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relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito
está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo
mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me
foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar
café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.
Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café
amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles
pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito
é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
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pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora:
“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,
eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada
doía.”
O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de
Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:
a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,
chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,
que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,
mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da
água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem
então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,
mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um
terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;
b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique
Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na
serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,
vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore
de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os
capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem
imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a
cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira
versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário
acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,
que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de
sua presença.
27. Dados Históricos:
Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos ritualísticos utilizados
pelas mais diversas religiões com os mais diferentes significados. O cedro é
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símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado pelos pastores como
apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história bíblica de Moisés
que utiliza seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho. O bastão é um
instrumento de ataque e de defesa e também simboliza a detenção do comando
de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e controle do poder,
representa a vontade e a força dominante. Utilizado como instrumento de invocação
e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão com estrias no sentido
diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito grego Esculápio e
representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder de curar, adotado
pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de Hermes, “deus dos
viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da magia e da adivinhação
e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas mudanças de vida”, duas
serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o mal, masculino e o feminino.
O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um cajado com incisões, fissuras
que lembram o entalhe de um reco-reco.
28. Referências Documentais: Entrevista com Expedita Felisberto Inácio e com
Sirlei Carmem RibeiroSharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô Mitológico –
São Paulo: Siciliano, 1988
29. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentos
utilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger as
músicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões são
utilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas por
muitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. Em muitas guardas,
fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando a
apresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros com
carrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,
Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,
alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada de
são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos, nos centros de Umbanda, pratica-se
uma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam as
pontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.
Quando são hasteados os mastros, para dar início à festa do Congado, os
moçambiqueiros tocam-nos seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias
colocando suas coroas nos bastões, erguendo-as acima da cabeça. A condução
de reis e rainhas, bem como dos santos, numa procissão, pode em alguns casos
vir num espaço delimitado por
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condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaço com bastões, os
dançantes os colocam na horizontal e com as mãos o moçambiqueiro liga o seu
bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.
30. Atualização das informações:
31. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
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SECRETARIA MUNICIPAL
DE CULTURA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃO
DO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
BENS MÓVEIS E INEGRADOS
01. Município: Uberlândia
04.Propriedade: Particular
02. Distrito: Sede
05. Endereço: Av. JK, 1292 e 1282
03. Acervo: Catupé Azul e
Branco
06. Responsável: Sirlei Carmem Ribeiro
07. Designação: Estandarte do Catupé Azul e Branco
08. Localização Especifica: Quando não está em campanha fica guardada no
quarto da Sirlei
09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa/ Estandarte
10. Época: 2002.
11. Autoria: Ignorada
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: tecido panamá azul, estrutura de madeira, bordados em
lantejoulas e pérolas, aplicações de letras em tecido prata, passamanaria, flores
de renda, franjas e cordões brancos, imagem de São Bendito em papel plastificado,
bordados feitos à máquina.
15. Marcas / Inscrições / Legendas: imagem de São Benedito e a inscrição
“Salve São Benedito “ na parte da frente do estandarte e um coração branco e
flores atrás
16. Descrição: Estandarte com estrutura de madeira retangular pintada com esmalte
sintético azul marinho. Elaborado em tecido panamá azul, com bordados que utilizam
lantejoulas e pérolas. Aplicações de letras em tecido prata formando a inscrição
“Salve São Benedito”. Flores de renda, passamanaria prata e franjas dão
acabamento na base inferior. Os cordões segurados pelas meninas são brancos. A
imagem de São Bendito impressa em papel plastificado costurado no tecido com
acabamento de bordados feitos à máquina. Do lado de trás do estandarte costurado
ao tecido um coração em tecido pelúcia branco e aplicações de flores e
passamanaria prateadas.
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17- Condições de segurança:
( X) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
Obs:
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
(X ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
19- Documentação fotográfica
Fotos do Terno Catuapé Azul e Branco
Uberlândia/MG Ano 2007
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente
(X ) Bom
( ) Regular
21- Dimensões:
( ) Péssimo
Altura:1,44 m
Largura: 0,75m
Comprimento da haste: 0,8 m totalizando 2,24m
22. Análise do Estado de Conservação:
Estandarte em bom estado de conservação, sem sinais de desgaste por insetos
ou mofo.
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23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas:Estandarte com estrutura de madeira retangular,
com tecido panamá e bordados que utilizam lantejoulas e pérolas, mais letras em
tecido aplicadas. Flores de renda, passamanaria franjas dão acabamento na base
inferior. Os cordões pendendo haste superior. A imagem religiosa impressa em
papel plastificado costurado no tecido com acabamento de bordados feitos à
máquina. Do lado de trás do estandarte costurado ao tecido um coração em tecido
pelúcia e aplicações de flores e passamanaria.
25. Características Estilísticas:
Estilo popular (sem característica estilística específica).
26. Características Iconográficas:
Nos estandartes do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa
Senhora do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como
a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.
Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que
os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo
Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas
menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a
santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles
criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,
pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam
o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em
seu terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que
a festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno
porque somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de
Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união
entre os pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para
coroar Nossa Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia
da fidelidade de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de
São Benedito que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora
do Rosário algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do
menino. De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa
Senhora do Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa
de Seu Zezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os
santos. Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito.
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Este, tido como mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que
multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é
tomado como um militar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da
proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão
mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência
de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e
aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros”
“fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães
dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos
tidos como “fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este
comportamento como prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje.
O convívio nos quartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão
precisa passar por esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o
seu próprio terno.
O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,
era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido
como escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os
conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os
invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um
grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a
alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa
Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse
que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e
parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais
tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara
Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham
com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra
existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia
para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que
no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a
condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros
se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para
a libertação de seu povo.
Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se
deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,
ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje
como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de
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escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre
um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca
pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos
quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de
socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões
antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado
de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas
comunidades. Mas esta é uma outra história.
Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em
relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito
está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo
mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me
foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar
café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.
Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café
amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles
pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito
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é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora:
“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,
eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada
doía.”
O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de
Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:
a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,
chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,
que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,
mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da
água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem
então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,
mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um
terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;
b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique
Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na
serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,
vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore
de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os
capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem
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Páginas 41 a 50 - Prefeitura Municipal de Uberlândia