CULTURA DA DOAÇÃO
Marcelo Estraviz *
Duas grandes linhas de pensamento atuam simultaneamente no Brasil
quando falamos sobre doações. Tais linhas descrevem dois mundos
contraditórios e em geral as pessoas defendem uma ou outra tese. Uma
delas diz que o brasileiro é um povo cordial, amigo, solidário e cooperativo.
Eu concordo com essa tese. Outra linha de pensamento diz que no Brasil
não há uma cultura de doação, que somos desconfiados, que não há
incentivos fiscais, que estamos muito abaixo da média mundial em doações
individuais. Eu também concordo com essa tese.
O que proponho aqui é que não nos contentemos com escolher um lado, a
resposta certa. Mas sim que possamos explorar melhor a situação brasileira
real, peculiar e específica, para a partir dela, ampliar a cultura da doação
em nosso país. A primeira coisa que devemos ter claro é que falta ampliar a
cultura do pedir, antes mesmo da cultura da doação. Essa tese é o que
pretendo descrever a seguir.
Se você fizer uma busca nas imagens do Google com a palavra doação,
encontrará nas primeiras telas tudo menos dinheiro. Verá imagens sobre
doação de sangue, alimentos e algum desenho demonstrando pessoas
unidas ao redor do globo ou algo assim. Se você fizer essa mesma busca
com a palavra em inglês (donation), você verá principalmente cofres em
formato de porquinho, mãos estendidas (algumas com moedas), notas de
dinheiro e uma ou outra imagem envolvendo corações. Pois bem, essa
pesquisa nada científica mas muito simbólica mostra o que é para o
brasileiro a ideia de doar. Nós nos envolvemos radicalmente quando há
alguma tragédia. Doamos toneladas de alimentos, água, cobertores,
agasalhos. E fazemos isso por um principal motivo: existe o pedido. Toda a
mídia, em todos os progamas, comenta, dá telefones, lugares que receberão
as doações. Ou seja, somos solidários, mas isso não basta, recebemos um
chamado para sê-lo. Há o pedido.
Outra demonstração forte é aquele formato televisivo anual para doações.
Temos o Criança Esperança na Globo, o Teleton no SBT, a RedeTV agora tem
também seu evento anual. São 24 horas ou mais de solicitação constante,
com estrutura para recebimentos em dinheiro, com processos facilitados
através da conta de telefone, com artistas falando diretamente, pedindo
claramente. E milhões são arrecadados porque há o pedido.
As operações de doações via telemarketing esparramadas pelo interior do
Brasil são outra demonstração forte do poder da solicitação. Não entrarei
aqui na seara sobre se isso é correto ou não, incômodo ou não, nem falarei
sobre diversas operações que são aliás, incorretas, pra não dizer imorais
(deixarei essa discussão para outro artigo). Mas o foco que quero dar aqui,
falando das boas operações de telemarketing, é como podemos observar
um correto equilíbrio entre o doar e o solicitar. Centenas de organizações no
Brasil vivem das doações solicitadas por telefone e tenho certeza que todas
elas não discutem se o brasileiro é solidário ou não. Seus números atestam
o óbvio: claro que é. Mas isso se confirma por algo: Há o pedido.
Por outro lado, um estudo da McKinsey feito em 2008 nos trouxe muitos
elementos interessantes sobre a filantropia no Brasil. Entre vários dados,
pudemos observar como estamos de fato muito abaixo da média mundial, e
inclusive da média latino americana. O que é importante percebermos é que
isso não pode nos levar a concluir que o brasileiro não doa, mas sim que o
brasileiro (as ONGs) não pedem qualitativamente.
Na ABCR decidimos em nosso último planejamento estratégico que nosso
foco para os próximos 10 anos será na ampliação da cultura da doação, e
para isso acreditamos que a chave está na capacitação e qualificação de
uma maior cultura do pedir. Olhar para os dados das pesquisas e amargar a
realidade de que doamos pouco é no mínimo simplesmente paralisante. O
que nos move é entender que os dados nos trazem métricas comparativas e
que nos cabe ampliar a cultura da doação, qualificando o pedir, fortalecendo
as causas, buscando aliados, transformando a doação num ato prazeroso,
como já é quando nos solicitam.
Eu sonho com um futuro onde eu terei que escolher qual jantar beneficente
eu vou no fim de semana. Quando escolherei quais as ONGs quero apoiar,
de um leque de uma dezena de solicitações que me chegaram em casa.
Sonho com o dia que ultrapassaremos as médias mundiais, porque isso não
é só possível, isso ocorrerá em menos de 10 anos. Basta qualificarmos o
pedir. E por isso peço a você que pense no assunto. E doe para sua causa!
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Marcelo Estraviz – É empreendedor social, palestrante e escritor. É
presidente da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e da
associação de ex-alunos do Colégio Miguel de Cervantes; conselheiro da
ONGs: Trópis , Descentro e The Hub. É co-autor do livro “Captação de
diferentes recursos para organizações da sociedade civil”. Atuou
ultimamente na área governamental, ocupando posições de direção em
instituições e projetos ligados à Prefeitura, ao Estado de São Paulo e à União
Européia.
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