Entrevista / Rosiska Darcy de Oliveira “O otimismo pode ser arriscado, mas o pessimismo é uma profecia que se cumpre...” Presidente-executiva do Rio como Vamos, a jornalista e escritora Rosiska Darcy de Oliveira é carioca, e participa, na próxima quintafeira, 27, às 18h, no auditório do IAB-RJ (Rua do Pinheiro, 10 – Flamengo), do painel Morar Carioca, em que personalidades da sociedade civil debatem a integração das favelas com a cidade. O que é “morar carioca” para a senhora? Ou seja, o que é viver no Rio de Janeiro atualmente? Viver no Rio é um privilégio – eu "nasci" no Rio duas vezes: a primeira porque nasci aqui; a segunda, porque escolhi o Rio após voltar de 15 anos vivendo na Suíça. E nunca me arrependi. A cidade, apesar de todos os problemas – e dos quais eu mesmo trato através do movimento Rio Como Vamos – é extraordinária. Entretanto, o Rio tem uma coisa me inquieta muito: os cariocas amam o Rio, mas não se sentem responsáveis por este objeto amado. Nem pelos fracassos da cidade nem por seus sucessos. Ou seja: o Rio tem melhorado sob muitos aspectos, mas seus habitantes não atribuem a si mesmo essa melhora. É como se o carioca ainda entendesse que a vida de uma cidade é dividida entre nós, a população, e eles, o governo. O que absolutamente não é verdade. O carioca não sente essa espécie de pertencimento à sua cidade? O carioca ama o Rio, mas isso não quer dizer que vá assumir responsabilidade por ele. Por exemplo: o “não-fazer” alguma coisa é uma forma de fazer errado ou de fazer mal à cidade. E sob muitos aspectos somos predatórios em relação à cidade, como no caso do lixo, por exemplo. Pelas pesquisas que fazemos no Rio Como Vamos, junto com o Ibope, percebemos que mais de 70% dos cariocas acham que a cidade é suja e que a culpa é do próprio carioca. Então os que sujam são apenas os 30% restantes? Ou são todos e os 70% que reclamam não se dão conta de que também eles são responsáveis por isso? E não percebem que, cada vez que jogamos lixo no chão estamos, literalmente, jogando no lixo uma série de políticas públicas possíveis? Que estamos gastando milhões para limpar a cidade quando este dinheiro poderia ser destinado a construir creches, melhorar a condição de escolas, voltado para a saúde? A senhora considera que a máxima de Zuenir Ventura, a da “cidade partida”, ainda persiste? E, se sim, de que forma isso pode começar a ser revertido? A primeira coisa é dizer que a cidade já foi muito mais partida do que é hoje. Acho que a integração se deu de uma maneira extremamente trágica num dado momento, com a violência, e hoje se dá de uma forma diferente, através de iniciativas como o Morar Carioca, que eu aplaudo. Mas a cidade só não será totalmente partida quando as fronteiras urbanas não forem tão evidentes. Isso tanto no sentido geográfico como social – é um conjunto de privações voltado para as favelas, ou para a maioria delas, e que o asfalto não tem. Percebo que quem mora nas favelas tem um sentimento muito forte de pertencer àquela comunidade, mas nenhum ou muito pouco de pertencer à cidade que, no fim das contas, é a sua cidade. E como essas fronteiras podem, enfim, acabar? As UPPs são extremamente importantes, e as UPPs sociais serão também muito importantes. As primeiras delimitaram o território e as segundas irão completar e complementar este trabalho. Terão, mais uma vez, de quebrar fronteiras: melhorar a escola de má qualidade, a saúde inexistente, as condições de vida precárias. Este programa Morar Carioca, se bem realizado, será um grande legado para a cidade. E eu estou muito interessada nessa questão do legado porque, para além das obras, do legado de cimento que possa restar, o que me interessa é o legado cidadão. Até que ponto as Olimpíadas vão permitir que nós – até por estarmos entusiasmados, estarmos dando uma grande festa para a qual convidamos o mundo inteiro – estejamos de acordo em “arrumar a casa”. E isso não depende só do governo, mas de todos nós. Mais uma vez, ter o sentimento de pertencimento, de responsabilidade pelo lugar aonde vivemos, pela casa que é de todos nós. Neste sentido, as Olimpíadas têm um efeito de psicologia social muito importante. Esse gesto, se percebido coletivamente, será um capital imenso de regeneração da cidade. A pesquisa de percepção, realizada pelo movimento e pelo Ibope, tem números interessantes, como apontar que 76% dos cariocas são orgulhosos de sua cidade e que 68% estão otimistas quanto ao futuro. Como a senhora vê esses percentuais? Há um outro número bem interessante: 72% afirmam que não sairiam da cidade. A mesma pesquisa, realizada em São Paulo, teve um número bem inferior a isso, algo em torno de 60%, se não me engano. Isso significa que o carioca está otimista quanto ao futuro. Percebemos isso pelas campanhas que realizamos. Percebo que este sentimento de pertencimento está começando a brotar. E vai gerar resultados no dia em que os cariocas tiverem um comportamento mais moderno, mais adequado à grande metrópole que o Rio é hoje, que desperta interesse no mundo todo e vem atraindo uma quantidade imensa de investimento. O carioca está otimista, e eu também. Sei que o otimismo pode ser arriscado, mas o pessimismo é uma profecia que se cumpre... Duas perguntas para o economista Carlos Lessa O economista Carlos Lessa participa, no próximo dia 27, do debate Morar Carioca: A cidade integrada, no auditório do IAB-RJ. Mas antecipa para a coluna um pouco do que considera ser o “verdadeiro morar do carioca”. O que é o morar carioca? “O lugar onde se mora é a chave para entender o brasileiro. Mas é essencial para entender o carioca. Esta é uma manifestação absolutamente espetacular do que é o morar para o carioca, no sentido mais amplo.” “O carioca faz do lugar onde mora a extensão de sua casa; ele extravasa a vida para fora de casa. Este é o padrão, seja nas favelas, na Zona Sul ou na Zona Norte. O primeiro vai para o bar da esquina ou para seu pedaço de praia; o segundo fecha a rua para um churrasco de aniversário e convida todos para a festa.” “O morar, para o carioca, é a confirmação de sua identidade. É o tal do “nascido e criado”. É onde conheço todos, todos me conhecem, onde o espaço é meu. É o meu jornaleiro, o meu botequim, a minha padaria.” ... E mais: O Rio ainda é uma cidade partida? “Pelo contrário. Por exemplo: eu moro no Cosme Velho. Aqui moram duas das maiores fortunas do Brasil; outras famílias muito ricas; temos a alta classe média, a pequena classe média; operários, intelectuais e as favelas. É ou não é um microcosmo do Rio de Janeiro, e que se repete em absolutamente todos os bairros?”