Célia Musilli pede um minuto de silêncio pelo garoto Peterson E-MAIL [email protected] Pág. 4 WhatsApp (43) 9124-1630 FOLHA DE LONDRINA, domingo, 15 de março de 2015 Arte que liberta Fotos: Lis Sayuri Sesc Cadeião traz uma nova perspectiva para a cultura londrinense Ana Paula Nascimento Reportagem Local D izem que é do caos que vem o cosmo, e, num sentido bem concreto, é o que se pode dizer da transformação do antigo “Cadeião” de Londrina, no agora Sesc Cadeião Cultural. Em uma ação inovadora, que ainda pretende intervir em toda a quadra - o que inclui a desativação da 10ª Subdivisão Policial -, a ideia do Sistema Fecomércio Sesc Paraná é transformar um espaço que já foi sinônimo de tristeza e morte em um polo produtor de arte. O termo de comodato prevê o uso do espaço por 20 anos, renovável por mais 20. Entregue como um presente pelos 80 anos da cidade, no ano passado, a reforma do novo Cadeião é fruto de um investimento de quase R$ 4 milhões. A estrutura original do prédio da década de 40 está mantida. Do lado de fora, com a pintura novinha em folha, a guarita ainda está lá, lembrando-nos logo de cara que aquele lugar durante 50 anos foi uma cadeia, que enfrentou problemas de superlotação, violência e torturas (para mais informações, vale a pena conferir os livros “Escândalos da Província” (1959), de Edison Maschio; “Dos Porões da Delegacia de Polícia” (1979), de Marinósio Filho; “Noites Ilícitas: histórias e memórias da prostituição”, (2005), de Edson Holtz Leme e “Terra Vermelha” (1998), de Domingos Pellegrini). Na entrada principal, pela Rua Brasil, um buraco na parede, com os tijolos originais à vista, é a marca registrada da ação para destruir o antigo prédio, na década de 90. Na foto histórica, publicada na Folha de Londrina, e que estampa a parede do hall de entrada do Sesc Cadeião Cultu- “Espaço Memória”: nas celas preservadas, recortes e desenhos infantis ral, podemos ver o então secretário de segurança pública José Tavares em pé, em um trator, numa negociação acirrada com professores e alunos de Arquitetura da Universidade Estadual de Londrina, comandados por Marcos Barnabé, em uma tentativa frustrada de convencer a todos que o melhor era destruir a edificação que se tornara, de certa forma, um arquivo do “lado B” da nossa cidade. TRANSFORMAÇÃO Inevitável questionar os funcionários se alguém, mais sensível (ou sensitivo, como preferem alguns) teria passado mal devido ao histórico de sofrimento do local. “Alguns passam mal, dizem que sentem coisas estranhas, mas a maioria vem com uma imensa curiosidade e acaba se encantando com o que vê”, admite a técnica de atividades Yuka Toyama Borges, transferida do Sesc Londrina para o novo espaço. “Aqui o sol continua ‘nascendo quadrado’ [as grades originais foram mantidas nas janelas], mas há vida neste espaço e, hoje, podemos dizer que respiramos cultura neste lugar”, atesta. A parte triste da história oficial também foi preservada: duas celas muito simbólicas foram mantidas no térreo. Nas paredes, entre recortes de revistas pornográficas, destacam-se desenhos coloridos de personagens infantis – talvez uma tentativa meio distorcida de se preservar, de algum modo, uma infância perdida ou ‘Aquele lugar é assombrado’ Com a simplicidade e generosidade das pessoas comuns que já viram muitas coisas no decorrer da própria história, a comerciante Maria Ionice Ribeiro, a Xuxa, de 60 anos, tem opinião própria e uma visão muito particular do novo espaço cultural que durante 50 anos foi uma cadeia. Há mais de 20 anos à frente do “Bar da Xuxa”, localizado diante da entrada principal da 10ª Subdivisão Policial (ao lado do antigo “Cadeião”), ela acabou sendo testemunha ocular de muitas tragédias. Da parte de dentro do balcão do bar, onde na parede ao fundo se vê uma estampa de Nossa Senhora de Fátima, uma placa de metal com o nome do bar e um grande quadro sobre as benfeitorias que o Major Pimpão fez em prol de Londrina durante a sua rápida passagem como prefeito (em 1943), dado por um amigo advogado, ela abre o jogo e remexe em suas memórias: “‘Fia’, vou te falar uma coisa. Isso aqui, para mim, era muito melhor quando a cadeia funcionava. O meu bar vivia cheio e atendia até de madrugada”, conta. Com a desativação da cadeia e transferência dos presos, a partir de 1990, gradativamente os negócios começaram a ir mal e hoje ela fecha as portas antes do anoitecer com medo dos “maloqueiros”. “Antes não era assim não. O pessoal errado tinha medo de passar por aqui”, recorda. Acostumada a receber os funcionários da cadeia e familiares de presos em seu bar, na sua visão os problemas que aconteceram no Cadeião foram provocados pelos próprios presos. “Uma vez eles até colocaram fogo nos colchões. Era feio o negócio, mas não acredito que os policiais faziam maldades”, assegura. Pela proximidade com os funcionários, ela tinha a liberdade de “matar a curiosidade” quando algo mais grave acontecia. “Cheguei a ver um preso que se matou enforcado na cozinha e essa cena não me sai da cabeça”, pontua, acrescentando que até mesmo no Instituto Médico Legal chegou a ter trânsito livre para ver como é a “cor da carne humana”. Ainda sem ter coragem de colocar os pés além do hall de entrada do novo Cadeião, ela admite que o lugar ficou bonito, mas que não consegue dar conta das suas lembranças. A última vez que entrou lá foi em 2002, para assistir à peça “Apocalipse 1,11”, do grupo Teatro da Vertigem (São Paulo), durante o Festival Internacional de Teatro (Filo). E ficou chocada com as cenas de sexo explícito e repressão policial, já que a montagem fazia referência aos 111 mortos do Carandiru, ocorrido em 1992. “Aquele lugar (Cadeião) é assombrado. Tem muita gente ali que morreu antes da hora e acredito que o espírito fica vagando por lá”, sentencia. Ela mesma diz ter visto “uma pessoa de branco” quando, durante a reforma, foi lá dar uma “espiada” no que estava acontecendo. “O pessoal que trabalhava lá também diz que viu ou sentiu muita coisa, não sei não...”, comenta, ressabiada. (A.P.N.) Fruto de um investimento de quase R$ 4 milhões, reforma manteve a estrutura original da década de 40; tijolos à vista marcam a tentativa de destruí-lo na década de 90 uma certa inocência diante de um cotidiano repleto de horrores. “Nós recebemos, após a inauguração, a visita de um ex-detento, que chegou a ser preso nove vezes aqui. Ele contou que fez questão de vir conhecer o prédio após a reforma e saiu emocionado e satisfeito com a transformação daqui”, acrescenta Yuka, sem saber, infelizmente, o nome do egresso. PARA TODAS AS ARTES Além do “Espaço Memória”, onde estão as celas preservadas, o que se observa é uma série de detalhes minuciosos em prol da cultura. No pátio, onde antes os encarcerados tomavam banho de sol, hoje há um café cultural, o CaféEscola Senac, que serve cafés gourmet e quitutes saborosos. Como uma espécie de solário, o telhado de vidro com película especial retém uma boa parte do calor e permite que o ambiente seja invadido com uma luz natural, que até beneficia a observação das obras de arte disponíveis na galeria montada no local (até o dia 31 está em exposição a mostra fotográfica “Incrível como um distúrbio afeta a credibilidade”, de Rogerio Ghomes). Um mezanino é uma novidade bem-vinda no espaço e sofás confortáveis compõem o ambiente propício para o lançamento de livros e atividades afins. No andar de cima, as anti- Pátio onde os encarcerados tomavam banho de sol hoje abriga um acolhedor café-escola gas celas viraram salas de aula e semanalmente são oferecidos para crianças cursos gratuitos ligados à arte-educação, como música e teatro. Na Sala de Espetáculo, é possível assistir a peças teatrais e à programação do CineSesc (sus- Dona do bar em frente à delegacia há mais de 20 anos, dona Xuxa não tem coragem de entrar no prédio restaurado: “Tem muita gente ali que morreu antes da hora” pensa temporariamente por problemas técnicos). Além disso, na Sala de Leitura, o cliente Sesc tem à disposição, para consulta local e empréstimo, aproximadamente 3 mil títulos, além de textos em dramaturgia e um banco de partituras. Já a Sala de Ensaio serve para a realização de ensaios artísticos, cursos e workshops. No Espaço Conexão, internet livre, oficinas dinâmicas e curso de introdução à informática. Veja vídeo www.folhaweb.com.br SERVIÇO Sesc Cadeião Cultural Onde – R. Sergipe, 52 Informações - (43) 3572-7700 e www.sescpr.com.br