Autores
Maria Nezilda Culti
Maria Clara Corrêa Tenório
Dieine Aparecida Cescon Chaves
Artículo
COOPERATIVISMO POPULAR: Um
Processo de (Re) Educação
COOPERATIVISMO POPULAR: Um Processo de (Re) Educação
Maria Nezilda Culti∗
Maria Clara Corrêa Tenório ∗ ∗
Dieine Aparecida Cescon Chaves∗ ∗ ∗
RESUMO
A virada do Milênio vem acompanhada por profundas transformações que afetam todas as
economias. Elas são conseqüências das novas tecnologias de informação e da produção, da
abertura de novos mercados e mobilidade do capital financeiro. No Brasil, esse processo afeta os
índices de desemprego, força a precarização das condições de trabalho e amplia-se o número dos
socialmente excluídos, que sobrevivem no mercado informal de trabalho. Diante desta realidade,
se faz necessário buscar alternativas para direcionar a questão do trabalho e renda. O
Cooperativismo Popular é uma delas, especialmente aos desempregados para viabilizar trabalho e
gerar renda.
Portanto, o objetivo é entender melhor, neste contexto, o Cooperativismo Popular ou de
Trabalho e o processo necessário de (re) educação dos trabalhadores nele inserido.
Com base em reflexões e leituras de bibliografias e dados quantitativos atualizados, além
de observações empíricas de grupos emergentes no contexto da Economia Solidária conclui-se
que, o Cooperativismo Popular emerge da organização de trabalhadores procurando resgatar por
meio do trabalho a sua dimensão humana e a conquista da cidadania. Neste sentido, o
∗
Mestre em Economia pela PUC/SP, professora do Departamento de Economia da Universidade Estadual de
Maringá e Coordenadora do Núcleo UNITRABALHO/UEM.
∗∗
Advogada, Especializanda em Ciências Sociais pela UEM, Técnica em Assuntos Educacionais da Universidade
Estadual de Maringá.
∗∗∗
Mestranda em Administração pela UEM.
procedimento necessário nesse tipo de empreendimento implica em levar o trabalhador a uma
mudança de mentalidade por meio de um processo de (re)educação que o faz produzir,
abandonando a perspectiva individualizada adquirida ao longo dos anos, internalizando a
dimensão do trabalho coletivo.
Palavras-chave: cooperativas populares, trabalho, educação, cooperativismo.
INTRODUÇÃO
Profundas transformações têm ocorrido com a chegada do novo milênio afetando a
economia mundial. Modificam as bases produtivas e as relações trabalhistas. Tais alterações são
conseqüência, em parte, das novas tecnologias de informação, da produção, da abertura de novos
mercados e mobilidade do capital financeiro. Há um aumento nos índices de desemprego em
todas as economias, mas esse processo é mais desalentador em países emergentes devido ao
conjunto de fatores que agravam a situação de quem é expulso do mercado ou jamais nele foi
inserido. Parcelas consideráveis da população são lançadas na marginalidade e excluídas da
economia
de
mercado.
No
Brasil,
por
exemplo,
ampliou-se
nas
últimas
décadas
consideravelmente os números dos socialmente excluídos, que sobrevivem no mercado informal
de trabalho.
O avanço tecnológico desenvolve contradições, pois embora surja na perspectiva de
beneficiar o ser humano que o cria, dificulta o próprio convívio do homem com seus semelhantes
e destes com a natureza. Nesse contexto, torna-se necessário buscar alternativas para direcionar a
questão sendo cada vez mais urgente realizar articulações na sociedade, visando uma maior
harmonia entre a sociedade e a natureza, privilegiando o ser humano dentro de um processo de
desenvolvimento.
Tentando amenizar o problema que atinge milhões de trabalhadores desempregados
surgem diversas alternativas. Emerge a denominada Economia Solidária, uma rede de iniciativas
no campo popular, que em seus variados modos de atuação visa inserir no mercado grande
parcela de excluídos através de programas de geração de renda. O Cooperativismo popular ou de
trabalho é, pois, uma das alternativas para resgatar a cidadania e possibilitar especialmente aos
trabalhadores desempregados, um projeto de geração de renda e inclusão social.
Na Economia Solidária1 são incluídos os empreendimentos coletivos cooperativos,
associativos,
empresas familiares e de auto-ajuda, entre outros. Quanto ao termo economia
solidária, há no meio intelectual um debate terminológico. Para Vainer (1999) ele não deveria ser
empregado uma vez que traz em si uma contradição. Segundo ele, a Economia jamais poderá ser
Solidária.
“A economia é o lugar da competição, da guerra . Os espaços de solidariedade são
aqueles dominados por outros fins, por outros valores e por outras práticas. Daí a
perplexidade frente à expressão “economia solidária” (...) “Então, ... eu diria: um
projeto amplo , abrangente de solidariedade é inseparável da crítica da economia” (p
47)
Singer (1999: 63-64) discorda desse ponto de vista. Para ele a posição anterior traduz uma
visão ideológica liberal. Respondendo exatamente às palavras de Vainer, esse autor afirma que na
visão liberal as pessoas são autônomas, racionais, sabem exatamente o querem e “são capazes,
1
NOTA: Com relação à Economia, a literatura de origem européia utiliza a expressão “economia social”.
então, de entrarem em relações igualitárias no mercado, compram e vendem e, através disso, se
atinge um estado ótimo.”.
Singer (1999) defini a estratégia da Economia Solidária, de seguinte forma:
“A economia solidária é menos inconsistente do que a economia capitalista. Porque ela
coloca, aberta e diretamente, a solidariedade como princípio organizador da economia
social em lugar da competição. A ideologia da economia solidária é coletivista.”(p. 68)
Nesse sentido, baseado em reflexões, leituras de bibliografias, e tendo em vista a
observação de grupos em desenvolvimento no contexto da Economia Solidária, entende-se que o
Cooperativismo Popular emerge da organização de trabalhadores no sentido de resgate da sua
dimensão humana e conquista da cidadania, por meio do trabalho coletivo.
O objetivo desse texto será enfocar apenas uma das alternativas de produção com geração
de renda, tomadas pela via da organização dos trabalhadores. Ou seja, enfocar o procedimento
necessário num empreendimento cooperativista que seja responsável por levar o trabalhador a
uma mudança de mentalidade, que o permita produzir, mas abandonando a perspectiva
individualizada adquirida ao longo dos anos e assumindo a dimensão do coletivo.
Precisamos entender o papel que o Cooperativismo assume nesse contexto e também o
processo necessário de (re)educação por que tem que passar os trabalhadores nele inserido, visto
que nesse contingente populacional destaca-se a baixa escolaridade em uma época de exigências
de preparo profissional e educação permanente para enfrentar um mercado competitivo e
globalizado.
Concordamos com Diva Benevides Pinho(PINHO, 2000: 68). quando afirma que, “Para
enfrentar os desafios de mudanças sem precedentes, o Cooperativismo precisa se fortalecer como
um corpo sistêmico coeso, mas sem abdicar da defesa de seus valores de autenticidade (ajuda
mútua, responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade), nem de seus valores
éticos de honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação com os semelhantes”.
Segundo ela, há “necessidade de se preparar os recursos humanos e as instituições para
um mundo que está substituindo o emprego de massa na produção e na comercialização de bens e
serviços, pela economia do conhecimento”. (PINHO, 2000: 65)
Na conquista de sua dimensão humana e inserção no mercado, o trabalhador cooperado
necessita, portanto, compreender e vivenciar os princípios fundamentais do Cooperativismo e
consolidar a democracia no interior da Cooperativa. Trata-se de um processo de (re)educação que
o prepara para produzir, abandonando a perspectiva individualizada adquirida anteriormente,
internalizando a dimensão do trabalho coletivo. Adota-se novas estratégias, pensando em novas
soluções objetivando recriar uma nova realidade.
Essa tentativa se resume em um trabalho de (re)educação do trabalhador cooperado, que
deve
ser
acompanhado
por
uma
assessoria
multidisciplinar
objetivando
proporcionar
conhecimentos organizacionais, tecnológicos e práticos, com tentativas de intervenção junto aos
grupos cooperados já existentes ou em formação, de maneira que os mesmos possam por si
caminhar e resolver os entraves do seu cotidiano. Não se trata apenas de considerar a prática de
uma educação diferenciada, mas sim denota-la como mudança de mentalidade quanto ao trabalho
individualizado para o qual o trabalhador sempre foi preparado e assumir sob a perspectiva crítica
uma postura diferenciada e o compromisso coletivo. É uma tarefa no sentido de aproveitar o
“simples saber” do grupo e a ele acrescentar algumas instruções básicas de trabalho coletivo.
“Trata-se, pois de desencadear um processo de passagem do trabalho alienado para
o trabalho consciente (que pode ser utilizado como suporte do processo de
libertação) e deste para a criatividade transformadora, onde a pessoa decide com
autonomia e liberdade”. (RECH, 2000: 101)
Mas como levar o grupo a desenvolver em seu seio, sem criar dependência de seus
assessores, um sentido de convergência e solidariedade que lhe permita permanecer unido mesmo
diante das adversidades, e além disso, colaborar para o seu crescimento com idéias, na soluções
dos problemas que invariavelmente surgem?
Não parecem existir soluções prontas. No entanto esse é um desafio fundamental tanto
para o grupo, como para quem se dedique a prestar-lhe assessoria. Solucionar esse problema ou
encontrar respostas é vital para a sua continuidade.
Como já tivemos oportunidade de expor, a cultura capitalista gerou uma sociedade
individualista, cética no trabalho cooperativo e coletivo. É difícil trabalhar nos grupos a idéia de
socialização do conhecimento. Foram séculos de favorecimento do individual sobre o coletivo, de
desconfiança no outro. Vivemos num mundo competitivo, onde o saber, sob a forma de poder
impede que as informações sejam serenamente coletivizadas.
Nesse sentido o esforço conjunto tanto dos grupos em formação quanto da própria equipe
de assessoria é imenso e deve ser constante para reverter esse quadro que impregnou a
consciência dos indivíduos de forma a transformar o outro em rival, nunca em aliado. É preciso
como diz Rech (1999) resgatar esta capacidade de interação e buscar formas de fazer funcionar os
mecanismos que efetivamente compreendam as relações humanas e consigam fazer uma síntese
entre inevitáveis contradições vinculadas ao comportamento pessoal, à subjetividade, às
diferenças existentes entre as pessoas que participam dessas iniciativas coletivas. Em outras
palavras, administrar as diferenças, não renegando suas aspirações individuais, mas realizando
seus desejos de forma conjunta, em cooperação.
1 – ABORDAGEM METODOLÓGICA DE ASSESSORAMENTO PARA
(RE)EDUCAÇÃO DOS GRUPOS COOPERADOS
Para obterem êxito, os empreendimentos solidários que estão despontando devem desde a
sua formação, seguir algumas orientações para a sua organização e administração.
Sugere-se estabelecer trocas de experiências que tanto poderão contribuir para resolução
de alguns entraves do cotidiano nos grupos de cooperados, como servirão de motivação aos
assessores e pesquisadores a elaborarem, a partir de conhecimentos teóricos uma prática
diferenciada.
Trata-se de unir “saber científico” a “saber popular” numa tentativa de transformação da
prática cotidiana. Nesse afã são quebrados os velhos valores estabelecidos pela empresa
tradicional.
Além disso, são necessárias algumas etapas a serem cumpridas. Essas não devem ser
atropeladas ou invertidas, pois do seu exato cumprimento dependerá o sucesso ou fracasso do
empreendimento.
1a. Etapa - Reunião das pessoas com objetivo comum - Identificação de grupos potenciais
para a criação de cooperativas.
. Sensibilização e motivação
. Análise das experiências de trabalho e potenciais dos cooperados (qualificação);
. Discussão com o grupo sobre funcionamento da economia de mercado, oportutunidades de trabalho, mercado de produtos, necessidades sociais, atuação
de assessores profissionais com múltiplas habilidades e outros que se fizerem necessários.
2a. Etapa – Processo Preparatório
. Planejamento estratégico prático e operacional;
. capacitação, monitoramento e formação;
. viabilidade econômica.
3a. Etapa - Fundação da Cooperativa (formatação do Estatuto e Regimento Internos)
4a. Etapa – Registro da Cooperativa (Registro das Atas, concessão de alvará etc)
1.1.Aspectos Relevantes com Relação ao Assessoramento
IDENTIDADE COLETIVA
Há necessidade de criar uma identidade, uma imagem coletiva que os faça se valorizarem
como seres humanos, independente do local de origem. Os membros devem ser levados a
assumirem-se enquanto grupo, e enfrentar o estigma que isso possa representar. Muitas vezes
ocorre a negação de sua condição. O trabalhador nega sua origem, pois sente que poderia ser
hostilizado pela visibilidade dela. Nesse caso acontece o repúdio à imagem, em detrimento de
todo o potencial e capacidade subjacentes. É o momento de se trabalhar a auto-estima, recuperala para que o cooperado possa exercer suas novas funções dentro da Cooperativa de forma
integral.
Valorizando a identidade individual, através da capacidade e não da imagem, resgatamos
o sentido de cidadania. A partir dela estaremos formando uma nova identidade, a coletiva. Essa
identidade coletiva nasce exclusivamente do trabalho cooperativo, da união das várias
capacidades individuais, do trabalho realizado em conjunto ou através de processos diferentes,
mas conexos. Não se pode pensar num empreendimento coletivo se os participantes não têm a
mínima perspectiva de autonomia ou mantêm a mentalidade e comportamentos subordinados.
ADEQUAÇÃO DE HÁBITOS, QUALIFICAÇÃO E CAPACITAÇÃO
Muitas vezes os membros de um grupo cooperado ou em formação sempre viveram na
informalidade executando um trabalho de forma individual e desconhecem algumas regras
básicas para o desempenho de um empreendimento e o seu funcionamento. Outros ainda estão
muito acostumados a obedecer decisões tomadas por superiores e cumprir
organizacionais rígidas.
regras e normas
Torna-se, nesse caso, necessária uma discussão sobre o trabalho a ser
executado, assim como, questões de re-adequação a uma organização baseada no trabalho
coletivo e seus regulamentos e horários.
Outro fator importante é que haja um processo permanente de capacitação, para
possibilitar mudanças no trabalho. Para isso, tanto o ensino básico como o fundamental devem
ser estimulados pois, são básicos para facilitar qualquer trabalho de qualificação e requalificação.
SOLIDARIEDADE
A solidariedade é um instrumento de luta para a sobrevivência do grupo, portanto, este é
outro direcionamento metodológico a ser adotado: a preparação do grupo para convivência
solidária. Preparar o grupo para a convivência solidária é um desafio, por envolver uma visão do
coletivo e uma participação intensa de todos os cooperados/associados, dentro dos princípios de
igualdade. A tarefa nesse caso é demonstrar que não existe posições de mando e sim coordenação
de trabalhos e que todos são os empreendedores, “donos” do negócio coletivo. Devem portanto,
agir solidariamente em busca de um objetivo comum.
O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DO SER DONO – EMPREENDEDORISMO
O processo de alienação imposto à grande massa da população que não são proprietárias e
que trabalham em iniciativas alheias, criou barreiras reduzindo as suas próprias iniciativas e
desenvolve uma mentalidade de subordinação que quase impossibilita uma real atitude autônoma.
No empreendimento cooperativista é necessário romper com essa engrenagem, isto é, não há nele
espaço para aqueles que ficam esperando para ver o que os outros, os dirigentes, os técnicos vão
decidir.
Em outras iniciativas como associações ou numa empresa tradicional isso até é possível.
Pode-se atribuir as decisões à diretoria, uma vez que os que participam não estão tão envolvidos
nos resultados. Mas, no empreendimento cooperativista isso se torna quase impossível. É preciso
que cada um participe, se envolva, intervenha, assuma, aposte na idéia, enfim, se esforce para que
o empreendimento prossiga com êxito.
Nesse sentido, torna-se fundamental que cada membro assuma seu papel de dono e
abandone o comportamento subordinado. E isso é uma questão ideológica a ser superada. Tratase como já se disse de uma tarefa difícil, pois, vincula-se a uma completa mudança de
mentalidade e de atitude.
Gaiger (1994) confirma muito bem isso, quando discute a passagem do empregado ou
produtor subordinado a trabalhador autônomo:
“Nenhuma iniciativa econômica, seja em forma autogestionária ou no modelo
empresarial tradicional, consegue sobreviver sem planejar e organizar as suas
atividades racionalmente, isto é, tornando-se eficazes em vista do incremento
progressivo do capital já acumulado. Daí ser importante entender as leis do mercado,
as normas de gerenciamento e administração, as estratégias de marketing, não para
explorar os outros, mas porque toda a economia moderna funciona segundo o sistema
de previsão, de medidas que se antecipam às circunstâncias futuras e procuram
molda-las desde já segundo os interesses em questão. Não basta para isso aprender
certas técnicas. É preciso superar a concepção da vida como uma constante adaptação
às circunstâncias e entender a atividade humana como uma força que cria as situações
e estabelece o ritmo das transformações” (p. 40)
Pode parecer contraditório falar em conhecimento de leis do mercado quando o que
buscamos é uma transformação dele em uma nova forma , a economia solidária. Mas é preciso ter
em mente que as transformações se dão de forma lenta e gradativa e que antes que elas ocorram
não se pode desconsiderar o que já existe. É entender que elas podem e devem ocorrer dentro do
próprio sistema, através das forças humanas criadoras e criativas.
LIBERDADE E AUTONOMIA
Juntos os membros cooperados são donos do empreendimento. Diante desse fato e sempre
o levando em consideração, precisa-se estabelecer mecanismos que não inibam sua força criativa.
É, portanto, a liberdade e autonomia na criação dos seus produtos e serviços que os libertam dos
laços de subordinação determinados pelas relações de emprego conduzindo-os ao grau mais
elevado de organização e decisão nas relações autogestionárias da cooperação. Os trabalhadores
cooperados devem deter a capacidade de interagir com os demais em igualdade.
Deve ficar bastante claro que o fator confiança entre os membros do grupo é muito
importante para o crescimento conjunto. Nesse caso, os membros precisam evitar diferenciações
entre si, reduzir as ambigüidades e criar ambiente de respeito. Imbuir nos cooperados a idéia de
que se trata de um processo de aprendizado mútuo.
2 - EXPERIÊNCIA VIVIDA
Trabalharemos nesta parte a questão da assessoria, enfocando os problemas e os acertos
detectados, à partir da experiência com três grupos aos quais a Unitrabalho - Núcleo Local da
UEM presta assessoria, que denominaremos de Grupo 1, Grupo 2 e Grupo 3.
IDENTIDADE COLETIVA
Um grupo de trabalhadores só consegue criar uma identidade coletiva ao passar pelas
diversas etapas citadas anteriormente. Com relação à necessidade e criar entre os membros do
grupo uma identidade, uma imagem coletiva que os faça se valorizarem como seres humanos,
independente do local de origem, podemos perceber que: o grupo 1 apresenta séria dificuldade de
criar uma identidade coletiva desde o seu inicio, apesar do número reduzido de participantes. A
complexidade existente neste grupo, têm demonstrado que as ações e intervenções implicam em
uma mudança da realidade de forma bastante gradativa. Apesar disso, acreditam e aguardam com
expectativa a viabilidade do empreendimento. Já o grupo 2, sofre com a grande rotatividade de
seus membros, apesar de não apresentar uma diminuição acentuada de componentes envolvidos,
isto é, o número permaneceu o mesmo, mas os participantes mudaram dificultando o trabalho da
equipe assessora na tarefa de repasse dos conhecimentos sobre Cooperativismo. Outro fator
complicador é que, embora pertencentes à mesma comunidade (bairro), nunca houve qualquer
espécie de integração e ação coletiva entre eles. Deve-se destacar que neste grupo, os conflitos
que acabam levando a rotatividade de membros, faz perder-se no caminho todas as informações
sobre identidade coletiva adquiridas antes da constituição da cooperativa, restando-lhes apenas
uma forma de aprendizado em busca de geração de renda. O grupo 3, ainda em processo de
ambientação e sensibilização para o trabalho coletivo, está apresentando sinais de uma possível
identidade coletiva. Tal acontece, supostamente, pelo fato de seus membros já vivenciarem
problemas conjuntos, embora nunca tenham tentado resolve-los coletivamente.
Daí conclui-se que os grupos que nascem de uma experiência anterior de lutas, ou mesmo
de reivindicações coletivas, têm mais chance de logo formarem um vínculo e assumirem-se
enquanto grupo. Já os grupos que iniciam com um acentuado número de pessoas sem vínculos
comuns têm grandes dificuldades de criar uma identidade coletiva.
Em todos os grupos citados percebe-se um elemento comum: a falta de auto-estima por
parte de seus membros. Os indivíduos chegam totalmente desestimulados e com uma baixa
estima. Essa baixa-estima dificultam as ações coletivas, pois bloqueiam muitas vezes a
criatividade, a responsabilidade e a união dos grupos. Nos três grupos tem sido necessário um
trabalho incansável voltado para o resgate da auto-estima. Nos grupos 01 e 03 esse elemento é
mais marcante que no grupo 2, onde supomos seja devido à extrema pobreza a que foram
submetidos.
Temos procurado valorizar também a identidade individual, através da capacidade e
qualificação, resgatando o sentido de cidadania perdido ao longo do tempo em que os mesmos se
viram afastados do mercado de trabalho ou permaneceram no mercado informal. No entanto,
temos percebido que existem muitos recuos nesse processo, que a nosso ver é muito delicado.
Esperamos ainda, forjar juntamente com os cooperados uma nova identidade, a coletiva,
que como vimos nasce do e no trabalho cooperativo, da união das várias capacidades individuais,
realizando o trabalho em conjunto ou através de processos diferentes, mas conexos.
ADEQUAÇÃO DE HÁBITOS, QUALIFICAÇÃO E CAPACITAÇÃO
Com relação à adequação de hábitos, qualificação e capacitação podemos dizer que os três
grupo estão em estágios diferenciados. Vale ressaltar que esse estágio diferenciado já começou
assim, devido ao fato de que no caso do grupo 1, houve grande empenho inicial na qualificação e
capacitação, entretanto, faltou coesão e o grupo diminuiu, perdendo os membros qualificados
para outros segmentos do mercado de trabalho. No grupo 2, como já dissemos, ha uma grande
rotatividade e isto dificulta o processo de qualificação e capacitação dos membros integrantes
visto que se tem sempre que recomeçar. Trata-se de um grupo que teve sua origem entre pessoas
com habilidades bastantes heterogenias e que vieram com experiências adquiridas na
informalidade onde executavam os trabalhos individualmente e desconhecem algumas regras
básicas para o desempenho de um empreendimento e o seu funcionamento. Tornou-se, nesse
caso, necessário retomar sempre a discussão sobre o trabalho a ser executado e a questão da readequação da organização no trabalho coletivo. O grupo 3 é composto por pessoas que trazem
habilidades diferentes, entretanto as suas atividades anteriores à organização para a formação da
cooperativa, eram as mesmas. Entretanto, por estarem em fase inicial de organização não temos
ainda subsídios para melhor avaliar como se dará o processo de capacitação e qualificação para o
trabalho cooperativo. O traço comum entre os grupos é o pequeno grau de escolaridade, o que por
si só, já é um componente que dificulta as ações e terá que ser superado.
SOLIDARIEDADE
A solidariedade é um dos instrumentos de luta para a sobrevivência dos grupos. Ao longo
do assessoramento procura-se despertá-lo nas três experiências. Nos grupos 1 e 2 as dificuldades
apresentadas não são tanto em relação à solidariedade, quanto à ausência de meios para
solucionar os problemas comuns e individuais. Esse é um desafio, que necessita ser vencido, pois
devido aos problemas de relacionamento e à falta de envolvimento dos membros, muitas vezes
torna-se difícil estabelecer esse vínculo. Por outro lado, no grupo 1, a coordenação dos trabalhos
por parte de um dos membros, muitas vezes repete os padrões de quando os cooperados eram
empregados e tenta transformar os demais cooperados em meros executores de tarefas e não em
empreendedores, “donos” do negócio coletivo. Como já foi dito anteriormente, não se pode
pensar num empreendimento coletivo se os participantes não têm a mínima perspectiva de
autonomia ou mantêm a mentalidade e comportamentos subordinados, daí a principal dificuldade
encontrada por este grupo. Quanto ao grupo 3, a total desarticulação dos membros tem que ser
vencida gradativamente. Foram anos de total abandono pelo poder público, pelas instituições e
houve uma degradação acentuada de suas condições de vida e tornando-se fundamental à priori, o
trabalho de resgate da auto-estima.
O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DO SER DONO – EMPREENDEDORISMO
O processo de transformação necessária para se sair do trabalho alienado para o trabalho
autônomo não é simples. Ele exige qualidades que há muito foram destruídas ou desarticuladas
pelo sistema imposto à grande massa da população não proprietárias e que trabalham em
iniciativas produtivas alheias. Nos três grupos estudados, este é um dos principais impedimentos
para que a iniciativa cooperativa se desenvolva e progrida com mais rapidez. Nos
empreendimentos cooperativistas assessorados tenta-se romper com essa engrenagem, mas os
avanços são muito lentos seguidos de retrocessos inevitáveis. Há o medo do desconhecido agindo
contra qualquer iniciativa inovadora ou autônoma e a assessoria é vista então como tábua de
salvação para os grupos, em vez de servir de apoio técnico. Por outro lado, a desconfiança faz
com que muitos não assumam suas responsabilidades no grupo esperando a iniciativa dos demais.
Essa mentalidade em alguma medida, também aparece na própria equipe técnica que no
desejo de orientar acaba extrapolando suas funções. No entanto, isso se justifica pela constatação
de que os grupos assessorados apresentam falhas de conhecimento generalizadas que bloqueiam
demais o processo de avanço. Contornar esse problema é tarefa que está exigindo esforços
constantes.
LIBERDADE E AUTONOMIA
A experiência da assessoria nos três grupos dispõe de um grande manancial criativo a ser
explorado dentro deles, embora os fatores já citados inibam sua força criativa. Se, na verdade é a
liberdade e a autonomia na criação dos seus produtos e serviços que os libertam dos laços de
subordinação determinados pelas relações de emprego anteriores, no entanto, conduzi-los a graus
mais elevados de organização e decisão nas relações autogestionárias da cooperação não acontece
da noite para o dia, é um processo lento e demorado. Freqüentemente as necessidades de
sobrevivência não podem esperar esse processo e criam-se conflitos. É o que acontece no grupo
3, que se uniu em torno de necessidades prementes e não dispõe de muito tempo para se
articularem.
Nos grupos estudados há indícios de um crescimento conjunto através de mecanismos de
confiança e ajuda mútua. Mas evitar diferenciações, reduzir ambigüidades nem sempre é possível
e nesse caso fica difícil estabelecer um ambiente de respeito. Nos grupos 1 e 2 ao que parece
estamos caminhando para um equilíbrio. O grupo 3 apresenta-se em fase de estruturação e não é
possível saber se as dificuldades iniciais serão superadas. Trata-se talvez de despertar algumas
lideranças no grupo. A meta é levar os cooperados a adquirirem a capacidade de interagir com os
demais em igualdade.
CONCLUSÃO
O Cooperativismo Popular relacionado ao trabalho e à produção, que caracterizamos
como cooperativas populares ou cooperativas de trabalho, despontam hoje como uma das saídas
para a crise que se estabeleceu no mundo do trabalho. No entanto, tais empreendimentos
necessitam de uma orientação adequada para que possam lograr êxito diante de tantos entraves
que lhe são colocados. Ainda assim, o seu desenvolvimento e êxito demandam um processo de
transformação e mudança de mentalidade e comportamento que é lento e demorado, conforme
tem demonstrado as experiências de assessoramento até agora por nós vivenciadas.
Apesar disso, os assessores técnicos multiprofissionais podem e devem desempenhar um
papel formador desses grupos oferecendo seus conhecimentos à comunidade, sem no entanto,
executar por eles, os trabalhos, basicamente administrativos. Esta é também uma aprendizagem
para quem assessora.
Um trabalho transformador da consciência é o caminho que deve ser buscado para levar o
trabalhador a assumir um papel empreendedor dentro de uma economia em constante
transformação.
Portanto, para bem gerir esses empreendimentos cooperativados, a sua administração deve
desenvolver habilidades especiais, pois se trata de gerir uma realidade humana bastante
complexa. Com base na nossa experiência e nas de outros assessores, sugere-se que o mesmo:
1) Tenha uma gestão aberta e flexível:
Os cooperados devem ter uma mente aberta e assumir que são donos e precisam
capacitar-se permanentemente. Devem saber admitir, se for o caso, a presença de
assessores de diferentes especialidades.
2) Crie regras claras e precisas:
Os empreendimentos cooperativados devem contar com Estatuto, Regimento Interno
e programas claros e precisos, que possam ser renovados e atualizados, com certa
periodicidade, diante das necessidades. Para facilitar sua inserção na vida do
empreendimento, cada qual deve ter definido o que se espera dele e dos demais.
3) Fomente a motivação de todos:
Um empreendimento cooperativado só irá para frente e só terá sucesso, se além dos
conhecimentos técnicos/profissionais e da qualificação, os cooperados tiverem
motivação para a sua autonomia. “Associados e dirigentes motivados movem-se por
si sós, e exercem positivamente sua necessária autonomia. Uma condução autocrática,
autoritária, não cria condições para a motivação. Em tais casos, as pessoas executam
a tarefas, somente sob ameaças ou perspectivas de ameaças. Não havendo motivação
cumprem-se rotineira e ritualisticamente as tarefas. Uma adequada descentralização,
sim cria condições para a motivação” (SCHNEIDER, 1999: 143)
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