41 relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança, foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento. O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto “multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento, da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e 42 pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais, mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença. 27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes significados. O cedro é 43 símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco. 28. Referências Documentais: Entrevista com Expedita Felisberto Inácio e com Sirlei Carmem RibeiroSharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô Mitológico – São Paulo: Siciliano, 1988 29. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentos utilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger as músicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões são utilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas por muitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. Em muitas guardas, fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando a apresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros com carrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida, Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim, alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada de são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos, nos centros de Umbanda, pratica-se uma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam as pontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo. Quando são hasteados os mastros, para dar início à festa do Congado, os moçambiqueiros tocam-nos seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocando suas coroas nos bastões, erguendo-as acima da cabeça. A condução de reis e rainhas, bem como dos santos, numa procissão, pode em alguns casos vir num espaço delimitado por 44 condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaço com bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos o moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente. 30. Atualização das informações: 31. Ficha Técnica Levantamento Data: Abril de 2007 Fabíola Benfica Marra (Historiadora) Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura) Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura) Elaboração Data: Abril de 2007 Fabíola Benfica Marra (Historiadora) Revisão Data: Abril de 2007 Anderson Henrique Ferreira (Historiador) Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta) 45 SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA INVENTÁRIO DE PROTEÇÃO DO ACERVO CULTURAL Minas Gerais-MG BENS MÓVEIS E INEGRADOS 01. Município: Uberlândia 04.Propriedade: Particular 02. Distrito: Sede 05. Endereço: Av. JK, 1292 e 1282 03. Acervo: Catupé Azul e Branco 06. Responsável: Sirlei Carmem Ribeiro 07. Designação: Estandarte do Catupé Azul e Branco 08. Localização Especifica: Quando não está em campanha fica guardada no quarto da Sirlei 09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa/ Estandarte 10. Época: 2002. 11. Autoria: Ignorada 12. Origem: Uberlândia 13. Procedência: Uberlândia 14. Material / Técnica: tecido panamá azul, estrutura de madeira, bordados em lantejoulas e pérolas, aplicações de letras em tecido prata, passamanaria, flores de renda, franjas e cordões brancos, imagem de São Bendito em papel plastificado, bordados feitos à máquina. 15. Marcas / Inscrições / Legendas: imagem de São Benedito e a inscrição “Salve São Benedito “ na parte da frente do estandarte e um coração branco e flores atrás 16. Descrição: Estandarte com estrutura de madeira retangular pintada com esmalte sintético azul marinho. Elaborado em tecido panamá azul, com bordados que utilizam lantejoulas e pérolas. Aplicações de letras em tecido prata formando a inscrição “Salve São Benedito”. Flores de renda, passamanaria prata e franjas dão acabamento na base inferior. Os cordões segurados pelas meninas são brancos. A imagem de São Bendito impressa em papel plastificado costurado no tecido com acabamento de bordados feitos à máquina. Do lado de trás do estandarte costurado ao tecido um coração em tecido pelúcia branco e aplicações de flores e passamanaria prateadas. 46 17- Condições de segurança: ( X) Boa ( ) Razoável ( ) Ruim Obs: 18- Proteção Legal: ( ) Federal ( ) Estadual ( ) Municipal (X ) Nenhuma ( ) Tombamento Isolado ( ) Tombamento em Conjunto 19- Documentação fotográfica Fotos do Terno Catuapé Azul e Branco Uberlândia/MG Ano 2007 20- Estado de Conservação: ( ) Excelente (X ) Bom ( ) Regular 21- Dimensões: ( ) Péssimo Altura:1,44 m Largura: 0,75m Comprimento da haste: 0,8 m totalizando 2,24m 22. Análise do Estado de Conservação: Estandarte em bom estado de conservação, sem sinais de desgaste por insetos ou mofo. 47 23. Intervenções – Responsável / Data: NT 24. Características Técnicas:Estandarte com estrutura de madeira retangular, com tecido panamá e bordados que utilizam lantejoulas e pérolas, mais letras em tecido aplicadas. Flores de renda, passamanaria franjas dão acabamento na base inferior. Os cordões pendendo haste superior. A imagem religiosa impressa em papel plastificado costurado no tecido com acabamento de bordados feitos à máquina. Do lado de trás do estandarte costurado ao tecido um coração em tecido pelúcia e aplicações de flores e passamanaria. 25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística específica). 26. Características Iconográficas: Nos estandartes do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc. Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. 48 Este, tido como mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno. O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de 49 escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história. Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança, foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento. O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto “multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento, da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito 50 é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais, mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem