Anais do XV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 26 e 27 de outubro de 2010
ISSN 1982-0178
ANÁLISE DA VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA (VFC)
15 MIN, 30 MIN E 1 HORA APÓS A REALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO
FÍSICO DINÂMICO DE MODERADA INTENSIDADE E LONGA
DURAÇÃO EM CRIANÇAS EUTRÓFICAS.
Maria Clara Scallet Savioli
Faculdade de Fisioterapia
Centro de Ciências da Vida
[email protected]
Resumo: Alterações da freqüência cardíaca (FC)
ocorrem batimento a batimento, e expressam adequações cardiocirculatórias referentes à homeostasia
orgânica. O exercício físico tem papel importante
nessas alterações, pois provoca intensa ativação de
receptores centrais e periféricos que, integrados pelo
sistema nervoso central, estimulam ou inibem os efetores cardíacos principais: o nervo vago e o complexo simpático. Entretanto, pouco se tem estudado sobre o comportamento do sistema nervoso autônomo
(SNA) cardíaco após exercícios físicos, em crianças,
como é a proposta desse estudo. Método: Foram
estudadas dez crianças eutróficas com IMC de percentil entre 5 e 85, com idades entre 9 e 11 anos,
que foram submetidas à exercício físico dinâmico
estável (EFDE), realizado por 30min em esteira rolante, com intensidade correspondente ao IPE-Borg13. Após o EFDE fez-se registros dos batimentos
cardíacos, e realizou-se a análise da variabilidade da
frequência cardíaca (VFC) nos tempos 10-15min, 3035min e 55-60min. Aplicou-se o teste de MannWhitney sendo os valores considerados significantes
quando p<0,05. Resultados: As análises efetuadas
no tempo equivalente ao 15ºmin pós-esforço mostraram que os valores de todas as variáveis já retornam
aos mesmos valores obtidos ao repouso. Conclusão: as crianças eutróficas, após realizarem EFDE,
restabeleceram o padrão autonômico cardíaco similar
ao da fase pré-esforço, já a partir do 15ºmin pósesforço.
Palavras-chave: variabilidade da freqüência cardíaca, exercício físico, atividade física.
Área do Conhecimento: Ciências da Saúde – Fisioterapia e Terapia Ocupacional .
1. INTRODUÇÃO: A constante influência desempenhada pelo sistema nervoso autônomo (SNA) sobre
Prof. Dr. Mário Augusto Paschoal
Grupo de Pesquisa Função Autonômica Cardíaca e
Atividade Física na Saúde e na Doença
Centro de Ciências da Vida
[email protected]
o funcionamento dos diversos órgãos, aparelhos e
sistemas que constituem o organismo humano é fundamental para a preservação das condições do equilíbrio fisiológico interno, permitindo que o mesmo desempenhe, adequadamente, sua interação com o
meio ambiente circundante [1]. Qualquer fator que
provoque tendência ao desequilíbrio causa, de pronto, respostas orgânicas automáticas e involuntárias
que têm por finalidade reverter o processo em andamento e restabelecer o equilíbrio funcional [2,3]. A
homeostase do sistema cardiovascular é desempenhada por eficientes mecanismos de controle que
visam manter a pressão arterial (PA) média e o volume venoso central em uma faixa relativamente estreita de variações. Isso é obtido pela regulação
constante da frequência cardíaca (FC) e do tônus
vascular, sendo responsável por esse controle o sistema nervoso autônomo (SNA)[4-6]. O SNA atua sobre o coração por meio de seus ramos eferentes
simpático e parassimpático, regulando e modulando
as respostas do citado órgão ajustando a FC de acordo com a demanda tecidual [4-6]. Essa interferência do SNA sobre o coração causa sensíveis oscilações nos intervalos RR (iRR) mesmo em situações
de repouso controlado, podendo ser detectadas por
meio de uma ferramenta não-invasiva denominada
variabilidade da freqüência cardíaca (VFC) [4,7,8]. A
capacidade de variar a FC constitui importante papel
fisiológico na vida diária [9]. Diferentes estímulos,
como respiração, contração muscular e graus variáveis de estimulação dos barorreceptores arteriais
(aórticos, carotídeos e pulmonares) entre outros, são
os responsáveis por este padrão dinâmico da atividade autonômica[10-12] e são retratados pela análise da VFC. Na verdade, essa capacidade de variar a
frequência dos batimentos cardíacos reflete um significado fisiológico do sistema cardiovascular, que
momento a momento, se ajusta às mais diversas
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situações cotidianas desde o sono até uma atividade
física intensa [9].Sendo assim, o estudo da VFC tem
sido utilizado como meio não invasivo de controle
neural sobre o coração [9,13,14] e um indicador
prognóstico de algumas doenças cardíacas. Alguns
autores [7,13,16] têm demonstrado que a maior atividade simpática e a reduzida atividade parassimpática, ou seja, a diminuição da VFC[15] está relacionada a um maior índice de morbidade e mortalidade
cardiovascular acusando a presença de disfunção
fisiológica do indivíduo, enquanto que uma alta VFC
sugere melhor condição do sistema cardiovascular,
envolvendo indivíduos saudáveis com boa função do
mecanismo de controle autonômico [15,17]. Dentre
os vários fatores que provocam modificações no balanço vago-simpático cardíaco destaca-se a realização de exercício físico [8,13]. Dependendo das características do exercício, como tipo, intensidade e
duração, as respostas autonômicas cardíacas serão
diferentes, pois as necessidades metabólicas não
são sempre as mesmas. Durante a prática do exercício físico dinâmico aeróbio como andar, correr ou
nadar sabe-se que o aumento inicial da FC é determinado predominantemente pela retirada da atividade parassimpática, seguida por uma marcante ativação simpática [18,19] esta última sendo dependente
da intensidade do exercício realizado [20]. Entretanto,
é pouco explorado o comportamento autonômico
cardíaco de crianças na fase pós-esforço físico aeróbio moderado de longa duração. A intenção do presente estudo é a de monitorar esse controle autonômico durante a fase pós-esforço de crianças saudáveis a fim de criar um padrão de comportamento a
ser utilizado em estudos posteriores com crianças
com possíveis disautonomias. Igualmente, esses
dados poderão servir de referência em avaliação
pós-esforço de um grupo de crianças obesas mórbidas que foi submetido ao mesmo protocolo de esforço em outro estudo conduzido pelo grupo de pesquisa.
2. METODOLOGIA: O estudo, de caráter transversal, foi realizado segundo as seguintes etapas:
2.1 - INDIVÍDUOS ESTUDADOS: Foram estudadas 10 crianças eutróficas com IMC com percentil
entre 5 e 85, e faixa etária entre 9 e 11 anos. As crianças deveriam ter o IMC de acordo com o préestabelecido, não podendo apresentar qualquer alteração detectável no exame clínico. Na época da coleta de dados os voluntários não deveriam fazer uso de
medicamentos que interferissem nos dados a serem
analisados. Todos os participantes não deveriam realizar atividade física desportiva regularmente, há pelo
menos dois meses, com exceção das aulas de educação física obrigatórias no currículo escolar.
2.2 – ETAPAS DO PLANO DE ESTUDO
2.2.1. - Avaliação Antropométrica e Clínica, Cálculo do IMC
a) avaliação antropométrica: Essa avaliação foi
composta pela aferição do peso, estatura, cálculo do
IMC e registro dos perímetros dos segmentos corporais (braço, antebraço, coxa, perna e abdômen). As
variáveis investigadas foram o peso corporal e a estatura para que se efetuasse o cálculo do IMC e posteriormente o cálculo do percentil (segundo o National Center for Chronic Disease Prevention and Health
Promotion, ano 2000). Para obtenção do peso corporal foi empregada uma balança mecânica antropomé®
trica Filizola com precisão de 100gr e capacidade
máxima para 150 kg. Para a obtenção do valor de
estatura foi utilizada a toesa metálica da mesma balança. Os perímetros corporais foram medidos com o
uso de fita antropométrica flexível.
b) avaliação clínica: Foram feitas aferições da pressão arterial (PA) e da frequência cardíaca (FC) na
posição supina; e também realizadas auscultas pulmonar e cardíaca de todos os participantes.
2.2.2. REGISTRO DOS BATIMENTOS CARDÍACOS
DE REPOUSO PRÉ-ESFORÇO: Era solicitado aos
voluntários, que no dia anterior e no dia do registro,
não ingerissem chocolate, café, chá, refrigerante de
cola e guaraná, pois essas substâncias podem causar excitação alterando os registros dos intervalos
RR. Também era solicitado que não praticassem exercícios físicos e tivessem uma boa noite de sono
(teriam que dormir pelo menos 8 horas). A coleta dos
dados de repouso foi realizada no Ambulatório de
Fisioterapia, em condições ambientais favoráveis ao
procedimento, com temperatura controlada em 23°C,
e procurou-se realizar todos os testes no mesmo horário do dia para se evitar influência do efeito circadiano da FC. A criança era submetida a 15min de repouso, em posição supina, não podendo se movimentar ou mesmo conversar. Também era orientada
para apenas fechar os olhos e respirar tranquilamente. Após 5min de repouso, era iniciado o registro cardíaco, com duração de 10min e a PA era aferida,
®
empregando-se um esfigmomanômetro Wan Med ,
calibrado e com padrão de coluna de mercúrio. O
manguito era adequado à circunferência do braço
das crianças, e para a ausculta dos pulsos foi empregado foi empregado um estetoscópio Littmann
Classic II S.E. A saturação periférica de oxigeno
(SpO2) foi colhida por meio do oxímetro de pulso O
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Nix – modelo 9500 – Plymouth, USA. A realização
dos registros dos batimentos cardíacos foi obtida por
®
meio do cardiofrequencímetro Polar S180 posicionado sobre a região do precórdio das crianças (região do tórax correspondente à projeção anterior do
coração dos voluntários). Os batimentos cardíacos
Foram posteriormente, direcionados a um computador através de uma interface (interface IR), que permitiu a análise da variabilidade da frequência cardíaca (VFC) com o emprego do software Polar Precision
®
Performance .
metida ao exercício físico na esteira rolante, com
velocidade inicial de 2,0Km/h mantida por 2min, e em
seguida, durante 30min, com velocidade constante,
sendo essa a velocidade apontada no primeiro momento, como sendo nível 13 da escala de IPE-Borg
pela própria criança. Durante todo o teste houve registro dos batimentos cardíacos, e controle de PA,
FC e FR. Imediatamente após a caminhada de 30min
a criança era submetida ao repouso durante 60min,
em posição supina, não podendo se movimentar ou
mesmo conversar.
2.2.3. TESTE DE ESFORÇO INCREMENTAL: Todas as crianças foram submetidas a um teste de esforço incremental feito em esteira rolante (Inbrasport
®
Super ATL ). A velocidade inicial foi de 2,0Km/h sendo mantida por 2min. A cada 3min subsequentes, era
acrescido 0,5km/h de velocidade. Durante todo o
teste houve registro dos batimentos cardíacos, e controle de PA, FC e FR. Também foi mostrada às
crianças uma escala sensoperceptiva (escala sensoperceptiva de Borg) de esforço com valores numéricos de 6 a 20, sendo o valor 20 considerado muito,
muito intenso. Em um determinado momento a
criança deveria apontar o valor 13 (ligeiramente cansativo) da escala o que equivale a um exercício considerado de intensidade moderada para intensa. Desta forma, a velocidade da esteira que levasse a
criança a apontar o valor 13, seria então, designada
para ser aplicada por 30min de forma constante num
outro momento, a fim de que o controle autonômico
cardíaco fosse analisado após a realização desse
referido esforço.Finalizado o teste, a velocidade da
esteira era reduzida progressivamente para evitar a
brusca interrupção do mesmo.Os momentos dos registros dos batimentos cardíacos após o exercícios
aeróbio de 30min foram entre o 10° e o 20°min (relativo à VFC do 15ºmin), entre o 25° e 35°min (relativo
à VFC do 30ºmin) e entre 55° e 65min (relativo à
VFC do 60ºmin).
2.3. ANÁLISE DE DADOS: No DT foram avaliadas:
valores relativos aos intervalos RR médios (iRR médio); desvios-padrão dos iRR normais (dp); a raiz
quadrada da média do quadrado das diferenças entre intervalos iRR normais adjacentes (rMSSD) e a
porcentagem dos intervalos iRR adjacentes com diferença maior que 50 ms (pNN50). Os resultados foram expressos em unidade de tempo (milissegundoms).No DF foram avaliadas: a potência total, que representa a soma de todos os componentes da variabilidade, em ms²; os componentes espectrais de baixa freqüência (BF), que indicam principalmente o
componente nervoso simpático e alta freqüência
(AF), que representam o comportamento parassimpático cardíaco e razão entre os componentes de
baixa e alta freqüência (BF/AF) calculados em unidades normalizadas (u.n.). Para cálculo das unidades
normalizadas (u.n.) de BF e AF, usou-se a metodologia proposta pela Task Force.[15]. Tanto os valores
do DT como os do DF foram comparados entre as
fases pré e pós – esforço.
2.2.4. REGISTRO DOS BATIMENTOS CARDÍACOS
DE REPOUSO PÓS-ESFORÇO: As mesmas orientações realizadas para o registro dos batimentos cardíacos de repouso pré-esforço foram necessárias
para o registro dos batimentos cardíacos de repouso
pós-esforço. Em um segundo dia, a criança era sub-
3. RESULTADOS: Para a análise estatística foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis e post hoc de Dunn
na possibilidade de existir diferença menor que 0,05
entre os valores de medianas. O programa estatísti®
co utilizado foi o GraphPad Prism 4.0 . A seguir são
apresentadas duas figuras com valores analisados
no domínio do tempo e duas com valores analisados
no domínio da frequência da VFC.
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ms
950
900
850
800
750
700
650
600
550
500
450
400
iRR re p
Ex dinâm ico iRR 15 m in
iRR 30 m in
iRR 60 m in
Figura 1. Valores medianos, 1º e 3º quartis e valores extremos dos intervalos R-R (iRR) de crianças eutróficas obtidos antes, durante e
após 15min, 30min e 60min da realização de exercício dinâmico (ex. dinâmico) aeróbio moderado estável realizado por 30min.
35
30
25
%
20
15
10
5
0
-5
pNN50 r e p Ex. dinâm icopNN50 15 m inpNN50 30 m inpNN50 60 m in
Figura 2. Valores medianos, 1º e 3º quartis e valores extremos das porcentagens de iRR adjacentes maiores do que 50ms (pNN50) de
%
crianças eutróficas obtidos antes, durante e após 15min, 30min e 60min da realização de exercício dinâmico (ex. dinâmico) aeróbio moderado estável realizado por 30min.
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
AF re p
AF e x. dinâm icoAF 15 m in
AF 30 m in
AF 60 m in
Figura 3. Valores medianos, 1º e 3º quartis e valores extremos dos componentes de alta frequência (AF) calculados em
unidades normalizadas (un), obtidos de crianças eutróficas antes, durante e após 15min, 30min e 60min da realização do
exercício dinâmico (ex. dinâmico) moderado estável realizado por 30min.
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100
%
75
50
25
0
BF re p
BF e x. dinâm icoBF 15 m in
BF 30 m in
BF 60 m in
Figura 4. Valores medianos, 1º e 3º quartis e valores extremos dos componentes de baixa frequência (BF) calculados em
unidades normalizadas (un), obtidos de crianças eutróficas antes, durante e após 15min, 30min e 60min da realização do
exercício dinâmico (ex. dinâmico) moderado estável realizado por 30min.
4.DISCUSSÃO: a elevação da FC do repouso ao
exercício dinâmico deveu-se a ajustes autonômicos
que resultaram em significativo aumento da atividade
simpática (figura 4) e redução da atividade parassimpática documentada tanto no DT como no DF (figuras 1, 2 e 3). Esses ajustes estão de acordo com vários estudos nos quais foram analisados a VFC, que
relatam que em crianças, a recuperação parece ser
mais rápida do que em adultos jovens por causa de
sua maior modulação central colinérgica [13,29,30].
As análises efetuadas no tempo equivalente ao
15ºmin pós-esforço mostram que os valores de todas
as variáveis já retornam aos mesmos valores obtidos
ao repouso. Também não ocorreu diferença significativa entre os dados de repouso com nenhum dos valores documentados nos períodos referentes aos
30min e 60min pós-esforço. Portanto, pode-se especular que as crianças apontaram corretamente um
valor subjetivo de esforço de acordo com o índice de
percepção de esforço de Borg o qual não exigiu uma
demanda de trabalho muito elevada ao sistema cardiovascular, diferentemente do que ocorre quando se
faz exercício anaeróbio [29,31].
5.CONCLUSÃO: O estudo mostrou que o sistema
nervoso autônomo desempenha uma importante função na modulação da função cardíaca durante o esforço físico dinâmico e no processo de recuperação
após esse tipo de atividade. Ao se estudar crianças
saudáveis obtiveram-se dados importantes a serem
aplicados na comparação com crianças portadoras
de patologias ou distúrbios que podem interferir no
controle autonômico cardíaco, permitindo que a
magnitude da disfunção possa ser quantificada e
mais bem tratada.
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