Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SP . CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA www.criticadaeconomia.com.br EDIÇÃO Nº1262 1263 – Ano 29; 1ª e 2ª Semanas de Setembro 2015 Brazil: o real desvaloriza e a miséria aumenta JOSÉ MARTINS O aumento da competitividade comercial via empobrecimento da população e liquidação da moeda nacional faz parte do caráter da burguesia brasileira na ordem imperialista. Mas isso agora se tornou em problema de difícil solução. Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, declara solenemente: “A competitividade do Brasil está avançando pelo empobrecimento do país e a recessão só vai ser resolvida quando o país lidar com sua questão fiscal” (Valor Econômico, 02/Setembro/2015). Corretíssimo. Mas o problema é saber por que até os banqueiros nacionais estão agora a se preocupar publicamente com o empobrecimento das massas. Esqueça que se trata de mera preocupação econômica com a queda da demanda e da “renda” dos assalariados. Muito menos, claro, de um súbito sentimento burguês de piedade com os pobres da periferia. O problema é político. E social. Exploração ou desigualdade? O empobrecimento e a chamada “desigualdade social” é uma preocupação crescente das burguesias em todo o mundo. E de seus ideólogos mais ilustres. Um dos livros mais vendidos no ano passado em todo o mundo, por exemplo, foi um grosso folhetim de defesa da “distribuição da renda”, escrito por um economista visceralmente liberal que atende pelo nome de Thomas Piketty. Sucesso de impactante revelação: ao invés de promover o bemestar para a grande maioria da população e das nações – ideologia que procurava justificar moralmente a própria existência do regime capitalista e da sua economia política – a economia de mercado (e estatal) leva a um corrosivo empobrecimento da maioria da população mundial e respectivas nações, incluindo faixas crescentemente maiores da classe média assalariada tradicional. Um escândalo! “Um dos nossos” confessando e provando com números e sofisticados modelos econométricos que a economia de mercado leva à concentração da renda nas mãos dos mais ricos! Mas, como ele não menciona em nenhuma linha do pesado folhetim a palavra exploração, mas duas a três vezes em cada linha a palavra “desigualdade”, os capitalistas de todo o mundo e seus economistas concordaram e aplaudiram de pé a original descoberta. Vejamos algumas dessas joias. 1 The Economist: “Maior do que Marx. Nenhum outro trabalho sólido sobre economia chegou tão perto de ganhar a condição de ícone pop”. Bill Gates: “Concordo com as principais conclusões de Piketty. Espero que seu trabalho estimule mais pessoas competentes a estudar a desigualdade de riqueza e de renda. Quanto mais entendermos das causas e curas, melhor”. Paul Krugman: “Piketty transformou nosso discurso econômico; jamais voltaremos a falar sobre renda e desigualdade da mesma maneira”. Esse revisionismo neopopulista dos capitalistas e dos descendentes de Hayek, Misses, Friedman, Keynes e outros pastores menos populares da “liberdade econômica” começou nos países centrais logo depois dos visíveis estragos sociais causados pelo último choque global de 2008/2009. Agora desembarca na periferia. Pela boca, por exemplo, dos economistas dos banqueiros como Goldfajn e Cia. Por trás disso tudo, a conflituosa relação entre economia e política. O que, nos últimos setenta anos, era menos visível agora se revela como urgência, como ameaça próxima à propriedade privada e ao capital: o aumento da exploração capitalista expressa politicamente nos “ajustes fiscais e macroeconômicos” projeta o empobrecimento da sociedade e, no passo seguinte, a ingovernabilidade da luta de classes e das revoluções. A promíscua relação atual entre a economia do capital e a política do Estado democrático torna-se a mais explosiva dos últimos setenta anos de expansão triunfante do capital e suas ideologias econômicas. “A forma certa de ganhar competitividade é ganhar produtividade. Usar o câmbio para isso é a saída pela pobreza, pela queda da renda. Salários reais caem e reduz-se o custo do trabalho em moeda estrangeira e gera produtividade à custa do empobrecimento”, declara o economista do Itaú Unibanco. Que seja bem vindo para a análise da crise brasileira atual o depoimento de um destacado porta-voz dos banqueiros nacionais que começa explicitando a única fórmula pela qual os capitalistas brasileiros sempre se utilizaram da força de trabalho assalariada para valorizar seu capital: salários para baixo, jornada de trabalho para cima. Mas isso tem a ver, em primeiro lugar, com exploração e luta de classes. O resto vem a reboque. Já observamos exaustivamente nos últimos vinte e oito anos de existência deste boletim que a predominância da forma acima descrita de valorizar o capital extorquindo mais-valia absoluta da classe operária caracteriza o lado social da produção do capital em economias dominadas, como Brasil, China, etc. O lado político, estatal, aparece como resultado deste processo social. Começa na esfera da produção e termina na esfera da repartição do produto. Por exemplo, no que nosso economista chama de “questão fiscal”: ajustes na máquina estatal para diminuir ainda mais as já minúsculas transferências fiscais aos trabalhadores, 2 como aposentadoria, seguro desemprego, seguro acidente/invalidez, férias, 13º salário, políticas compensatórias nas áreas da saúde, moradia, alimentação, educação, etc. Unidade da exploração econômica e da miséria da população. Nas áreas e economias dominadas ela aparece com a predominância da miséria. Essa característica relação nas economias dominadas entre economia e política, entre capital e Estado, estabelecida pelo sistema imperialista e pelas respectivas burguesias dominadas, aparece sempre como desproporcional e continua expansão da miséria e empobrecimento do exército industrial de reserva estocado no país, da imensa maioria da população do país. A impossibilidade da população dessas áreas e economias periféricas terem acesso pelo menos a uma pequena parte dos meios necessários à sua reprodução física bloqueia também o desenvolvimento econômico nacional há muito tempo ocorrido nas economias dominantes – onde predomina a mais-valia relativa da totalidade. Aumentar o lucro com o aumento da miséria torna-se fator essencial da valorização do capital nestas economias dominadas, onde predomina preguiçosamente a mais-valia absoluta. Resultado mais visível (e insolúvel) dentro do regime capitalista: diferentemente do que ocorre nas economias dominantes, as economias dominadas das grandes áreas geoeconômicas são marcadas pela baixíssima produtividade do regime econômico capitalista e pela permanente instabilidade do regime político burguês. O inabalável empobrecimento da população brasileira aumenta a competitividade das mercadorias produzidas e exportadas para o resto do mundo. E as “recessões” são paralelamente superadas. Pelo menos foram, até o último período de crise de 2008/2009. Nunca foi tão grande a dúvida de que este automatismo se repita. Mesmo com o fato de que esse atual aumento da competitividade comercial via empobrecimento da população apresente, como resíduo, brutal liquidação da moeda nacional que, de qualquer maneira, sempre permaneceu invisível na ordem monetária internacional. Essas barbaridades econômicas fazem parte constituinte do caráter de todas as burguesias dominadas na ordem imperialista: sempre se prostituindo e abortando o desenvolvimento econômico nacional. O Sr. Goldfajn não arrisca a dizer se são justos esses meios que a sua classe utiliza para atingir seus fins particulares. Ele apenas se preocupa com suas consequências políticas: “Enquanto não se sabe como o ajuste vai ser resolvido, cria-se uma incerteza muito grande para empresários”, diz com preocupação. Quer salvar a própria pele. Afinal, ele diria, ninguém é de ferro. Por isso, como todo bom economista especialista em ajustes que, até agora, pelo menos, conseguiram salvar os lucros da Confederação Nacional da Indústria (CNI), os juros da Federação Brasileira 3 dos Bancos (FEBRABAN) e a renda fundiária da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), limita-se a dizer que é assim que as coisas funcionam. Argumenta com certa alegria que o ajuste da economia tem sido mais rápido que o esperado por causa do setor externo, embora isso não seja suficiente para a retomada do crescimento. “A única boa notícia da economia brasileira é que o balanço de pagamentos está vindo melhor do que esperávamos. Mesmo com a queda do preço das commodities, o câmbio tem ajudado. A substituição das importações já está ocorrendo e vemos sinais de empresas exportadoras aumentando o volume de vendas”. É correta a verificação de que estão aumentando as exportações e o superávit comercial, que ele confunde com “balanço de pagamentos”. Essa verificação serve para desmentir, de passagem, que a crise econômica nacional deriva da queda da demanda externa, da queda dos preços das commodities, etc. Isso pode ser verdade para as demais economias latino-americanas, mas não para a economia brasileira e nem, em menor medida, para a argentina. Os fatores endógenos de crise afetam muito mais a economia do que os exógenos. Mas essas observações preliminares ainda são insuficiente para se dizer muito sobre a natureza mais profunda dos problemas atuais da economia brasileira. Em nosso próximo boletim faremos o balanço de outros importantes fatos e números altamente esclarecedores a respeito. 4