Direcção: Catarina Veloso e Inês Linhares Dias
Edição nº23 - Setembro de 2015
Crise dos Refugiados
em Budapeste
«(...) tiravam fotografias, postavam nas
redes sociais e viravam costas como se
tivessem visitado uma atracção turística
ou um “freak show”.»
» página 12 a 14
EXPERIÊNCIAS: ex-alunos Entrevista Renascença:
EXPOSIÇÃO: Sam Shaw
«Tive a oportunidade
de estar naquilo que é a
“bolha” europeia, conhecer
pessoas ambiciosas e com
currículo vasto (...)»
«(...) Para Sam Shaw, a
fotografia sempre foi mais
do que simplesmente
captar
uma
imagem
que estava à sua frente.»
João Marinheiro
» página 8
Papa Francisco
«Os jovens são uma das
preocupações do Santo
Padre, que defende um
melhor
entendimento
da fase de vida que
estes atravessam (...)»
» páginas 15 e 16
» páginas 20 e 21
Sociedade | Lifestyle | Desporto | Moda | Séries | Cinema | Gaming | Música | Literatura
EDITORIAL
02
Ficha Técnica
Directora: Catarina Veloso
Vice-Directora: Inês Linhares Dias
Redacção
Ana Silvestre
Andreia Monteiro
Catarina Félix
Dina Teixeira
Diogo Barreto
Gabriela Moura
Guilherme Tavares
Inês Amado
Joana Santos
Madalena Gil
Maria Borges
Maria Manuel de Sousa
Mariana Pereira Martins
Patrícia Fernandes
Sandra Vasconcelos
Tatiana Santos
Colunistas
Alexandra Antunes, Literatura
Catarina Veloso, Moda
Diogo Oliveira, Desporto
Francisco Marcelino, Música
Inês Dias, Política
Joana Ferragolo, Lifestyle
João Torres, Cinema
Maria Tavares, Tendências
Miguel Freitas, Música
Mitchel Molinos, Vídeojogos
Omar Prata, Textos Criativos
Pedro Pereira, Cinema
Sebastião Almeida, Actualidade
Susana Santos, Actualidade
Design:
Daniela Trony
Miguel Brito Cruz
Contacto: [email protected]
REDES SOCIAIS:
Facebook: www.facebook.com/
pontivirgula.geral
Youtube:: AQUI
Jornal redigido com o antigo acordo
ortográfico, salvo quando indicado.
Bem-vindos a mais um ano de Pontivírgula!
No seguimento da antiga direcção, o nosso jornal
pretende continuar a ser um órgão informativo e
independente da FCH. Com a maioria da equipa renovada,
esta primeira edição tornou-se numa experiência de trial
and error, em que tentámos não só orientar os membros
mais novos, mas também ajudá-los a desenvolver as
suas competências. Em conjunto criámos novas formas
de comunicação e divulgação de conteúdos que ainda
não tinham sido explorados, como o canal do Youtube e
o blog.
Tal como o arranque da maioria dos projectos, a
nossa primeira edição não foi fácil, ficando marcada pela
instabilidade e incerteza. De certo modo à semelhança do
que se vive na Europa actualmente. Não sendo possível
fugir ao debate das questões morais europeias, a nossa
primeira edição centrou-se na crise dos refugiados. Desde
Janeiro, mais de 400 mil pessoas procuraram na Europa
santuário. A porta de entrada principal é a Hungria, onde
milhares de pessoas acampam sem condições de vida ou
dignidade.
O desespero que levou a grandes vagas de mobilização
provocou um sentimento de invasão em alguns países
europeus: quem são estás pessoas? De onde vêm?
Porque é que vêm? Há capacidade para as acolher? Irão
assoberbar os nossos empregos, a nossa economia e a
nossa cultura?
Todas estas perguntas transformaram-se em acções
questionáveis do ponto de vista humanitário e moral.
O velho continente, que desde cedo idealizou a vida
humana como o valor simbólico e ético mais elevado de
todos, está agora a tomar decisões discutíveis.
O grande exemplo é a construção de muros nas
fronteiras, uma prática que está a tornar-se comum e
que me leva a lembrar uma fase negra da história. Os
refugiados não pretendem imigrar, apenas fugir ao
destino de morte certa. O grande desafio será ajudar
estas pessoas sem causar o caos na Europa. Será possível?
Bom Outubro,
Catarina Veloso
FCH
03
A nova associação de estudantes da fch
Com o começo de mais um ano letivo na Faculdade de Ciências
Humanas, assistimos a um episódio que se tem repetido ano após ano:
as eleições para a Associação de Estudantes. Assim, o Jornal Pontivírgula
entrevistou os alunos Joana Ferragolo e Miguel Pais, cabeças da lista
vencedora (Lista A), com o intuito de conhecer um pouco mais sobre o seu
projeto para o ano 2015/2016.
© Fotografia Cedida por Joana Ferragolo
Pontivírgula: O que te levou a apresentar uma
candidatura à presidência da AE?
Joana: Não foi, tecnicamente, o que me levou
a candidatar. Foi uma oportunidade que surgiu
enquanto uma ideia de grupo. Enquanto discutíamos
a ideia disseram para me candidatar à presidência
da AE. Depois, o Miguel Pais [Vice-Presidente da
AE] também tinha essa intenção e decidimos juntar
duas equipas que só por si eram bastante fortes e
que são capazes de fazer um bom trabalho na AE.
Pontivírgula: Quais são os vossos compromissos
para com os alunos?
Miguel: Embora seja eu a responder, acho que falo
em nome da lista A. Comprometemo-nos a melhorar
a situação entre os alunos. O nosso objetivo é criar
uma ligação entre os alunos. Queremos que eles se
sintam bem, que nos procurem para pedir ajuda em
qualquer situação e, sobretudo, comprometemonos a criar uma boa relação entre os constituintes
Pontivírgula: Qual o teu principal foco como
da nossa comunidade académica. Queremos
presidente?
que a Faculdade de Ciências Humanas tenha
esse espírito de ligação e que os alunos possam
Joana: Não é como presidente, é enquanto lista. contar tanto uns com os outros, tanto connosco.
O nosso principal foco, sem dúvida alguma, é
melhorar as relações entre os alunos da Faculdade Joana: Exato. Eu acho que também a Faculdade
de Ciências Humanas, a reitoria e a direcção.
Pretendemos igualmente representar justamente os de Ciências Humanas tem condições e nós, como
alunos da FCH e conseguir ajudá-los a inserirem-se nova AE, queremos passar essa imagem de que
melhor no mercado laboral e de estágios. Embora a a faculdade tem todas as condições para ser
Faculdade dê bastante apoio na parte dos estágios, reconhecida e ter nome entre os alunos. Achamos
consideramos que muitos alunos continuam um que a AE tem muito espaço para crescer junto dos
pouco fora do assunto e se sentem desamparados. alunos e entre toda a comunidade académica.
Considero mesmo que algo fundamental que
devemos fazer, enquanto estivermos na AE, é criar
uma ponte forte entre a faculdade e os alunos.
04
Pontivírgula: Qual foi o critério de seleção dos
elementos da lista e respetivos cargos?
Joana: Como disse anteriormente, a decisão de me
candidatar à presidência da AE não partiu apenas
de mim, mas de um grupo de alunos que tinham
capacidades e talentos para serem explorados em
determinadas áreas e cargos. O Miguel Pais era um
candidato fortíssimo para ser um bom presidente da AE,
por isso esta presidência, independentemente de eu ser
presidente e ele vice-presidente, é partilhada de igual
maneira, nenhum de nós manda mais do que o outro. A
própria lista mostra uma equipa muito forte, que é capaz
de explorar todas as áreas, quer seja no Apoio ao Aluno,
no Conselho Fiscal, na Assembleia Geral e na Direção.
São pessoas que mostram interesse no gabinete que
representam e a equipa está muito bem equilibrada.
Sim, é verdade que são mais alunos de terceiro ano,
mas costumam ser estes alunos que compõem as listas,
dado que já conhecem a faculdade, já conhecem os
alunos de segundo ano e, assim, é mais fácil conduzir a
entrada dos alunos do primeiro ano na vida académica.
Tendo isto em conta, acho que há uma boa ligação
entre as pessoas e os cargos que desempenham.
Pontivírgula: O que vos diferencia da lista anterior?
Joana: Não é o que nos diferencia, pois cada pessoa
que se candidata à AE tem como objetivo o bem-estar
da faculdade e dos alunos, quer seja o presidente do
curso de Comunicação Social e Cultural, quer seja de
outro curso, dado que cada pessoa está preparada para
representar bem a Faculdade de Ciências Humanas.
Por isso, não é o que nos diferencia. Não somos nem
melhores nem piores, e temos uma ideia do trabalho
que temos de fazer e que queremos fazer. Se vamos
conseguir fazer alguma coisa só o tempo o dirá e só no fim
deste ano é que o saberemos. O que nos vai diferenciar
será a opinião dos alunos que são agora de primeiro
ano, que para o ano serão de segundo ano. Serão eles
a dizer se fizemos um melhor trabalho ou não. Agora é
impossível dizermos isso, pois somos pessoas diferentes
e o trabalho vai ser diferente da Presidência anterior.
Miguel: Uma coisa que se evidencia é que a nossa
lista tem muito potencial para fazer um excelente
trabalho, para levar a Faculdade de Ciências Humanas
para a frente, para criar um bom ano para os caloiros,
que é o que eles querem: ir para a faculdade e
terem a melhor experiência possível. E é isso que
nós queremos dar. Queremos que eles aproveitem
todas as ferramentas para que, ao longo da sua
licenciatura, não só neste ano, possam desfrutar de
todas estas ferramentas, ajudas e conselhos que
possamos proporcionar e acho que o potencial
está todo na lista e faremos um excelente trabalho.
FCH
“Uma coisa que se evidencia
é que a nossa lista tem
muito potencial para fazer
um excelente trabalho, para
levar a Faculdade de Ciências
Humanas para a frente, para
criar um bom ano para os
caloiros, (...)”
Pontivírgula: Como mensagem final, o que
têm a dizer aos alunos da Faculdade de Ciências
Humanas?
Miguel: Acho que podemos mencionar um dos
nossos slogans: “De alunos para alunos”, uma vez
que, efetivamente, isso é verdade. Somos uma
comunidade de alunos com idades e experiências
diferentes, daí a nossa faculdade ser um melting
pot com imensas pessoas de vários pontos do país
e mesmo de Erasmus, que é um dos assuntos que
queremos abordar: queremos que os alunos de
Erasmus se sintam integrados na nossa faculdade,
participem mais. Mas às vezes é difícil, já que
estão um bocado afastados ou não falam com
muitas pessoas. E o que nós queremos mesmo
é criar uma excelente comunidade académica
e mostrar que para além de sermos uma lista,
somos potenciais amigos e que os alunos podem
connosco a qualquer altura. Temos o Gabinete
de Apoio ao Aluno e todos são bem-vindos.
Joana: As sugestões são bem-vindas e devem
ser feitas. Nós estamos a representar os alunos
e os interesses deles e para os representar têm
de haver sugestões, contacto e transparência.
Queremos manter estas ideias até ao final do ano.
“Somos uma comunidade
de alunos com idades e
experiências diferentes, daí
a nossa faculdade ser um
melting pot com imensas
pessoas de vários pontos do
país e mesmo de Erasmus,”
Guilherme Tavares
FCH
05
As praxes académicas da fch
Apesar das polémicas que giram em torno
da praxe académica, esta continua a fazer
parte do ritual de iniciação de grande parte
dos estudantes à vida universitária.
Na Universidade Católica Portuguesa cumpriu-se mais uma vez a tradição e os pastranos e veteranos dos vários cursos da FCH não
quiseram deixar de dar as boas vindas aos
caloiros.
Vamos então ver como é que os nossos
trajados se estão a sair e qual a opinião dos
nossos caloiros acerca da praxe.
© Fotografia Cedida por Maria Saraiva
© Fotografia Cedida por Gustavo Reis
VER ENTREVISTA AQUI .
FCH
06
XV Semana da Língua Italiana na FCH: a viagem para Itália, cá dentro
“Um povo sem o conhecimento da sua
história, origem e cultura é como uma árvore
sem raízes.” Afirmou o activista jamaicano
pelos direitos dos trabalhadores negros dos
Estados Unidos, Marcus Mosiah Garvey. O
activista sublinhou a necessidade que qualquer
povo tem de preservar o passado e valorizar a
própria identidade, cultivando o património
histórico e cultural. A frase não é recente, mas
numa realidade em que a globalização impõe
certos modelos de referência, que se tornam
dominantes, parece extraordinariamente actual.
É exactamente com o objectivo de
valorizar o património identitário nacional que
nasceu, há quinze anos, a Semana da Língua
Italiana, organizada desde 2001 - Ano Europeu
das Línguas - pelo Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Através dos Institutos Italianos de
Cultura e dos Consulados, sob o alto patrocínio
do Presidente da República, promove, em todo
o mundo e ao mesmo tempo, a língua (que, de
uma cultura, é o primeiro elemento caraterizante)
nas suas várias facetas e relações com a cultura
do país. A Língua Italiana é, actualmente, a
quarta mais estudada no mundo e Italia é o
país que detém a maior quantidade de lugares
(51) declarados pela UNESCO como Património
Mundial da Humanidade. E se defender e
proteger a cultura de cada povo é fundamental,
ainda mais importante é divulgar e difundir
o seu conhecimento. Com este objectivo,
faz parte da tradição da nossa Faculdade
participar activamente, graças ao apoio da
Direcção e da Coordenação da Área Científica
de Estudos de Cultura, nos eventos da Semana
da Língua Italiana que, em Lisboa, envolve as
Universidades e o Instituto Italiano de Cultura,
com um programa extremamente rico e variado.
“É exactamente com o
objectivo de valorizar o
património identitário
nacional que nasceu, há
quinze anos, a Semana da
Língua Italiana (...)”
É importante dizer que os eventos
previstos não se dirigem só aos estudantes de
Língua Italiana, mas sim a todos os “curiosos”,
já que o conhecimento e a cultura não têm
fronteiras, mas só infinitas etapas. Toda a
comunidade académica é, assim, convidada a
participar nas actividades que terão lugar na FCH.
Dedicaremos o primeiro dia de eventos Segunda-Feira, dia 19 de Outubro - à opera
lírica que é, sem dúvida, um dos principais
veículos da língua e da cultura italiana no
mundo. E, exactamente, porque a cultura
não tem fronteiras, teremos a honra de abrir
a nossa semana da Língua Italiana da melhor
maneira, com o nosso Professor Jorge Vaz
de Carvalho, máximo especialista nesta área
que, às 11h30, numa palestra imperdível.
Falará sobre “Lorenzo da Ponte: três libretos
italianos para Mozart”. Às 14h, continuaremos
o percurso na ópera lírica com a visualização
do documentário “Giuseppe Verdi, o génio
da lírica”, que será uma “viagem” pela vida do
mais famoso compositor italiano, conhecendo
os lugares, as pessoas e os afectos que
acompanharam e inspiraram a extraordinária
carreira do autor de “Aida” e de “La Traviata”.
“(...) porque a cultura não
tem fronteiras, teremos
a honra de abrir a nossa
semana da Língua Italiana
da melhor maneira (...).”
No dia 21, às 14h, a Professora de História
e Teoria da Tradução da Universidade de Cardiff,
Loredana Polezzi, na aula aberta “Os percursos
transnacionais da canção italiana” traçará um
percurso fascinante da musica pop italiana nos
Estados Unidos e América do Sul, na qual não
faltarão curiosas e interessantes surpresas. Esta
palestra será precedida por um projecto que
tive ocasião, mesmo nestas páginas, de anunciar
e que envolve a equipa do jornal Pontivírgula;
um projecto que tive o prazer de coordenar,
mas que foi fruto dos esforços e da viva paixão
de Catarina Veloso, Francisco Marcelino,
Alexandra Antunes e Sandra Vasconcelos.
FCH
07
“
Não faltem,
portanto.
A viagem
para Itália,
cá dentro,
está prestes a
começar!
“
© Miguel Brito Cruz
“Quando todos os caminhos vão dar
a... Lisboa! (Histórias de italianos em Lisboa)”
é um documentário em que, através de onze
entrevistas, os nossos quatro magníficos visam
contar histórias de italianos que escolheram
Lisboa e Portugal como lugares para começar,
continuar ou renovar os seus percursos de
vida. As histórias que cada italiano/a contou
são completamente diferentes e oferecem,
graças às perguntas postas, um panorama
rico, variado e desprovido de imagens
estereotipadas dos italianos que encontraram
na Lusitânia uma autêntica segunda pátria. Foi
um trabalho que nasceu do desejo espontâneo
deste fantástico quarteto continuar a usar
a língua italiana, estudada brilhantemente
por dois anos, ligando-a quanto mais
possível aos seus estudos e aspirações.
O primeiro passo deste projecto foi
dado no mês de Junho e, ao longo de todo o
Verão, em época de férias, foram realizadas
as entrevistas, sempre com entusiasmo,
pontualidade, preparação e uma boa
dose de humorismo que contagiou, como
veremos, até os entrevistados. A equipa
do jornal acompanhou todo o processo
até à versão final que, graças também ao
precioso trabalho da Joana Ferragolo, da
Inês Camilo e do Duarte Sá Carvalho, virá à
luz no dia 21 de Outubro, às 11h30. Espero,
portanto, que a dedicação, o entusiasmo
e o trabalho dessa fabulosa equipa seja
encorajado e aplaudido e possa constituir
um ponto de partida para os sonhos de
cada um deles, mas também para inéditas
experiências para a inteira comunidade
académica. Não faltem, portanto. A viagem
para Itália, cá dentro, está prestes a começar!
Prof. Dr. Gaspare Trapani
08
FCH
Ex-alunos: Experiências
João marinheiro
Olhando para estes últimos dois anos, gostei de
todas as experiências que pude agarrar. O meu primeiro trabalho foi um estágio de Verão no i, onde
colaborei na versão online do jornal. Foi uma boa
passagem por duas simples razões: coincidiu com o
momento em que os órgãos de comunicação social
transitavam para o formato digital, o que permitiu
poder participar no projeto de reconversão do site
do jornal; e porque foi aí que aprendi, verdadeiramente, a gostar da política nacional, uma vez que
estava lá quando Paulo Portas quis apresentar a sua
“irrevogável” demissão, inaugurando uma crise que
podia ter deitado abaixo o governo de coligação.
Mais importante ainda, foi graças a essa experiência que comecei a tomar atenção ao que se passava
nos corredores da classe governativa de Portugal.
Passou-se um ano e meio até voltar a estagiar. Não
foi o período mais fácil com o qual tive de lidar. Já me
tinha licenciado na FCH uns meses antes e estava a
começar o mestrado em Ciência Política e Relações
Internacionais, mas tardava em encontrar qualquer
coisa. Qualquer coisa que tivesse significado para
a minha carreira profissional. Até que, repentinamente, quando não tinha nada na carteira, surgiram
duas boas propostas. Uma delas era um estágio no
Ministério dos Negócios Estrangeiros, a outra era na
TVI. Ora, quem me conhece, sabe da desconfiança
que tinha em trabalhar na televisão. Mas acabei por
escolher essa opção porque queria continuar no jornalismo. E ainda bem que o fiz, uma vez que esse
estágio na editoria de notícias internacionais me fez
perceber que, durante uns tempos, era aquilo que
queria continuar a fazer. Porventura mais tempo que
isso até. Não sei se foi a adrenalina diária que implica
trabalhar em televisão, se foi a larga rédea que me
deram para ser criativo em criar as “minhas” notícias,
ou alguma coisa impercetível que me tocou a alma
quando se deram os atentados do Charlie Hebdo e
me fez sentir que tinha de continuar a fazer aquilo.
O certo é que o estágio acabou por findar e, com
algum receio, virei a página. Tinha sido um dos quantos escolhidos portugueses para ir trabalhar durante
cinco meses na Comissão Europeia. Não conhecia
Bruxelas mas não tive grande oportunidade de preparação porque “caí” na Bélgica quase imediatamente:
tinha saído da TVI umas três semanas antes e era a
minha primeira experiência laboral no estrangeiro.
Já tinha feito Erasmus em Roma mas aqui era diferente, ia trabalhar e não estudar, logo, a pressão
era outra. E foi preciso algum “sangue-frio”, afastarme bruscamente da família, namorada e amigos.
© Fotografia Cedida por João Marinheiro
Tive a oportunidade de estar naquilo que é a
“bolha” europeia, conhecer pessoas ambiciosas e
com currículo vasto (apesar de terem quase a mesma
idade do que eu), de todos os cantos da Europa
(literalmente). Muitas tornaram-se amigos próximos
e fizeram-me olhar para o mundo de outra maneira,
de encarar o futuro com outros olhos. Já para não
falar de poder ter aprendido, estando por dentro da
própria “máquina”, como as instituições funcionam,
participar nesse quotidiano e tentar contribuir para
o projecto europeu, especialmente numa altura em
que precisava – e, no meu entender, continua a precisar - de reencontrar o significado de identidade
e pertença por causa dos episódios ligados à crise
grega. Não obstante, guardo o estágio na Comissão
com carinho e muito orgulho.
Trabalhar no estrangeiro é válido em qualquer
cenário: a “saída do ninho”, seja para quem for, traznos maturidade, compostura e, sobretudo, mais
mundo do que já temos. Conhecendo-me como
conheço, acredito seriamente que esta não será a
última vez que vou sair do país para mudar de vida.
Todavia, decidi voltar a Portugal por vários factores.
Além das circunstâncias emocionais, regressei essencialmente porque tinha interrompido o mestrado e
queria acabá-lo. Por outro lado, tive uma oportunidade de regressar à televisão, agora com contrato
profissional, na TVI outra vez. A verdade é simples:
mesmo tendo estado em Bruxelas, o chamamento,
a ligação sentimental ao jornalismo continuou a
fervilhar cá dentro. Por isso e, por agora, sinto-me
de consciência tranquila, sem arrependimentos das
escolhas que tomei, a trabalhar naquilo que gosto
e a estudar aquilo que gosto. É o começo de mais
uma nova etapa e as novas etapas são sempre, mas
sempre, entusiasmantes.
João Marinheiro
FCH
09
PSICOLOGIA
Carta ao caloiro
Bem-vindo, Caloiro!
Escrevo este artigo com o objetivo de te antecipar o
que está prestes a acontecer, aconselhando-te na tua
transição e adaptação ao Ensino Superior.
Cada um é como cada qual. Desta forma, a vida académica pode ter diferentes significados e interpretações
e, em consequência, construir diferentes histórias.
Digo-te, desde já, que os nervos e o receio misturados
com a ânsia que deves estar a sentir são algo perfeitamente normal. A universidade, tal como o nome indica,
é algo enorme em todas as suas dimensões.
No meu primeiro dia no Ensino Superior acordei especialmente ansiosa e impaciente, mas também confiante
do passo que ia dar. Quando entrei pela primeira vez
na sala de aula, observei uma dezena de pessoas na
mesma situação que eu: um pouco perdidas mas ambiciosas para começar um novo ano, criar novas amizades
e beber novos conhecimentos. Senti-me extremamente
bem quando estas mesmas me honraram com cumprimentos, sorrisos e pequenos gestos de acolhimento.
O primeiro obstáculo já estava ultrapassado: a integração na turma. Procurei com quem mais me poderia
identificar e ali estavam elas, amigas que hoje considero
para a vida. Tenta fazer o mesmo, pensa que a tua turma
vai ser uma espécie de segunda família que te vai acompanhar durante todo o teu curso. O sentimento de integração é o primeiro passo para o sucesso.
Contudo, os primeiros meses foram tempos duros.
A entrada na faculdade é sempre sinónimo de praxe e
assim aconteceu. Não fiques assustado, irão respeitar-te
nos teus direitos e só participas naquilo que queres, mas
aconselho-te como amiga a não perderes algumas das
atividades organizadas. Os anciões da casa tornar-se-ão
quase como guias turísticos dentro desta mega viagem
que vais iniciar.
© Fotografia Cedida por Bárbara Matos
Todavia, é pertinente que não te percas no meio
de toda esta “farra”, entretanto o teu semestre está a
começar e tens de te aplicar desde o início. Este é o
segundo passo para o teu sucesso. A exigência académica cresceu e a chave é organizares o teu tempo.
Marca a diferença e mostra-te interessado desde o
princípio. Neste momento, sem dúvida que os resultados
estão nas tuas mãos.
A experiência pela qual passei correu melhor do que
aquela que tinha idealizado, mas nem sempre é assim.
Nenhum ser humano é perfeito. Portanto, caso te
arrependas das tuas escolhas, mantém a serenidade e
não desistas. Há sempre solução. Recomeça. É o momento perfeito para crescer enquanto estudante e também
enquanto ser humano.
A faculdade é um novo mundo e está pronta para te
acolher. Estarás tu pronto para entrar?
Boa sorte!
“No meio primeiro dia no Ensino Superior, acordei especialmente ansiosa e impaciente,
mas também confiante do passo que ia dar”
Maria borges
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
10
CUIDA-TE!
Alimentação saudável em tempo de aulas
A alimentação, para ser saudável, não significa
que seja restritiva ou monótona. Significa, sim,
que deve ser variada, completa e equilibrada pois,
desta forma, temos acesso a todos os nutrientes
indispensáveis ao bom funcionamento do organismo.
Os produtos hortofrutícolas, cereais e
leguminosas são alimentos ricos em fibra, vitaminas,
sais minerais e com baixo teor de gordura, por isso
devem ser os mais consumidos diariamente. Neste
período, em que é importante ter bom desempenho
académico e boa capacidade de memorização,
é necessário consumir peixe, como por exemplo
o salmão, a cavala, o atum ou a sardinha porque
são uma boa fonte de gordura polinsaturada,
importante na proteção vascular e ricos em ácidos
gordos ómega-3, envolvidos na regeneração
das membranas que envolvem os neurónios.
Alimentos a evitar – Para prevenires
a diabetes, obesidade, hipertensão
arterial
e
outras
doenças
cardiovasculares,
eis
alguns
alimentos que deves evitar na tua
alimentação:
•
Produtos açucarados - Além de te fazerem
ganhar peso, podem prejudicar bastante o cérebro. O
consumo a longo prazo de açúcar pode criar uma grande
variedade de problemas neurológicos, interferir na
memória e prejudicar a capacidade de aprendizagem;
•
Álcool - Conhecido por prejudicar o
fígado a longo prazo, o álcool costuma criar
uma espécie de “nevoeiro” cerebral - um
sentimento de confusão mental que afeta a
capacidade de pensar com clareza e a memória;
•
Junk Food - Um estudo recente realizado
pela Universidade de Montreal revelou que a junk
food (comum em restaurantes fast food) pode
alterar o equilíbrio químico do cérebro, levando à
manifestação de sintomas associados à depressão e
à ansiedade. Estes alimentos afetam a produção de
dopamina, que é uma substância química responsável
pela sensação de felicidade e que dá suporte à
função cognitiva do cérebro, à capacidade de
aprendizagem, à atenção, à motivação e à memória;
•
Fritos e pré-cozinhados - Praticamente todos
contêm químicos, corantes, aditivos, sabores artificiais
e conservantes, que podem afetar o comportamento
e funcionamento cognitivo do cérebro. Contribuem
em simultâneo para o aumento dos níveis de
colesterol e obesidade, que podem levar a problemas
de saúde como a Diabetes e a Hipertensão.
•
Alimentos muito salgados - Afetam
a pressão arterial e o coração a longo prazo,
aumentando o risco de problemas de saúde
graves, como enfarte agudo do miocárdio e AVC.
•
Proteínas processadas - A carne é a maior fonte
de proteínas, mas as processadas, como salsichas e
salames, devem ser evitadas. As proteínas naturais
ajudam o corpo a isolar o sistema nervoso, enquanto
as processadas fazem exatamente o contrário. Opta
por peixe, laticínios, nozes e sementes que são
fontes de proteínas naturais e de alta qualidade;.
André Ribeiro Ramos
Revisão científica: Sra. Professora Doutora Margarida Lourenço
ACTUALIDADE
11
SÍRIA: DA PRIMAVERA AO INVERNO ÁRABE
“
A Síria também
faz fronteira com o
Iraque, onde nasceu
o grupo terrorista
e jihadista, do ISIS,
Islamic State of Iraq
and Syria;
© Yeowatzup, Flickr
Desde 2011 que se trava uma guerra civil na Síria
entre o governo e diversos grupos de opositores.
Esta guerra civil tem tido um grande destaque
na cidade de Alepo, onde milhares de cidadãos
morrem diariamente e os destroços são inevitáveis.
É importante referir que Alepo não é a capital
da Síria, mas sim a cidade com maior população
(cerca de 2 milhões). Damasco, a capital, reúne 1.7
milhões de pessoas e situa-se a Sul do país, a poucos
quilómetros do Líbano e de Israel. Por outro lado,
Alepo situa-se a Norte e faz fronteira com a Turquia.
A Síria também faz fronteira com o Iraque, onde
nasceu o grupo terrorista e jihadista, do ISIS, Islamic
State of Iraq and Syria; isto é, um grupo que luta de
forma a encontrar a fé perfeita.
No mundo islâmico existem dois principais
ramos da religião muçulmana: os Xiitas e os Sunitas. Em 2003, Saddam Hussein governava o Iraque
com o apoio dos Sunitas, minoria do país, enquanto
a maioria são Xiitas. Após a invasão dos Estados
Unidos da América, o país começou a ser governado
por Nouri al-Maliki, que discriminava os Sunitas.
Entretanto, o ISIS começou por conquistar território e desde Junho deste ano que está presente
no Norte do Iraque, Síria, Iémen, Afeganistão, Paquistão, Nigéria, Península do Sinai no Egipto, Líbia,
Arábia Saudita e na Argélia; isto sem contar com os
agentes activos presentes noutros países, nomeadamente na Turquia, no Líbano e em Israel.
“
Também é importante mencionar a Primavera
Árabe, movimento popular que se propagou por
todo o Médio Oriente, iniciado na Tunísia em 2010,
que visa submeter países a um governo democrático.
Estes protestos realizaram-se de forma a acabar
com governos repressores, cujas ideologias tiveram
raízes nas ditaduras militares entre as décadas
de 1950 e 1970. Quando estas manifestações
não tiveram o efeito pretendido da população
deu-se o Inverno Árabe, nome dado à violência
originada pela falha de implementação de governos
democráticos, nomeadamente guerras civis.
Na Síria, o conflito começou por ser uma luta a
favor da democracia. Porém, com as influências dos
seus países vizinhos, juntou-se a disputa religiosa. Por
outras palavras, começou a travar-se uma guerra de
poder, e uma guerra entre Xiitas e Sunitas neste país.
Mais uma vez, juntou-se a religião à política.
Os escombros da cidade de Alepo são conhecidos
pelo mundo fora, mas os conflitos diários não.
A UNICEF divulgou a falta de electricidade na
cidade, e a CNN mostrou ao Ocidente o aumento
de raptos de crianças na cidade, assim como
o cuidado e empenho em ensinar a língua
inglesa às crianças que ainda se mantém no país.
Visto isto, com ataques vindouros de
todos os países vizinhos, os sírios tendem a
procurar a democracia nos países europeus
que vivem dificuldades em registá-los a todos.
madalena gil
ACTUALIDADE
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Crise dos Refugiados em Budapeste
© Francisco Fidalgo
A vida corre, em Budapeste. Em Blaha Lujza, uma
das praças mais movimentadas da capital húngara
e sítio onde passo diariamente, as pessoas fazem
as suas vidas normalmente e ninguém se apercebia
de que, a poucos metros dali, na estação de Keleti,
estavam acampados dezenas de refugiados que ali
aguardavam a oportunidade de partirem para outros
países. A grande maioria tem como destino final a
Alemanha. Era o que se ouvia das vozes dos refugiados e o que se lia nos murais que enchiam as paredes
até que as autoridades os removessem. Logo eram
substituídos por outros, que pregavam mensagens
de tolerância e pediam acolhimento. Também esses
durariam pouco.
A Keleti chegava gente de todos os lados para
ver com os próprios olhos o “fenómeno” de que
tanto se fala na televisão. Alguns perguntavam em
que podiam ajudar e voltavam no dia seguinte com
comida, roupa ou simplesmente disponibilidade para
prestar assistência, distribuir mantimentos ou limpar
o espaço.
Outros havia que olhavam o acampamento de
cima, observavam como se comportavam os refugiados, tiravam fotografias, postavam nas redes sociais e viravam costas como se tivessem visitado uma
atracção turística ou um “freak show”.
© Inês Linhares Dias
ACTUALIDADE
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© Francisco Fidalgo
Era este o cenário que se vivia até 15 de
Setembro, em Budapeste. Na manhã de 15 de
Setembro, o governo húngaro anunciou que iria
erguer um muro na fronteira com a Roménia e que a
polícia passaria a prender quem entrasse ilegalmente
no país. Nesse mesmo dia, dirigi-me à estação de
Keleti, onde tinha estado dois dias antes. O cenário
era desolador. No espaço onde se encontravam,
no dia anterior, dezenas de famílias, já só se viam
tendas vazias deixadas para trás e voluntários que,
à semelhança dos dias anteriores, iam preparados
para auxiliar os que precisavam, mas que, naquele
dia, só tinham para limpar os vestígios deixados por
Osama Eddin, um voluntário que conheci quem foi obrigado a sair mais cedo do que esperava.
em Keleti, explicou-me que os migrantes vinham
maioritariamente da Síria e do Iraque, mas também do A polícia não foi violenta, disse-me Osama, que tinha
Afeganistão, Irão, Sumália e Nigéria. Todos eles fogem assistido a tudo. Aliás, assim que chegam a Budapeste,
de conflitos nos seus países. Os percursos geralmente tudo é mais tranquilo. O executivo de Viktor Órban,
foram feitos até à Turquia, depois através do mar até à como qualquer governo ditatorial, tem noção de que
Grécia. Daí, aqueles que podiam fazê-lo, apanhavam a imagem que transmite é essencial, e é por isso que
ligações aéreas até aos seus países de destino, os em Budapeste as autoridades são mais contidas no
outros teriam que andar até à Macedónia, até à Sérvia e tratamento que dão aos migrantes que ali chegam. Na
depois para a Hungria e para a Croácia. Este percurso, já fronteira, onde os acessos são muito mais controlados,
dentro da Europa, podia levar uma semana ou um mês. a violência é uma constante. Os relatos dão conta
de como as forças militares exercem o seu poder de
Ao longo do caminho não receberam qualquer tipo forma tirana, exigindo o dinheiro, os telemóveis e
de apoios dos governos dos países que atravessavam. outros bens preciosos daqueles que tentam passar.
Mas havia sempre alguém, à margem dos governos,
disposto a ajudar. Antes de eu ter chegado a Budapeste,
os meus companheiros de casa albergaram por uma
noite 5 refugiados que estavam à porta do nosso
“Ao longo do caminho não
prédio. Como eles, muitos outros prestaram auxílio
receberam qualquer tipo
aos viajantes que iam encontrando. Muitas mulheres
de apoios dos governos dos
grávidas e crianças passaram noites ao relento, mas
países que atravessavam”
relembram sempre as alturas em que foram ajudadas.
De alguma forma, as pessoas que por ali pernoitavam
já se tinham habituado à constante observação a que
eram sujeitos. As mães, os pais, os irmãos mais velhos
continuavam a ter que manter as crianças debaixo de
olho e, por isso, nem se apercebiam de que estavam a
ser fotografados. As crianças, sempre demasiado ocupadas a brincar para se sentirem incomodadas com
a situação. Aqueles que reparavam, sorriam com um
olhar complacente, que, por vezes, era correspondido
pelo fotógrafo intrusivo, outras provocava um arrepio
de temor no “voyeur” apanhado.
14
ACTUALIDADE
© Francisco Fidalgo
Também os meios de comunicação
social são altamente controlados (censurados,
é a palavra certa) pelo governo. As imagens que
percorreram o mundo de uma jornalista húngara
a pontapear refugiados não foram divulgadas
dentro da Hungria. Foram as redes sociais que
mostraram aos húngaros o tratamento que
os refugiados recebem na fronteira. Muitos
deles aplaudiram a actuação das autoridades.
“Foram as redes sociais que
mostraram aos húngaros
o tratamento que os
refugiados recebem na
fronteira.”
Se o tratamento dado aos refugiados já era
“selectivo” antes do dia 15 de Setembro, desde
então, tem vindo sistematicamente a piorar.
O muro na fronteira com a Sérvia estendeu-se
até à fronteira com a Croácia. As autoridades
húngaras têm agora licença para atirar sobre
os emigrantes ilegais. A Áustria, que recebeu
milhares de imigrantes durante várias semanas,
apertou também o controlo com a Hungria
devido ao enorme fluxo que recebia diariamente.
Hoje, já não se vêem refugiados em Keleti, nem
em mais lado nenhum da capital. Já não entravam
pela Sérvia, agora nem pela Croácia. Não podem ir
para a Áustria. Também a Alemanha atingiu o ponto
de saturação. Eles continuam a chegar e têm cada
vez menos lugares para onde ir. É importante referir
que muitos não teriam saído, mas as condições que
enfrentavam obrigaram-nos a arriscar a vida à procura
de paz e melhores condições. É imperativo que se lhes
abra as portas, mas é imperativo também lutar para
que não tenham que sair mais pessoas dos seus países.
Inês Linhares Dias
ACTUALIDADE
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Papa Francisco quer para igreja o mesmo que quer para a Europa: que seja mãe
Em entrevista exclusiva à Rádio Renascença, o Papa Francisco alertou para a
importância do acolhimento.
A entrevista que o Santo Padre concedeu à Rádio
Renascença foi mote para uma conversa em que o Papa,
à semelhança do que tem vindo a fazer ao longo do seu
pontificado, alertou para a importância de a igreja abrir
portas e ir ao encontro das necessidades das pessoas.
Os jovens são uma das preocupações do Santo Padre,
que defende um melhor entendimento da fase de vida
que estes atravessam: “Os jovens são mais informais e
têm o seu próprio ritmo. Temos de deixar que o jovem
cresça, temos de o acompanhar, não o deixar sozinho,
mas acompanhá-lo. E saber acompanhá-lo com prudência, saber falar no momento oportuno, saber escutar
muito. Um jovem é inquieto.” Por isso, sustenta que é
© Raffaele Esposito, Flickr
necessário propor desafios que lhes interessem, que os
envolvam e os comprometam.
Mas, também na forma de a igreja se relacionar
com os mais novos, nomeadamente, no modo como
transmite a mensagem cristã, o Papa entende que são
Aos riscos inerentes aos processos de renovação,
que considera necessários, responde que é
preferível ter uma igreja “acidentada” a ter uma
igreja estagnada, que vive fechada e adoece.
“Uma igreja que vê o que está à sua volta e
necessárias mudanças. Na metodologia catequética,
que vai ao encontro desse mesmo propósito
que, às vezes, não é completa, deve operar-se um afas-
pode sofrer acidentes, mas está viva”, sublinha.
tamento da catequese puramente teórica e deve ser
ensinada uma “doutrina para a vida”, que “tem de incluir
“Os jovens são uma das preo-
três linguagens, três idiomas: o idioma da cabeça, o
cupações do Santo Padre, que
idioma do coração e o idioma das mãos”, defende o
defende um melhor entendi-
Sumo Pontífice, acrescentando que “a catequese deve
mento da fase de vida que estes
entrar nesses três idiomas: que o jovem pense e saiba
atravessam (...)”
qual é a fé, mas que, por sua vez, sinta com o seu coração
o que é a fé e que, por sua vez, faça coisas.”
Inês Linhares Dias
ACTUALIDADE
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Papa Francisco quer para igreja o mesmo que quer para a Europa: que seja mãe
Os refugiados e a Europa
As reflexões do Papa acerca da crise de
refugiados passam pelo reconhecimento da
complexidade da situação a um nível global
(recordando ciclos históricos ou os fenómenos de
migrações internas, do campo para a cidade, e os
consequentes guetos suburbanos) e culminam
no apelo aos países da Europa para que abram as
portas e acolham aqueles que aqui procuram abrigo.
Não haverá solução se os problemas não
forem resolvidos na origem, diz: “Onde as causas são a
fome, há que criar fontes de trabalho, investimentos.
Onde a causa é a guerra, procurar a paz, trabalhar
pela paz”. E o diagnóstico do Papa aponta também a
“um sistema socioeconómico mau e injusto, porque
dentro de um sistema económico (dentro do mundo,
falando do problema ecológico, da sociedade
socioeconómica, da política) o centro tem de ser
sempre a pessoa. E o sistema económico dominante,
hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no
centro o deus dinheiro, que é o ídolo da moda.”
Por outro lado, recorda que os fluxos
migratórios sempre existiram e que podem ser
saudáveis e equilibrar estruturas demográficas
envelhecidas, como as europeias. “Quando há
um espaço vazio, a gente procura preenchê-lo.
Se um país não tem filhos, vêm os emigrantes
ocupar o lugar. Penso no nível dos nascimentos
de Itália, Portugal e Espanha. Creio que é quase
0%. Então, se não há filhos, há espaços vazios.”
“As reflexões do Papa
acerca da crise de
refugiados passam pelo
reconhecimento da
complexidade da situação a
um nível global (...)”
“
A todos, o Papa
Francisco deixa o apelo
que é o eixo central
da sua acção cristã:
“Acolher, acolher as
pessoas, e acolher tal
como vêm.”
“
À Europa pede que retome a sua
capacidade de liderança no concerto das nações.
“Ou seja, que volte a ser a Europa que define
rumos, pois tem cultura para o fazer” - uma cultura
que, recorda, assenta nos pilares da cristandade:
“a Europa tem que desempenhar o seu papel, ou
seja, recuperar a sua identidade. É verdade que a
Europa se enganou – não estou a criticar, mas só
a recordar –, quando quis falar da sua identidade
sem querer reconhecer o mais profundo da sua
identidade, que é a sua raiz cristã, não foi? Aí
enganou-se. Bom, mas todos nos enganamos
na vida... Está a tempo de recuperar a sua fé.
Neste sentido, o Papa apela às Paróquias
para que acolham famílias, alerta para a importância
do papel da educação na integração pelo trabalho
dos jovens refugiados e finaliza com uma
mensagem de esperança para a Europa: “A Europa
ainda não morreu. Está meia-avozinha, mas pode
voltar a ser mãe. E eu tenho confiança nos políticos
jovens. Os políticos jovens tocam outra música.”
A todos, o Papa Francisco deixa o apelo que
é o eixo central da sua acção cristã: “Acolher,
acolher as pessoas, e acolher tal como vêm.”
Inês Linhares Dias
ACTUALIDADE
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Independentistas da Catalunha obtêm maioria no parlamento
No passado dia 27 os catalães puderam ir votar num plebiscito sobre a
independência da Catalunha face a Espanha.
© AFP, Getty Images
A
coligação
independentista
da
Catalunha, Juntos pelo Sim, conseguiu a
maioria no Parlamento, obtendo lugar para 62
deputados, aos quais se juntam 10 conseguidos
pela Candidatura de Unidade Popular,
perfazendo um total de 48,06% dos votos.
Numa votação que levou 77% dos eleitores
recenseados às urnas, tornando estas eleições
as mais concorridas de sempre, na Catalunha,
os independentistas venceram as eleições,
mas a independência não está garantida.
Em segundo lugar nas eleições, ficou o
partido Cidadãos, que conseguiu 25 lugares
no Parlamento. Este é um partido antiindependência, tal como o Partido Socialista
da Catalunha, ou o Partido Popular, que
conseguiram 16 e 11 deputados, respectivamente.
“(...) os independentistas
venceram as eleições, mas
a independência não está
garantida.”
Antes do plebiscito do passado domingo,
o Juntos pelo Sim afirmou que se vencesse as
eleições iniciaria um processo que conseguiria
a independência para a Catalunha em 18 meses.
Para atingir essa independência, o partido
comprometia-se a criar uma força militar, redigir
uma nova constituição e ainda um sistema
judicial independente do Estado Espanhol.
Em Dezembro terão lugar as
eleições
legislativas
espanholas
que
poderão levar ao afastamento do partido
de Mariano Rajoy, líder do Partido Popular,
confessamente contra a independência.
Diogo Barreto
ACTUALIDADE
18
ANTRAL protesta na rua contra a Uber
No dia 8 de setembro, mais de 400
taxistas concentraram-se na zona do Aeroporto
de Lisboa e protestaram nas ruas contra a
plataforma privada de táxis Uber, com o objetivo
de levar o Governo a actuar, fazendo cumprir a
lei. Protestos que igualmente se reproduziram
nas cidades do Porto e de Faro, à semelhança
do que aconteceu noutras cidades europeias.
Segundo a Associação Nacional dos
Transportadores Rodoviários em Automóveis
Ligeiros (ANTRAL), a Uber está a operar em
Portugal sem autorização do tribunal, após
ter sido aceite, a 28 de abril de 2015, uma
providência cautelar que proibia os serviços
da aplicação de transportes Uber em Portugal.
No entanto, o processo aguarda uma
decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, devido
ao recurso apresentado pela Uber: a providência
cautelar aceite pelo tribunal não abrangia a
actividade e dizia respeito ao serviço UberPop,
que permite a qualquer pessoa, sem formação,
disponibilizar o seu carro pessoal na plataforma e
transportar clientes (serviço que não se encontra
disponível em Portugal). Para além disso, a Uber
alega que opera inteiramente de acordo com
a legislação em vigor, uma vez que trabalha
apenas com parceiros credenciados que pagam
impostos por cada viagem realizada na plataforma.
“
(...) a Uber está a operar
em Portugal sem
autorização do tribunal
(...),
“
De momento, a plataforma que liga
utilizadores a motoristas privados, apesar de não
estar disponível para aceder através do site, tem os
serviços UberX e Uber Black disponíveis na aplicação.
A aplicação tem tido um crescimento significativo,
principalmente em Lisboa e no Porto, o que reflecte
a utilidade da plataforma para a mobilidade.
© Uber Logo
No seguimento dos últimos protestos contra
a aplicação, o Pontivírgula falou com Bernardo
Figueiredo, um dos mais recentes motoristas
da Uber, para tentar perceber como funciona
esta aplicação e o que traz de novo a Portugal.
Pontivírgula: O que é a Uber para si? Por que razão
decidiu trabalhar para a Uber?
Bernardo Figueiredo: Para mim, a Uber é uma
plataforma que liga pessoas a um serviço, de maneira
simples, cómoda e segura. Decidi trabalhar nesta
área, não só por fazer algo que gosto, conduzir, bem
como pela comodidade e qualidade do emprego em si
Pontivírgula: Mas, trabalha directamente para a
Uber? Em que serviço?
Bernardo: Eu não trabalho directamente para a
Uber, nenhum motorista trabalha. Trabalho para
uma empresa partner da Uber que, para além
destes serviços, efectua também tranfers sob
marcação. De momento, faço apenas serviços
UberX, a linha mais informal e descontraída da
Uber, coisa que se reflecte, tanto nos preços
das viagens, como nos carros e comodidade
que é oferecida ao cliente. É um serviço feito
em carros mais acessíveis. Porém, são novos.
.
ACTUALIDADE
19
“
Se ridiculariza ou se inferioriza
as empresas concorrentes é
porque simplesmente estas não
são tão boas ou tão funcionais
quanto a Uber.
“
Pontivírgula: Acha que esse serviço traz benefícios
para os cidadãos portugueses?
Bernardo: Sem dúvida que este serviço é, hoje em dia,
uma grande mais-valia para os cidadãos portugueses.
No entanto, não está sequer perto de estar
totalmente explorado e estabelecido, em Portugal.
Pontivírgula: E que benefícios traz para si este
serviço, como motorista?
Bernardo: Como motorista, este serviço tem também
imensas qualidades a destacar, como, por exemplo,
o facto de nunca e em qualquer momento haver
dinheiro envolvido entre o motorista e o cliente. É
seguro para o cliente e seguro também para mim
enquanto motorista, pois sei que nunca, ou muito
pouco, provavelmente, estarei envolvido numa
situação de assalto, visto ser tudo processado através
do cartão de crédito do cliente e da aplicação.
Pontivírgula: Acha que a Uber tem um serviço que
deve permanecer em Portugal? Porquê?
Bernardo: Sem dúvida alguma. Há pessoas que,
simplesmente, não gostam ou têm total aversão
a andar de táxi ou em qualquer outro tipo de
transporte. Mas, neste caso, comparo a um táxi,
visto ser o mais parecido e, perante esta lacuna na
nossa sociedade e na nossa rede de transportes,
outras alternativas terão de surgir. Neste caso, a
Uber está a fazê-lo muito bem, apesar de o número
de carros ainda ser muito reduzido e haver uma
grande falta, tanto de viaturas como de motoristas.
Pontivírgula: Acha que a empresa cumpre todas as
medidas de segurança necessárias ao serviço?
Bernardo: Creio que sim. Na verdade, não sou
nenhum especialista neste tipo de assuntos, de
segurança. Mas, a meu ver, creio que sim. Todos os
carros têm, pelo menos, uma cadeira para bebés
ou crianças e seguros contra todos os riscos, que
cobrem tanto o carro, como os seus ocupantes em
caso de dano. Posto isto, não vejo de que maneira
possa este serviço ser mais seguro ou que outras
medidas de segurança possam ser acrescentadas.
Pontivírgula: O aparecimento da Uber tem
vindo a causar algum descontentamento para
muitos profissionais do sector de transporte de
passageiros. Acha que esta aplicação inferioriza as
empresas concorrentes de alguma forma?
Bernardo: Sim, isso é verdade. Se ridiculariza ou
se inferioriza as empresas concorrentes é porque
simplesmente estas não são tão boas ou tão
funcionais quanto a Uber. Já nem sequer vou
entrar na questão dos motoristas Uber serem mais
responsáveis que o taxista genérico português.
Pontivírgula: O que acha acerca das últimas
manifestações da ANTRAL? E porquê?
Bernardo: Toda a gente tem o direito de se
manifestar quando não está contente com algo,
pelo menos está assim previsto na constituição.
Na verdade, acho que era a opção mais previsível.
Pontivírgula: O que achou do comportamento dos
motoristas de táxi durante as manifestações?
Bernardo: Na minha opinião, o comportamento
dos taxistas durante o protesto foi só lamentável,
degradante e infeliz. As acções que foram tomadas
pelos que protestavam contra os próprios
colegas que decidiram não aderir, puseram a nu
a verdadeira génese dos taxistas, no geral. As
agressões, os insultos, tudo isso só veio contribuir
para o aumento do fosso entre a população e os
próprios taxistas e, se com isto pretendiam fazerse ouvir e expressar, o resultado final ficou muito
aquém do desejado. Ninguém está acima da lei.
Não é por se sentirem injustiçados que adquirem
o direito de fazer o que fizeram durante o protesto.
Mariana Pereira Martins
ACTUALIDADE
20
Sam Shaw, 60 anos de Fotografia
“Pessoalmente, procuro encontrar. Encontrar o inesperado, o que
está mesmo ao virar da esquina, o que está prestes a acontecer, é uma
aventura visual. Só raramente enceno uma composição fotográfica: a
única excepção foi a fotografia de Marilyn Monroe na sequência com a
saia a esvoaçar.”, Sam Shaw
O Centro Cultural de Cascais recebeu, em estreia, a
digressão mundial “Sam Shaw, 60 anos de Fotografia”
no passado dia 11 de Setembro, que continuará em
exibição até dia 8 de Novembro. Esta exposição conta
com cerca de 200 fotografias, umas nunca antes vistas
e outras célebres, que foram reunidas por Lorie Karnath, investigadora e autora que viajou pelo mundo
com Sam Shaw.
Chegada ao Centro Cultural de Cascais, envolvido
por um tempo que ameaçava chuva, iniciei aquela
que seria a viagem de ver o mundo pelo olhar atento
de outrem. A exposição estava dividida em quatro
partes principais: “Primeiros anos: Sam Shaw como
fotojornalista”, “Sam Shaw e a indústria cinematográfica”, “Sam e Marilyn” e “Sam Shaw como produtor
de cinema”. Nos corredores, à medida que observava
as fotografias, ouvia visitantes a contarem as suas
próprias histórias, suscitadas por aquelas imagens. O
confronto entre o seu tempo e a documentação que
tinham à sua frente. A incredulidade face à técnica de
Shaw e a sua sensibilidade e sentido de humor.
Nascido em 1912, enquanto criança, Sam Shaw
adorava desenhar. Como tal, mais tarde, trabalhou
como desenhador em tribunais, como cartunista
político e desportivo e chegou a ser director artístico
do jornal The Brooklyn Eagle. Iniciou a sua carreira
fotojornalística na revista Collier’s, nos anos 40, onde
documentou músicos de Jazz de Nova Orleães, o movimento dos direitos civis no Mississippi, entre outros.
Teve, também, uma série –“How America Lives” – onde
captou pessoas no seu dia-a-dia. Porém, para Sam
Shaw, a fotografia sempre foi mais do que simplesmente captar numa imagem o que estava à sua frente.
Envolvia-se na vida interior da história, tentando incluir na fotografia a vida na periferia ou o que acontece
por detrás das câmaras. Deste modo, não procurava a
composição perfeita, mas sim imagens que contassem
histórias. Foi o artista Marc Chagall que levou Shaw a
transformar a sua fotografia numa experiência que
ultrapassava a imagem impressa, ou seja, tentar incluir
alguma fantasia ou poesia para além do realismo inerente a uma fotografia.
© Andreia Monteiro
“
Porém, para Sam Shaw,
a fotografia sempre foi
mais do que simplesmente
captar numa imagem o
que estava à sua frente.
“
Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico
ACTUALIDADE
21
© Andreia Monteiro
Foi assim que Shaw se iniciou na indústria
cinematográfica nos anos 50, criando imagens
icónicas como a de Marilyn Monroe com a sua
saia esvoaçante sobre o respiradouro do metro,
ou de Marlon Brando com a t-shirt rasgada para
o filme “A Streetcar Named Desire”. Ao fotografar
actores, músicos, artistas ou intelectuais, Shaw
procurava trabalhar com os seus modelos sem
que estes posassem ou tivessem qualquer
maquilhagem
ou
acessórios.
Encorajavaos a improvisarem e a serem espontâneos.
Por fim, é nos anos 60 que se torna produtor de
cinema com o filme “Paris Blues”. No entanto,
a fotografia continuou a ser a sua actividade
predilecta, sendo o principal fotógrafo no set
de filmagens e ajudando a desenvolver as
campanhas publicitárias de todos os seus filmes.
Sam Shaw, não só tirou algumas das fotografias
mais aclamadas de Hollywood, como também
foi pioneiro de um novo estilo artístico e técnico.
Aconselho todos a visitarem esta exposição
onde cada fotografia conta uma história incrível
por várias partes do mundo e com várias pessoas
e culturas. Mais do que um relato pictórico, é
um documento histórico da cultura americana
e da sua evolução até 1999, data da sua morte.
Paris, 1960 © Andreia Monteiro
Andreia monteiro
ACTUALIDADE
22
O Ano do Orpheu: A Mudança e o Caos
Os paranóicos. Os loucos. Os revolucionários.
Assim foram apelidados aqueles que, como
Fernando Pessoa, se atreveram a criar a revista
Orpheu. Em 1915 são publicados os dois únicos
números da revista, esgotando-se num instante e
suscitando, inevitavelmente, uma irritação geral.
Os colaboradores da revista - entre eles Mário de
Sá-Carneiro e Almada Negreiros – orgulham-se de,
em Portugal, pertencer ao movimento que marcou
o início da modernidade artística e literária. Não
sendo uma simples e banal exposição de arte, foi
considerada “uma porta de entrada no contexto
social, cultural e político do país”. De que forma estes
autores relataram a atmosfera sombria que, naquele
preciso ano, começou a espalhar-se pelo mundo?
De que forma este cenário aterrorizador fez surgir
o modernismo em Portugal? São precisamente por
estas perguntas que a exposição Orpheu nos guia.
A exposição, comissariada por Steffen Dix,
produzida em parceria com o Centro Nacional
de Cultura e exposta no Museu da Electricidade,
conduz-nos pelo ano de 1915, de forma
cronológica, através de registos bibliográficos,
fotografias, objectos, filmes, cartazes publicitários,
material bélico, desenhos e poesia da época. Um
ano longínquo, ao que parece, mas incrivelmente
perto de nós. Aqui podemos encontrar a tradição, a
ruptura e a arte intrinsecamente ligadas: entramos
numa espécie de cápsula do tempo dentro da
qual os diferentes discursos culturais e interacções
sociais da época nos transportam e nos arrastam.
© Ana Silvestre
A abrir a exposição, uma foto do café
Montanha: foi precisamente neste espaço onde
aconteceu o primeiro encontro entre Fernando
Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Luís de Montalvor e
onde, em Janeiro de 1915, tiveram a ideia de criar
esta revista. De seguida, a exposição mostra-nos
algumas armas da Revolução de 14 de Maio de
1915, bem como capacetes alemães da I Guerra
Mundial, a prometida “guerra que traria o fim
de todas as guerras”, ao mesmo tempo em que,
numa das vitrines, surgem exemplares de revistas
da altura, que por todo o mundo demonstravam
um jornalismo pesado, duro e pessimista. Um
jornalismo de guerra que, ao contrário de Orpheu,
censurava a informação e se deixava absorver
pela máquina de propaganda dos governos.
“
© Ana Silvestre
Aqui podemos encontrar a tradição,
a ruptura e a arte intrinsecamente
ligadas: entramos numa espécie de
cápsula do tempo dentro da qual
os diferentes discursos culturais e
interacções sociais da época nos
transportam e nos arrastam.
“
ACTUALIDADE
À época, o jornal O Intransigente
publicou a notícia que dava conta da nova revista
Orpheu com o título “A Caminho do Manicómio”,
em finais de março de 1915. Para a maioria dos
críticos, a poesia e a prosa contidas nesta revista de
vanguarda eram exemplos de decadência literária.
“Esta é a revista dos malucos, o órgão dos malucos”,
escreveu Pessoa, numa das cartas expostas no Museu.
Num outro canto, encontram-se pinturas de
Sousa Lopes e José Malhoa, obras estas que foram,
no ano de 1915, centro de atenções na exposição
Panama-Pacific em São Francisco, uma vez que
pretendiam mostrar a época artística que se vivia,
em Portugal, neste tempo de fúria. Por outro lado,
há também música e cartazes publicitários de 1915,
textos de provocação como a “Ode Marítima” de
Álvaro de Campos e “Manifesto Anti-Dantas” de
Almada Negreiros cuja leitura pode ser escutada
individualmente pelos visitantes. Até uma mota
vinda do Museu do Caramulo é outra pista para
saber mais sobre o ano que produziu a revista que
mudou para sempre o rumo da literatura portuguesa.
23
“
Precisamente por isso, não
podemos nunca esquecer
estes artistas que, à luz
de muitos sonhos e com
uma alma revolucionária,
ambicionavam mais e melhor
por Portugal.
“
Com uma alma irreverente e uma
mentalidade transcendente, Pessoa afirmou
pertencer “a uma geração que ainda está por vir”.
Essa geração que hoje somos nós. Precisamente
por isso, não podemos nunca esquecer estes
artistas que, à luz de muitos sonhos e com uma
alma revolucionária, ambicionavam mais e melhor
por Portugal. É uma exposição de afirmação e
mudança. Uma exposição a ir, porque o passado
espelha um futuro próximo e o Orpheu não acabou.
© Ana Silvestre
Ana Silvestre
ACTUALIDADE
24
Apple apresenta novidades no mercado da tecnologia
A Apple lançou, no mês de setembro, novos
produtos, incluindo o iPhone 6s e o iPhone 6s Plus,
que chegarão a Portugal apenas no final do ano com
um custo base de 700 euros.
Entre as novas funcionalidades estão o iOS 9, o 3D
Force Touch, o chassis com alumínio da série 7000,
um processador a 64-bits, o A9 com a atualização do
processador auxiliar para o M9, um WiFi mais rápido
e um LTE (Long Term Evolution) mais desenvolvido.
A Apple melhora ainda o ecrã, a variedade de
“
A Apple melhora
ainda o ecrã, a variedade de cores (prateado, dourado e rosa
dourado) (...)
“
cores (prateado, dourado e rosa dourado) e a qualidade da câmara: câmara iSign com 12MP, câmara
FaceTime com 5MP HD, vídeo 4K e nova tecnologia
Live Photos.
Outras novidades são o Apple Watch, agora com
novas funcionalidades e mais personalização, o iPad
Pro e um iPad mini, com um sistema de áudio com
quatro colunas e uma autonomia de 10 horas. A
Apple TV é também reinventada com a integração
da Siri, uma assistente pessoal que permite controlar
a TV com comandos de voz.
“(...) chegarão a
Portugal apenas no
final do ano com um
custo base de 700
euros.”
© Apple
Dina Teixeira
Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico
OPINIÃO
25
Actualidade
Je suis Charlie? Oui, mas com calma, s’ill vous plait…
À dire vrai, é do conhecimento geral o frequente uso
do “humor negro” nas capas do jornal francês Charlie
Hebdo, principalmente quando se trata de satirizar o profeta Maomé. Aliás, é de tal forma conhecido que, devido
às suas polémicas capas, em Janeiro passado, 17 pessoas
sofreram as consequências das ridicularizações presentes
nos cartones do jornal francês. 12 pessoas foram mortas
num atentado contra o Charlie Hebdo enquanto que
as outras 5, foram assassinadas nos dias seguintes num
assalto a um supermercado judaico, perpetuado pelos
terroristas do atentado.
Porém, e como o Charlie Hebdo não gosta de fugir
ao seu registo típico de “tocar na ferida”, o jornal satírico voltou a fazer das suas publicando mais uma capa
polémica, contudo um pouco diferente do habitual...
Não, não deixaram de suscitar “choque” aos mais sensíveis. Simplesmente, desta vez, o alvo foram os refugiados, particularmente Aylan Kurdi, a criança síria encontrada numa praia na Turquia depois de se ter afogado.
O polémico jornal decidiu publicar uma imagem que
retrata Aylan Kurdi na praia turca, juntamente com uma
mensagem que dizia: “Tão perto do objetivo...” e um
cartaz que assinalava: “Promoção! 2 menus criança pelo
preço de uma”.
Vamos lá ver... Brincar, brincamos todos. Mas há
formas e formas de brincar. Sejamos sinceros, por muito
que seja do senso comum que o Charlie Hebdo é um
jornal que transpira, grita e representa o “ultraje”, há
que ter atenção. Estamos a falar de uma criança, uma
criança que morreu. Na praia. Afogado. Morreu ele e
outros milhares de pessoas, eu sei. Contudo, esta criança
é a representação dessas pessoas todas que fugiram de
uma guerra e fugiram para uma vida melhor. Fugiram
nas piores condições, ao frio, à chuva, rodeados de mar
e mar, atulhados como lixo numa amostra de barco.
Sim, eu sei que o objetivo da “crítica” ou da polémica
da capa não está centrado em fazer chacota da criança,
mas sim as circunstâncias infelizes que levaram à morte
da mesma. Porém, isto não é justificação para pôr a delicadeza de parte. Invariavelmente, nem toda a gente vai
saber interpretar esta capa e o objetivo da mesma e
mesmo que se saiba, como eu por exemplo, não deixo de
achar que foi uma falta de noção. Lamento, mas já cansa
este típico registo do Charlie Hebdo, de serem “fora de
lei”, quando se trata da forma como aborda os assuntos.
Este tema merece mais que isso, muito mais! Há tantas
perspetivas por onde podiam pegar e usar, mas esta não!
Para mim, não!
“
Contudo, esta criança é a representação dessas pessoas todas
que fugiram de uma guerra e
fugiram para uma vida melhor.
“
Por isso, e lamento ferir os extremistas e
defensores da plenitude da liberdade de expressão,
tem que haver limites. Assim como dizia o anúncio
da ZON fibra (prometo que não estou numa de
fazer publicidade) “Há uma linha que separa...”
pois bem, aqui não é uma linha, é um oceano, que
em cada ponta há uma realidade muito distinta e
onde pessoas, seres humanos como nós, procuram
salvação, ajuda para saírem de uma guerra exaustiva
e que fazem de tudo em busca disso mesmo.
Sendo assim, caros futuros colegas do
Charlie Hebdo, deixem de tentar ser o filho
problemático que não larga as ganzas, nunca vai
às aulas e que, mesmo sendo um génio, gosta de
dar o ar que “se está a cagar para o que os outros
pensam”. O mundo não é preto no branco, não
podemos ser totalmente “florzinhas do jardim”
como não podemos ser sempre “rebeldes e
delinquentes”. Respirem, por favor. Podem gritar
com todo o ar que têm nos pulmões a vossa
indignação, aliás façam isso! Devem fazer! MAS
NÃO CUSPAM O PULMÃO. Vocês têm o poder de
“chocar”, toda a gente já entendeu isso. Porém,
tomava-vos por mais inteligentes... Foram chocar
com o que estava mais “à mão de semear” e para
quê? Podiam ter tornado tudo muito mais polémico
de outra forma muito mais inteligente. Agora?
Claramente que estão a ser criticados, embora isso
pouco vos importe, não é verdade? Querem ser
diferentes? Então inovem e saiam desse registo.
Resumidamente, com essa capa tornaramse mais susceptíveis a ferir susceptibilidades e,
utilizando a legenda da vossa capa, vocês estiveram
“tão perto do objetivo... De ficarem calados.”
Susana Santos
OPINIÃO
26
Actualidade
Este ano vou pedir ao Pai Natal uma tragédia para poder ser boa pessoa
Ainda bem que no dia 7 de Janeiro de
2015 morreram doze pessoas e onze ficaram
feridas, devido ao ataque ao jornal satírico Charlie
Hebdo. Felizmente que passados quatro meses,
no dia 19 de Abril, morreram 700 migrantes
ilegais num naufrágio em águas mediterrânicas.
E que alegria maravilhosa, quando, no dia 2 de
Setembro, um barco naufragou com doze pessoas
lá dentro e uma criança de três anos deu à costa,
morta, dando origem a uma das fotografias mais
partilhadas na Internet nos últimos tempos.
“It was the best of times, it was the
worst of times” – Temos o mundo na nossa
mão. A distância já não se mede em metros,
pés ou polegadas, mede-se em bytes. Com dois
toques num ecrã chegamos ao outro lado do
mundo. Com um clique podemos ajudar a salvar
centenas de crianças em África, apoiar uma
causa revolucionária na China e ainda partilhar
a imagem de apoio à legalização do casamento
gay. Sim, são de facto os melhores dos tempos.
Quão bom foi podermos todos ir mostrar
o nosso apoio e a nossa solidariedade para
com aqueles que morreram pela liberdade de
expressão? Até pusemos imagens de capa do
Facebook com o nome do satírico francês, usámos
marcas a dizer “Je suis Charlie” e alguns - mais
ariscos - até partilharam imagens publicadas pelo
exímio jornal. E quando morreram aquelas pessoas
africanas num desastre de barco fomos os primeiros
a denunciar a tragédia, comentando nos sites
noticiosos, a partilhar as notícias, minuto a minuto,
“Isto não pode continuar”, vociferámos nos nossos
murais e republicámos aquela imagem tenebrosa
de um barco repleto de pessoas amontoadas, sem
qualquer tipo de condições. E quando foi uma
criança que deu à costa da Turquia, todos tivemos
de puxar uma lágrima para não demonstrarmos
fraqueza
perante
os
nossos
inimigos.
“It was the best
of times, it was
the worst of
times”
Continuámos fortes a denunciar os males do mundo
e a perguntar a nós mesmos (e a todos os que
visitassem o nosso Facebook ou nos seguissem no
Twitter) “Como é possível que isto aconteça no século
XXI, na Europa”? Não podíamos aceitar isto e de novo
gritámos palavras de ordem e fizemos pressão para
que a crise se resolvesse. Como somos boas pessoas,
altruístas e com um sentido de justiça incrível…
Ah… paremos um pouco para nos auto-apreciarmos.
Conquistámos o nosso cantinho, conquistámos outros
cantinhos, descobrimos alguns cantinhos, perdemos
alguns desses cantinhos, libertámos outros, fizemos
uma revoluçãozinha muito pacífica, entrámos numa
comunidadezinha muito europeia, cumprimos
sempre tudinho o que nos pediram. “O respeitinho é
muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho?”
“
Até pusemos imagens de
capa do Facebook com o
nome do satírico francês,
usámos marcas a dizer “je
suis Charlie” (...)
“
OPINIÃO
27
Actualidade
Sim, são os melhores dos tempos e os piores dos
tempos. Mas a divisão já não é geográfica, como
escreveu Dickens. O melhor dos tempos anda
de mãos dadas com o pior dos tempos em cada
um de nós. Somos os defensores da liberdade,
os rebeldes que lutam contra a opressão, mas o
“O melhor dos tempos
anda de mãos dadas com
o pior dos tempos em cada
um de nós.”
juramento que fazemos sempre que sabemos
de uma nova tragédia – o juramento de ajudar
o mundo, de “sermos a mudança que queremos
ver no mundo” – cai rapidamente por terra (eu
diria que não dura mais do que uma semana).
A imagem a dizer “Je suis Charlie” que tínhamos
como fotografia de perfil foi substituída por
aquela fotografia giríssima que tirámos sentados
ao pé do Fernando frente à Brasileira, fingindo que
estamos a pensar numa coisa importantíssima
A frase “Je suis Charlie” foi gradualmente substituída
por “Je suis (escrever aqui algo que não tenha a
mínima relevância mas que achamos comparável
à morte de doze inocentes que tentavam fazer
da lixeira onde vivemos um mundo melhor)” e
depois perdeu-se, nos meandros da Internet. A
fotografia de refugiados a fugirem em embarcações
miseráveis, que tão heroicamente publicámos,
foi rapidamente seguida pela publicação de um
pequeno-almoço finíssimo na Padaria Portuguesa
com a identificação #thisisreallisbon. E quando
publicámos a imagem de Aylan Kurdi, talvez até
tenhamos usado o hashtag #KiyiyaVuranInsanlik
(humanidade deu à costa), mas a seguir como seria
possível não publicar a nossa fotografia frente ao mar,
apanhando as nossas costas, ou as nossas pernas?!
“O mundo é para quem nasce para o conquistar.”
As armas estão ao nosso dispor. Entre as nossas
mãos temos canetas, telefones e computadores
ligados a todo o mundo, máquinas fotográficas.
Temos conhecimento de como palavras e imagens
podem mudar o mundo. Vamos começar a fazêlo. Continuemos a ter o nosso entretenimento, a
tirar fotografias engraçadas e partilhar vídeos que
nos fazem gargalhar, mas por favor, não deixemos
cair por terra o que nos faz chorar, o que nos faz
cerrar os punhos ou sentir uma tristeza profunda.
© Freedom House & Christopher Chan, Flickr
“We have everything before us” não deixemos
que este poder que temos seja em vão.
Diogo Barreto
OPINIÃO
28
Actualidade
A Hipófise de Donald
De 1789 para cá, os EUA têm revelado
uma curiosa capacidade de produção de políticos
espirituosos, comparável à sua hegemónica produção
de amendoins. Dos candidatos mais recentes,
podemos recordar Sarah Palin e as suas patetices,
muito apreciadas por Bruno Maçães. Podíamos falar
de muitos outros com características peculiares,
mas vamos ficar por aqui, pois o tempo escasseia.
Ao longo do tempo, houve inúmeras tentativas de
compreensão do fenómeno que abala décadas de
história. Hoje fala-se de uma possível ligação ao
mistério das “rochas deslizantes” do deserto do Vale
da Morte dos EUA, que entretanto foi desvendado,
mas que não invalida a ligação ao fenómeno.
As eleições presidenciais de 2016 não
fogem ao fenómeno e, no dia 16 de Junho, data
coincidente com a da estreia de Psycho de Hitchcock
no ano de 1960, Donald Trump apresentou-se
aos americanos como candidato republicano.
No canto superior esquerdo da sua página de
Facebook, Donald Trump recebe-nos com uma
simpática fotografia que nos leva a sorrir de volta.
Deparamo-nos imediatamente com um acutilante
olhar ladeado por pés de galinha. Lembra-me
um falcão que intimida mas aguça curiosidade.
Uma boca pequena, de lábios bem torneados e
levemente unidos. Transparece capacidade no
controlo da palavra; uma característica de quem
sabe conter-se. Adivinho um escalpe bem cuidado,
pelo cabelo que nos apresenta, e não há margem
para dúvidas que haja ali mão de um creative
director. É de realçar, também, o tom grisalho
acobreado de alguém experiente que não descura
a imagem. Por fim, é de louvar a radiosa pele que
aparenta ter sido sedeada com material do Paraná.
“Deparamo-nos
imediatamente com um
acutilante olhar ladeado por
pés de galinha.”
“
Vive em êxtase, num
permanente estado de excitação
e alimenta-se dos louvores que
lhe são concedidos e dos gabos
que oferece a si mesmo.
“
Feito o reconhecimento pela aparência, é
fácil sentir empatia pelo candidato e, seguindo
esta ideia, votar parece ser um gesto fácil. E
quão fácil seria se fosse apenas o gesto manual
de rabiscar uma cruz no boletim de voto.
Na apresentação pública, o magnata americano
arrasta multidões. Sobe, pavoneia-se, ri, diverte,
encanta, vangloria-se, sente-se desejado. Vive em
êxtase, num permanente estado de excitação e
alimenta-se dos louvores que lhe são concedidos e
dos gabos que oferece a si mesmo. Só não discursa
aos saltinhos porque a idade não lho permite.
Segundo o próprio, Donald é riquíssimo, lindíssimo,
poderosíssimo e tantas outras qualidades no
superlativo absoluto. A turbulência hormonal de
Donald Trump levou a que se construíssem teorias
na tentativa de explicar o seu comportamento.
Enquanto uns se cingem ao narcisismo e
egocentrismo, outros lançam-se noutras hipóteses.
Há quem fale numa competição severa entre Donald
e a sua Hipófise. Se assim for, a Hipófise de Donald faz
corar de vergonha o conjunto hipotálamo-hipófise
de António José Seguro. Outros dizem que não é
a voluptuosa glândula que controla Donald, mas
que é Donald quem tem mão nela e que conseguiu
instituir o culto ao chefe no seu sistema endócrino.
Ao nível do discurso, Donald Trump não
perde uma oportunidade para cuspir o primeiro
disparate de que se lembrar. E quantos já foram.
Manifesta aversão aos estrangeiros e insiste
em fazer declarações racistas, dois problemas
relativos à ignorância e de resolução fácil para
alguém que assume ter um QI dos mais altos.
É desta forma que Donald Trump conquista
alguns semelhantes, e repele uma maioria na
promessa de devolver a grandeza à América.
Inês Amado
OPINIÃO
29
Actualidade
O Acordo Ortográfico
O que aspirava a uma manobra de
aproximação dos países da CPLP demonstrou
ser um erro crasso, revelador do zelo português
para com o que é a sua herança identitária. Hoje,
atrevo-me a tamanha incongruência – podemos
voltar a afirmar que estamos “orgulhosamente sós”,
não pelas mesmas razões, mas por conjunturas
nacionais que fazem Camões revirar-se no túmulo
a cada livro publicado com o novo acordo.
Este é o ano de mais um atentado
severo à nossa cultura e às humanidades, o
expoente máximo do que têm sido as políticas
exíguas de espírito dos sucessivos governos
que vêem na cultura e nas letras um acessório
descartável. Mais do que ficarmos sem c’s em
questões “atuais,” ficamos sem a nossa identidade
que tão sabiamente foi beber às clássicas.
O que aspirava a uma manobra de
aproximação dos países da CPLP
demonstrou ser um erro crasso,
revelador do zelo português
para com o que é a sua herança
identitária.
“
Pois que hoje, sim, podemos considerar o AO
um tremendo falhanço diplomático: Moçambique,
Guiné, São Tomé e Timor-Leste decidiram esquecêlo por completo, Angola recusa veementemente, e
promessas de uma hipotética adesão são dadas
por Cabo-verde e Brasil – que é o país com maior
representação de nativos de língua portuguesa.
“
Na sua intenção, o Acordo Ortográfico
pretendia-se “um acto de política externa”, como
referiu José Pacheco Pereira, num artigo de opinião
no Público; uma solução aparente para Portugal
manter a sua posição idónea como revisor linguístico
sobre o muito português que se escreve pelo mundo.
Depois do latim, será o português a cair e nós
a falarmos brasileiro. Um brasileiro distante daquele
de Nélson Ribeiro ou Machado de Assis, mas os
políticos gostam e são eles quem mais ordenam. E por
acréscimo vem a malta do costume que, perdoemme, lê mais rodapés durante as galas da Casa dos
Segredos do que simples cabeçalhos num jornal.
Para quem gosta de ler em bom português,
é cingir-se a edições transactas a 2008 e esperar que
a classe política – principal dinamizadora passiva
deste genocídio cultural – se aperceba de que estão
a destruir o caminho que Eça, Camões, Pessoa,
Aquilino, Cardoso Pires e tantos outros trilharam
até hoje. Desta feita, passaram-nos a perna. E bem.
Sebastião Almeida
OPINIÃO
30
Política
O voto útil
Posso ter andando distraída, mas acho que
nunca ouvi falar com tanta frequência de “voto
útil”. A minha jovem e ingénua mente partiu do
princípio de que quem usava este termo estava
simplesmente a pedir aos portugueses para se
levantaram do sofá no dia 4 e para votarem e não
ficarem apenas a celebrar um golo de um dos
quatro jogos de futebol que ocorrem no mesmo
dia em que se decide quem irá governar o nosso
país, nos próximos quatro anos. O apelo ao voto útil
seria, por isso, um apelo aos abstencionistas para
deixarem de o ser e passarem a ter uma voz activa
na sociedade (mas activa a sério, não daquelas
vozes que gritam mais alto que todas as outras
nas redes sociais, mas, na verdade, quando chega
a hora de usarem essa mesma voz nas urnas, não
o fazem). Parece-me perfeitamente plausível que
se apele ao voto útil, a todo e qualquer voto que
vá ao encontro dos ideais de cada um, portanto.
“Parece-me
perfeitamente plausível
que se apele ao voto
útil, (...)”
Pois bem, aparentemente o voto só é útil
quando é feito num dos dois maiores partidos, para
que o outro seja derrotado. Quando um partido
tem que andar a implorar que votem nele para
que o outro partido (ou coligação de partidos)
seja derrotado, alguma coisa anda muito mal. Num
boletim que inclui 16 opções de voto, o voto útil
não se pode resumir a duas. Eu acredito que, na
política, como em tudo na vida, as pessoas devem
conseguir atingir as posições que desejam, porque
têm as qualidades necessárias para tal e não porque
são melhorzinhos do que a alternativa. A cultura
do “mal por mal, antes este do que o outro” é um
grave sintoma de uma sociedade que não se move
por mérito, mas por conveniências. Que não ousa
sonhar, mas que apenas faz concessões. E enquanto
assim for, podem vir os agentes da Troika, podem
vir os senhores das agências de rating, pode vir o
Eurogrupo, podem nacionalizar tudo ou privatizar
tudo o que temos, que nunca iremos a lado nenhum.
“
A cultura do “mal por mal,
antes este do que o outro”
é um grave sintoma de
uma sociedade que não se
move por mérito, mas por
conveniências.
“
Todos os dias são divulgadas novas sondagens
para que os eleitores possam avaliar a utilidade da sua
intenção de voto. Todos os dias somos persuadidos
a permitir que os mesmos dois partidos, com o seu
partidinho satélite pronto a coligar para o lado que
lhe for mais conveniente, continuem a hegemonia
partidária que tem governado este país nos últimos
40 anos. E vejam onde é que isso nos levou. Vejam
onde é que esses partidos levaram a Europa.
Eu já votei. Não sei se foi útil ou não. Tenho a séria
impressão de que não. Votei porque é um direito
e um dever, mas saí da embaixada de Portugal em
Budapeste com a impressão de que, apesar do
meu voto, apesar do voto dos quinze jovens que
se encontravam naquela sala, e de tantos outros
que fizeram o mesmo noutros sítios do mundo e
farão o mesmo no dia 4 de Outubro em Portugal,
os próximos quatro anos não trarão nada de novo.
Inês Linhares Dias
OPINIÃO
31
Se houver tempo...
Lifestyle
Um pequeno amuse bouche
Visto que se trata da primeira edição do jornal
Pontivírgula deste ano, nada melhor do que deixar-vos
“apalpar terreno” aqui por estes lados...
Como me considero uma pessoa que gosta de deixar
toda gente à vontade, aviso desde já que esta coluna
irá apresentar conteúdos inadequados a pessoas de
estômago fraco, olhos sensíveis ou mentalidades
fechadas. Posto isto, e não querendo meter ninguém
de parte, podemos prosseguir.
Esta coluna vai ser um espaço onde podem encontrar
sugestões nas mais variadas áreas de Lifestyle, do
género restaurantes novos, espaços interessantes,
tendências descabidas, viagens de sonho (porque só as
podemos ter com a cabeça na almofada), fitness (aqui
vou precisar de ajuda, uma vez que a minha esperança
média de vida num ginásio é de 1 dia) e tudo o que
causa buzz nas nossas conversas mundanas.
“
Amo um bom jantar fora
de casa, um copo num bar
novo e a arte de esplanar...
”
Não me tomem por uma expert do que quer que
seja Lifestyle, até porque “estilos de vida” há muitos,
cada um interessante à sua maneira. Amo um bom
jantar fora de casa, um copo num bar novo e a arte
de “esplanar” (depois explico). Por mim tinha uma
sala de cinema em casa e a porta do teatro ao virar da
esquina, caso ficasse aborrecida. Mas pronto, isto sou
eu a dizer...
E ao entrarmos na área das sugestões, fica então ao
vosso critério seguirem alguma delas ou até mesmo
contestá-las. No final do dia o que interessa é que esta
coluna seja uma razão para explorarem novos sítios e
ideias, mesmo quando não vos apetece sair do sofá ou
das cadeiras vermelhas do bar.
Sendo assim, e sem mais nada a acrescentar,
despeço-me. Ah, e se houver tempo, passem por cá na
próxima edição.
© Joana Ferragolo
Joana ferragolo
OPINIÃO
32
BANCO DE SUPLENTES
Desporto
viver uma vida irreal
Recebe, mensalmente, uns quantos milhões na
conta bancária. Vai para o treino num carro topo de
gama. Os filhos estudam no melhor colégio privado da
cidade. Vive num palacete e a família mais próxima não
precisa de trabalhar. É a vida de um jogador profissional
de futebol. Aparentemente, a vida perfeita.
Começo com uma declaração de interesses: Sou
árbitro de futebol e vejo futebol todos os dias. Tenho
noção dos sacrifícios físicos e psicológicos aos quais
um atleta profissional está exposto. Não obstante,
reconheço que os jogadores profissionais recebem, na
realidade actual, salários injustificadamente altos.
Na primeira edição do Pontivírgula, trago uma lição
de humildade. Já todos ouvimos comentários como:
“recebem milhões só para dar uns pontapés na bola...”
ou “só querem o dinheirinho no fim do mês, não sabem
o que custa a vida!”. Os futebolistas são cidadãos
predestinados. Nasceram com um talento incomum
para jogar futebol e essa qualidade, na maioria dos
casos, inata, proporciona-lhes uma vida estável e
pouco exposta aos sacrifícios do cidadão comum.
Os futebolistas vivem uma vida irreal. O meu ponto
de partida para este texto é uma entrevista feita a
Victor Valdés, guarda-redes espanhol de 33 anos. Está
vinculado ao Manchester United mas defendeu a
camisola do Barcelona durante 19 anos. Foi campeão
espanhol e venceu três Ligas dos Campeões pelos
catalães e venceu um Mundial e um Europeu pela
selecção espanhola. Um currículo invejável e com
muitas distinções individuais.
Victor Valdés, em entrevista ao canal colombiano
RCN, não questiona a ideia de “vida perfeita” que a
sociedade atribui aos futebolistas. Reconhecendo-a,
ressalva os sacrifícios que o sucesso exige. No entanto,
antes de qualquer futebolista, está alguém “que apenas
teve a sorte de poder ser futebolista”.
O guarda-redes espanhol conta a experiência que
uma lesão grave lhe proporcionou e dá “graças a Deus
por ter vivido essa experiência”. A lesão fê-lo “sentir
de novo o que é a vida sem ser futebolista”. Valdés
foi recuperar da lesão em Augsburgo, na Alemanha.
Reconhece que as pessoas foram essenciais,
permitindo que o melhor guarda-redes do Mundo
passasse despercebido na rua, algo a que não estava
habituado.
“
Os futebolistas
vivem uma vida
irreal.
“
“Eu vivia num hotel e tinha de me deslocar à
clínica, de eléctrico, duas a três vezes por dia. (…)
Depois de muitos anos, voltei a contar moedas e a
saber valorizar o que custava um simples bilhete
de eléctrico ou ter de pagar um café. São situações
às quais, nós, futebolistas, não estamos habituados
porque vivemos uma vida irreal”. Valdés refere que
um futebolista recebe tudo feito, que se sente
cómodo em qualquer lado e que a lesão o fez voltar à
“vida real”. Foi um golpe forte para recordar que vem
de “comprar o bilhete de eléctrico e andar com as
muletas, com a música nos ouvidos e...sozinho”.
Valdés alerta para a crueldade do futebol:“Tens uma
lesão no joelho e tu já não vales, chamam outro. Mas tu
vais valer, se tu quiseres”. A entrevista é emocionante
pela forma como uma figura incontornável do futebol
“desce à terra” e olha para a vida do comum cidadão
que teve a sorte de ser jogador. Não o jogador que
teve a lesão grave, o outro. O que teve sorte. O que
recebe tudo feito e não precisa de saber onde estava
antes de ser profissional.
Victor Valdés, guarda-redes natural de Barcelona,
garante, com emoção, “nunca mais serei uma
superestrela”.
Para mim, Valdés já não é apenas um extraordinário
guarda-redes. É um cidadão catalão, 1,83m, 33 anos,
na fase final de uma carreira magnífica. Este cidadão
comum deu uma lição de humildade a todos nós: aos
que vêem os futebolistas como indivíduos fúteis e
prepotentes, aos que sonham ter a “vida perfeita” do
futebolista e aos que tiveram a sorte de ser talentosos
mas não tiveram a “sorte” de ter uma lesão grave e
ter de comprar, diariamente, bilhetes de eléctrico. Os
bilhetes do sacrifício. Os bilhetes da vida real.
diogo oliveira
CULTURA
33
O Cabide
Moda
Cabeças Ocas
Bem-vindos a mais um ano de conversas sobre
moda. Gostava de o começar com um tema actual e
muito mastigado na minha cabeça uma vez que adoro
questionar-me sobre a actualidade desta indústria.
No outro dia estava à conversa com um amigo e
ele falou-me da prima que também “adora moda”,
não compra nada que não seja de marca e o seu
passatempo preferido é gabar-se das malas XPTO que
colecciona.
Esta nossa conversa apenas veio confirmar a
suspeita que eu tenho tido nos últimos tempos: as
jovens “adoram moda” apenas porque gostam de
roupa e ir às compras (entenda-se “adora moda” não
no sentido lato do termo, mas sim, aquelas jovens que
pretendem trabalhar no meio).
Passo a explicar parte da minha teoria: há uns anos
atrás surgiram umas meninas cheias de criatividade
que decidiram partilhar as suas vidas numa plataforma
acessível a toda a população; a ideia foi tão revolucionária
que se espalhou rapidamente; esta tribo começou a
denominar-se de bloggers. As tais “bloggers de moda”
tornaram-se um fenómeno de publicidade tão incrível
que as marcas passaram a pagar-lhes para usarem as
suas peças; deste modo, todos os dias, milhares de
bloggers publicam conteúdos em que mostram o que
estão a usar – consequentemente, todas as jovens que
“adoram moda” e que as seguem vão a correr comprar
igual.
Para além do capitalismo frénetico, da fast fashion
e da cultura de tendências, os blogs de moda vieram
disseminar e promover a ideia de que a moda são
apenas trapos sem significado temporal e espacial:
um bocado de tecido, rápido, fácil e acessível.
“
Ter sapatos não serve de
nada se não sabes andar
pelo teu próprio pé.
“
Fico ofendida quando sou comparada a estas jovens
que afirmam “adorar moda” - não me interpretem mal
porque eu também adoro roupas e ir às compras - em
que a superficialidade, a futilidade e o consumismo são as
únicas coisas que apregoam. Existe uma enorme falta de
conhecimento do significado da moda e das mudanças
que tem provocado na sociedade, na história e na cultura,
dado que as pessoas não compreendem o seu verdadeiro
impacto: pela primeira, vez nos anos 30, a Coco Chanel
retirou as mulheres dos espartilhos e vestiu-as com calças;
nos anos 60, a Mary Quant despiu-se de preconceitos e
criou a mini-saia; em 1966, o Yves Saint Laurent quebrou
todas as barreiras de género quando vestiu uma mulher
com roupas tipicamente masculinas, le smoking (o nome
dado pelo próprio).
Todas estas mudanças foram cruciais para a liberdade
de expressão que podemos usufrir quando nos vestimos
de manhã. Todas estas mudanças foram construídas
através de conceitos, ideias inovadoras e processos
criativos de mentes brilhantes. Todas estas mudanças
estão a perder-se com a fugacidade do consumo
irresponsável perpectuado por estas jovens que “adoram
moda”.
Deste modo, não me incluam nesta categoria. E se
vocês são estas jovens que “adoram moda”, procurem
outra profissão a aspirar porque não precisamos de mais
cabeças ocas. Tal como o meu amigo, Diogo Barreto, diz:
“Ter sapatos não serve de nada se não sabes andar pelo
teu próprio pé.”
Catarina Veloso
o-cabide-moda.blogspot.pt
CULTURA
34
FITA QUEIMADA
Cinema
Questões sensíveis para a última hora
Combustível. O ser humano, como qualquer outro
objecto ou ser com consistência física, necessita de
combustível. É quase imperativo que recorramos a
forças exteriores para impulsionar a nossa linha de
acção. As nossas ambições mais secretas, diga-se
de passagem, as mais importantes, são, na maioria
das vezes, armazenadas naquele canto ínfimo do
nosso subconsciente juntamente com os nossos
medos e frustrações. A busca pelos desejos puros
assemelha-se à acção de expelir matéria fecal: por
vezes sai naturalmente, outras vezes é preciso um
“empurrãozinho”. Para a grande maioria, que peca em
familiaridade com a latrina, existe Tyler Durden.
Quem é Tyler Durden? Tyler é o gatilho da pistola,
é a cavilha da granada. Tyler é a voz cujo sussurro
penetrante é quotidianamente abafado pela nossa
família, pelos nossos amigos, pela sociedade, por nós
próprios. Tyler é quem nos mostra o que estávamos
à procura quando não sabíamos muito bem o que
procurávamos. À semelhança de entidades divinas,
revela-se por desespero, por necessidade ou mesmo
só porque sim. Cabe-nos controlar e dosear a sua
intervenção na nossa realidade, se é que podemos
considerar a sua interveniência controlável.
Conhecermo-nos profundamente, a nível espiritual,
é conhecer Tyler Durden. Após domínio total desta
circunstância, damos por nós numa conversa amena
com um amigo de longa data em frente ao espelho.
“Compramos coisas que não precisamos com
dinheiro que não temos, para impressionar pessoas de
quem não gostamos.” A mecanização da sociedade e a
analogia entre o percurso de vida humano e uma linha
de montagem fordista é um fenómeno já dado como
garantido. Por isso mesmo, a aceitação inconsciente
desse ideal filosófico rema contra a corrente em
direcção à nascente. Por este motivo, cabe-nos a
nós próprios, enquanto indivíduos microscópicos
na incomensurabilidade do universo espiritual,
apercebermo-nos da nossa insignificante existência
e lutar pela réstia de dignidade pessoal que podemos
encontrar na poça de sangue originada pelas nossas
batalhas com os outros e connosco próprios.
“
Compramos coisas que não
precisamos com dinheiro
que não temos, para
impressionar pessoas de
quem não gostamos.
”
Ruptura total! A queda dos alicerces da sociedade
para dar lugar a uma bola de neve anarquista. A
automatização do pensamento e o vinco efectuado
sob uma educação política ocidental dificulta ao
cidadão dito comum aceitar a concepção de um
ideal anárquico. A pureza do nosso ser e as suas
autênticas vontades só se podem revelar num
ambiente caótico e pós-apocalíptico do nosso
próprio ser. A possessão material tomou conta de
nós. As coisas sob as quais exercemos um direito
de propriedade acabam por, no fim, nos possuir. A
futilidade e a inutilidade de continuar a alimentar a
máquina capitalista em todos os seus sentidos faz
com que nos esqueçamos que somos os filhos não
desejados de um Deus qualquer. Redenção? Não.
Vamos antes fazer com que o suor da nossa causa
rebente com os colossais edifícios de corporações
que vêem cifrões refletidos nos olhos vazios da
população.
João torres
CULTURA
35
Inteligência Artificial
Gaming/Internet
Re-Creatividade
Nos últimos anos temos visto surgir uma vaga de
jogos que apelam à criatividade dos jogadores, um
dos melhores e provavelmente mais conhecidos
exemplos seria o jogo Minecraft, que provê ao jogador
as ferramentas necessárias para criar uma variedade
de elementos e set-pieces com a finalidade de habitar
um mundo criado de forma processual, contudo
esta ideia não única nem nova, acredito que a maior
parte nós esteja bem aclimatizado com o conceito de
LEGOS, simples peças de plástico que acabam por ter
a mesma finalidade, ainda que adaptada, que o jogo
anteriormente mencionado.
© Mario Maker, Nintendo
“
O mundo e a sua apreciação dependem
exclusivamente da vontade humana e,
como qualquer arte nova, os videojogos
têm sofrido o desapreço de muitos.
”
O mais interessante deste fenómeno não é o
elemento criativo em si, mas sim a capacidade de
recriar material existente. A forma mais simples de
exemplificar isto seria dizer que no início os LEGOS não
apresentavam nenhum tipo de temática especifica
mas com o passar do tempo começaram a adicionar
elementos de outras propriedades intelectuais, como:
Lord of The Rings, Star Wars, Harry Potter e muitos
outros. Esta adição trouxe consigo a capacidade de
recriar, modificar ou expandir as diferentes peças e
elementos já existentes nesses mundos, o que pela
sua vez expande os horizontes criativos duma forma
virtualmente infinita.
Passando ao mundo dos videojogos, temos a
recente publicação do Super Mario Maker, para a
Wii-U, que dentro do mesmo tom, possibilita a criação
ou recriação de níveis e mundos clássicos dentro da
franquia da Nintendo. Desde níveis completamente
automáticos (tidos como, auto-marios), passando por
níveis focados na criação dos sons, ritmos e música
utilizando os elementos do jogo, até a criação de
níveis alegadamente impossíveis. A ferramenta Mario
Maker põe nas mãos do jogador uma classe de poder
anteriormente reservada para a elite de homebrews e
hacks. Por esta razão, é uma proeza conseguir não ficar
emocionado a ver as diversas criações de inúmeros
jogadores no mundo e ao mesmo é uma experiência
íntima ao tentar perceber o funcionamento do cérebro
do criador.
Mitchel Martins Molinos
CULTURA
36
Música nos Tempos que Soam
Música
Música em exílio
Tendo em conta a crise de refugiados que
massacra o mundo, proponho apresentar aos
leitores do nosso jornal uma banda cujos membros
sofreram na pele os terrores do exílio.
Falo dos Songhoy Blues.
Banda originária do Norte do Mali, tiveram de
se exilar para a capital do país, Bamako, quando
a guerra civil maliana eclodiu naquela zona, em
2012. Com raízes na cultura Songhoy, originária
das margens do rio Níger, entre as cidades de
Timbuktu e Gao, tocam blues com sonoridades e
ritmos africanos, tendo como influências grandes
guitarristas do continente como Ali Farka Touré e
Baba Salah.
Depois do exílio, tocaram em Bamako,
especialmente para refugiados do norte do país,
até terem sido descobertos pelo produtor MarcAntoine Moreau, que procurava músicos para
o projecto Africa Express, de Damon Albarn,
vocalista dos Blur. Contribuiram com Soubour,
segunda faixa produzida por Nick Zimmer dos
Yeah Yeah Yeahs, para o álbum do projecto, Maison
des Jeunes.
Este foi um período de mudança para os
Songhoy Blues. Viajaram para Glasgow e Londres,
onde mais tarde se recolocariam, para dar
concertos e tocar em festivais, assinando também
um contrato com a Transgressive Records e dando
início à rodagem de um filme sobre a música no
Mali e a sua proibição.
No seu novo local de residência, gravaram
Music in Exile, albúm que aborda o sofrimento por
que passaram.
“
Depois do exílio,
tocaram em Bamako,
especialmente para
refugiados do norte do
país, (...)
“
Com uma demonstração de força e
perspicácia sónica, em forma de canções com
grandes estruturas rítmicas, conquistaram uma
boa cotação no mundo da música, albergando
ótimas críticas que os catapultaram para outros
festivais como Glastonbury, onde tocaram no
prestigiado Pyramid Stage, Latitude e Roskilde.
Na Dinamarca, voltaram a encontrar-se com o
vocalista dos Blur, ao abrigo do projecto Africa
Express, tocaram o exito dos Clash, Should I Stay
or Should I Go, alterando as letras para abordar o
tema da emigração africana.
Costuma-se dizer que o Blues, tal como o
fado, advém da tristeza. Sem dúvida que os
rapazes Touré, pela sua experiência de vida, têm
matéria-prima mais que suficiente para contar
belas histórias de sofrimento e desespero através
desta arte milenar.
Mobilizaram-se, continuaram e continuam a
lutar contra as injustiças, que muitos como eles
continuam a sofrer.
`The pen is mightier than the sword.`
But so is the guitar.
Miguel freitas
CULTURA
37
literalmente metafórica
Literatura
Analepses e prolepses
Um ano depois, estou finalmente em casa. Construí,
com tijolos de vocábulos unidos pela pontuação,
os alicerces necessários para depositarem em mim
a confiança deste espaço. Posso, já que aqui estou,
continuar a brincar com as palavras: uma coluna como
sustentáculo de algo, de uma paixão. Da minha paixão;
um amor inesgotável pelos livros e pelas letras. Em
primeiro lugar, não me perguntem qual é o meu livro
favorito e não me tentem convencer a ler qualquer obra
noutro suporte que não o papel (o cheiro de um livro
tem algo de mágico, bem como o toque das páginas).
Também não me perguntem se prefiro prosa ou poesia
e nunca questionem o porquê de andar quase sempre
com um livro na mochila, mesmo quando tenho
consciência que não há tempo para ler cinco linhas que
sejam.
Tentei, no parágrafo anterior, esboçar algumas das
coisas que me definem. No entanto, não vou dizer que
esta coluna vai ser isto ou aquilo. Esta coluna pode vir a
ser muita coisa, tal como as minhas estantes têm livros
de vários estilos, autores e editoras. Assim, o ilustríssimo
leitor desta minha modesta página pode esperar uma
crítica feroz a um livro ou autor, pode ser surpreendido
com um devaneio sobre certa temática que me desperte
a atenção ou, em dias de maior criatividade, pode até
descobrir que a Alexandra tem tendência a inventar
histórias, para não se refugiar apenas nas palavras
escritas que outros atiraram ao mundo, para seu grande
deleite.
Mas debrucemo-nos, agora, sobre a questão da
literatura em si mesma, que é para isso que cá estamos.
Fernando Pessoa – ou Bernardo Soares, se quiser ser
mais precisa – diz que esta simula a vida. Vai ainda
mais longe e afirma que “Um romance é uma história
do que nunca foi e um drama é um romance dado sem
narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de
sentimentos em linguagem que ninguém emprega,
pois que ninguém fala em verso.”. Será, então, um
disfarce? Uma forma pensada de camuflar a realidade
através das vidas das personagens? Temos, também, a
opinião de Gabriel García Márquez que, no seu realismo
mágico, define literatura como “o melhor brinquedo
que se tinha inventado para gozar com as pessoas”.
“
Esta coluna pode
vir a ser muita coisa,
tal como as minhas
estantes têm livros de
vários estilos, autores e
editoras.
“
De facto, quantas vezes não nos deixamos
envolver de tal forma numa história que até sentimos
estar dentro dela? Quantas vezes as reacções das
personagens poderiam ser nossas, naquele mesmo
enredo? E são também tantos os momentos em que
nos sentimos ridículos por nos deixarmos afectar
por uma ilusão! A literatura faz-nos pensar, como diz
Saramago: “É a palavra escrita, a que está no livro, a
que faz pensar”. É o que nos leva a reflectir, o que
nos permite viajar por outros mundos, talvez sempre
com uma ligação ao nosso.
Atrevo-me a dizer, portanto, que os escritores vão
abrindo janelas literárias. Lembro-me de ouvir, desde
pequena, a seguinte frase: “Um livro leva-nos a ver
aquilo que estamos a ler”. É esta a minha proposta,
que também passa por esta coluna: explorem o
universo literário que têm à vossa disposição. Viajem
no tempo – voltem ao passado, imaginem o futuro –
,percam-se nas figuras de estilo e nas frases
complexas. Descubram palavras e escritores.
Recordem o que já é conhecido. Vamos?
Alexandra antunes
CULTURA
38
Produção Escrita - olhar de prata
paisagem linguística
Nos nossos pensamentos criam-se momentos em que as ideias se interligam mutuamente.
Em modo de observação, descrevo o que vejo, como é o quotidiano das palavras; Começam,
em primeiro lugar, por sair do “cérebro do escritor” em direcção ao porto das canetas.
Esta é a primeira paragem das palavras num dia regular de trabalho. Algumas palavras
desembarcam neste porto, passando os bilhetes nos torniquetes e deixando a sua marca
no papel. Num piscar de olhos, o batel acelera pelo perigoso mar de linhas à velocidade
da tinta; Para trás deixam-se os membros, os familiares e amigos, as vírgulas, os pontos
finais, pontos de exclamação e de interrogação sozinhos. A viagem faz-se depressa. Desta
vez, em direcção a outro sentido: a um laboratório de observação dos erros do que foi
escrito e cometido. É nesse compartimento que se fazem as vistorias do que é certo e do
que é errado. Os polícias correctores disparam tiros de tinta branca cobrindo as fardas
azuis dos trabalhadores. Há de tudo neste batel, até mesmo cidadãos palavrianos, sem
documentação nem nação Bic ou Faber-Castle. São imediatamente levados para serem
alvejados ou condenados na prisão de papel. Borram-se em lágrimas e mancham as folhas
com suor e a tinta que sai da sua pele. As palavras ilegais que cometeram delitos e erros não
têm escolha; outras, muitas vezes, são libertadas, mas não podem regressar à folha. Têm
de permanecer cabisbaixas e desprotegidas enquanto são detidas. Se saírem da boca em
que se encontram e disserem mentiras, serão subjugadas ao medo e às partidas. O tribunal
do escritor tem o poder de remover do mundo do papel as palavras que quiser: estas nem
sequer podem gritar de dor. Resta-lhes apenas rezar por um final melhor. E assim termina o
dia com um final triste na poesia das palavras e da sua vida.
“Os polícias correctores disparam tiros de tinta
branca cobrindo as fardas azuis dos trabalhadores.”
Omar prata
AGENDA CULTURAL
39
EXPOSIÇÃO:
- BARBADO GALLERY - Martin Parr´s “A Place in the
Sun” - Beach Photos 1985-2015. Uma exposição
sobre o melhor e o pior do Verão – 12 Setembro a 11
Novembro, na Rua Ferreira Borges, Campo de Ourique.
«Your eyes
Sank in their hollows
And the ocean of your
disgrace»
CAMINHOS (VISITA GUIADA):
under the pillow, riversidE
A Lisboa de Orpheu – Comemoração dos 100 anos
da revista Orpheu – Conhecer os locais emblemáticos CONCERTOS:
da revista vanguardista de Pessoa, Almada Negreiros,
Sá Carneiro, entre outros, como A Brasileira, o Teatro Riverside – 30 Outubro, paradise Garage,
Municipal São Luiz, a Faculdade de Belas Artes, entre Lisboa,
19h.
Apresentação
do
novo
muitos outros - 15 Outubro – marcações prévias e disco Love, Fear and the Time Machine.
informações: 218170900/ [email protected]
(1ª parte – The Sixxis e Lion Shepherd).
Semana da Lingua Italiana – Uma semana dedicada à
Matthews
Band
–
Digressão
cultura italiana - 19 e 21 de Outubro, às 11h30 e 14h (entrada Dave
do
disco
“Away
from
the
World”
- 11
livre), com participação do Professor Jorge Vaz de Carvalho,
Outubro,
Meo
Arena,
Lisboa,
20h.
exposição de documentários, entre outras actividades.
As Escolhas do Pontivírgula
ÁLBUNS:
VÍDEOJOGOS:
“Love, Fear, and the Time machine” , Riverside
“Super Mario Maker”, Wii U
“One Piece Pirate Warriors 3”, PS4, PS3, PSVita e PC
“SOMA”, PC
“Metal Gear Solid V: The Phantom Pain”, PS4, PS4,
Xbox One, Xbox 360 e PC
“Undertale”, PC
“Moments in Time”, Alan Braxe
“Cavalo”, Rodrigo Amarante
“Parachutes”, Coldplay
“Hand. Cannot. Erase”, Steven Wilson
LIVROS:
“Afirma Pereira”, Antonio Tabucchi
“As Ondas”, Virginia Woolf
“D’este viver aqui neste papel descripto –
Cartas da guerra”, António Lobo Antunes
“O Amor em Tempos de Cólera”, Gabriel García
Márquez
“O Monge e o Venerável”, Christian Jacq
FILMES:
“Birdman”, Alejandro González
“Her”, Spike Jonze
“Le magasin des suicides”, Patrice Leconte
© Riverside Band
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Crise dos Refugiados em Budapeste