Mesa-redonda: Acessibilidade
Tânia Maria Silva de Almeida
Mestre em Psicologia Clínica, coordenadora técnica
da ACORDE do Ministério da Justiça
Eu trabalho no Ministério da Justiça que, com o advento da questão de direitos humanos, passou a ser o Ministério da Justiça e da Cidadania. Dentro
do Ministério há a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, que cuida da
questão dos direitos humanos no seu sentido universal, ou seja, direitos de todos.
Evidentemente, existem grupos da população que são os chamados grupos mais
vulneráveis, para os quais há trabalhos especiais, programas especiais, políticas especiais, porque ainda são necessárias. Estamos trabalhando há bastante
tempo no movimento de inclusão. Não podemos negar que esses grupos precisam
de políticas discriminatórias positivas. Ou seja, precisam de políticas especiais.
São o negro, a mulher, a criança e o adolescente, o portador de deficiência,
o idoso, o homossexual. São chamados de minorias, mas, somados, formam
a grande maioria dos brasileiros. Cuidando da questão dos direitos humanos
e da construção da cidadania do portador de deficiência, existe a ACORDE,
Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,
órgão responsável pelas políticas nacionais de atenção às pessoas portadoras
de deficiência e por zelar para que as pessoas com deficiências sejam atendidas
em todas as políticas setoriais. Esse é o nosso grande papel. Zelar para esse
atendimento, zelar pelos direitos dessas pessoas.
O tema da acessibilidade faz parte do artigo 227 e do artigo 244 da Constituição Federal. Nesses artigos constitucionais asseguram-se a todo cidadão o
direito de ir e vir e a adaptação, para que as pessoas possam usufruir de todos
os bens em comum com os demais cidadãos.
Posterior à Constituição, a lei 7.853, de defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, tem um capítulo que cuida da área das edificações, segundo
o qual devem ser adotadas medidas efetivas que garantam a funcionalidade das
edificações e vias públicas, que evitem ou removam as barreiras para as pessoas
portadoras de deficiência e permitam o seu acesso a todos os serviços. O que
vinha acontecendo? Isso não era cumprido pelo município, nem pelo Estado,
nem pela União. Município, Estado, União não são entes abstratos. Se existe
município, existem pessoas nesse município, se existe Estado, existem pessoas
nesse Estado e se existe União, existem pessoas nesse país. É muito confortável
dizer: "Ah, o governo não faz nada". Quem é o governo? O governo é cada
um de nós, somos nós, cidadãos. Se A ou B, do partido A ou B, ganhou uma
eleição, não nos interessa. É o nosso governo e ele tem que cumprir o papel de
governar para todos.
Começamos a tratar a questão da acessibilidade no início de 1992, dentro
da ACORDE. O primeiro programa de acessibilidade chamava-se "Cidade para
todos". Era um projeto de transferência de recursos aos governos municipais
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com caráter demonstrativo. Mostrava-se para os prefeitos, para os gestores municipais, que é possível tornar a cidade acessível, que, principalmente, não é caro
e é competência da prefeitura municipal. Quero deixar isso muito claro. Neste
ano solicitamos mais recursos para esse programa e o Congresso Nacional disse
muito acertadamente que o programa é da competência do governo municipal,
não sendo competência da União transferir recursos para os municípios fazerem
projetos de acessibilidade. Com isso, e por uma avaliação, o projeto passou a ter
outros rumos. Ao transferirmos recursos para adaptação das cidades, fazíamos
inspeções e víamos os maiores absurdos, como rampas que davam para um rio ou
para uma cerca de arame farpado. Nesse município havia pessoas portadoras de
deficiência que com certeza viram isso e não fizeram nada. Os moradores tampouco fizeram alguma coisa. Foi preciso que um técnico do governo federal fosse
lá fazer uma inspeção para mandar desmanchar tudo e construir novamente.
Desde rampas que vão de lugar nenhum a lugar nenhum, até banheiros em cuja
porta se lê: "Banheiro para deficiente". Fotografaram e mandaram para nós
como comprovante de que o prefeito gastara com probidade um recurso público.
Um recurso que é nosso, é meu, é dos senhores, é de todos nós que contribuímos.
Um recurso público não sai do nada.
O Ministério Público da União é a porta onde se pode e se deve bater para
fazer as denúncias. Se continuarmos fechando os olhos para os absurdos que
vêm acontecendo, nunca iremos resolver problema nenhum. Ou denunciamos
e a pessoa com deficiência exerce sua cidadania ou vamos continuar no mesmo
lugar.
Se o pouco recurso de que dispomos ainda for mal feito ou desviado, fica
muito complicado. Esse papel social que cada brasileiro deve ter é fundamental para que as coisas aconteçam. O projeto "Cidade para todos"tomou outros
caminhos. Primeiro, vimos que não adiantava fazer a rampa sem uma campanha
de conscientização, porque acontece de os carros estacionarem exatamente na
frente da rampa, ou, numa área de praia, por exemplo, as rampas serem usadas
pelos vendedores de picolé, de cachorro-quente, impedindo a qualquer um de descer. Assim, atrelamos o programa a campanhas de conscientização. O cidadão
era informado dos objetivos de qualquer adaptação feita no seu município. Num
terceiro momento, passamos a um trabalho de capacitação dos gestores municipais para revisão dos códigos de obras. Sem a revisão dos códigos de obras,
vão continuar construindo com barreiras. No próximo mês, juntamente com o
Instituto Brasileiro de Administração Municipal, estaremos capacitando os gestores municipais em todos os Estados e municípios, mediante curso gratuito.
Os senhores devem ficar atentos e perguntar: "Será que a minha prefeitura vai
participar, vai revisar o código de obras?". Façam essa cobrança.
Um outro avanço nessa área foi o encaminhamento do projeto de lei 4.767,
que regulamenta os artigos constitucionais anteriormente citados. É um projeto
que está em tramitação, já foi votado na Câmara, por um acordo de lideranças,
e está no Senado. É importante que os senhores acionem os seus políticos, os
seus senadores, para que seja votado rapidamente. Esse projeto foi elaborado
a partir de reuniões de estudos que contaram com uma participação efetiva da
sociedade civil, arquitetos, engenheiros, portadores de deficiência, advogados
da área. Foi escrito com a participação dos maiores interessados na questão.
A redação final foi dada dentro do próprio CVI do Rio, que tem um trabalho
bastante avançado na área. Se esse projeto de lei não é o ideal, foi o possível no
momento. Vai resolver os problemas? Não, mas é mais uma arma que se tem
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e, como a tendência dos Estados e municípios é legislar a partir das orientações
da União, ele oferece bons subsídios para que legislem sobre essa questão no
seu âmbito. Votado o projeto, passaremos a ter uma lei que é uma política de
acessibilidade. O capítulo 2 fala de elementos de urbanização, o capítulo 3 de
desenho e localização do mobiliário urbano, o 4 de acessibilidade nos edifícios
públicos ou de uso coletivo, o 5 de acessibilidade nos edifícios privados, o 6 de
acessibilidade nos veículos de transporte coletivo, o 7 no sistema de comunicação
e sinalização, o 8 dispõe sobre ajudas técnicas, o 9 sobre medidas de fomento,
eliminação de barreiras e disposições finais. É, portanto, um projeto de lei
de acessibilidade no seu sentido amplo, ou seja, acessibilidade ao meio físico,
à comunicação, ao transporte. A acessibilidade à comunicação abrange, por
exemplo, a questão do braile e da língua brasileira de sinais. Além das legislações
que temos, há a convenção interamericana para eliminação de todas as formas
de discriminação para as pessoas portadoras de deficiência, assinada em 26 de
maio de 1999. Essa convenção tem dois itens que falam sobre acessibilidade. O
Brasil participou de sua elaboração através de um representante do Ministério
das Relações Exteriores, trabalhando em conjunto com o Conselho Consultivo
da ACORDE.
Todos já devem ter visto esta propaganda: "Não é você que tem que se
adaptar aos equipamentos urbanos, são os equipamentos urbanos que têm que
se adaptar a você". Não é sobre acessibilidade, mas me pareceu perfeitamente
compatível com a questão que estamos discutindo.
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Tânia Maria Silva de Almeida