A organização voltada para processos
entrevista concedida por Graziela Merlina para Revista Profissional e Negócios em
http://www.rhcentral.com.br/pen/pen.asp?cod_materia=1778
A definição e redesenho de processos permite enxergar com clareza a contribuição de
cada colaborador no resultado final
Foi-se o tempo em que a divisão funcional do trabalho era o paradigma das empresas modernas.
Nessa época, a palavra-chave era “concentre-se e especialize-se”. Cada funcionário devia
preocupar-se apenas com sua atividade, que era restrita e focada. Apenas os gerentes tinham
uma visão mais global. Mas esta empresa, que foi tão bem retratada no filme Tempos Modernos,
de Charles Chaplin, está caminhando para sua extinção.
Hoje, a globalização e a competitividade exigem que os colaboradores, ainda que sejam
responsáveis por uma atividade, tenham uma visão global da empresa e que tenham capacidade
de tomar decisão dentro de um espírito de equipe, com o propósito de alcançar determinados
resultados e objetivos pré-definidos. Para que isso funcione e a empresa torne-se mais eficiente,
hoje está em voga o uso de uma ferramenta chamada Gestão por Processos.
Embora muitas pessoas tenham arrepios ao ouvir este conceito, já que durante muito tempo isto
esteve ligado à reengenharia do início dos anos 90, que levou a um grande número de
demissões, os desenho e redesenho dos processos contribuem efetivamente para a melhoria
contínua da organização com foco no cliente.
E não significa necessariamente o desligamento de funcionários, pelo contrário. Até mesmo o
“pai” da reengenharia, Michael Hammer, em seu último livro Além da reengenharia, acredita que
a principal conseqüência dela foi o surgimento da organização orientada para processos.
Segundo ele, nas empresas tradicionais, os processos são ignorados. Em uma organização
orientada para processos, eles são cuidadosamente projetados e mensurados, e todos os
colaboradores os entendem.
Mas afinal o que é um processo dentro do contexto organizacional? Graziela Merlina , sóciadiretora da Apoena Consultoria Organizacional, explica que “um processo é a definição dos fluxos
de atividade de um negócio, aonde são consideradas as atividades que são executadas e os
recursos que são utilizados, sejam financeiros, humanos e materiais”. Além disso, com o desenho
dos processos é possível definir claramente quem são os clientes internos e externos, como cada
atividade interfere e como vai contribuir para o resultado final.
A clareza na definição dos processos de uma empresa faz com que os colaboradores possam ter
uma visão global, além de permitir que eles vejam aonde estão contribuindo e afetando o
resultado, que antes não necessariamente era visto com clareza. É importante lembrar que os
processos devem estar ligados ao objetivo último da empresa, que é entregar o produto ou
serviço ao cliente, e que, portanto, eles devem ser avaliados sempre do ponto de vista do cliente.
Mas há inúmeros outros benefícios deste tipo de gestão. “Podemos descobrir aonde estão os
gargalos da empresa, aonde as coisas estão emperrando e onde há a possibilidade de melhoria,
ajuda a identificar etapas que poderiam ser feitas de uma forma melhor, além de descobrir o que
realmente agrega valor e o que não agrega valor para o cliente, levantar as deficiências no
atingimento das meta e ajudar a mapear quais são as competências para o negócio”, elenca
Graziela.
Mais do que isso, qualquer empresa hoje no Brasil que queria obter a certificação ISO 9000
precisa ter os processos definidos. Luis Carlos Pontes, diretor da área de Risk Advisory Services
da KPMG, chama a atenção para que a grande vantagem da empresa voltada para os processos
está na visualização clara dos riscos envolvidos em cada atividade. “Numa estrutura
verticalizada, o risco é tratado apenas pelo departamento. Uma gestão por processos, que exige
estruturas horizontais, permite identificar, mensurar e controlar o risco”, explica.
“Sem ter os processos claros, você não consegue ter o controle adequado dos riscos, ou porque
não os conhece, ou porque coloca controles pequenos para altos riscos, ou o contrário”. Esta
gestão implica, portanto, em várias mudanças de paradigmas. A primeira talvez seja a quebra
das antigas estruturas departamentais. “As empresas precisam que as pessoas formem times de
trabalho e que colaborem entre si.
Aquela organização funcional, em que as pessoas ficavam em suas salas e não conversavam,
não funciona mais. As pessoas precisam compartilhar suas atividades com foco no resultado”,
explica Luis Alberto Piemonte, presidente do IADI – Instituto Avançado de Desenvolvimento
Intelectual.
O desenho do processo deve partir sempre da identificação da situação atual. “Mesmo que a
empresa não tenha isto definido, ela vive os processos diariamente: quando faz o produto,
quando vende, presta suporte, etc.”, ressalta Graziela. Portanto é necessário fazer um
mapeamento inicial, identificando primeiro os macroprocessos: comercial, operacional,
administrativo, suporte, entre outros, conforme a especificidade de cada organização.
Depois, parte-se para a identificação, dentro de cada macroprocesso, das atividades envolvidas e
o resultado final de cada uma, colocando isto dentro de um fluxo. Desta fotografia inicial é
possível redesenhar, ou melhor, aperfeiçoar os processos. “Com este trabalho fica mais fácil
identificar o retrabalho, atividades que não têm responsáveis bem definidos, aonde há
movimentações mais intensas, e nestes pontos serão feito os ajustes necessários”, aponta
Graziela. Durante esta definição é preciso ter sempre claro quais os objetivos da organização.
“Os objetivos estratégicos, táticos e operacionais devem estar ligados aos objetivos de cada
processo e atividade”, ressalta Pontes.
É por isso que este trabalho precisa ter um apoio forte da alta diretoria. “A definição de processo
é uma coisa que se faz de cima para baixo. Começa analisando o que esta empresa deve fazer
de forma macro, estabelecendo o conceito de cadeia de valor e vai abrindo do macro até se
chegar aos processos operacionais”, acredita Piemonte.
Graziela concorda e ainda ressalta mais um motivo para a participação da direção. “É muito
comum aparecer um sentimento de ameaça, uma vez que quando se faz o redesenho, por
conseqüência acaba também redesenhando responsabilidades, e isto precisa ser gerenciado o
tempo todo. Por isso, a direção precisa patrocinar o trabalho e mostrar para as pessoas quais são
os benefícios: que a mudança implicará em agregar mais valor para o negócio, e por
conseqüência, gerar mais rentabilidade e mais clientes”.
O que RH tem a ver com isso?
A resposta é bem simples: tudo. Afinal se envolvem pessoas, o RH precisa estar envolvido. Mas
seu papel deve ser ainda maior. “No fim, a gestão de processos para mim é gestão de pessoas,
você pode dar para os colaboradores todas as ferramentas, mas se eles não quiserem trabalhar
juntos, nada funcionará. E você terá aquele velho problema do vendedor que vendia uma coisa
que o operador de produção não conseguia produzir. Portanto é preciso fazer as pessoas
colaborarem”, analisa Piemonte.
Graziela acredita que o RH não se envolve mais devido a uma visão deturpada da importância da
definição dos processos. “As empresas não enxergam isso como estratégico, é visto apenas
como mais um projeto operacional: sentar, desenhar fluxo, fazer mapinha, corrigir, criar relatório...
Mas ao contrário do que possa parecer não é só operacional, é extremamente estratégico para a
organização”.
As pessoas serão sempre o fator chave para o sucesso deste trabalho. Se os colaboradores não
estiverem envolvidos, engajados e abertos a mudança, o redesenho de processos ficará apenas
no papel. Até porque o know how está na empresa, as pessoas têm sugestões de melhorias e
devem participar.
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