UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
MURIEL APARECIDO BARBARINE
DESOBEDIÊNCIA CIVIL APLICADA AOS DIREITOS DA CÓPIA
CURITIBA
2012
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
MURIEL APARECIDO BARBARINE
DESOBEDIÊNCIA CIVIL APLICADA AOS DIREITOS DA CÓPIA
Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de Direito da
Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti
do Paraná como requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Sergio Staut Jr.
CURITIBA
2012
RESUMO
Espécie do gênero direito de resistência, a desobediência civil pode ser considerada
como um dispositivo constitucional implícito que permite a recusa à obediência de leis
patológicas ao Estado Democrático de Direito. Com a popularização da internet, tal
recurso pode ser usado em meio eletrônico como forma de protesto direto ou indireto
aos direitos da cópia, que muitas vezes limitam o direito de acesso à cultura.
PALAVRAS-CHAVE: Direito de resistência. Desobediência civil. Direitos da cópia.
TERMO DE APROVAÇÃO
MURIEL APARECIDO BARBARINE
DESOBEDIÊNCIA CIVIL APLICADA AOS DIREITOS DA CÓPIA
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de grau de Bacharel em
Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade
Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ____ de _______________de 2012.
______________________________
Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografia
Orientador: _______________________________
Prof, Sergio Staut Jr.
Examinador 1: _____________________________
Examinador 2: _____________________________
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO................................................................................................. 5
2.
DIRETRIZES JUSTIFICADORAS DO DIREITO DE RESISTÊNCIA
LATO SENSU.......................................................................................................6
3.
APLICABILIDADE DA DESOBEDIENCIA CIVIL EM MEIO
ELETRÔNICO.................................................................................................. 13
3.1 HIPÓTESE PRIMÁRIA DE DESOBEDIÊNCIA CIVIL EM MEIO
ELETRÔNICO.....................................................................................................13
3.2 DIRETRIZES DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL APLICADAS À HIPÓTESE....14
3.3 DESOBEDIÊNCIA CIVIL COMO DIREITO FUNDAMENTAL NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .............................................................22
4.
CONFLITO ENTRE A DESOBEDIÊNCIA CIVIL E OS DIREITOS DA
CÓPIA.................................................................................................................26
4.1 MODOS DE EXERCÍCIO DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL................................26
4.1.1 A desobediência Civil Eletrônica.........................................................................30
4.2 DOS PROJETOS DE LEI QUE CERCEIAM A LIBERDADE DE
EXPRESSÃO.......................................................................................................31
4.3 A DESOBEDIÊNCIA CIVIL PUNIVEL...........................................................33
4.4 OS CRIMES CONTRA DIREITOS DA CÓPIA .............................................. 34
4.5 DO CONFLITO ENTRE LIBERDADE E DIREITOS DA CÓPIA. .................37
5.
CONCLUSÃO ....................................................................................................42
6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................44
5
1. INTRODUÇÃO
A desobediência civil é espécie do Direito de Resistência, onde os cidadãos
descumprem publicamente uma lei que entendam injusta ou inconstitucional, com o
desiderato de que o Estado a modifique.
O objeto da presente monografia é identificar a Desobediência Civil na
Constituição Federal de 1988, para então ponderar tal princípio com as diretrizes do
Direito da Cópia, sob o ponto de vista da liberdade de expressão, sem lançar mão, para
tanto, de fundamentos religiosos e morais.
Para chegar ao objetivo aspirado foi empregada a metodologia dedutiva,
partindo-se das ideias gerais sobre legalidade, hipóteses de resistência dentro da nossa
Lei Maior, até chegar a uma ponderação entre os direitos da cópia e a Liberdade de
Expressão.
Para a concretização dessa monografia foi necessária também a análise de
referências bibliográficas interdisciplinares.
O desígnio do presente tema se justifica pela repercussão geral do assunto, que
permite uma democracia plena, onde o estado deva temer o cidadão, e não o inverso.
Ora, hoje vivemos em um Estado de ―quase justiça‖, onde, é verdade, poucos são os
motivos práticos para a aplicação extremada do puro direito à resistência. Mas será que
tudo continuará como está para sempre? Seria despicienda a precaução pelo estudo dos
princípios do direito da resistência? A vontade do Estado está sempre correta? –A
história mostra que não. A escolha por um tema onde um passo separa o direito da
ilegalidade se justifica quando pensamos nos efeitos benéficos da aplicabilidade de tais
conceitos como uma vacina contra inúmeros casos de opressão estadual, tendo como
exemplo máximo o Nazismo.
Destarte, passado o susto inicial de muitas pessoas com o tema do presente,
nota-se a importância sociológica, filosófica e jurídica do assunto, sobre a ótica do
princípio constitucional da liberdade. O assunto envolve todos os operadores do
Direito, eis que estes têm a Lei como alicerce geral; interessa também aos legisladores;
aos professores, que ministram a hermenêutica jurídica; e principalmente a todos e
qualquer cidadão, que acate as leis... ou a elas resista.
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2. DIRETRIZES JUSTIFICADORAS DO DIREITO DE RESISTÊNCIA
LATO SENSU
Preliminarmente importa citar um trecho da obra de Vieira que resume a
essência do tema: ―Em princípio, se consideram as leis sempre boas e justas, quando
na realidade muitas leis são injustas e ilegítimas.‖ (VIEIRA, 1983, p. 83).
Até onde vai nossa democracia? Vivemos sob um Estado Democrático de
Direito, onde ―De fato, é importante saber-se que se a democracia pode e deve tolerar,
para não contradizer seu próprio princípio, a pregação de ideias capazes de destruíla.‖. (PAUPERIO, 1978, p. 263).
Para Maria Helena Diniz ―A resistência é legitima desde que a ordem que o
poder pretende impor seja falsa, divorciada do conceito ou ideia de direito imperante
na comunidade.‖. (1997, p. 97). Ela compara a desobediência civil a uma legítima
defesa do cidadão perante atos governamentais contrários as ideias morais e sociais de
um grupo.
Em alguns países desenvolvidos, o direito de resistência está positivado na
proporção do grau de evolução (ou desenvolvimento) de sua democracia, senão
vejamos:
Dispõe a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da França de
1789 em seu artigo 2º:
Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos
naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a
propriedade, a segurança e a resistência à opressão. (DECLARAÇÃO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DA FRANÇA DE 1789, p.
única).
Inobstante, insta observar que a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão garante o direito propriedade, que é base dos direitos autorais, da mesma
forma que a assegura ao direito de resistência à opressão, fomentando ainda mais o
eterno conflito entre inobediência, liberdade de expressão e direitos da cópia.
7
A Declaração de Independência dos EUA, de 04 de julho de 1776, positiva
a resistência a um governo se necessário for:
Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os
homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos
inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da
felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos
entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos
governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva
de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo
governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela
forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a
felicidade. Na realidade, a prudência recomenda que não se mudem os
governos instituídos há muito tempo por motivos leves e passageiros; e,
assim sendo, toda experiência tem mostrado que os homens estão mais
dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se
desagravar, abolindo as formas a que se acostumaram. Mas quando uma
longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo
objecto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assistemlhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos
Guardiães para sua futura segurança. Tal tem sido o sofrimento paciente
destas colónias e tal agora a necessidade que as força a alterar os sistemas
anteriores de governo. A história do actual Rei da Grã-Bretanha compõe-se
de repetidas injúrias e usurpações, tendo todos por objectivo directo o
estabelecimento da tirania absoluta sobre estes Estados. Para prová-lo,
permitam-nos submeter os factos a um mundo cândido. (DECLARAÇÃO
DE INDEPENDÊNCIA DOS EUA, 2012, p. única).
Dispõe ainda, a Declaração do Bom Povo de Virgínia de 1776:
Que o governo é instituído, ou deveria sê-lo, para proveito comum, proteção
e segurança do povo, nação ou comunidade; que de todas as formas e modos
de governo esta é a melhor, a mais capaz de produzir maior felicidade e
segurança, e a que está mais eficazmente assegurada contra o perigo de um
mau governo; e que se um governo se mostra inadequado ou é contrário a
tais princípios, a maioria da comunidade tem o direito indiscutível,
inalienável e irrevogável de reformá-lo, alterá-lo ou aboli-lo da maneira
considerada mais condizente com o bem público. (DECLARAÇÃO DO
BOM POVO DE VIRGÍNIA DE 1776, 2012, p. única).
Em Portugal, a Constituição dá a todos o direito de resistir a toda ordem que
afronte direitos, liberdades e garantias:
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Artigo 21 da Constituição da República Portuguesa: Todos têm o direito de
resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e
de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer a
autoridade pública. (CANOTILHO, 2007 p. 420).
Para Canotilho (2007), portanto, que o direito de resistência, em Portugal,
não serve apenas perante o poder público, podendo ser usado contra particulares.
Pode-se resistir tanto a uma ordem policial que ilegitimamente frustre a liberdade de ir
e vir, como pode-se resistir a uma ordem patronal que expulse o laborador de seu posto
de trabalho. Pode-se resistir a uma invasão domiciliar de um policial da mesma forma
que se pode em face de um invasor particular.
Neste sentido se manifesta a Jurisprudência brasileira reunida na obra de
Jorge Beltrão (1971).
... ―Qualquer particular tem o direito de opor-se à execução de uma ordem
ilegal. Quem resiste a um ato arbitrário não intenta contrariar a execução da
lei; resiste justamente porque a lei não é executada. O agente que se permite
um ato irregular ou arbitrário comete um excesso de poder‖ (Sentença do Dr.
Luís Sanches de Lemos, in Ver. Forense, vol. XVII/163). (BELTRÃO, 1971
p. 191)
― O crime de resistência deixa de subsistir quando se verifica a repulsa do
agente a um ato ilegal.‖ ( 1ª Câm. do Trib. de Just. do D. Federal in
Jurisp. Mineira, vol. VI/469). (BELTRÃO, 1971 p. 189)
― Não há falar no delito de resistência se não houve violência ou ameaça‖ (
Ac. Unan. 1ª Câm. Trib. Alçada de S. Paulo, in Ver. Forense, vol. 200/249).
(BELTRÃO, 1971 p. 190)
―O crime de resistência não se integra pela simples resistência dita moral.‖
(sentença o Juiz de Direito Dr. Alcino Pinto Falcão, da 24 Vara Criminal do
D. Federal, in Ver. Forense vol. LXXI892). (BELTRÃO, 1971 p. 190)
‖ Inexiste o delito de resistência se era ilegal o ato contra o qual se insurgiu
o agente.― (Ver. Forense, vol. 145/431 – Ac. Unân. 2ª Câm. Crim. Trib.
Justiça de S. Paulo). (BELTRÃO, 1971 p. 191)
― Deixa de configurar o crime de resistência , se for ilegal o ato contra o qual
se insurge o acusado‖. ( 1ª Câm. Trib. de Alçada de S. Paulo, in Ver. Dos
Tribs., vol. 362/274). (BELTRÃO, 1971 p. 192)
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Inobstante o mencionado, em nossa Lei Maior optou-se por não mencionar
expressamente o direito a resistência, tal como o fizeram na Declaração de
Independência dos EUA, de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem, da França
de 1789, o que não significa, no entanto que tal direito esteja excluído de nosso mundo
jurídico, pois tal direito busca seus fundamentos em outros princípios constitucionais.
Assim, segundo Maria Helena Diniz, podemos interpretar como uma faculdade, não
autorizada (mas também não proibida) normativamente, dos cidadãos de reagir contra
a opressão. logo ―a resistência é um fato, cuja legitimidade (não legalidade) é uma
questão metajurídica, por depender da consonância desse fato com os autênticos
interesses da vida humana‖, (DINIZ, 1997, p. 99).
A Carta Magna, quando reconhece o direito à resistência, opera na defesa
do sistema de direitos fundamentais e também na ―concordância estrutural do direito a
resistência com a ordem constitucional‖ bem como na compatibilidade do direito de
resistência com os preceitos constitucionais e na defesa do regime democrático e dos
direitos fundamentais. Portanto, sempre que o poder público negligenciar sua função,
a liberdade, ou a dignidade humana, é cabível o direito de resistência. O grande
problema do direito de resistência perante a ótica constitucional está em garantir a
autodefesa da sociedade, os direitos fundamentais e controle de atos governamentais,
sempre zelando pelo cumprimento da ordem constitucional por parte do Estado.
(BUZANELLO, 2012 p. 10).
Assim:
Quando um governo, ainda que bem intencionado e eficiente, faz com que
sua vontade se coloque acima de qualquer outra, não existe democracia.
Democracia implica autogoverno, e exige que os próprios governados
decidam sobre as diretrizes políticas fundamentais do Estado. (DALLARI,
2002, p. 304).
Para o direito de resistência, não basta uma mera ―admissão formal no texto
da Carta Magna, devendo haver uma ―relação justa‖ entre o comando normativo e as
práticas constitucionais‖. (BUZANELLO, 2012). Seu conceito tem dois polos, um
político e outro jurídico:
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a) o direito de resistência é a capacidade de as pessoas ou os grupos sociais
se recusarem a cumprir determinada obrigação jurídica, fundada em razões
jurídicas, políticas ou morais; b) o direito de resistência é uma realidade
constitucional em que são qualificados gestos que indicam enfrentamento,
por ação ou omissão, do ato injusto das normas jurídicas, do governante, do
regime político e também de terceiros. (BUZANELLO, 2012 p. 16).
Muitas vezes as sanções jurídicas disponíveis para combater os abusos de
poder não são palio para coibir a injustiça de determinada lei, ou governante, por isso,
em certos casos é dado aos governados o direito de recusar a obediência de três
modos: revolução, resistência ou mera oposição às leis que considerem injustas
(desobediência civil). ―Pela oposição às leis injustas, concretiza-se a repulsa de um
preceito particular ou de um conjunto de prescrições em discordância com a moral.‖,
podendo tal direito ser exercido em grupo ou isoladamente. (PAUPERIO, 1978, p. 11).
Brilhante conclusão neste sentido é a do professor Lafer: ―O direito de
resistência é, portanto, a consequência de uma crise no estado da sociedade civil, que
fere a liberdade tornando possível a reversão provisória ai estado de natureza.‖
(LAFER, 1941, p. 190)
Destarte, a resistência, pois, não deve ser encarada como mero ataque
insólito contra a ordem e autoridade, e sim como uma ―característica de autêntica
proteção a ordem estabelecida‖, uma espécie de autodefesa do sistema, uma reação
jurídica que sanciona a desordem. (PAUPERIO, 1978 p. 19.)
Buzanello (2012 p. 17) constrói uma classificação disposta em gênero
(direito de resistência) e suas espécies: ―1) objeção de consciência; 2) greve política;
3) desobediência civil; 4) direito à revolução; 5) princípio da autodeterminação dos
povos‖. Inobstante, adverte: ―Essa classificação não é exaustiva, pois muitas vezes os
elementos de análise habitam uma área de difícil identificação entre gênero e
espécie.‖. No presente trabalho nos aprofundaremos somente no estudo da
desobediência civil como espécie do direito de resistência.
O direito de resistência se divide, também, em implícita e explícita, sendo
esta as que a constituição expressamente declara, como é o caso da objeção de
consciência, do artigo 5º VIII c/c art.143§1º da Constituição Federal Brasileira (1988);
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―greve política‖ artigo 9º do mesmo diploma legal; e o princípio da autodeterminação
dos povos do artigo 4º III da Constituição Federal. A ―materialidade da resistência‖,
por sua vez, é um direito implícito, e se combina com elementos formais da
constituição, como os princípios da dignidade humana e pluralismo político, pilares do
Estado Democrático de Direito, estabelecido no artigo 1º, III, V da Constituição
Federal, e ainda a ―abertura e a integração para dentro do ordenamento constitucional
de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados‖,
conforme preceitua o artigo 5º, §2º da Constituição Federal. Destarte, Buzanello
conclui que a Constituição Federal se abre uma porta para o direito a resistência, no §
2 de seu artigo 5º. (VADE MECUM, 2012). Afirma ainda que ―A abertura
constitucional possibilita a ampliação de novos direitos‖, de forma que o direito de
resistência se torna uma verdadeira ―garantia constitucional ao Estado de Direito‖. ―O
fato de não constar no texto constitucional não quer dizer que um elemento esteja
excluído da realidade jurídica‖. E ainda, a questão constitucional do direito de
resistência consiste na ―garantia da autodefesa da sociedade, na garantia dos direitos
fundamentais e no controle dos atos públicos, bem como na manutenção do pacto
constituinte por parte do governante.‖. (BUZANELLO, 2012 p. 12).
Os direitos fundamentais, entre eles os individuais, se classificam em três
espécies: a) os direitos individuais expressos na própria Constituição Federal Brasileira
b) os implícitos, que são os direitos individuais que ficam subentendidos na norma
constitucional, como, por exemplo, as ramificações do direito à vida, à identidade
pessoal e a atuação geral (art. 5º, II, §3). E por fim os direitos individuais oriundos de
tratados internacionais em que o Brasil seja signatário, não constando implícita nem
explicitamente, como ocorre com o direito de resistência. O direito de resistência é em
regra um direito constitucional, não obstante pode vir a ser cível e até mesmo penal,
uma vez que o que define se tal direito em um caso concreto será licito ou não é o
ordenamento jurídico civil ou penal, dependendo da ótica dada ao caso de resistência.
Buzanello faz um paralelo entre a resistência e a legítima defesa, sendo, no caso uma
defesa da ―ordem constitucional e democrática‖. Para que a resistência seja lícita, deve
haver uma analogia com a legítima defesa cível, penal ou mesmo estado de
necessidade. Ou seja, deve ser uma reação a uma violação. Destarte, para ser lícita,
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entende que a resistência deve ser ―a) ato ou efeito de resistir; b) qualidade de
resistente; c) defesa em favor de direitos e contra-ataque; d) defesa contra
constrangimento ou ordem ilegal ou injusta‖. (BUZANELLO, 2012 p. 24).
Compulsando-se as teorias neste capítulo analisadas acerca do direito de
resistência, verifica-se certo distanciamento entre o direito de resistência proposto e a
hipótese que será analisada pela presente monografia. Vimos que tal direito de
resistência está sempre voltado a situações extremadas de conflitos, muitas vezes
armados, que autorizam o direito de resistir como ultima ratio. Neste sentido:
―Quanto mais perfeita é uma sociedade, menos razão de ser tem a resistência‖.
(PAUPERIO, 1978 p. 24)
Inobstante, temos que a presente análise foi imprescindível para atingir-se a
base e compreensão do que passa a expor, devemos reiterar que o direito de resistência
é apenas gênero. Passemos agora a análise de nossa hipótese primária sob a ótica
específica da desobediência civil.
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3. APLICABILIDADE DA DESOBEDIENCIA CIVIL EM MEIO
ELETRÔNICO
3.1 HIPÓTESE PRIMÁRIA DE DESOBEDIÊNCIA CIVIL EM MEIO
ELETRÔNICO
Aos dezenove dias do mês de janeiro de 2012, o maior site de
compartilhamento do mundo, megaupload.com, que permitia o a difusão de arquivos
entre particulares, foi fechado mediante decisão judicial (que ainda não transitou em
julgado) pela acusação facilitar a troca de conteúdo protegido pelos direitos da cópia.
O portal não tinha um letreiro piscando a frase: ―COMPARTILHE SUAS COISAS
PIRATAS COM A GENTE‖, mas seus motivos eram evidentes. Parece que, no caso,
a questão vai muito além da troca de arquivos com copyright. Havia indícios de que a
pirataria era o menor dos crimes dos proprietários do portal. Na época, foram criados
diversos projetos de lei com o propósito de salvaguardar os direitos da cópia de atos
rotineiros de pirataria e de protestos e organizações que declaravam guerra aos direitos
da cópia, ou copyright. A ironia está no fato de que, o FBI conseguiu tirar o site
megaupload.com do ar apenas com recursos legais já existentes, sem precisar lançar
mão de novos projetos de lei, o que demonstra suas desnecessidades. (BURGOS,
2012)
Em protesto ao fechamento do portal de compartilhamento, bem como aos
projetos de lei que estavam sendo criados, o hackers do grupo Anonymous (palavra de
origem inglesa, que pode ser traduzida como anônimos) revidaram, derrubando em
poucas horas os sites responsáveis pela acusação de pirataria, como o da Universal
Music, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, da Warner Music Group,
inclusive o próprio site do FBI. Seria atitude do Anonymous justificável como ato de
desobediência civil? Para responder a estas perguntas, é necessário um estudo
aprofundado do direito da resistência, em especial a desobediência civil, para então
poder aplica-la corretamente ao Ordenamento Jurídico Pátrio, ponderando os
princípios da liberdade de expressão e os direitos da cópia.
14
Tal liberdade se constitui em um direito absoluto? Ou poderia tal princípio
ser limitado pelos direitos de copyright? Temos a liberdade de compartilhar qualquer
informação que se queira, mesmo que ofendendo direitos autorais, igualmente
protegidos pela Constituição?
3.2 DIRETRIZES DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL APLICADAS À HIPÓTESE
Inicialmente impende ressaltar que: ―O cidadão que resiste à autoridade não
é sempre um mero rebelde. Tem muitas vezes o sentido mais elevado da ordem. Não
desobedece por desobedecer. Desobedece para alcançar o respeito e a harmonia da
ordem que julga violada.‖(PAUPERIO,1978 p.15)
Reale (1986) afirma que é dever do legislador evitar a separação entre
a realidade e as normas despropositadas,
pois
colidentes com os verdadeiros
interesses sociais. No entanto, inobstante os ensinamentos de Reale, não podemos
esquecer que na em nossa sociedade, não é sempre que os legisladores considerem
esta separação, prevenindo, ou mesmo reparando tal equívoco. De forma que,
muitas vezes tal lei acaba se perpetuando, em sua forma patológica. Tal fato ocorre por
diversos motivos, decorrentes de uma verdadeira crise institucional em nosso atual
sistema ―democrático‖ eleitoral ,
que contribui para uma eleição de políticos de
capacidade muitas vezes questionável, o que acaba por engessar essa via preventiva de
controle de constitucionalidade das leis.
Isto posto, vamos ao conceito de obediência e desobediência segundo o
Dicionário Michaelis:
Desobediência é: Ação de desobedecer. 2 . Falta intencional de
obediência. 3. Transgressão de uma ordem. 4. Hábito de desobedecer; o
oposto de obediência. Sinônimo de: inobediência.
Para o mesmo dicionário, obediência é: 1. Ato ou efeito de
obedecer. 2. Submissão à autoridade legítima; sujeição. 3. Disposição para
obedecer; hábito de obedecer. 4. Autoridade, domínio. 5. Aquiescência,
docilidade. 6. Um dos três votos dos monges, que consistia em obedecer
cegamente às ordens do superior. 7. Dependência. 8. Ecles Ato de
acatamento à vontade de outrem como vinda de Deus; virtude que dispõe o
súdito a fazer a vontade do seu superior, com respeito, piedade e
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amor. 9. Mosteiro, granja ou pequeno priorado sujeito ao superior da ordem
(na ordem de São Bento). 10. Nome dado às casas religiosas inferiores,
sujeitas às casas principais, delas afastadas.(MICHAELIS, 2009).
Vamos agora a um primeiro conceito jurídico de desobediência civil:
1. Possibilidade de um grupo social, ou de um cidadão, agindo conforme sua
consciência e protegido pela Constituição, opor-se a um princípio
constitucional. 2. Exercício de direito de resistência passiva por parte de
certo
grupo
social
resultante
do
descumprimento
de
lei ou de ato governamental contrário à ordem jurídica ou à moral pública
(...). (DINIZ, 2005, p. 120).
É necessário descrever a desobediência civil como ―um ato que tem em
mira, em ultima instância, mudar o ordenamento sendo, no final das contas, mais um
ato inovador do que destruidor‖. Para ele, existem três circunstancias que ―favorecem
a obrigação de desobediência‖: a lei ilegítima, a lei injusta e a lei inválida ou
inconstitucional, sendo que a última não enseja, para Bobbio, essa ―obrigação de
desobediência‖, pois a Constituição Federal, em seu artigo 103, limita o controle de
constitucionalidade das leis, o qual não é dado ao cidadão comum, e mais, o
fundamento dessa obrigação de desobedecer se encontra em uma ―reciprocidade que
haveria entre o cidadão e o legislador‖, fundamentando que ―se é verdade que o
legislador tem direito à obediência, também é verdade que o cidadão tem o direito de
ser governado com sabedoria e com leis estabelecidas‖. A desobediência civil é
espécie do gênero do direito à resistência. Para ele a desobediência civil é ―uma das
situações em que a violação da lei é considerada eticamente justificada (...)‖.
(BOBBIO, 2000 p. 335-336).
Para Maria Helena Diniz, ―a desobediência civil é uma forma particular de
desobediência, na medida em que é executada com o fim imediato de mostrar
publicamente a injustiça, a ilegitimidade a invalidade da lei e com o fim mediato
induzir o poder a mudá-la. Dai ser um ato inovador e não destruidor‖. (DINIZ, 1997 p.
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97) Observa-se aqui uma especial característica da desobediência civil, a sua forma de
atuação, que pode aspirar fins diretos e também indiretos.
A desobediência civil ganha força no século XX com a obra de Herry
David Thoreau, sendo, especialmente ligada a uma questão fiscal, de resistência ao
pagamento de impostos. Em um paralelo com o contemporâneo caso do fechamento
do portal Mega Upload, pode-se tecer uma analogia, se considerarmos que o Mega
Upload nada mais faz do que permitir que as pessoas compartilhem arquivos, entre
eles arquivos piratas, ou seja, que simplesmente não recolhem impostos.
Ainda sobre a resistência fiscal podemos citar casos em que além dos altos
tributos em sentido imediato, há uma resistência indireta (ou mediata) em pagar
impostos, (leia-se financiar) um governo que pratica, ou quer praticar, ato que o
desobediente civil considere como injusto.
Neste sentido, Thoreau propõe:
Se mil homens se recusassem a pagar seus impostos este ano, esta não seria
uma medida violenta e sangrenta, como seria a de pagá-los e permitir ao
Estado cometer violências e derramar sangue inocente. Esta é, de fato, a
definição de uma revolução pacífica, se tal for possível. (THOREAU, 2010,
p. 32)
Fica claro que para Thoreau existe também a preocupação em resistir a
questões tributárias em duas vias, a imediata e a mediata, que consiste em recusa ao
financiamento de um estado que fomenta o racismo, escravidão e ainda por cima
fomente a guerra.
Para tanto ―O movimento da desobediência civil visa à destruição da
injustiça, da violência, da segregação, do egoísmo, da falsidade etc.‖, ao passo que ―tal
movimento se aproxima e reveste, com o manto do respeito, o injusto, o violento, o
segregacionista, o egoísta, o falso etc.‖. (VIEIRA, 1983 p. 25)
Para movimento de desobediência civil, a maior tragédia não consiste na
brutalidade dos partidários da violência. A maior tragédia está no silencio,
na compreensão pouco profunda os homens de boa vontade. Isto é pior oque
a total incompreensão . do que a total rejeição, por parte dos violentos. A
atitude do individuo moderado, que tudo entende, mas nada realiza, mostra
como ele é mais amigo da ―ordem‖ do que da justiça. Acaba sendo barreira
para
movimento inspirado pela não violência. Em qualquer conversa,
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independentemente do local, sempre existem pessoas que crêem em nobres e
elevados ideais. Calam-se, porém, com medo de serem vistas como
diferentes, ou com temor de comprometem-se perante os outros. (VIEIRA,
1983 p. 27).
A desobediência civil é um ―mecanismo indireto de participação na
sociedade, já que não conta com suficientes canais participativos junto às esferas do
Estado‖, sem os quais não pode considerar-se um ―ente político legítimo‖. O Grande
problema da desobediência civil tem caráter simbólico, que, na maioria das vezes, se
encaminha para uma ―deslegitimação da autoridade pública ou de uma lei, como a
perturbação do funcionamento de uma instituição, a fim de atingir as pessoas situadas
em seus centros de decisão.‖. (BUZANELLO, 2012 p. 18)
Para ele, na correta identificação de um caso de desobediência civil (que é
espécie do já analisado direito de resistência), devem ser observadas as suas principais
características:
a) é uma forma particularizada de resistência e qualifica-se na ação pública,
simbólica e ético-normativa; b) manifesta-se de forma coletiva e pela ação
―não-violenta‖; c) quer demonstrar a injustiça da lei ou do ato governamental
mediante ações de grupos de pressão junto aos órgãos de decisão do Estado;
d) visa à reforma jurídica e política do Estado, não sendo mais do que uma
contribuição ao sistema político ou uma proposta para o aperfeiçoamento
jurídico. Propõe apenas a negação de uma parte da ordem jurídica, ao pedir a
reforma ou a revogação de um ato oficial mediante ações de mobilização
pública dos grupos de pressão junto aos órgãos de decisão do Estado.
(BUZANELLO, 2012 p. 19).
Ainda para Buzanello, a desobediência civil pode ser classificada em direta
e indireta. A primeira ocorre quando ―as leis do Estado são desafiadas abertamente‖, e
cita como exemplo desta categoria as ―diretas já‖, no Brasil. Já a desobediência civil
indireta ―ocorre quando as estratégias do Estado são desafiadas através de ataques a
leis isoladas‖ daí decorrem casos em que a lei é ―legal, porém ilegítima‖.
(BUZANELLO, 2012 p. 19)
Vamos conferir se a nossa hipótese de desobediência civil se encaixam nos
requisitos apontados por Buzanello:
18
a) ―é uma forma particularizada de resistência e qualifica-se na ação
pública, simbólica e ético-normativa‖; - A primeira característica é a publicidade da
conduta, que não pode se dar às escuras. Ora, evidente que no nosso caso concreto
todas as ações cometidas são permeadas pela publicidade máxima, que é a publicidade
virtual, ou viral (publicidade que atinge ampla audiência). Tal publicidade é também
simbólica e ético-normativa a medida que prega a todo momento mensagem
carregadas de significados ideológicos.
b) manifesta-se de forma coletiva e pela ação ―não-violenta‖; - mais uma
vez há compatibilidade com nosso caso concreto. As ações em análise são coletivas e
desprovidas de qualquer tipo de ação violenta.
c) quer demonstrar a injustiça da lei ou do ato governamental mediante
ações de grupos de pressão junto aos órgãos de decisão do Estado; - Não há definição
melhor que enquadre a ideologia do movimento em estudo.
d) visa à reforma jurídica e política do Estado, não sendo mais do que uma
contribuição ao sistema político ou uma proposta para o aperfeiçoamento jurídico.
Propõe apenas a negação de uma parte da ordem jurídica, ao pedir a reforma ou a
revogação de um ato oficial mediante ações de mobilização pública dos grupos de
pressão junto aos órgãos de decisão do Estado. – O presente requisito não poderia
encaixar-se de maneira mais espetacular no caso sob análise, dispensando maiores
comentários.
A desobediência civil tem suas raízes na política, economia e cultura, e seus
princípios se destacam sempre que a dignidade humana precisa ser salvaguardada. ―Os
cidadãos fazem parte da autoridade soberana, e esta autoridade só se garante pela
soberania do povo.‖ Sendo inadmissível que se permita aos mais fortes a conversão da
força dos cidadãos em direito, pois ―Os cidadãos não devem consentir que o mais forte
imponha a obediência como dever, retirando-lhes o amparo de seus direitos
essenciais‖. (VIEIRA, 1983)
E exemplifica com maestria:
19
A lei é injusta quando discrimina um grupo minoritário, embora possa ate
ter sido votada pela maioria. Tal fato não elimina a discriminação por
qualquer motivo: raça, religião, cultura, idade, sexo etc. A lei é injusta
quando se impõe a pessoas sem direito a voto. Estas pessoas devem
obedecê-la, mas não participaram da elaboração da lei e, muito menos,
tiveram condições de votá-la, conforme acontece com os analfabetos, etc. A
lei é injusta quando uma minoria a torna obrigatória para a maioria, que não
foi consultada, nem lhe deu pelo voto autorização para existir. Eis o caso da
chamada Constituiçao de 1937, durante o Estado Novo no Brasil. È também
o caso da Emenda Constitucional nº1, de 17 de outubro de 1969, promulgada
no Brasil, pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exercito e da
Aeronáutica Militar.
Leitor, tenha mais paciência e veja até onde vai a injustiça! A lei é injusta
quando votada por falsa maioria, que só aparenta representar a maior parte
dos indivíduos , devido a jogadas feitas durante as eleições . A lei é injusta
quando submete uma infindade de pessoas a viverem miseravelmente. A
lei é injusta quando permite que um país pressione de qualquer moo ou
ataque militarmente, ou apenas ocupe outro país, outra região , sem
consentimento de seus próprios habitantes. Neste caso, tal lei agride povos
diferentes, pouco importando os motivos. (VIEIRA, 1983, p. 22).
Não se pode, contudo, pensar que se trata de uma enumeração exaustiva,
há muitos outros exemplos de leis que se tornam injustas. Ademais, há também
condições de vida completamente injustas, em todos os setores da sociedade. ―O
seguidor da desobediência civil acredita que a violência dá origem a muito mais
problemas do que de fato ela vem resolver.‖ (...) e exemplifica: ―Basta parar e olhar: se
o salário da maioria da população se mantém abaixo do preço das mercadorias, eis ai
uma situação de violência.‖. (VIEIRA, 1983, p. 23)
E ai que surge a violência de segundo grau, ou violência gerando cada vez
mais violência, pois:
Daí, se reprimem os movimentos pelos aumentos de salários, se proíbem as
liberdades de reunião e de expressão de ideias, se censura tudo o que diz
respeito à aplicação da violência, se acaba em geral partindo para a agressão
física dos homens. (VIEIRA, 1983 p. 23).
Para Vieira ―(...) essa tirania, cuja forma grosseira agora desapareceu,
oculta-se debaixo de formas hipócritas e subsiste ainda em nossos dias‖. (VIEIRA,
1983) Surge aqui um nicho que pode abrigar revoluções ―mais sutis‖, como, por
exemplo, a revolução digital.
20
Baseando-se nas ideias de Vieira (1983) e de Thoreau (2010), chegamos a
conclusão de que ainda subsiste muitas formas de violência em nossos dias, podendose aceitar perfeitamente um hipotético episódio de desobediência civil contra os altos
impostos em espécie, contra o monopólio da cultura, que é protegida pelos direitos
autorais, e que a exemplo da quebra de patentes de direitos autorais de medicamentos,
deveria ser também livre o acesso a cultura em todas as suas formas.
Mesmo se não fosse possível tal hipótese, ainda existiria a hipótese indireta,
ou mediata de aplicação da desobediência civil, na sua modalidade protesto, por tão
infindáveis motivos nacionais e atuais de igual ou superior relevância aos motivos que
moviam Thoreau (2010) em sua época.
Para entender melhor esses conflitos, passemos a tratar das diretrizes da
desobediência civil clássica:
A desobediência não violenta nunca cria conflitos, ela tão somente denuncia
publicamente os conflitos já existentes e busca soluções para eles sem recorrer a meios
violentos para tanto. (VIEIRA, 1983)
Isaias Berlin, põe como questão central da politica a obediência e a coerção,
e formulam questões acerca da liberdade: ―Porque não devo viver como me agrada?‖
―Preciso obedecer?‖ ―Se eu desobedecer, poderei ser coagido?‖ ― Por quem e até que
ponto e em nome do quê e em favor de quê?‖, ou então, podemos sintetizar em uma
única e grande questão: ―por que obedecer?‖. (BERLIN, 1981, p. 135)
Para Maria Garcia (1994), trata-se de uma questão de legitimidade,
aceitação e convicção, além da legalidade. A questão de autoridade, que é tida como a
origem da coerção, é um antônimo de liberdade, e se encontram em permanente
conflito. Ou seja, em uma balança onde um passo separa o desequilíbrio da anarquia
do temido totalitarismo.
O antigo escritor espanhol Eduardo Garcia Enterría, em sua obra ―La Lucha
Contra Las Imunidades del Poder‖ citado por Maria Garcia exibe o problema da Lei,
que já foi: ― entendida como o maior escudo da liberdade: hoje um fato que passou a
ser um dos seus mais terríveis inimigos.‖ E ainda, que a lei se tornou ―um simples
meio técnico de organização coletiva, de modo que pode: ―não fazer nenhuma
referência à justiça‖, como pode ―converter-se num modo de organização antijurídico,
21
num modo de perversão do ordenamento‖. E continua dizendo que: ―se impõe a
necessidade de estabelecer, juridicamente, um sistema de defesa contra a Lei que
permita tornar efetiva essa defesa por outras vias‖. Garcia cita o comentário de Régis
Fernando de Oliveira: ―há leis tão absurdas, casuísticas e desprovidas de sentido que
fatalmente não são obedecidas‖ O mesmo autor adverte da importância de uma
manutenção da desobediência. Daí vem o termo desobediência civil, que nada mais é
que uma ―desqualificação do detentor de poder‖, (...) onde ―as ordens passam a ser
descumpridas com a aquiescência de toda a comunidade‖. (GARCIA, 1994 p. 219)
Para Reale (1986) só existe perfeição legislativa em leis providas de
fundamento ético, não obstante sabemos que ainda existem leis
...nascidas puramente do arbítrio ou de valores aparentes, que só o
legislador reconhece. Entretanto, não deixam de ser
jurídicas, porque
possuem vigência. Daí um problema dos mais sutis e relevantes: o da
obediência ou não às leis destituídas de fundamento ético e a sua
positividade. Há, por outro lado, fenômenos curiosos de mudança de
fundamento. Muitas vezes, os meios técnicos não alcançam os resultados
previstos; o legislador pensa atingir um fim, mas a lei fica a meio caminho,
insuficiente e incapaz de atingir o alvo colimado (REALE, 1986, p. 592).
Destarte, nota-se que muitas vezes as leis são propostas com um objetivo,
mas alcançam outros com implicações inesperadas. Quando tais fenômenos ocorrem,
mesmo que notória a imperfeição de determinada lei, está não deixará de ser
jurídica, e deste modo, construirá uma realidade diversa da que foi projetada, ―com
força de lei‖.
La Boètie (1986) defende que o cumprimento de leis
desarrazoadas,
injustas, e até surrealistas, não é obediência, mas servidão. E envolve um dos maiores
princípios constitucionais, o da dignidade da pessoa humana. (La Boètie, 1986)
Nas palavras de Arendt, ―Dissidência implica em consentimento e é a
marca do governo livre: quem sabe que pode divergir sabe também que de certo modo
está consentindo quando não diverge‖. (ARENDT, 2010, p. 79)
Para ela, é pré-requisito que o indivíduo ―se invista na titularidade de
cidadão‖, para então, munido de suas garantias e prerrogativas de cidadania, possa agir
22
pessoal e efetivamente nas decisões politicas. Para ela, a desobediência civil pode ser
invocada tanto para promover mudanças necessárias quanto para restaurar a sociedade
ao status quo; contudo, ―em nenhum dos casos a desobediência civil pode ser
comparada à desobediência criminosa‖. E continua: ―a distinção entre a violação
aberta da lei, executada em público, e a violação clandestina é tão claramente óbvia
que só pode ser ignorada por preconceito ou má vontade‖. A segunda característica
apontada à desobediência civil, pelo mesma autora, é a não violência, ―e dai decorre
que a desobediência civil não é revolução‖. (ARENDT, 2010, p. 51-90)
Michel Walzer apresenta a desobediência civil como uma ―reinvindicação
pública contra o Estado, publicamente expressa em ação‖, não obstante sempre está
ligada a um dever moral:
A desobediência civil é, geralmente, um conflito não-revolucionário com o
estado. Uma pessoa infringe a lei, mas não disputa a correção básica dos
sistemas legal ou político. Sente-se moralmente obrigada a desobedecer, mas
também reconhece o valor moral do Estado. A desobediência civil é seu
modo de mover-se cuidadosamente entre essas moralidades conflitantes‖.
(WALZER, 1977 p. 26).
3.3 DESOBEDIÊNCIA CIVIL COMO DIREITO FUNDAMENTAL NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Vimos o conceito e as hipóteses que autorizam a incidência do recurso da
desobediência civil, muitos deles com suas bases na Constituição Federal de 1988,
nosso próximo passo vai mais longe, na tentativa de elevar tal direito ao status de
direito fundamenta de nossa Lei Maior. Primeiramente, cabe lembrar que, segundo
Celso Lafer a desobediência civil é um direito humano de primeira geração, sendo
individual quanto ao modo de exercício, quanto a titularidade e sujeito passivo. ―a
ação que objetiva a inovação e a mudança da norma através da publicidade do ato de
transgressão, visando demonstrar a injustiça da lei.‖, para ele, transgredir à norma,
usando da desobediência civil, é tido como ―um dever ético do cidadão‖, para ele este
23
dever não tem a pretensão de ter uma ―validez universal e absoluta‖, e sim ―se coloca
como imperativo pessoal numa dada situação concreta e histórica‖.(LAFER, 1988, p.
200)
Assim, para Reale (2000) nada impede, em princípio, a recepção de tal
direito, eis que o que dá autenticidade ao direito não é o fato de ele ter sido declarado,
mas sim o de ele ser reconhecido pela sociedade como tal, pois é ela que vai conviver
com referida norma, que deve ser incorporada de forma a integrar a sociedade. As leis
deveriam ser perfeitas, para educar os homens a perfeição, e não o contrário. Surge,
pois o conceito de Justiça Social, que justifica as leis sociais que aplicam o
assistencialismo e o protecionismo.
O principal argumento para propor a inserção da desobediência civil como
direito fundamental é que a Constituição, em seu artigo 5º, § 2º, cria uma cláusula
aberta, ao admitir outros direitos e garantias, de onde decorre o direito da
desobediência
civil.
E
mais,
―liga-se
especialmente
aos
princípios
da
proporcionalidade e da solidariedade, que permitem protestos contra atos que violem
esses princípios da ordem pública.‖. (BUZANELLO, 2012 p. 19).
Neste sentido, Maria Helena Diniz, ensina que quando a nossa Lei Maior,
em seu artigo 5º, inciso II estabelece que: ―ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei‖, está-se diante de uma garantia
constitucional implícita de resistência à ilegalidade. Ademais, nossa Carta Magna, em
seu artigo 5º §2º, confessa que a catalogação dos direitos e garantias fundamentais não
é exaustiva, ao prescrever que ― Os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.‖. o que
abre espaço para uma hipótese de elevar o direito de resistência e de desobediência
civil ao status de garantia constitucional fundamental. E mais, em seu artigo 142, a
nossa Lei Maior estabelece que as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria e à
garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem, bem como, pelo seu artigo 17 se a
organização dos partidos políticos ―deve observar o regime representativo e
democrático, baseado na pluralidade partidária e na garantia dos direitos fundamentais
do homem, reconhecido está o direito de resistência‖. (DINIZ, 1997, p. 99).
24
Vale lembra que o estudo da desobediência civil não se dirige ao direito de
revolução, objeção de consciência, destruição da lei e da ordem, da autoridade, ou
normas necessárias à convivência social. É tão somente um ―direito de garantia do
exercício de cidadania‖, que dá ao cidadão o poder de criar a lei, e de não obedecê-la
quando contrária a Carta Magna, seus direitos e garantias asseguradas. Cabe aqui,
destacar a diferença entre desobediência civil e objeção de consciência, pois esta segue
um padrão moral, que induz o cidadão a não violar um ―imperativo supremo de sua
ética‖, de forma que acaba por não cumprir a lei positivada. Enquanto aquela tem por
desiderato demonstrar a ―injustiça da lei através de uma ação que almeja a inovação e
a mudança da norma através da publicidade do ato de transgressão.‖, desta forma,
Garcia, ao final, conceitua a desobediência civil como ―forma particular de resistência
ou contraposição, ativa ou passiva do cidadão, à lei o ato de autoridade, objetivando a
proteção das prerrogativas inerentes à cidadania, quando ofensivos à ordem
constitucional ou aos direitos e garantias fundamentais.‖. (GARCIA, 1994, pag. 279).
Também para ela, a desobediência civil está inserida, no § 2º do artigo 5º da
Constituição, no rol dos direitos políticos, de ―acesso à condução da coisa pública ou,
se preferir, à participação na vida política‖.
Essa forma especial de desobediência civil pode se manifestar de dois
modos: passiva ou negativamente (ou seja, não fazer algo determinado). Para tanto é
necessário um conflito com a norma constitucional e seus princípios e garantias
fundamentais. A Constituição é um ―sistema aberto às mudanças da realidade social e
às concepções cambiantes da ―verdade‖ e da ―justiça‖.‖. A desobediência civil é um
direito fundamental, pois é ligado à ordem constitucional, que, como já foi dito, é um
―— sistema aberto e incompleto, de amplitude e indeterminação — que admite e
assimila a desordem consubstanciada na vida social:‖. Destarte, ―a desobediência civil
é um direito fundamental de garantia, contido no mandamento do artigo 5º da
Constituição Federal‖. Este direito decorre do principio constitucional da liberdade e é
destinada ao ápice da liberdade, que é a cidadania. Portanto, tanto o cidadão isolado
quanto em conjunto tem o direito a desobediência civil, direito este decorrente do
princípio da cidadania. (GARCIA, 1994).
25
Conforme ensinado por Diniz, (1997) vimos a possibilidade de
desobediência à lei que se julgue inconstitucional. Mas o grave problema político da
desobediência civil, e também muito comum por ser a constituição um processo
popular, esta na possibilidade de um cidadão individual ou coletivamente, agindo em
conformidade com sua consciência e protegido pela Constituição opor-se a um
princípio constitucional. Tais colisões são mais comuns do que se imagina, é o caso,
por exemplo, da recusa a norma constitucional que previa o serviço militar obrigatório
muito comum nos Estados Unidos, em suas guerras contra o México, relatadas por
Thoreau. O mesmo vale para a Guerra do Vietnã e os contemporâneos conflitos no
oriente médio.
No nosso caso sob análise cabe indagar como fica a questão do portal
megaupload.com e suas denuncias contra direitos da cópia, uma espécie de direitos da
propriedade, versus o direito de livre compartilhamento de informações, arquivos e o
que quer que se queira compartilhar no maior site de compartilhamentos do mundo,
cujo sigilo foi quebrado pelo FMI, mediante decisão judicial que ainda não transitou
em julgado. Afinal, o direito a liberdade de expressão, informação, compartilhamento
e acesso a cultura poderia contrapor-se ao direito de propriedade ou não?
26
4. CONFLITO ENTRE A DESOBEDIÊNCIA CIVIL E OS DIREITOS DA
CÓPIA
4.1 MODOS DE EXERCÍCIO DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL
O direito de resistência, mais que meros atos de ―transgressão jurídica‖, é
um ―instrumento de defesa da ordem democrática e constitucional.‖. Para, a
resistência, ―sempre que possível pode e deve requerer a proteção judiciária, sem
prejuízo de outras construções jurídicas que informam a justificação menos jurídica e
mais política.‖ (BUZANELLO, 2012 p. 25).
Quais seriam, pois, as consequências do não atendimento da iniciativa de
desobediência civil por parte do poder público? O direito de petição, que é instrumento
da desobediência civil, não aceita nenhum tipo de ação negativa ou omissão da
autoridade. É cabível a impetração de mandado de segurança, para salvaguardar o
direito liquido e certo, pois ainda que a Constituição não preveja expressamente a
punição da autoridade ―... parece-nos certo que ela pode ser constrangida a isso por via
do mandado de segurança, quer quando se nega expressamente a pronunciar-se quer
quando se omite para tanto...‖. (SILVA, 2009, p. 444).
Em meados dos anos 60, Martin Luther King Jr. foi um dos líderes na
vanguarda de campanhas não violentas contra o racismo. Para ele, havia quatro
princípios basilares a serem sempre observados: ―a reunião de acontecimentos
capazes de definir a existência de injustiças; a negociação; a autocrítica, e a ação
direta. ‖. E por ação direta, ele chamava a representação da ―desobediência não
violenta, muito bem pensada e analisada, visando atacar a injustiça sobretudo
atrevida‖, de forma a, primeiro revelar publicamente os problemas questionados, para
então conduzir-se a um acordo, que pode ser voluntário ou via ação direta. (VIEIRA,
1983).
Excetuando-se os casos extremados de desobediência, como o de revolução,
que ameaça todo o ordenamento, ―a resistência de menor intensidade política, como a
objeção de consciência, é formalizada em petições que acrescem a possibilidade da
solução da demanda.‖ Destarte, cabe indagar como se pode garantir juridicamente uma
27
resistência implícita? ―Essas garantias constitucionais visam sanar e corrigir
inconstitucionalidades ou ilegalidades e abusos de poder‖. (BUZANELLO, 2012
p.13).
―O remédio mais demandado é o direito de petição ou representação ao
poder público para a defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abusos de poder (art.
5º, XXXIV, CF)‖. Destarte, qualquer cidadão pode demandar o poder público
peticionando a autoridade competente, instaurando, se for o caso, inquérito
administrativo contra a autoridade que cometer abuso ou irregularidade, sem prejuízo
das garantias constitucionais do mandado de segurança, quando houver ameaça a
direito liquido e certo, e de habeas corpus, sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer restrição de liberdade. Para tanto, condiciona, tais atos devem ser
fundamentados, para só então poder criar, modificar ou extinguir os ―atos jurídicos, ou
políticos, medidas governamentais e atitudes de determinados indivíduos em
conformidade com o Estado de Direito.‖. (BUZANELLO, 2012 p. 25).
E conclui: ―O direito de resistência, por fim somente se justifica no
caso de descumprimento de algum direito primário, tanto que opera quase
sempre de forma similar a direito de defesa, pois aquele que resiste a uma
ordem injusta defende-se. É também um direito para se ter direito, isto é,
um direito secundário que supõe que seu exercício está em favor do gozo
de um direito primário, como a vida, a justiça, a dignidade humana, a
propriedade.‖. (BUZANELLO, 2012p. 27).
Os seguidores da desobediência civil creem que o Estado teme o confronto
intelectual ou moral com o cidadão; ―O estado ataca o corpo do indivíduo (...) pois não
possui considerável inteligência ou honestidade‖. Daí vem a importância de um meio
eficiente de lutar contra os ―fiéis adoradores da força bruta‖, e esse meio é pensado
estrategicamente de modo diverso das táticas aplicadas pelos opressores. Essas táticas
―não nasceram do nada‖, elas são oriundas de ―profundas meditações sobre o
inestimável valor da vida, e tomam o sentido contrário a qualquer manifestação de
violência‖. (VIEIRA, 198, p. 20)
28
Neste sentido Thoreau afirma que ―Num governo que aprisiona qualquer
pessoa injustamente, o verdadeiro lugar de um homem justo é também a prisão‖.
(THOREAU, 2010, p. 30)
E ainda:
Se alguém pensa que ali sua influência se perderá, que sua voz
não mais atormentará os ouvidos do Estado e que ele não será
como um inimigo dentro de suas muralhas, é porque não sabe o
quanto a verdade é mais poderosa que o erro, nem o quão mais
eloquente e eficazmente pode combatera injustiça aquele que já
a tenha experimentado em sua própria carne‖. (THOREAU,
2010, p. 30)
Para que não se cometa o erro que mais se condena, a desobediência civil
adota o total repúdio a violência e injustiça. Está, pois fundada no ―princípio da ação
não violenta‖, sendo, pois, contrária a tudo que ―humilha a consciência humana‖. A lei
injusta por si só configura um ato de agressão, e a punição pelo seu descumprimento é
ainda mais grave, consistindo em um ato de agressão de segundo grau. Ao contrário,
―a desobediência civil, que é a desobediência dos cidadãos, realiza sua oposição de
maneira mais digna, afastando os defensores da violência através da ação não
violenta‖. (VIEIRA, 1983, p. 21)
Assim, um instrumento compatível com a desobediência civil é o
dispositivo do inciso XXXIV a do artigo 5º da Constituição Federal, o ―direito de
petição aos poderes públicos‖, cuja função é defender direitos ou atacar ilegalidades e
abusos de poder. (GARCIA, 1994).
Nesse sentido, para José Celso de Mello Filho ―a importância desse direito
público subjetivo mais se acentua quando se verifica que os Poderes do Estado não
podem deixar de responder à postulação deduzida‖. Para ele, se as referidas petições
forem arquivadas sumariamente, e sem resposta (seja ela afirmativa ou negativa), mais
do que uma ilegalidade, estar-se a diante de uma violação a norma constitucional.
(MELLO FILHO, 1986, p. 480).
29
Pinto Ferreira lembra que ―a autoridade que recebe a petição deve
encaminhá-la à autoridade competente que deve examiná-la, para atender ou negar o
pedido‖, e lembra que ―as Constituições Federais anteriores (1981, 1934, 1946)
permitiam ―promover a responsabilidade das autoridades‖. A atual Constituição
Federal se omitiu, no entanto, acerca deste dispositivo, inobstante, tal direito
permanece implícito na Constituição Federal de 1988, ―do contrário de nada serviria‖.
FERREIRA, 1989-v.1, p.138)
Canotilho ensina que esse direito de petição é um direito político que pode
ser usado tanto na defesa de simples direitos pessoais, como na defesa da própria
Constituição Federal, das leis ou do interesse geral. Podendo ainda ser exercido
coletivamente ou individualmente, ―perante quaisquer órgãos de soberania ou
autoridade‖. (CANOTILHO, 1991, p. 677)
Para José Afonso da Silva, importa ressaltar que o direito de petição ―não
pode ser destituído de eficácia. Não pode a autoridade a quem é dirigido escusar
pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la quer para desacolhê-la com a devida
motivação. (...)‖. (SILVA, 2009, p. 443)
Bascuán, apud (GARCIA, 1994), completa: ―O direito de petição não pode
separa-se da obrigação da autoridade de dar resposta e pronunciar-se sobre o que lhe
foi apresentado, já que, separada de tal obrigação, carece de verdadeira utilidade e
eficácia‖.
Uma vez reconhecido o direito de petição resta questionar sobre as
consequências advindas de sua improcedência, ou melhor, sobre a hipótese de
represarias. Garcia entende que não, para ela ―A imposição de qualquer sanção,
importaria em equiparar o cidadão, neste caso, ao mero descumpridor da lei, uma
norma tributária, por exemplo, sem qualquer consideração — o que é vedado — do
seu status activatis, a cidadania, fundamento do Estado‖. Destarte, sendo o pedido
improcedente, só resta a volta ao status quo, devolvendo ao cidadão, uma vez que
estavam apenas suspensas, ―todas as condicionantes pré-existentes à iniciativa da
desobediência civil de que se utilizou‖. (GARCIA, 1994, p.264/265).
30
4.1.1 A desobediência Civil Eletrônica
O grupo Critical Art Ensemble CAE (2001) inovou em seu livro Distúrbio
Eletrônico, lançando a proposta de desobediência civil eletrônica como forma de
resistência cultural. Primeiramente, devemos nos lembrar de que a desobediência civil
tal como a temos hoje é um modelo antigo, que foi construído na década de 60, um
período muito distante de nossa realidade, pois hoje com a popularização da internet,
esta se tornou uma ferramenta cada vez mais indispensável e de acesso facilitado.
Naquela época, os desobedientes civis, como Henry David Thoreau não dispunham
das mesmas facilidades de acesso à internet que temos hoje, de modo que a forma e os
m+étodos da desobediência civil ficaram limitados ao referido contexto social, e
político daquele período histórico. No entanto, as ideias destes pensadores não foram
apagadas com suas mortes, permanecendo as suas influências nos dias atuais, mas
munidas de outros modos de exercício, operadas em um terreno mais poderoso que
qualquer dos métodos individuais usados por Thoreau – a internet.
Neste sentido é que surgiu a ideia do movimento de copyleft (movimento
que aspira a liberdade de informação e softwares livres), em contraposição aos direitos
da cópia, os copyrights, como uma forma de exercício eletrônico de inobediência civil,
que é uma releitura da desobediência civil tradicional adaptada aos avanços da
sociedade. Sua grande bandeira é a resistência cultural, e sua arma poderosa é a rede
de computadores mundial. Uma das formas usadas pela desobediência civil eletrônica
é o ativismo hacker, usado por grupos como o Anonymous, como forma de
desobediência civil eletrônica cujos métodos consistem em tirar sites importantes do
ar, de forma a chamar atenção para problemas sociais e suas ideologias. É o caso dos
ataques hackers que surgiram pelo mundo todo como forma de protesto ao fechamento
do portal de compartilhamento megaupload.com, que poderia ser facilmente
enquadrado nas hipóteses de desobediência civil com objetivo mediato, já analisadas
nos capítulos anteriores.
31
4.2 DOS PROJETOS DE LEI QUE CERCEIAM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
As grandes detentoras de direitos autorais pressionam os governos do
mundo todo para a criação de medidas mais severas que possam coibir os atos de
pirataria, mediante cerceamento do direito de difundir informações em meio
eletrônico, com a criação de constantes projetos de lei como o SOPA, nos EUA, e o
ACTA, em escala mundial. Tais projetos foram cancelados provisoriamente, mediante
pressão popular, no entanto sabemos que muitos outros funcionam, eis que todos nós
já reparamos em mensagens de ―vídeo removido‖ no YouTube e de sites fechados pelo
FMI, como foi o caso do megaupload.com. O SOPA, (Stop Online Piracy), foi um
projeto de lei antipirataria discutido no Congresso americano que dá detentores dos
direitos da cópia um poder extraordinário sobre a internet. Com o SOPA os provedores
de internet podiam ordenar que o Google.com retire o site acusado dos mecanismos de
busca, e mais perigoso ainda, impedir que as pessoas tenham acesso a tais site. Isso
tudo sem contraditório ou pronunciamento judicial. Só era preciso uma acusação de
que o site citado infringiu o conteúdo autoral, a qual era sempre tida como de ―boa fé‖.
Sendo que alguns sites como o da Visa ou YouTube ainda seriam dispensados de tal
procedimento, bastando apenas uma mera indicação dos sites que infringem leis em
uma espécie de ―lista negra da internet‖. Se o governo decidir que alguma parte de tal
site (como, por exemplo, o seu perfil no site de relacionamentos facebook.com)
realmente infringe direitos autorais ele poderia ser excluído sumariamente.
(MARTINS , 2012, p. única).
Rafael Cabral (2012) noticia que o ACTA é um pacto internacional que
promete regras rígidas antipiratarias, levando em conta apenas o lado com os
detentores de direitos da cópia, chegando a ser repressivo e abusivo contra a pirataria
digital, e também a pirataria física. Os países signatários devem criar leis nacionais de
direitos autorais mais severas, com dispositivos que assegurem a retirada imediata de
conteúdo pirata da internet e a identificação responsáveis. Para tanto, os provedores de
acesso e a polícia devem agir preventivamente para proteger a propriedade intelectual,
―o que pode levar à desconexão forçada de reincidentes e de alguma forma impedir a
32
livre circulação de ideias na internet e também fora dela.‖ O Brasil diz que não vai
assinar o ACTA, no entanto, certamente sentiremos seus reflexos, já que países como
―Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul, Japão, Marrocos, Cingapura, Austrália e
Nova Zelândia são os primeiros signatários, mas outros países – como México, Suíça e
membros da União Europeia – podem aderir até 1º de maio de 2013‖.
ENTREVISTA: ‘Brasil não vai assinar o acordo’, diz Itamaraty
Kenneth Félix Haczynski, chefe da Divisão de Propriedade Intelectual do
Itamaraty
Por
que
o
Brasil
não
aderiu
ao
Acta?
O Acta é um acordo que nasce com pouca legitimidade, negociado por um
grupo restrito de países, não foi discutido multilateralmente e a sociedade
civil não participou do processo. Os Brics não participaram, assim como
nenhum país sul-americano. O Acta torna muito mais rígidas as medidas
antipirataria, com as quais o Brasil também é comprometido. Mas não
acreditamos em receita pronta.
Qual sua opinião sobre a aplicação do acordo na internet?
As disposições levam ao modelo ‗three strikes and you‘re out‘ (três
advertências e está fora) , que desconecta os infratores. Ao tentar agilizar o
combate à pirataria, corremos risco de comprometer direitos, a privacidade e
a liberdade da rede.
O Acta servirá como elemento de pressão para a aprovação de leis
nacionais
mais
rígidas?
Acho possível que o Acta seja imposto a vários países, mas não ao Brasil e a
outros países emergentes. O grande problema do Acta é que as suas
disposições são focadas demais em um lado só, o dos grandes detentores de
copyright. O que queremos é mais equilíbrio, principalmente no meio digital.
(CABRAL, 2012, p. única )
O ponto mais polêmico certamente é o que fala que provedores de acesso e
a polícia devem agir para ―prevenir‖ e impedir infrações da propriedade intelectual, o
que pode levar à desconexão forçada de reincidentes e de alguma forma impedir a livre
circulação de ideias na internet e também fora dela. Para tanto, os provedores de
internet teriam que monitorar tudo o que você faz na web. Lá vão a liberdade e a
privacidade na internet. ―Comprometer liberdades civis para combater a pirataria de
forma antidemocrática é algo que não podemos aceitar‖. (CABRAL, 2012)
Importa citar aqui as inesperadas palavras do grande mestre e diretor
Francis Ford Coppola, em entrevista ao Site The 99 Percent, traduzido pelo portal
gizmodo.com, que adotou nossa posição radical sobre o debate em torno dos
compartilhamentos virtuais, direitos da cópia e arte: ―talvez os estudantes que baixam
33
filmes e música estejam certos‖, ele diz. ―Talvez os artistas não devam ser pagos‖. E
continua:
Essa ideia de que o Metallica ou qualquer outro cantor de rock tem de ser
rico é algo que não necessariamente vai acontecer daqui para frente. Porque,
como estamos entrando em uma nova era, talvez a arte seja gratuita. Talvez
os estudantes estejam certos. Eles devem ter o direito de baixar músicas e
filmes. Eu vou levar um tiro por dizer isso. Mas quem disse que a arte custa
dinheiro? E, portanto, quem disse que os artistas têm que ganhar dinheiro?
(MARTINS, 2012, p. única)
No entanto, o maior site de compartilhamento do mundo, megaupload.com,
foi fechado sem precisar recorrer a projetos como o SOPA e o ACTA, o que só
reafirma o quão despropositados tais projetos são para início de conversa.
4.3 A DESOBEDIÊNCIA CIVIL PUNÍVEL
Como exemplo de tipos penais podemos citar os crimes constitucionais do
artigo 5º, incisos XLIV da Carta Magna, o crime de resistência do art. 329 do CP, e o
crime de desobediência, do artigo 330 do mesmo Diploma Legal. O professor
Buzanello ressalta que o direito de resistência jamais poderá ser usado como ―escudo
de proteção de atividades ilícitas, nem como argumento para afastamento da
responsabilidade civil ou penal por atos criminosos.‖ (BUZANELLO, 2012 p.24).
Veja o caso da Lei de Segurança Nacional ( Lei nº 1.802, de 5/1/1953). Em
seu Artigo 17, afirmava ela: ― instigar, publicamente, desobediência coletiva
ao cumprimento da lei de ordem pública. Pena: - detenção de seis meses a 2
anos‖. Nada mais vago, pois não se conhecia a forma do ―instigar,
publicamente, desobediência coletiva‖, não se sabendo consequentemente
quando se configurava o crime. (VIEIRA, 1983 p. 81).
Por exemplo: quanto á desobediência não violenta, diz esta Lei de 1978, em
seu Artigo 36: ― Incitar: II – à desobediência coletiva às leis: ...Pena:
Reclusao , de 2 a 12 anos‖. (VIEIRA, 1983 p. 82).
... A Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT) afirma, por exemplo, no
Artigo 723: ― Os empregados que, coletivamente e sem prévia autorização
34
do Tribunal competente, abandonarem o serviço ou desobedecerem a
qualquer decisão proferida em dissidio incorreraõ nas seguintes
penalidades: a) suspensão do emprego até 6 (seis) meses, ou dispensa do
mesmo; b) perda do cargo de representação profissional em cujo
desempenho estiverem; c) suspensão , pelo prazo de 2 (dois) a 5(cinco)
anos, do direito de serem eleitos para cargos de representação profissional‖.
(VIEIRA, 1983 p. 83).
Interessante ressaltar que, na última citação resta claro que, em que pese o
―Direito de greve‖, os trabalhadores dependem de autorização do Tribunal do
Trabalho, sendo que jamais poderão desobedecer a uma decisão dada pelo referido
Tribunal. Por fim, se sujeitam a uma série de punições, como suspensão, perda do
cargo, e proibição de eleição sindical.
4.4 OS CRIMES CONTRA OS DIREITOS DA CÓPIA
Primeiramente cumpre lembrar que os direitos da cópia são distintos dos
direitos autorais, enquanto estes se preocupam com a autoria de obras, a pessoa, o
―gênio criador‖, aqueles são baseados em leis americanas e inglesas, regulam somente
a difusão das obras, ou seja, o produto e o capital. A presente hipótese de
desobediência civil analisada em nosso caso concreto sob estudo se restringe, pois, aos
direitos patrimoniais do copyright.
Fazer download ou compartilhar conteúdos piratas, sem autorização, viola
os direitos do autor de tais obras, incorrendo nas sanções do art. 184 do Código Penal,
(muito conhecido por sua presença em advertências de proteção de propriedade
intelectual, como por exemplo as que aparecem no início de filmes) que prevê pena de
detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, podendo ser transformada em pena
de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Se houver tal prática objetivar a
obtenção de lucro:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de
lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual,
35
interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor,
do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de
quem os represente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou
indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire,
oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma
reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete
ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga
original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa
autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra
ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário
realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar
previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de
lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do
autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de
quem os represente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção
ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade
com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de
obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do
copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. ( VADE MECUM, 2012,p.
599)
(Grifo nosso)
Lembrando que não se isenta do dever de indenizar, a ser determinado em
Juízo, ao autor cuja obra for violada (artigos 107 e 108 da Lei de Direitos Autorais, nº
9.610/1998).
Primeiramente cabe indagar em que consiste ―violar direitos de autor e os
que lhe são conexos‖. Estamos diante de uma norma penal em branco, que é a que
necessita de outro texto que a regulamente, como, por exemplo, a Lei nº 9610, da
proteção à propriedade intelectual, cujas hipóteses de violação podem se resumir
basicamente em fazer algo não autorizado expressamente pelo autor, excetuados os
casos do artigo 46, 47 e 48 da referida lei:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I - a reprodução:
a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo,
publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se
assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
36
b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas
de qualquer natureza;
c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob
encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não
havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de
deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita
mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para
esses destinatários;
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso
privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de
comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou
polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do
autor e a origem da obra;
IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem
elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização
prévia e expressa de quem as ministrou;
V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e
transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais,
exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses
estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam
a sua utilização;
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no
recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos
de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir
prova judiciária ou administrativa;
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras
preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes
plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da
obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida
nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras
reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos
podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos,
fotografias e procedimentos audiovisuais. (VADE MECUM, 2012, p.1649)
Cabe aqui outra discussão, a lei quando autoriza a reprodução de pequenos
trechos no inciso II do artigo supracitado, pode dar margem a interpretação de uma
faixa musical como um trecho de um álbum completo. Legitimando o
compartilhamento de faixas musicais isoladamente.
Outro ponto que confunde muitas pessoas é a da desnecessidade de intuito
lucrativo para configurar o tipo penal. O intuito de lucro é, pois uma qualificadora,
sem a qual o crime subsiste ainda que se violem os direitos do autor e conexos por
motivos diversos, que não o de auferir lucro.
37
Inobstante as tentativas do legislador pátrio em coibir compartilhamentos de
arquivos ―piratas‖, inclusive os que não visão lucro, tais leis se mostram despidas de
antijuridicidade e de eficácia, e, por conseguinte, as pessoas que praticam tais atos,
ainda que identificadas, dificilmente serão punidas. Nos casos em que não se objetiva
o lucro, eventual denuncia fica condicionada a iniciativa da parte lesada, ou
interessada, sendo competente o Ministério Público apenas nos casos que visão lucro.
Processar todas as pessoas que compartilham arquivos suspeitos pela internet, e ainda
ter o ônus da prova trás um custo economicamente inviável. Pelo princípio da
―Bagatela‖ e da intervenção mínima, entendemos inconveniente aprisionar alguém que
não tenha causado um dano relevante, como alguém que apenas compartilha poucos
arquivos em sua casa. E ainda que, o que se admite apenas para argumentar, alguém
fosse mesmo levado à prisão por compartilhar tais arquivos, a baixa pena ainda
autorizaria inúmeros benefícios, como o da suspensão do processo pelo art. 89 da Lei
nº 9099.
4.5 DO CONFLITO ENTRE LIBERDADE E DIREITOS DA CÓPIA.
Dispõe a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão da
França (1789), em seu artigo 19 sobre a Liberdade Intelectual como direito
fundamental de todo ser humano, o que contém o direito de compartilhamento de
informações, que é precipuamente a função do site de compartilhamento:
todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que
implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,
receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias
por qualquer meio de expressão‖.(Grifo nosso). (DECLARAÇÃO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789, p. única).
Princípio este recepcionado em nossa Carta Magna (1988), em seu artigo
5°, incisos IV e IX:
38
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença (VADE MECUM,
2012, p.68).
Eis aqui a maior arma que o desobediente civil poderia invocar no caso em
estudo, não fosse por um detalhe: A constituição dá a liberdade de expressão com uma
mão e veda o anonimato com outra. Ora, os ataques hackers realizados em protesto ao
fechamento do site de compartilhamento pelo grupo Anonymous têm, pois, um grande
problema estrutural, pois sua filosofia está totalmente baseada justamente no
anonimato que nossa Lei Maior proíbe expressamente. O que acaba por tirar qualquer
razão do movimento, ao menos em território nacional.
Por outro lado, a ideologia do grupo, quando aplicada no Brasil, tem o
apoio das prerrogativas constitucionais de livre acesso ao meio ambiente cultural,
expressos nos artigos 215, 216 e 225 de nossa Constituição Federal.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas
e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional.
2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta
significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,
visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do
poder público que conduzem à:
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II produção, promoção e difusão de bens culturais;
III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas
múltiplas dimensões;
IV democratização do acesso aos bens de cultura;
V valorização da diversidade étnica e regional. ( VADE MECUM, 2012,
P.130).
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais;
39
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação.
§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua consulta
a quantos dela necessitem.
§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de
bens e valores culturais.
§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da
lei.
§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos.
§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual
de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária
líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a
aplicação desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos
investimentos ou ações apoiados. ( VADE MECUM, 2012, P.131).
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações. ( VADE MECUM, 2012, P.133).
Destarte, partindo-se da premissa imposta pelo artigo 225 de nossa Lei
Maior, a coletividade tem o direito e também o dever de manter o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, uma vez que o mesmo é essencial à sadia qualidade de
vida. Desta forma, como sabemos, uma das faces do meio ambiente é justamente o
meio ambiente cultural, expresso no artigo 216 de nossa Constituição. Ademais,
estabelece ainda o artigo 215 da referida lei que tal direito ao meio ambiente cultural
nacional deverá ser garantido e difundido para a sociedade.
No entanto, a propriedade, artística, científica e literária também é
agasalhada pelo art. 5º, incisos XXVII e XXVIII da Carta Magana:
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou
reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei
fixar;
40
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução
da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que
criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas
representações sindicais e associativas; (VADE MECUM, 2012, P.69/70).
De modo que podemos concluir que, uma fonte cultural, uma vez dentro do
patrimônio cultural brasileiro, deveria ser de livre difusão ou compartilhamento,
devendo a lei estabelecer uma forma de mitigar o direito da propriedade cultural,
reduzindo, por exemplo o tempo de vigência de referida propriedade, para que cumpra
sua função social, a exemplo do que ocorre com a quebra de patentes de remédios em
tempo reduzido. Vejamos a duração absurda dos direitos autorais em nossa legislação,
(LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998):
Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos
contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento,
obedecida a ordem sucessória da lei civil.
Parágrafo único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que
alude o caput deste artigo
Art. 43. Será de setenta anos o prazo de proteção aos direitos patrimoniais
sobre as obras anônimas ou pseudônimas, contado de 1° de janeiro do ano
imediatamente posterior ao da primeira publicação.
Art. 44. O prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras
audiovisuais e fotográficas será de setenta anos, a contar de 1° de janeiro do
ano subseqüente ao de sua divulgação.
Art. 96. É de setenta anos o prazo de proteção aos direitos conexos, contados
a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente à fixação, para os fonogramas; à
transmissão, para as emissões das empresas de radiodifusão; e à execução e
representação pública, para os demais casos. (VADE MECUM, 2012,
p.1648-1652).
Ponderar a liberdade de expressão e a violação dos direitos de copyright é o
complexo caminho do bom senso: devemos, sim, nos expressar, difundir ideias e
compartilhar arquivos, procurando não desrespeitar os direitos de copyright. Até
porque, como já foi dito, atualmente há uma forte tendência de monitoramento
eletrônico, realizado pelos provedores da internet, o que, na maioria dos casos
identifica a pessoa por de trás do computador, ainda que, na prática seja inviável punir
os milhões de indivíduos que compartilhavam e ainda compartilham suas coisas
41
piratas com o mundo todo. Antes de pensar em recorrer ao direito de desobediência
civil eletrônica é necessário o cumprimento de uma série de requisitos já analisados,
devendo tal recurso ser aplicado sempre em ultima ratio; Do contrário, pode-se estar
cometendo um ato criminoso, eis que, em todo mundo, nota-se que cada vez mais que
o olhar do direito recai sobre os acontecimentos virtuais, que já não passam mais
despercebidos, como o fora no passado recente.
42
5. CONCLUSÃO
Este trabalho de conclusão de curso teve por objetivo geral identificar a
Desobediência Civil na Constituição Federal de 1988, analisar se tal direito pode
invocado pelos cidadãos como um verdadeiro direito fundamental, para então ponderar
tal princípio com as diretrizes do Direito da Cópia, sob o ponto de vista da liberdade
de expressão e de difusão da cultura.
Chegou-se à conclusão de que a desobediência civil está prevista em nossa
Lei Maior, conforme a doutrina analisada, de forma implícita. Chegou-se a esta
afirmação pela interpretação hermenêutica de nossa Carta Magna, sendo os principais
motivos a analise do seu art. 1º, que dita os princípios basilares do Estado brasileiro, e
principalmente do artigo 5º em seu paragrafo 2º, que abre a porta da Constituição
Federal de 1988 a direitos fundamentais não expressos. Assim, passado o susto inicial
que o título do presente trabalho possa vir a despertar, podemos afirmar que a
desobediência civil não é um ato que devemos temer, ao contrário, ela se destina
exclusivamente a servir a população, como forma de defesa a leis patológicas e
inconstitucionais, sendo, em verdade, instrumento de defesa de nosso Ordenamento
Jurídico.
Partindo-se da premissa que a atual Lei Fundamental Brasileira reconhece o
recurso a desobediência civil, buscamos, com base na análise de um caso concreto, o
fechamento do portal de compartilhamentos mais famoso do mundo megaupload.com,
criar uma hipótese de uso da desobediência civil em confronto aos direitos da cópia,
episódio que somente foi eleito a figurar no trabalho a título exemplificativo, por
envolver muitos dos nossos pressupostos teóricos abordados
Tendo em vista que os conceitos da desobediência civil foram construídos
na década de 60, sendo, destarte limitada aos recursos que a sociedade possuía naquela
época, fez se necessária uma adaptação da teoria da desobediência civil aos tempos
modernos, eis que a constante mutação é uma característica inerente à humanidade, e
atualmente, com a popularização do acesso a rede mundial de computadores, tornou-se
prática cotidiana a rápida difusão e troca de informações, muitas delas de originalidade
43
duvidosa, que demonstra uma rejeição cada vez maior da sociedade as limitações do
acesso à cultura. Chegou-se a uma forma nova de operar a desobediência civil, a
desobediência civil eletrônica. Tal modalidade de inobediência civil faz uso,
principalmente, de protestos públicos que almejam a derrubada de sites famosos,
buscando, de forma indireta, chamar a atenção a injustiças sociais, promovendo a
conscientização da sociedade. Tais atos deviam ser fomentados como instrumento de
democracia, não obstante, por serem inconvenientes às atividades capitalistas, vem
sofrendo ampla censura por leis repressivas editadas em governos do mundo todo, que
encaram a desobediência civil eletrônica como atos criminosos, e até mesmo como
terrorismo digital, imputando altas penas aos responsáveis identificados. Tal
argumento não se justifica, pois resta evidente o caráter pacífico de tais protestos, que,
em geral, tão somente atacam momentaneamente sites opressores, sem nunca causar
nenhuma morte como no terrorismo tradicional.
A principal ideia defendida por tais movimentos, que gozam de apoio
popular, é ligada ao meio ambiente cultural, mais precisamente ao direito de acesso a
cultura, sendo consideradas antissociais as normas de direitos autorais que restringem
o acesso ao conhecimento, à cultura e às ideias a condição de propriedade privada.
Também é muito criticada a violação a liberdade de compartilhamento de informações
e ao risco de invasão do Estado na privacidade particular.
Tal movimento, no entanto, não pode ser exacerbado, devendo sempre
operar-se pelo bom senso, buscando um equilíbrio entre os interesses de quem produz
e de quem consome o ambiente cultural.
44
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BELTRAO, Jorge. Desacato, resistência, desobediência, MG: .Juriscredi Ltda.1971,
BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre a liberdade. Brasília, DF: Universidade de
Brasília, 1969.
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CABRAL, Rafael. ACTA: É o fim. Disponível em: < ( 2/10/2011,18h30, Disponível
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DECLARAÇÃO DO BOM POVO DE VIRGÍNIA DE 1776, Disponível em:
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45
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789 - artigo
2º
Disponível
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