Luiz Alberto da Cunha Bustamante Paulo César Ribeiro Lima Mercedes Maria da Cunha Bustamante Donald Rolfe Sawyer Gilmar Clemente Silva Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas Fabiana Soares dos Santos Biocombustíveis: Motor de Redução das Desigualdades Sociais e Regionais e de Promoção do Desenvolvimento Sustentável Brasília 2008 1. Identificação do Projeto Título: Biocombustíveis: Motor de Redução das Desigualdades Sociais e Regionais e de Promoção do Desenvolvimento Sustentável Autores: Luiz Alberto da Cunha Bustamante (Coordenador) Analista Legislativo – Engenheiro Doutor em Engenharia Metalúrgica e de Materiais Câmara dos Deputados Paulo César Ribeiro Lima Consultor Legislativo – Minas e Energia Doutor em Engenharia de Fluidos Câmara dos Deputados Mercedes Maria da Cunha Bustamante Professora Associada 1 - Departamento de Ecologia Doutora em Ciências Naturais Universidade de Brasília Donald Rolfe Sawyer Professor Adjunto – Centro de Desenvolvimento Sustentável Doutor em Sociologia Universidade de Brasília Gilmar Clemente Silva Professor Adjunto Doutor em Química Universidade Federal Fluminense Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas Coord. Executivo do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais - IVIG Doutor em Economia do Meio Ambiente Universidade Federal do Rio de Janeiro Fabiana Soares dos Santos Depto. de Agronegócios e Administração Universidade Federal Fluminense Instituição: Câmara dos Deputados Linha de Pesquisa: Ética e Cidadania Data: 15 de abril de 2008. 2. Resumo Ao mesmo tempo em que os biocombustíveis são vistos como alternativa viável para a substituição dos combustíveis fósseis utilizados no setor transporte, importantes questões são levantadas sobre os impactos ambientais e sociais de sua produção em larga escala. Tais questões são de importância crucial para o Brasil, pois nosso país apresenta-se hoje como aquele que possui as melhores condições naturais e tecnológicas para liderar a produção mundial de biocombustíveis. Mais do que isso, a produção de biocombustíveis configura-se também como uma possibilidade de inserção econômica e de resgate da cidadania de numerosa parcela da população brasileira que atualmente encontra-se excluída do processo de desenvolvimento nacional. Considerando que a Constituição de 1988 elencou entre os objetivos fundamentais do Brasil a garantia do desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais e regionais, cabe à Câmara dos Deputados, no papel de guardiã da Constituição, criar as condições políticas e normativas para que esses preceitos constitucionais sejam concretizados. Nesse contexto, a legislação sobre biocombustíveis ganha especial relevância. Este biocombustíveis; projeto objetiva identificando avaliar disposições, a legislação ou brasileira omissões, da sobre legislação impeditivas da concretização da redução das desigualdades sociais e regionais e da promoção do desenvolvimento sustentável através da produção de biocombustíveis; e sugerir medidas que permitam a realização efetiva dos objetivos constitucionais mencionados. 3. Apresentação A ameaça representada pelas conseqüências do aquecimento global de origem antropogênica, causado principalmente pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera resultante da queima dos combustíveis fósseis, despertou globalmente o interesse pelas energias renováveis, entre elas, os biocombustíveis. Concomitantemente, os aumentos do preço do barril de petróleo, que já superou a barreira dos cem dólares, somaram a viabilidade econômica às vantagens ambientais que os biocombustíveis podem proporcionar. O Brasil, devido à extensão de terras agriculturáveis disponíveis, ao clima adequado, à disponibilidade de água e, também, à tecnologia e à infraestrutura desenvolvidas, situa-se em posição privilegiada em relação aos demais países para a produção de biocombustíveis. O programa de produção de álcool combustível, iniciado na década de 1970, e o rápido crescimento da produção de biodiesel nos últimos anos são provas inequívocas do potencial brasileiro nesse setor. Entretanto, o sucesso dos programas brasileiros de biocombustíveis não deve ser avaliado exclusivamente pelos números frios dos recordes de produção. Não basta atentar apenas para o “quanto” é produzido, mas é preciso também considerar o “como” é produzido, pois a produção de biocombustíveis não se faz sem riscos. Por exemplo, entre esses riscos, podem ser citadas a pressão sobre biomas como o Cerrado e a Floresta Amazônica pela demanda de novas terras para a agricultura e pecuária, a competição entre a produção de alimentos e a de biocombustíveis e a concentração do controle e dos benefícios advindos da produção dos biocombustíveis nas mãos de uns poucos grupos econômicos de grande porte. Coloca-se, então, a questão de como incentivar a produção de biocombustíveis e, simultaneamente, evitar as externalidades negativas citadas. A resposta não pode ser dada apenas pelos mecanismos de mercado. Cabe aqui a atuação do poder público, em especial do Poder Legislativo, que, devido as suas funções precípuas de representação da sociedade, de controle da Administração Pública e de atividade legiferante, é locus privilegiado para a discussão e avaliação de questões de tal importância, assim como, para a produção normativa atinente. E é na Constituição Federal que o Poder Legislativo encontra a legitimação para os princípios, os meios e os fins de sua atuação. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 3°, estabeleceu, nos incisos II e III, a garantia do desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais e regionais, respectivamente, como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Também na Constituição Federal de 1988, a expressão meio ambiente é pela primeira vez mencionada num texto constitucional brasileiro 1. E não apenas isso, trata-se da primeira Carta brasileira em que a defesa do meio ambiente é incorporada de forma integrada, espraiando-se por diversos dispositivos, dentre os quais destacamos o art. 170, inciso VI, que estatui a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica; o art. 225, caput, que estabelece como direito comum o meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao poder público e à coletividade a sua defesa e preservação; e, ainda, o art. 225, § 1º, inciso V, que atribui ao poder público a incumbência de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Da interpretação da Constituição Federal de 1988, segundo os princípios da unidade da Constituição e da concordância prática 2, depreendese que o desenvolvimento nacional almejado não é aquele obtido a qualquer custo, não sendo mais aceitáveis o desenvolvimento que exclui da fruição dos seus benefícios parcelas extensas da sociedade e o desenvolvimento que degrada o meio ambiente a ponto de comprometer seriamente a qualidade de vida da população e infirmar a responsabilidade ambiental intergeracional. Embora não seja possível determinar, de forma consensual, qual deve ser o trade-off entre desenvolvimento e meio ambiente, se admite que é 1 2 MACHADO, 2007, p. 117. MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p. 114. possível direcionar o desenvolvimento econômico para minimizar os danos ambientais. Contudo, persistem sérias dúvidas quanto às perspectivas de um desenvolvimento ilimitado frente à existência limitada de recursos naturais e à saturação da capacidade regeneradora dos ciclos naturais da Terra 3. Diante desse quadro, é mais do que justificável que se avalie a relação entre custo e benefício do desenvolvimento e que se aja no sentido de reduzir tal proporção, diminuindo os custos, mormente quando esses custos podem afetar as gerações futuras, e aumentando os benefícios. Do ponto de vista dos benefícios do desenvolvimento, sabe-se que este é condição necessária para a eliminação da pobreza e da exclusão social; entretanto, o desenvolvimento, por si só, não é capaz de garantir tais efeitos. Essa consideração é de alta relevância política tendo em vista os efeitos deletérios da exclusão social sobre a Constituição e, por via de conseqüência, sobre a democracia. A exclusão social ou, de acordo com a terminologia de Friedrich Müller, a marginalização como subintegração 4 de parcelas consideráveis da população é deslegitimadora da Constituição. A configuração de um esquema inclusão/exclusão sobrepõe-se como uma superestrutura à estrutura da sociedade e também à estrutura da Constituição, resultando, na prática, na retirada da dignidade humana dos excluídos 5. Para eles, as normas constitucionais manifestam-se apenas nos seus efeitos limitadores da liberdade . “A Constituição reduz-se a ferramenta ocasional dos sobreintegrados, ela 6 não foi ‘pensada’ para os subintegrados: não pode mais constituir” 7. O Estado Democrático de Direito resta inconcluso e fragilizado. Por conseguinte, as políticas públicas voltadas para a produção de biocombustíveis devem almejar concentração de riquezas. a promoção da cidadania, e não a Muitas instituições públicas e privadas têm experiências no desenvolvimento de programas de agroenergia que, apesar dos bons resultados em termos de produtividade, carecem dos elementos necessários para levar cidadania a um grande número de pessoas e também 3 4 5 6 7 ROMEIRO MÜLLER, 1998, MÜLLER, 1998, MÜLLER, 1998, MÜLLER, 1998, p. p. p. p. 91. 94. 95. 99. para alcançar a sustentabilidade. Esses objetivos de maneira alguma são inalcançáveis, pelo contrário, o surgimento de um mercado global de biocombustíveis em rápida expansão criou uma janela de oportunidades para a inserção econômica e social, via produção de biocombustíveis, de um numeroso contingente populacional, praticamente marginalizado, que hoje se dedica exclusivamente à agricultura de subsistência ou a outras atividades de baixa eficiência econômica. Da mesma forma, abrem-se possibilidades promissoras de redução das desigualdades regionais. Nesse contexto, é justificável a alocação de recursos, financeiros e técnicos, para a agricultura familiar e as pequenas empresas de forma a capacitá-las a participar do ciclo de desenvolvimento em torno dos biocombustíveis. Não são de somenos importância a edição de normas e a implementação de políticas públicas, protetoras dos pequenos produtores, que incentivem a criação e viabilização de parcerias e de sistemas cooperativos e que regulem a mediação ou a integração entre a produção de matérias-primas e o processamento industrial. Não se trata aqui de alijar o grande capital, mas sim de criar as condições propícias para uma efetiva distribuição dos benefícios advindos da produção de biocombustíveis. Se do ponto de vista da competitividade econômica, a agricultura familiar encontra-se em desvantagem diante da monocultura extensiva; do ponto de vista ambiental, a agricultura familiar, tipicamente na forma de policultura, tende a ser menos danosa 8. Através da intervenção legislativa do poder público, é possível internalizar o custo das externalidades ambientais e redefinir as condições de competição entre as diferentes formas de produção. Assim, como se viu, a produção de biocombustíveis representa uma especial oportunidade de desenvolvimento para o Brasil, fazendo-se necessária a intervenção do Poder Legislativo para que esse desenvolvimento se efetive em consonância com os objetivos nacionais, de redução das desigualdades sociais e regionais e de defesa do meio ambiente, consagrados em nossa Constituição. Entretanto, não obstante o empenho do legislador, nem sempre as normas aprovadas e / ou as políticas públicas implementadas 8 SAWYER, 2008. sobre biocombustíveis são promotoras eficazes do desenvolvimento harmonioso e sustentável, ocorrendo situações de concentração de renda e de grave degradação ambiental. 4. Objetivos Tendo em vista o exposto, submetemos à aprovação do Programa de Pós-graduação do CEFOR o projeto de pesquisa intitulado “Biocombustíveis: Motor de Redução das Desigualdades Sociais e Regionais e de Promoção do Desenvolvimento Sustentável”, com os seguintes objetivos: (1) Avaliar a aplicabilidade da legislação vigente sobre biocombustíveis, e também de projetos de lei relevantes em tramitação, e a sua eficácia na redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do desenvolvimento sustentável; (2) Identificar disposições, ou omissões, da legislação impeditivas da concretização da redução das desigualdades sociais e regionais e da promoção do desenvolvimento sustentável através da produção de biocombustíveis; (3) Sugerir medidas que viabilizem a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do desenvolvimento sustentável através da produção de biocombustíveis. 5. Justificativa A produção de biocombustíveis pode resultar na redução das desigualdades sustentável. sociais e regionais e na promoção do desenvolvimento A Administração Pública, em geral, e o Poder Legislativo, em particular, por sua natureza institucional e por sua condição estratégica enquanto fomentadores de empreendimentos de interesse público, podem desempenhar um papel fundamental na implementação de “boas práticas” de produção de biocombustíveis. Há ainda que atentar para as inter-relações envolvendo a legislação interna e os acordos internacionais sobre energia, meio ambiente e biocombustíveis. Entende-se, portanto, que por meio do estudo e avaliação da legislação brasileira, e de outros países também, atinente aos biocombustíveis, identificando as disposições e as omissões normativas impeditivas de boas práticas socioambientais, é possível contribuir, direta ou indiretamente, para a consolidação e / ou a revisão dos processos legislativos, para a reavaliação das relações do Poder Legislativo com os demais Poderes e com o setor privado e, principalmente, para a implementação de políticas de produção de biocombustíveis que promovam a cidadania e o desenvolvimento sustentável. 6. Metodologia São apresentados abaixo os procedimentos metodológicos a serem aplicados, em conformidade com os objetivos traçados. Objetivo / Metodologia / Ação 1. Avaliar a aplicabilidade da legislação vigente sobre biocombustíveis, e também de projetos de lei relevantes em tramitação, e a sua eficácia na redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do desenvolvimento sustentável; 1.1 Revisão bibliográfica sobre os conceitos e práticas relacionados à promoção da cidadania e do desenvolvimento sustentável; 1.2 Catalogação das tecnologias de produção de biocombustíveis; 1.3 Identificar e analisar a legislação brasileira, direta ou indiretamente, relacionada à produção e à comercialização de biocombustíveis; 1.4 Verificar em situações concretas a influência da legislação sobre o perfil socioambiental do sistema de produção de biocombustíveis; 1.5 Criar um banco de dados com a legislação sobre biocombustíveis; a) Pesquisa direta em fontes reconhecidas de catalogação de legislação (Câmara dos Deputados, Senado Federal, portal da Presidência da República, ANP, Ministério do Meio Ambiente); b) Pesquisa em fontes bibliográficas nas áreas de interesse; c) Visitas a projetos de produção de biocombustíveis, se houver recursos; d) Reuniões presenciais e virtuais para discussão dos resultados e preparação de relatório. 2. Identificar disposições, ou omissões, da legislação impeditivas da concretização da redução das desigualdades sociais e regionais e da promoção do desenvolvimento sustentável através da produção de biocombustíveis; 2.1 Análise das informações obtidas na etapa anterior; 2.2 Levantamento do posicionamento de atores na área de produção de biocombustíveis; 2.3 Análise da atuação dos grupos de influência na formulação da legislação sobre biocombustíveis; 2.4 Análise da inter-relação dos Poderes na formulação da legislação sobre biocombustíveis; a) Entrevistas presenciais ou virtuais de atores na área de produção biocombustíveis ; b) Reuniões presenciais e virtuais para discussão dos resultados e preparação de relatório. 3. Sugerir medidas que viabilizem a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do desenvolvimento sustentável através da produção de biocombustíveis. 3.1 Análise das informações obtidas nas etapas anteriores; 3.2 Estudos comparativos entre a legislação brasileira e a de outros países; 3.3 Avaliação das restrições e oportunidades criadas pelos acordos internacionais; 3.4 Levantamento e catalogação de exemplos de “boas práticas” na produção de biocombustíveis; a) Pesquisa em fontes bibliográficas nas áreas de interesse; b) Reuniões presenciais e virtuais para discussão dos resultados e preparação de relatório. 7. Cronograma O cronograma foi estruturado de forma que cada fase corresponde a um dos objetivos propostos. Ao final de cada fase, será produzido um relatório. Fase 1: Avaliação da aplicabilidade da legislação vigente sobre biocombustíveis, e também de projetos de lei relevantes em tramitação, e da sua eficácia na redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do desenvolvimento sustentável. Fase 2: Identificação de disposições, ou omissões, da legislação impeditivas da concretização da redução das desigualdades sociais e regionais e da promoção do biocombustíveis. desenvolvimento sustentável através da produção de Fase 3: Sugestão de medidas que viabilizem a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do desenvolvimento sustentável através da produção de biocombustíveis. Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 F1 F2 F3 8. Referências Bibliográficas MACHADO, P. L. A. Direito Ambiental Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P.G.G. Curso de Direito Constitucional. 2ªed. São Paulo: saraiva, 2008. MÜLLER, F. Quem é o Povo? A Questão Fundamental da Democracia. São Paulo: Max Limonad, 1998. ROMEIRO, A.R. Desenvolvimento sustentável e mudanças institucionais: notas preliminares. Revista Econômica, vol.1, nº 1, junho. Disponível em: <www.uff.br/cpgeconomia/v1n1/ademar.pdf>. Acesso em: 3 mai. 08. SAWYER, D. Climate Change, biofuels and eco-social impacts in the Brazilian Amazon and Cerrado. Philosophical Transactions of The Royal Society B. n. 363, p. 1747-1752, 2008.