Poder e estigmatização em um modelo organizacional
Marcos Aurelio Schemberger
Centro de Desportos e Recreação
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Os diversos modelos organizacionais utilizados na administração esportiva e
eventos são alinhavados por diferentes setores administrativos. Desde o modelo
organizacional olímpico até a atividades desenvolvidas em escolas, clubes e associações
sofrem a interferência e o inter-relacionamento humano do poder e da estigmatização. O
que será apresentado, será um estudo de caso de um evento esportivo realizado no Estado
do Paraná, os Jogos Mundiais da Natureza1.
Uma abordagem sobre os diferentes grupos que fizeram parte da organização do
evento conforme seus níveis e constantes estruturais levando em consideração os conceitos
de interdependência, configuração, poder e a relação de estabelecidos e outsiders seguindo
os escritos de Elias.
Como noção de interdependência, Elias estabelece que os homens além das relações
de produção desenvolvem uma cadeia multidiversificada, onde nos fazemos parte uns dos
outros em processo constante de mudanças, à medida que as sociedades se tornam cada vez
mais diferenciadas e estratificadas2. Neste sentido não podemos considerar o “eu” agindo
de uma forma autônoma, mas sendo necessário interagir com o “nós” como forma de
ligação na rede das relações sociais.
Pode-se entender que as pessoas vivem as mais variadas formas de
interdependência, as figurações sociais formadas pelos indivíduos, interna e externamente,
estabelecem as configurações sociais móveis a um determinado grupo. Estes estão sempre
em fluxo, em processos de mudança e transformações, algumas rápidas, outras mais
duradouras, mas ambas definem a balança do poder entre os indivíduos e grupos que
compõem as configurações sociais, possibilitando as mais variadas formas de interações
sociais, tendo o poder como elemento fundamental de qualquer configuração.
O poder deve ser constituído como um elemento integral de todas as relações
humanas3. Não podemos considerar o poder como componente das relações humanas no
sentido fragmentado, mas considerá-lo como equilíbrio entre as diferentes classes sociais,
ou seja, a balança do poder é variada de acordo com as ações desenvolvidas, sem
dicotomizar os autores e os atores, podendo ser bi ou multipolar variando com a situação
proposta.
Quanto ao relacionamento de estabelecidos e outsiders4, os primeiros consideram-se
individualmente ou seu grupo constituído com características humanas superiores,
mantendo suas vantagens sociais, excluindo de seu meio o outro grupo. Os outsiders são
considerados inferiores, não fazem parte de regras e normas aplicadas pelo grupo
estabelecido. Pode-se considerar a exclusão e a estigmatização como ferramentas para o
preconceito do grupo estabelecido sobre o outsider. Neste sentido, a estigmatização passa a
1
Evento esportivo realizado de 27 de setembro a 05 de outubro de 1997 na Costa Oeste do Paraná.
Elias, N. Introdução à sociologia. 1ª ed. Lisboa: Edições 70, 1980. P. 174.
3
Ibid, p. 80.
4
Elias, N e Scotson, J.L. Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma
pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
2
ser considerado como um instrumento de monopolização e oportunização do poder à classe
estabelecida.
A criação de um equilíbrio instável do poder pode ser atribuído ao grupo
estabelecido, passando a estigmatizar o grupo outsider de forma que o estigma social
aplicado a eles, passa a penetrar em sua auto-imagem, aceitando ou assimilando as
interferências negativas impostas ao grupo outsider pelo grupo estabelecido. Uma das
diferenças atribuídas aos dois grupos é a coesão, mais integrada aos estabelecidos. A
estigmatização, portanto, pode surtir um efeito paralisante nos grupos de menor poder.
Como forma de demonstrar os instrumentos do poder e da estigmatização em
grupos de diferentes configurações, abordar-se-á as ações organizacionais, administrativas
e operacionais decorrentes durante o período de planificação e execução dos Jogos
Mundiais da Natureza, onde quatro grupos distintos obtinham as funções esportivas acima
abordadas na execução do projeto final.
A administração dos jogos estava situada em quatro diferentes grupos: a consultoria
espanhola, o comitê por meio de suas coordenadorias, as federações especializadas e as
unidades territoriais, em cada uma delas existia a ligação direta com o poder.
A consultoria espanhola foi responsável pela elaboração do projeto, preocupada
com seu “know-how” internacional, mantinha um acompanhamento e cobranças dos
demais segmentos, pois o sucesso de seu projeto, dependia das interdependências
operacionais e administrativas dos demais grupos.
O comitê e suas coordenadorias administravam todo o projeto, cobravam a
consultoria por propostas apresentadas, mantinha um contato direto com as federações
especializadas e forneciam subsídios as unidades territoriais das possíveis necessidades
operacionais no desenvolvimento dos jogos.
Os diretores de modalidades, representantes das federações especializadas,
conforme o projeto estavam responsáveis pelo desenvolvimento técnico da prova, sempre
cobrados pelas suas ações e ao mesmo tempo exigindo o cumprimento do cronograma
proposto.
As unidades territoriais por meio de suas equipes, atendiam as solicitações
realizadas pelos mais diversos segmentos envolvidos, estavam sempre disponíveis no
sentido de auxílio aos jogos, mas em contra partida, eram os que menos informações
obtinham.
Mesmo com o desempenho de papeis importantes e necessários nas relações entre
os grupos que trabalhavam para um mesmo fim, pode-se observar variantes de poder nas
funções designadas a cada grupo.
Observa-se algumas, senão várias constantes estruturais entre os grupos
enumerados: a diferença de nacionalidade, a superioridade de conhecimento do objeto a ser
desenvolvido, a diferença de habitus esportivo e cultural, diferença sociológica regional,
dentre outros pontos.
Neste sentido, Elias cita:
“ A estigmatização, portanto, pode surtir um efeito paralisante nos grupos de
menor poder. Embora sejam necessárias outras fontes de superioridade de forças para
manter a capacidade de estigmatizar, esta última, por si só, é uma arma nada
insignificante nas tensões e conflitos ligados ao equilíbrio de poder. Por algum tempo, ela
pode entravar a capacidade de retaliação dos grupos dotados de uma parcela menor de
poder, bem como sua capacidade de mobilizar as fontes de poder que estejam a seu
alcance. Pode até a ajudar a perpetuar, durante algum tempo, a primazia de status de um
grupo cuja superioridade de poder já tenha diminuído ou desaparecido5”.
Esta estigmatização poderia variar entre os quatro grupos, pois em cada momento
um deles obtinha o poder sobre os demais, obedecendo as suas atribuições de importância
no desenvolvimento do projeto. A necessidade da interdependência não era esquecida e as
variáveis operacionais que necessitavam de ajuda mútua entre os envolvidos se realizavam
existindo neste momento um equilíbrio de poder entre eles. Mas provavelmente após esta
troca mútua de informações e favores, ocorria novamente o desequilíbrio do poder em favor
do melhor estabelecido.
A diferenciação entre os grupos foi uma tônica constante no decorrer do projeto,
principalmente quando da aproximação do período de realização dos jogos.
O grupo estabelecido poderia ser uma coordenadoria do comitê, atuando com maior
propriedade sobre um grupo de unidade territorial, mas ao mesmo tempo esta
coordenadoria passaria a ser outsider perante determinantes atribuído a consultoria.
Neste sentido Elias cita:
“ Muitas questões diferentes podem expor às claras as tensões e conflitos entre
estabelecidos e outsiders. No fundo, porém, todas são lutas para modificar o equilíbrio do
poder, como tal, podem ir desde os cabos –de- guerra silenciosos que se ocultam sob a
cooperação rotineira entre os dois grupos, num contexto de desigualdade instituídas, até
as lutas francas pela mudança do quadro institucional que encarna esses diferenciais de
poder e as desigualdades que lhes são concomitantes. Seja qual for o caso, os grupos
outsiders (enquanto permanecem totalmente intimidados) exercem pressões tácitas ou
agem abertamente no sentido de reduzir os diferenciais de poder responsáveis por sua
situação interior, ao passo que os grupos estabelecidos fazem a mesma coisa em prol da
preservação e aumento desses diferenciais6”.
Estas ações em grupos ficaram evidenciadas quando do início das atividades
esportivas, onde a equipe descentralizada do comitê passou a desenvolver suas tarefas
juntamente com os coordenadores das unidades territoriais, principalmente na resolução de
percalços operacionais e estruturais, quando os de maior propensão de outsider, passavam a
função de estabelecido na execução e soluções dos problemas, neste momento pode-se
notar um equilíbrio instável do poder devido às tensões inerentes no processo em
operacionalização.
Durante o desenvolvimento do projeto esportivo apresentado ficou evidenciado por
diversas vezes o processo constante de descentralização das ações que automaticamente
surgia entre os grupos e indivíduos incorporados no sistema com um sentimento de
responsabilidade na execução das ações imediatamente necessárias. Fatores como a divisão
e estimulo, a cooperação e a competição serviram como expressão naquele momento como
equilíbrio das tensões ora apresentadas.
Considerações Finais.
A apresentação dos conceitos e a exemplificação do caso esportivo quanto à ação
direta de indivíduos ou grupos na administração e organização de eventos, desde o nível
mais singular aos de maior complexidade teve como finalidade evidenciar uma reflexão
quanto à necessidade de avaliações anteriores à execução de projetos e sua execução.
5
6
Ibid. p. 27.
Ibid. p.37
A estigmatização e o poder estarão presentes quando no desenvolvimento de uma
proposta de organização com o envolvimento de diferentes grupos e indivíduos, voltados à
execução e operacionalização de um determinado objeto. A participação ou não destes
grupos deve ser considerada de forma à não comprometer o objetivo final da proposta a ser
desenvolvida.
Pode-se considerar que os diferentes grupos ou indivíduos envolvidos num contexto
organizativo dentro de suas particularidades e posições de ocupação, autonomia,
interdependências com os demais grupos e relacionamento, poderá em determinado
momento estar estabelecido e com poder e em outro tornar-se outsider.
Referências Bibliográficas:
Elias, N. Introdução à sociologia. 1ª ed. Lisboa: Edições 70, 1980. P. 174.
Elias, N e Scotson, J.L. Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder
a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
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