Aquecimento global
Por Hindemburg Melão Jr.
Há alguns dias, o amigo Pedro Canela me fez um convite para conceder uma entrevista na comunidade “Xadrez” do
Orkut, do amigo Luciano Maia, que conta com mais de 57.000 membros. Diferentemente das expectativas, as perguntas
extrapolaram o âmbito do Xadrez e acabaram se estendendo a muitos campos diferentes. Uma das perguntas foi sobre o
efeito estufa. Como este tema já foi discutido na comunidade de Astronomia em pelo menos 5 tópicos, com dezenas de
postagens, e tem sido um dos poucos assuntos da “moda” ligados à Ciência , achei que seria interessante escrever um
artigo sobre o assunto.
Turibio Lima:
O aquecimento global provocado por ação humana está acontecendo mesmo ou é balela?
Qual é a sua opinião?
Pergunto porque a resposta parece envolver cálculos super-complicados com diversas variáveis, coisa em que você
parece ser especialista.
Este é um problema mais político e econômico do que científico. Os países industrializados querem vender a ideia de que
o aquecimento global provocado por humanos responde por uma parcela pequena do aquecimento total, sendo a maior
parte decorrente de processos naturais. Os EUA, cuja principal fonte de energia está ligada à queima de petróleo, se
admitirem que eles são os principais causadores do aquecimento, seriam pressionados, inclusive pelo próprio povo
americano, a reduzir a emissão de CO2, CH4 etc., e não havendo outras fontes de energia limpa que possam
rapidamente substituir suas fontes atuais, não dariam conta de manter o ritmo de produção, provocando um colapso
econômico no país. Já os países que consomem 10 vezes menos energia per capita, como o Brasil e outros mais
atrasados, contribuem pouco para o efeito e não seriam tão pressionados, podendo manter seu ritmo de crescimento.
Portanto interessa aos EUA tentar convencer a população de que o aquecimento global provocado pelo homem é ínfimo
em comparação ao aquecimento que aconteceria independentemente da existência do homem, como o que resulta de
erupções vulcânicas, flatulência de gado e de outros animais que geram metano, e principalmente eventos submersos
nos oceanos. Em contrapartida, para os países pobres e atrasados como o nosso, pode ser mais conveniente defender a
tese contrária, pois assim os países que estão no topo da economia ficam com seu ritmo de crescimento comprometido,
enquanto os menos desenvolvidos podem continuar crescendo e, assim, reduzir a diferença em comparação aos que
estão no topo. Há outras maneiras de interpretar a situação, inclusive há argumentos quase opostos a serem defendidos
para cada lado, mas esta é uma das interpretações razoáveis.
Então surge a questão: o que de fato está acontecendo nos últimos anos? E a resposta é: depende de quantos anos se
leva em conta e de onde se mede a temperatura.
Nos últimos 6 anos, a temperatura do ar está, em média, caindo. Mas nos últimos 16 anos está, em média, subindo. A
amplitude das flutuações é muito maior do que o acumulo gradual, e isso faz com que o aumento ou a queda observados
não sejam estatisticamente significativos, pois os ruídos e as flutuações sazonais são muito maiores do que os possíveis
efeitos cumulativos.
Se considerar nos últimos 100 anos, está subindo. Não se tem registros sistemáticos da temperatura "global" muito antes
do ano 1900, mas pode-se determinar a temperatura aproximada por métodos indiretos, baseados nos anéis de algumas
coníferas, fósseis de pólen, formação de corais, deposição de sedimentos, núcleos de icebergs e outros métodos. As
incertezas nas medidas acabam sendo maiores quando os métodos são indiretos, inclusive os resultados para a
temperatura de uma mesma época, calculados por
métodos diferentes, podem divergir. Por isso os números
anteriores a 1900 e, principalmente, anteriores a 1850, são
mais incertos, ao passo que os dados mais recentes são os
mais acurados e mais precisos.
Os levantamentos sobre a temperatura dos últimos 5.000
anos mostram que nos últimos 700 anos passamos por
uma mini era glacial, em que a temperatura esteve muito
abaixo da média dos 4300 anos anteriores, e nos recentes
200 anos está passando por uma convergência para a
média. Logo este aumento parece ser um processo natural
que aconteceria com ou sem a intervenção humana, e
consiste mais num processo de reequilibrar a temperatura
que estava abaixo da média histórica recente do que um
aumento alarmante. Se considerar o período dos últimos
10.000 anos, observa-se o mesmo: um período mais frio
nos últimos 700 anos e uma temperatura média
significativamente mais elevada nos 9.300 anos anteriores.
Se considerar os últimos 800.000 anos, temos oscilações
sazonais com duração aproximada de 40.000 anos cada, e no presente estamos no pico de aquecimento dos últimos
40.000 anos. Se estas modelagens para a variação histórica da temperatura estiverem razoavelmente corretas, esperase uma queda de cerca de 8 graus Celsius nos próximos 15.000 ou 25.000 anos. Neste contexto, a intervenção humana
estaria sendo útil para evitar este processo de resfriamento que poderia ter efeitos desastrosos. Porém o ritmo de
aquecimento provocado pelo homem é muito mais rápido do que seria o resfriamento por processos naturais, e para que
um efeito pudesse compensar o outro e manter a temperatura média aproximadamente estável nos próximos 20.000
anos, seria necessário retardar centenas de vezes o ritmo do efeito antropogênico. Em vez de desacelerar, o nível de
emissão de CO2 está crescendo aceleradamente desde 1700.
Então o que se verifica concretamente é que as flutuações típicas na temperatura produzidas por eventos naturais são
muito maiores do que as variações antropogênicas em qualquer escala de tempo que se queira considerar. Logo, os
aumentos observados na temperatura nos últimos anos ou décadas não parecem ser predominantemente provocados
pelo homem. Por outro lado, sabe-se que o CO2 é emitido na queima de petróleo e em muitos outros processos, e a
curva de crescimento na emissão de CO2 nos últimos 300 anos correlata positivamente e fortemente com o aumento na
temperatura neste mesmo período. Além disso, sabe-se que o CO2 é mais transparente aos raios ultravioleta do que aos
raios infravermelhos, portanto os raios ultravioleta que chegam do Sol atravessam a atmosfera da Terra, atingem a
superfície, aquecem o solo, que passa a emitir luz infravermelha, mas esta luz não atravessa a atmosfera na mesma
proporção, de modo que grande parte acaba sendo absorvida pela atmosfera e outra parte refletida de volta à superfície,
provocando aquecimento por um processo semelhante ao de uma estufa, em que o vidro desempenha um papel
semelhante ao do CO2.
Se a quantidade total de CO2 na atmosfera aumentar, este processo se acentua, resultando em aquecimento. Então não
há dúvida de que o aumento na
produção de CO2 esteja provocando
um efeito de aquecimento, pois este
é um processo bem conhecido. A
questão é apenas saber quanto. Os
dados sugerem que, por enquanto, é
um efeito pequeno e que não chega
a ser sequer mensurável, por ficar
mascarado
pelas
flutuações
aleatórias na temperatura, flutuações
estas cujas causas não têm relação
com as atividades humanas.
Se observar a inclinação e amplitude
das curvas de aumento e queda de
temperatura ao longo da história nos
últimos 10.000 anos, podemos
perceber que o aumento observado
nos últimos 200 anos não difere
significativamente
de
outros
aumentos típicos ao longo da história
muito antes da revolução industrial.
Isso sugere também que a
correlação entre o aumento na
temperatura e na taxa de emissão de CO2 que se observa nos últimos 200 anos não tem relação de causa e efeito,
assim como o aumento em outras variáveis nos anos recentes.
Outro fato a ser considerado é que a indústria petroquímica frequentemente contrata pesquisadores para que escrevam
artigos contestando os resultados que mostram que o aumento na temperatura possa ter relação com a atividade
humana. Este tipo de esforço fraudulento para produzir resultados convenientes e tendenciosos acaba complicando a
análise dos fatos porque leva alguns dos pesquisadores sérios a atuar do lado oposto, em vez de atuar de maneira
imparcial, como seria esperado ao se tentar fazer boa Ciência. O resultado é que em vez de uma investigação séria,
acabam surgindo duas facções com interesses antagônicos, cada uma das quais advoga em “causa própria”, e ambas
deixam a Verdade em segundo plano. Para piorar a situação, como todos os cientistas estão cientes de que,
independente de qual seja a dimensão do impacto ambiental provocado pela atividade humana, é absolutamente seguro
que este impacto existe, acabam exagerando na gravidade do problema para alarmar o público e, com isso, conseguir
que pressionem as autoridades a tomarem as providências necessárias. É uma postura compreensível, já que cientistas
corruptos trabalham contra os interesses da comunidade e contra a sustentabilidade do planeta, então precisa haver
cientistas idôneos do lado oposto.
O espantoso disso tudo é que empresas petroquímicas e os governos de nações inteiras coloquem interesses comerciais
acima da preservação da habitabilidade do planeta, como se o dinheiro pudesse servir para alguma coisa num planeta
com ar irrespirável e sem água potável.
Mais de 95% dos cientistas sustentam a tese de que a maior parte do aquecimento observado nos últimos anos tem sido
provocado por atividade humana. Mas até onde pude avaliar, não possuem base para isso. Creio que na verdade saibam
que não é assim, mas sabem também que se não se posicionarem desta maneira, o povo e o governo não tomarão as
atitudes necessárias para resolver o problema antes de que se agrave. Em última instância, não importa se o
aquecimento observado é significativamente antropogênico, em nosso atual estágio de consumo de energia e emissão
de poluentes. O que importa é que uma parte do efeito é provocada pelo homem, ainda que seja tão pequena que não
possa ser medida, porque a tendência observada é de que este efeito se torne cada vez maior, com a crescente
demanda por produção de energia. Isso requer que um rigoroso controle seja estabelecido desde já, caso contrário,
quando os efeitos forem suficientemente grandes para que sejam detectados, pode ser tarde demais para restabelecer o
equilíbrio.
Apêndice I
O Facebook e as redes sociais, em geral, embora sejam predominantemente usados com propósitos inúteis e fúteis,
acabam também desempenhando um papel interessante que agiliza a troca de informações sobre diferentes temas. Num
dos artigos anteriores, o amigo Paulo Vaz fez comentários interessantes e enriquecedores sobre um artigo que havia sido
publicado há poucas horas, e agora o amigo José Antonio Francisco sobre outro artigo.

Hoje

10:58
José Antonio Francisco
Melão, tudo bem? Li e gostei muito de seu artigo sobre aquecimento global. Você tocou num dos pontos
críticos da questão: como comparar as informações das últimas décadas com as do passado? Essa questão
me incomoda tanto que cheguei a fazer um curso online sobre isso e ainda tenho um monte de dúvidas. As
duas teses têm defensores cegos, o que não ajuda. De um lado, por exemplo, DeGrasse Tyson comparou a
certeza do aquecimento global antropogênico à da gravidade, apesar de o IPCC ter "somente" 95% de
certeza de que é real. Do outro lado, várias teorias que chegam a ser ridículas. Acredito que as suas
conclusões são as que se podem tirar dos dados disponíveis em geral. A conclusão de que o aquecimento é
causado pelo CO2 industrial demanda muita argumentação. Impressiona o tamanho dos relatórios do IPCC,
milhares e milhares de páginas, é impossível sequer ler esses relatórios. Dá a impressão de que a "evidência"
está bem escondida e que precisa ser analisada detalhadamente, o que torna a questão inacessível ao
público. Parabéns por mais esse artigo.

13:28
Hick Nax
Olá, Zé Antonio! Muito obrigado pelos comentários amáveis e enriquecedores! Embora Tyson fosse amigo e fã
de Sagan, que foi pioneiro no estudo do efeito estufa em Vênus, não sabia que ele era um atual ativista sobre
isso. Mas é realmente muito compatível com o estilo dele e com a influência de Sagan sobre ele. Acho
realmente difícil afirmar que a certeza sobre um processo químico seja tão grande quanto a de um processo
físico, sobretudo se o processo físico for a gravidade. Nesse caso, acho importante dissociar 2 fatos: F1) A
produção de CO2 e outros gases em que o nível de transparência ao IR é maior que ao UV muito
provavelmente contribui para o efeito estudo; F2) A participação destes gases gerados por atividade humana
muito provavelmente ainda é demasiado pequena para que possa afetar sensivelmente o clima no planeta.
Como o fato F1 representa muito bem o que se conhece sobre CO2 e o F2 talvez ainda seja polêmico, será
questão de tempo até que o F2 seja preocupante, então acho necessário que se tome as decisões com base
no F1 para que quando o F2 aumentar, já se esteja preparado para manter o F2 sob controle. E mesmo que o
F1 fosse muito mais incerto, como o que está em risco é a vida no planeta, em especial a vida humana, as
providências deveriam ser as mesmas. Abraços!

14:41
José Antonio Francisco
Bem, já faz algum tempo, tem um grupo de cientistas que estão defendendo a ciência em geral, incluindo
Tyson, Dawkins, Bill Nye, Lawrence Krauss etc. Participam de várias palestras juntos, aparecem em
programas de TV etc (vc certamente já viu algo a respeito). Eles entendem que a negação do aquecimento
global nos EUA vai na mesma linha do criacionismo. Então, é como se um defendesse a ciência do outro,
vamos dizer assim (Big Bang, evolução, clima etc.), com o objetivo de defender a ciência como um todo. No
podcast dele, Tyson saiu com essa, mas acho que mais prejudicou do que ajudou a causa.
Com relação ao seu artigo, é interessante notar que uma das críticas dos céticos do AGA é de que não se
poderia, com base na incerteza, criar o pânico que o IPCC estaria criando. Eles refutam o chamado "princípio
da precaução". De fato, depois das aulas on-line que assisti, soube que muitos cientistas estão certos de que
já seria tarde demais pra fazer alguma coisa, teríamos que simplesmente parar de emitir CO2. Mas estas
opiniões mais "radicais" seriam "censuradas" pelo "peer review" do próprio IPCC.

15:58
Hick Nax
Vi apenas o Tyson, inclusive num episódio de The Big-Bang Theory e várias entrevistas. Nas entrevistas, ele
me passou uma imagem duvidosa, com diversos descuidos e a nítida sensação de que ele está mais
interessado nos benefícios da exposição dele na mídia do que em realmente divulgar a Ciência, como faziam
Sagan e Feynman, por exemplo. Acho o Tyson carismático e divertido, além de muito culto e inteligente,
porém parte do que ele diz, e a maneira como diz, não me agrada. Nesse caso, por exemplo. Quanto ao BigBang, o nível de confiança de que se trata de um fato é muito menor do que a confiança no efeito estufa ou
na Evolução. A quantidade de remendos pelos quais a teoria já passou para continuar se ajustando aos dados
experimentais ultrapassam com folga o nível que justificaria descartá-la. O problema é não haver, por
enquanto, uma teoria alternativa que possa substitui-la. Com os dados disponíveis, acho muito difícil inferir qq
coisa sobre quanto a natureza já foi prejudicada, mas tenho quase certeza de que, pelo menos no que diz
respeito a aquecimento global, foi bem pouco. Creio que a maioria dos problemas mais graves são aqueles
sem sintomas de curto prazo. O esgotamento do petróleo, por exemplo, afeta a dimensão fractal das
camadas superiores da litosfera, deixando galerias imensas no subsolo e não se faz nenhum estudo sobre as
consequências que isso pode ter. Aquele filme sobre o fim do mundo em 2012 tem muita bobagem, mas
aquelas cenas do chão se abrindo com erosões gigantescas não me parece tão distante do que pode ocorrer
(mas num processo bem mais lento e menos dramático) como consequência da extração do petróleo. Não
descarto a possibilidade de fazerem alerdes em torno do efeito estufa com a finalidade de desviar a atenção
de outros problemas mais graves que podem estar se agravando em função das atividades industriais.
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