não-validade no continente americano. A atividade intensa da Delegação Permanente pode ser entendida em função do interesse do Brasil em angariar prestígio e aumentar a sua influência na Liga das Nações, o que contaria pontos a favor de sua candidatura a membro permanente do Conselho. O fardo dos compromissos e das obrigações contraídas junto á Liga seria compensado pela satisfação de assentar-se no Conselho ao lado das grandes potências na cidade de Genebra. (Garcia 2005, p. 80-87) 33 Em Locarno, no dia 16 de outubro de 1925, a Alemanha concluiu com GrãBretanha, França, Bélgica, Itália e Tchecoslováquia pactos de segurança mútua que seriam assinados, em Londres, no mês seguinte. Pelos documentos, o governo de Berlim concordara em entrar para a Liga das Nações, assumindo a obrigação de resolver litígios de forma pacífica. Melo Franco dirigiu-se, em novembro, a Paris, onde visitou o ministro do exterior da França, Aristides Briand. O embaixador brasileiro ouviu de Briand notícias positivas: a confirmação de que a Alemanha seria admitida e de que o governo francês proporia aumento do número dos membros permanentes para incluir o Brasil, a Espanha e a Polônia. No mesmo mês, porém, Melo Franco teve conhecimento de desenvolvimento negativo: representantes de países latino-americanos, em gestão coletiva no Quai d´Orsay, declararam-se contrários à criação de um assento permanente único para o continente americano, manifestando preferência por três novos assentos provisórios para a região. Ainda segundo Fernando Melo e Barreto Filho, no início de 1926, os acontecimentos relativos à composição do Conselho se precipitaram em razão da assinatura do Tratado de Locarno. A França propôs, em fevereiro, o ingresso da Polônia juntamente com a Alemanha como membro permanente do Conselho da Liga. A Grã-Bretanha opôs-se à proposta francesa, e a própria Alemanha declarou que desejava entrar sozinha, no que foi sustentada pela Suécia. A Espanha ameaçou vetar a entrada da Alemanha e retirar-se da Liga, caso ela insistisse em entrar sozinha. Félix Pacheco instruiu em Washington a buscar o apoio dos Estados Unidos, embora não fossem membros da Liga. O secretário de Estado Frank Kellogg explicou ao embaixador brasileiro em Washington, Silvino Gurgel do Amaral, que a Liga constituía tema delicado para seu governo e, embora demonstrando simpatia pelo pleito brasileiro, criticou abertamente a diplomacia arriscada por parte do Brasil. De forma profética, previu o ingresso 34 da Alemanha no conselho, o que poderia obrigar o Brasil a retirar-se de Genebra. (Melo, 2001, p.74). 4.2 O PROCESSO DECISÓRIO E RETIRADA DA LIGA Do Rio de Janeiro, Félix Pacheco e o Presidente Bernardes não se conformam com a exigência alemã de entrada exclusiva no conselho e consultam, então, Melo Franco sobre a possibilidade de, eventualmente, usar o direito de veto. O ministro afirma não acreditar ser possível impô-lo contra a Alemanha, mas sim na importância de preservar o pacto de Locarno no qual a humanidade colocou tanta esperança. .(Breda dos Santos, 2003, p. 96) A Alemanha rejeitava qualquer proposta de ampliação do quadro permanente do Conselho que contemplasse seu ingresso simultâneo com o da Polônia, da Espanha ou do Brasil. Acreditava-se que uma vez resolvido o caso da Polônia não seria difícil obter a anuência do Conselho, pois disso dependia a implementação dos Acordos de Locarno e poucos na Europa pensavam que um país ousaria atravancar esse processo. Contudo, alheios a essas combinações sigilosas, a Espanha e o Brasil exigiam que suas pretensões fossem satisfeitas, com uma diferença fundamental: a Espanha anunciava que poderia abandonar a Liga, ao passo que o Brasil ameaçava vetar realmente a entrada da Alemanha, já que a exigência de unanimidade nas decisões do Conselho, pela letra do Pacto, lhe dava essa prerrogativa. Diante dessa possibilidade, Austen Chamberlain chamou Régis de Oliveira para uma conversa particular e entregou-lhe um memorando que expunha o ponto de vista britânico. O documento alertava sobre os efeitos negativos que poderiam advir da atitude brasileira, inclusive sobre as relações íntimas entre o Brasil e a Grã-Bretanha em outros 35 assuntos. Em tom intimidativo, Chamberlain lembrou que haveria um grito universal de protesto e o Brasil não encontraria outra solução após o veto senão afastar-se da Liga das Nações, concluindo que uma nação que se divorciasse dela praticaria um suicídio em sua vida internacional. Em 12 de março, todos os membros do Conselho declararam votar pela Alemanha, quaisquer que fossem os sacrifícios, mas Melo Franco, obedecendo às instruções do próprio presidente da República, afirmou que não podia aliar-se à opinião de seus colegas. (Garcia, 2005, p.103) No dia 13 de março, uma nova solução é examinada: um membro temporário do Conselho poderia renunciar em favor da Polônia. A Suécia, querendo contribuir para a concretização dessa solução e disposta a mostrar-se desinteressada, comunica que deixaria o Conselho, cedendo seu lugar à Polônia. No dia seguinte, Stresemann propõe um novo compromisso, em um artigo publicado nos jornais de Genebra. Insiste sobre a exclusividade da entrada Alemã no Conselho e sobre o adiamento da questão da reorganização do órgão para o mês de setembro. Afirma que, uma vez membro da liga e membro permanente do Conselho, a Alemanha não colocaria obstáculos às decisões relativas à designação de novos membros do Conselho. A proposta sueca, feita na véspera, não é sequer mencionada. Ou seja, os representantes alemães, que em suas declarações oficiais afirmam nada ter contra a presença polonesa no Conselho, encontram-se em situação desconfortável, uma vez que não podem responder publicamente à oferta sueca. Para a Alemanha a sugestão da Suécia não poderia ser admitida, pois a composição política do Conselho seria modificada de maneira inaceitável já que um governo neutro seria substituído por outro ligado à pequena entente, aliança composta pela Iugoslávia, Tchecoslováquia e Romênia. Os representantes alemães propõem, então, que a Tchecoslováquia fosse também substituída no Conselho por um governo neutro. 36 Na reunião do Conselho de 15 de março, a Tchecoslováquia anuncia que estaria pronta a renunciar a seu assento ao mesmo tempo em que a Suécia para que a Alemanha pudesse dar finalmente seu consentimento. A magnanimidade do governo tchecoslovaco não se mostra, no entanto, suficiente para que se saia do impasse: Melo Franco declara que o Brasil mantém seu veto à admissão da Alemanha se não obtivesse também um assento permanente. A Grã-Bretanha e a França, então, em tentativa final de persuasão enviam com urgência a Petrópolis seus embaixadores no Brasil, a fim de que eles entreguem a Artur Bernardes uma nota conjunta de seus governos, a qual fazia um apelo à magnanimidade e à grandeza de alma do chefe de Estado brasileiro. A gestão fracassa. Na Europa, a opinião pública em geral condenou a atitude do Brasil, acusando-o de ter provocado o fracasso da Assembléia extraordinária em virtude de sua ambição nacional desmedida. Le Matin, de Paris, estampou na primeira página uma foto de Artur Bernardes, atribuindo a ele a responsabilidade do adiamento da entrada da Alemanha na Liga. O jornal londrino The Times descreveu Melo Franco como um diplomata franzino vindo de país distante, e que de repente surgia como desmancha-prazeres das grandes potências, também foi criticado pela imprensa européia, o que não aconteceu no Brasil, onde sua ação mereceu elogios mesmo por parte dos adversários políticos do governo. Nos Estados Unidos, diante da crise na Liga das Nações, a opinião pública manifestou certo contentamento pela abstenção norte-americana. Os jornais comentaram que a intransigência alemã e a sua derrota, causada pelo Brasil, serviriam para desprestigiar a Liga e afastá-la ainda mais dos Estados Unidos. (Santos, 2003, p. 99) Garcia (2005, p.113) afirma que: A crise de março de 1926 expôs a Liga a um choque com a realidade de poder que condicionava a política internacional no pós-guerra. Ao desentendimento entre as potências locarnistas juntou-se o antigo problema da regulamentação e da reforma 37 na composição do Conselho, pendente desde os primórdios da Liga, resultando no impasse diplomático que se viu. O Brasil, ao exercer uma prerrogativa que lhe era facultada pelo Pacto, colocou a ação das potências européias em dependência dos procedimentos legais de uma organização multilateral, e isso era, pelo menos, uma novidade em matéria de relações internacionais. Com a aproximação da 40ª sessão do Conselho, marcada para iniciar-se em 7 de junho de 1926, Artur Bernardes definiu qual deveria ser o passo seguinte do Brasil na Liga: renunciar ao seu assento temporário no Conselho, tão logo este abrisse a sua próxima sessão. No dia 12 de junho, Félix Pacheco telegrafou diretamente a Eric Drumond, notificando a retirada do Brasil da Liga das Nações. Melo Franco protestou junto ao presidente da República pelo fato de não ter sido consultado sobre essa inesperada decisão, já que as suas instruções eram para somente anunciar a renúncia no Conselho. Bernardes respondeu-lhe dizendo que essa deliberação tinha sido tomada depois de refletido exame da situação. A justificativa oficial do Itamaraty para a retirada brasileira da Liga das nações baseava-se na idéia de que a organização de Genebra tinha-se desviado de sua função universal para ser o instrumento subordinado de um grupo regional de países. A Delegação Permanente do Brasil junto à Liga das Nações foi extinta por decreto presidencial de 15 de julho de 1926. Permaneceu em Genebra somente um observador brasileiro, Eliseu Fonseca de Montarroios, cuja função era executar as medidas cabíveis para o encerramento das atividades da Delegação e informar o governo sobre decisões tomadas no âmbito da Liga. Na 7ª Assembléia, em setembro de 1926, por exemplo, da qual o Brasil esteve ausente, foi aprovado o relatório da comissão de estudos sobre a composição do Conselho e a Alemanha foi finalmente admitida na Liga, na qualidade de membro permanente 38 do Conselho, assegurando, assim, a entrada em vigor dos Acordos de Locarno. (Garcia, 2005, p.106-132) Em suma, a administração de José Félix Alves Pacheco no Ministério das Relações Exteriores correspondeu ao mandato do Presidente Arthur Bernardes (1922-1926) marcando-se externamente pelas gestões do Brasil para se tornar membro permanente do Conselho da Liga das Nações. Enviado a Genebra, o embaixador Afrâneo de Melo Franco recebeu instruções de obter para o Brasil um assento permanente no Conselho da Liga. Antes de partir, o embaixador solicitou um estudo sobre a situação brasileira naquele órgão e obteve respostas negativas prevendo-se dificuldades para as pretensões brasileiras, em razão da concorrência de outros países latinoamericanos. Melo Franco, então, sugere a Félix Pacheco que o país propusesse o aumento, em dois, do número de assentos permanentes no Conselho, destinando-os aos Estados Unidos e à Alemanha, que seriam ocupados provisoriamente pelo Brasil e pela Espanha, até que aquelas duas grandes potências ingressassem na Liga. Consultado por Melo Franco sobre a idéia, o representante da Espanha, Quiñones de Léon, afirmou que seu país não aceitaria um assento permanente para guardar lugar para a Alemanha. Em Locarno, no dia 15 de outubro de 1925, a Alemanha concluiu com a GrãBretanha, França, Bélgica, Itália, Polônia e Tchecoslováquia pactos de segurança mútua. Pelos documentos, o governo de Berlim concordava em entrar para a Liga, assumindo a obrigação de resolver litígios de forma pacífica. No início do ano de 1926 os acontecimentos relativos à composição do Conselho se precipitariam em razão da assinatura do Tratado de Locarno. A França propôs o ingresso da Polônia juntamente com a Alemanha no Conselho da Liga. A Grã-Bretanha opôs-se a proposta francesa e a própria Alemanha declarou que desejava entrar sozinha. 39 O Brasil, então, buscou apoio dos Estados Unidos, mas, sem sucesso, Melo Franco solicitou instruções diretamente do Presidente que foi enfático em afirmar que nada mais restava a não ser exercer o poder do veto impedindo assim qualquer aumento do número de membros permanentes. Por decreto de 15 de julho de 1926 o Presidente Arthur Bernardes extinguiu a delegação brasileira em Genebra. 40 CONCLUSÃO A entrada do Brasil na Liga das Nações foi uma tentativa de fortalecer o País no cenário internacional. A diplomacia brasileira não poupou esforços e apostou todas as suas fichas na nova ordem internacional. Acreditando que a Liga seria a organização capaz de influir decisivamente no futuro da política internacional, o Brasil perseguiu posição no tabuleiro multilateral, pois havia a percepção sobre o potencial nacional que, de fato, viria dar o tom à grande estratégia brasileira. E foi, justamente, esta percepção que levou nossos representantes a perseguir a idéia de que o poder, dentro da organização, só poderia ser consolidado através da posição ocupada em seu Conselho executivo. A Liga, porém, que a princípio, promoveria a cooperação entre os Estados baseada em uma relação multilateral, afastou-se do seu propósito, já que, se viu forçada a atender as necessidades das grandes potências européias a fim de manter seus “status quo”. Os incidentes de Locarno e a conseqüente retirada do Brasil da Liga não podem ser considerados, ao meu entender, um fiasco da diplomacia brasileira, mas sim uma coerência de idéias que nasceram não só da necessidade de se fazer ouvir e respeitar, mas também de reforçar a concepção de que a Liga era um fórum multilateral onde todos os Estados maiores não teriam suas soberanias fortalecidas, superpondo-se através de políticas expansionistas e de apaziguamentos entre eles, que seriam estabelecidas em detrimento dos Estados menores. O fiasco foi, portanto, o da própria Liga, que negou os princípios Wilsonianos, deixando pairar sobre o sistema a idéia de que a segurança coletiva não mais se fazia efetiva, 41 já que, para as potências do velho mundo, o multilateralismo era a continuação da geopolítica por outros meios. Por fim, concluo que, se houve uma má percepção, esta não foi da estratégia da nossa diplomacia, mas sim das expectativas quanto à Liga e ao seu papel na Nova Ordem. O Brasil e boa parte do mundo acreditavam que a abordagem da Nova Ordem deveria ser feita por meio das leis. A idéia de que o direito e as instituições poderiam formar a base e inspiração para a comunidade de Estados por meio de acordos internacionais e Organizações Internacionais como a Liga das Nações não se mostraria eficaz, pois não substituiria a estrutura anárquica do sistema internacional. A ausência de poderes constituídos no sistema internacional impediu a existência de uma ordem legal e não houve Organização, Conselho ou Corte Internacional de Justiça com legitimidade que pudesse obrigar os Estados a cumprirem os acordos internacionais. E foi, justamente, esta crença na Nova Ordem Mundial que levou a política externa brasileira as últimas conseqüências políticas, exaurindo recursos humanos e financeiros com o intuito de buscar ganhos de poder e não contestar a ordem que parecia destinada a reger o futuro das relações internacionais. Esta busca, de certa forma, representou uma vitória, ainda que efêmera, do multilateralismo nas relações internacionais. 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARKER, J. C. International law and International relations. London, New York: Continuum, 2000. GARCIA, Eugêneo Vargas, O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005. HALLIDAY, F. Repensando as relações internacionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS e FAPA, 1999 .HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andréa Ribeiro, Organizações Internacionais – História e práticas. Editora Campus. HOBSBAWN, Eric J. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1995. HOBSBAWN, Eric J. Era dos Impérios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. JONES, R. E. Analysing Foreign Policy. London: Routledge, 1970. LIMA, Maria Regina Soares de Eixos analíticos e conflito de paradigmas na política exterior brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, ano 21, n. 61, p.63-71, junho 2006. 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