REPRODUÇÃO CULTURAL E EDUCAÇÃO JURÍDICA CONTRA-HEGEMÔNICA: O CAMINHO DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Ana Chris*na Darwich Borges Leal Centro Universitá-o do Estado do Pará Nirson Medeiros da Silva Neto Centro Universitário do Estado do Pará OBJETO E OBJETIVOS A ins&tucionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos de Direito, realizada com a aprovação da Resolução MEC/CNE/CES 09, em setembro de 2004, consolidando reformas iniciadas com a Portaria n. 1.886/94, trouxe para o universo dos cursos jurídicos a tendência pedagógica inaugurada no Brasil com a Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), que reformulou o modelo outrora vigente de Currículo Mínimo Nacional, modelo este par&cularmente rígido por exigir dos Currículos Plenos dos cursos a incorporação compulsória de um conjunto mínimo e preestabelecido de disciplinas consideradas indispensáveis à formação do discente. O modelo do Currículo Mínimo Nacional, assim como o de seu antecessor, o Currículo Único Nacional – que arbitrava o conjunto das únicas disciplinas que deveriam compor os currículos dos cursos –, ao es&pular arbitrariamente aquilo que era digno de ser ensinado e aprendido, naturalmente indicando por exclusão aquilo que não era digno de sê‐lo, expressa ni&damente a verdade obje&va de toda ação pedagógica, e por seguimento de toda estrutura curricular, enquanto violência simbólica que, dissimuladamente, reproduz os arbitrários da cultura dominante em um determinado tempo histórico e espaço geopolí&co (BOURDIEU, 2005; 2008). O modelo das DCNs não parece ser uma exceção a esta verdade obje&va de todo processo educacional, embora mais ní&da nos modelos anteriores, pois das experiências educa&vas já observadas após sua ins&tucionalização poucas são suficientemente heterodoxas para fazer crer que tal verdade seja falseada em razão de alguma formatação curricular adotada, especialmente no que toca aos cursos de Direito. No entanto, é indubitável que o formato das DCNs oferece possibilidades de flexibilização dos currículos jamais antes vistas na história da educação superior brasileira, tornando credíveis variações curriculares que, de certa forma, façam o currículo e, com ele, a ação pedagógica funcionar enquanto instrumentos de afirmação de contra‐arbitrários culturais, ou melhor, de arbitrários culturais contra‐hegemônicos, desde que, evidentemente, as ins&tuições de educação superior efe&vamente pretendam uma reformulação radical da estrutura curricular de seus cursos a fim de favorecer modificações na cultura dominante. Ainda assim, é imperioso anotar que, se não impossível, é ao menos bastante improvável, mesmo com o modelo das DCNs, construir‐se uma estrutura curricular na educação superior absolutamente heterodoxa em relação aos arbitrários da cultura hegemônica, dado que o processo educacional não se restringe apenas à dimensão curricular – embora esta seja uma dimensão imprescindível, até mesmo inerente e de sobeja relevância à qualquer educação formal –, sendo invariavelmente tendente à reprodução, mais ou menos dissimulada, mais ou menos reconhecida, das relações de força entre grupos ou classes existentes dentro de uma específica sociedade e/ou ins&tuição escolar e ao favorecimento do sistema simbólico dos grupos ou classes dominantes (BOURDIEU, 2008). É neste ínterim que emergiu a Resolução MEC/CNE/CES 09/2004, ins&tuindo as DCNs dos cursos de Direito brasileiros e, com efeito, fomentando uma flexibilização dos currículos da educação jurídica superior jamais antes tão aberta a experiências inovadoras. A não imposição de um conjunto de disciplinas obrigatórias, mas sim de eixos de formação (fundamental, profissional e prá&ca), assim como a subs&tuição da obrigatoriedade da monografia pela do trabalho de curso e da prá&ca forense pela prá&ca jurídica são os principais indicadores desta flexibilização que, apesar da abertura a inovações pedagógicas que oferece, certamente não desmente a verdade obje&va dos currículos dos cursos de Direito – o que, aliás, é a verdade raramente reconhecida de qualquer experiência curricular – enquanto instrumentos de realização formal e ins&tucionalizada da violência simbólica que é toda ação educacional. Neste sen&do, obje&vamos demonstrar com o presente trabalho que dita Resolução suscitou a possibilidade de experimentação, nos cursos jurídicos, de estruturas curriculares tendentes à afirmação de contra‐arbitrários culturais ou, em outros termos, de arbitrários culturais contra‐ hegemônicos que, se não negam a realidade da ação pedagógica enquanto violência simbólica, ao menos podem esboçar caminhos alterna&vos em relação aos arbitrários da cultura dominante. Levantamos a hipótese de que um destes caminhos é o da educação em direitos humanos, que então poderia passar a compor a pauta das a&vidades de extensão dos cursos jurídicos, o que decerto cons&tuiria um caminho alterna&vo aos Núcleos de Prá&ca Jurídica no sen&do de uma educação contra‐hegemônica. Propomos, assim, a seguinte inovação curricular na prá&ca jurídica: tomar como núcleo básico de suas ações a educação em direitos humanos, visando a um mais amplo reconhecimento, concre&zação e generalização da dignidade humana. Esta inovação obje&va atender à exigência da Resolução MEC/CNE/CES 09/2004 de transformação da prá&ca forense em prá&ca jurídica, bem como fomentar espaços de ensino em ambientes de aprendizagem tanto formal quanto informal, cursos de capacitação e mecanismos de socialização de informações que visam contribuir para um mais amplo acesso à jus&ça, isto é, para um melhor atendimento e realização dos direitos fundamentais dos indivíduos e grupos humanos. Para tanto, há que se adotar o caminho da educação em direitos humanos, concebendo‐a como uma vereda pedagógica estratégica para a construção de prá&cas jurídicas mais emancipatórias, aproximando referidas prá&cas dos programas de educação para a paz e de educação para o pleno exercício da cidadania. É certo que, ainda assim, tal experiência não negaria a já mencionada verdade obje&va de toda ação pedagógica, mas tenderia a favorecer contra‐arbitrários culturais ou arbitrários culturais contra‐hegemônicos relacionados a prá&cas jurídicas mais voltadas ao atendimento dos anseios e lutas por direitos das classes ou grupos sociais que ocupam o pólo oprimido da sociedade brasileira. METODOLOGIA As considerações expostas no presente trabalho são oriundas de meditações teóricas fundadas na obra de Pierre Bourdieu, notadamente em suas pesquisas sobre o sistema de ensino francês. A obra bourdieusiana revela o caráter simbolicamente violento do processo educacional, sendo deveras ú&l para a compreensão dos fenômenos relacionados à educação jurídica em nosso país. Por isso, a par&r deste referencial teórico‐ metodológico, temos vindo a refle&r sobre a reprodução cultural nos cursos de Direito e acerca das possibilidades de uma educação jurídica contra‐hegemônica. Tais reflexões ainda carecem, no entanto, de incursões empíricas visando demonstrar as hipóteses levantadas. RESULTADOS OBTIDOS Por agora, concluímos que a função subjacente a toda experiência curricular é o exercício formalizado de uma violência simbólica que, dissimuladamente, reproduz os arbitrários culturais dos grupos ou classes dominantes em um determinado espaço social. Isto não significa necessariamente que a ação pedagógica, e juntamente com ela o currículo, não possa funcionar como uma ação reprodutora de arbitrários culturais contra‐hegemônicos. Neste ínterim, a educação em direitos humanos, se agregada às a&vidades dos Núcleos de Prá&ca Jurídica dos cursos de Direito, embora sem desmen&r a verdade obje&va da ação educacional, pode contribuir à estruturação de um modelo de educação jurídica contra‐ hegemônico, pois fomentaria na formação dos juristas uma atribuição de maior importância a temá&cas e ao trabalho com agentes que ocupam o pólo oprimido da sociedade brasileira, contribuindo assim para a reprodução de seus arbitrários culturais e, com efeito, a um melhor atendimento de seus interesses, demandas e direitos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, Pierre. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Trad. Reynaldo Bairão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. _________. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.