A PAISAGEM (SOCIO)LINGUÍSTICA DA CIDADE DE JUIZ DE FORA/MG: O
ESTUDO DE UM AMBIENTE PLURILÍNGUE EM TEMPO REAL
THE (SOCIO)LINGUISTIC LANDSCAPE IN THE CITY OF JUIZ DE
FORA/BRAZIL: THE STUDY OF A MULTILINGUAL ENVIRONMENT IN REAL
TIME
Mariana Schuchter Soares 1
Universidade Federal de Juiz de Fora
Ana Claudia Peters Salgado
Universidade Federal de Juiz de Fora 2
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo descrever e analisar a paisagem linguística
(SHOHAMY & GORTER, 2009; SHOHAMY, BEN-RAFAEL & BARNI, 2010) em tempo real da
cidade de Juiz de Fora/MG, onde uma diversidade de línguas coexistem e estão em constante
interação. Consideramos, no entanto, que uma paisagem linguística é também uma paisagem social,
formada não apenas por recursos linguísticos visua is dispostos em não-lugares, mas também por
pessoas, que participam de interações a todo o tempo com falantes de outras línguas/variedades, e suas
relações. Isso quer dizer que, em uma cidade que recebe intercambistas de quarenta e cinco países pela
Universidade Federal de Juiz de Fora, bem como envia em torno de trezentos alunos para o exterior
por ano (e os recebe de volta, influenciados por outras línguas/culturas), em cujo espaço há vários
estabelecimentos comerciais de coreanos, chineses, japoneses e sírio-libaneses, entre outras
nacionalidades, e em que as pichações têm grande influência especialmente da língua inglesa, os
contatos linguísticos parecem estar acontecendo de forma muito mais dinâmica do que nos séculos
passados. Nesse sentido, nosso interesse é não só olhar para a complexidade dessa sociedade urbana,
mas também para o processo a partir do qual a coletividade juizforana tem se organizado em termos de
língua e cultura. Buscamos, ainda, contrastar a presente paisagem àquela que emergiu dos movimentos
migratórios do século XIX – os quais deixaram marcas no português local, especialmente da língua
bantu (CUNHA LACERDA, 2009) –, discutindo se essa nova realidade, muito mais dinâmica e
crescente em termos de contatos linguístico-culturais, pode favorecer variações na língua e na cultura
locais. Conforme acreditamos, essa dinâmica intercultural reflete, em grande medida, o que tem
ocorrido em outras partes do Brasil e do mundo, uma vez que há cada vez mais mudanças em termos
de organização espacial e, consequentemente, em termos de diversidade de repertórios comunicativos.
PALAVRAS-CHAVE: superdiversidade. Paisagem sociolinguística. Contatos linguístico-culturais.
ABSTRACT: This work aims to describe and analyse the linguistic landscape (SHOHAMY &
GORTER, 2009; SHOHAMY, BEN-RAFAEL & BARNI, 2010) of the city of Juiz de
Fora/MG/Brazil, in real time, where a diversity of languages coexist and are in constant interaction.
We consider, however, that a linguistic landscape is also a social landscape, formed not only by visual
language resources exposed in non-places, but also by people – who participate in interactions all the
time with other languages/varieties speakers –, and their relationships. This means that in a city which
receives exchange students from forty-five countries by the Federal University of Juiz de Fora
1
2
Doutoranda do Programa de Pós -Graduação em Linguística da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
1
(Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF), as well as sends nearly three hundred students abroad
each year (and receive them back, influenced by other languages/cultures); where there are several
shops by Korean, Chinese, Japanese and Syrian-Lebanese people, among other nationalities; and
where the graffiti is specially influenced by the English language, the linguistic contacts seems to be
happening in a more dynamic way than in the last centuries. In this sense, our interest is to look to the
complexity of urban society, and also to the processes from which this community has been organized
in terms of language and culture. We also quest to contrast the present landscape to that one which
emerged from the migratory movements of the nineteenth century - which have left their mark on the
local Portuguese language, especially the Bantu language (CUNHA LACERDA, 2009) - discussing
whether this new, more dynamic and increasing reality in terms of linguistic and cultural contacts can
promote variations in language and in the local culture. As we believe, this intercultural dynamics
reflects largely what has happened in other parts of Brazil and the world, since there are more and
more changes in terms of spatial organization and, consequently, in terms of communicative
repertoires diversity.
KEYWORDS: Superdiversity. Sociolinguistic landscape. Cultural and linguistic contacts.
Introdução
O presente trabalho parte da ideia de que vivemos em uma era de superdiversidade,
considerando que novas combinações e interações de variáveis têm surgido nas últimas
décadas, ao redor do mundo, superando as formas como, muitas vezes, entendemos a
multiplicidade em contextos como o discurso público, debates sobre política e a própria
literatura acadêmica (VERTOVEC, 2006). Assim, múltiplas dimensões de diferenciação
caracterizam os padrões e condições de emergência social nos centros urbanos, e as
experiências, oportunidades e trajetórias dos recêm-chegados, em conjunto com as relações
sociais e econômicas que acabam subisistindo nos locais onde antes residiam – já que,
geralmente, essas não mais se perdem como acontecia nos séculos passados, devido às
tecnologias de comunicação – são moldadas por interações complexas. Essa situação se
reflete na concepção de migrante, que hoje se distingue não apenas em termos de
nacionalidade, etnia, língua e religião, mas também dos motivos, dos padrões e dos itinerários
de migração, dos processos de inserção nos mercados de trabalho e imobiliário das sociedades
de acolhimento, entre outras coisas (VERTOVEC, 2010).
Assim, conforme aponta Blommaert e Rampton (2011), não há mais uma
previsibilidade da categoria de migrante e de suas características socioculturais, uma vez que
o mundo está em um movimento constante de individualidades. O que queremos dizer é que
os migrantes, hoje em dia, não se movem necessariamente em um grande conjunto (tal como
aconteceu com os 1.162 alemães, austríacos e dinamarqueses que vieram para Juiz de
2
Fora/MG, no século XIX, correspondendo a mais de 20% da população total da cidade), não
são mais uma “massa” que se junta à outra e “domina” ou é “dominada”, mas indivíduos que,
muitas vezes, buscam suas experiências individuais e/ou familiares em outros espaços, por
motivos diversos.
Uma vez que falamos aqui de superdiversidade e, consequentemente, de pluralidade
linguística, Otsuji & Pennycook (2014) a discutem em um espaço urbano (Metrolingualism)
pela perspectiva dos repertórios espaciais que ali se dispõem (spatial repertoires) e pela
situação das múltiplas tarefas impostas aos sujeitos (multitasking) pela vida de hoje. A ideia é
que coexistam quantas línguas forem necessárias a um mesmo espaço, superando as possíveis
restrições de uso e/ou os domínios específicos. Conforme defendem esses autores:
[...] o termo metrolinguismo se origina por extensão da noção de
metroetnicidade (MAHER, 2005, 2010) e se refere às condições linguísticas
criativas que atravessam espaços e fronteiras de cultura, história e política,
como um caminho que se move para além de termos tais como
multilinguismo e multiculturalismo (OTSUJI & PENNYCOOK, 2010, p.
244, tradução nossa).3
Ainda de acordo com Shohamy, Ben-Rafael e Barni (2010, p. 1), de forma cada vez
mais crescente, as cidades têm se tornado lugares onde diferentes culturas, línguas e
identidades interagem. Assim, mesmo comunidades que já são formadas por imigrantes e seus
descendentes estão adicionando novos elementos de plurilinguismo ao que já é uma situação
de diversidade (ou superdiversidade, nos termos de Vertovec (2006, 2010)).
Conforme acreditamos,
a
crescente e
incessante
mobilidade social altera
constantemente as paisagens linguísticas (SHOHAMY & GORTER, 2009; SHOHAMY,
BEN-RAFAEL & BARNI, 2010) dos contextos em que estão circunscritas. Para Shohamy e
Gorter (2009, p. 1), ao mesmo tempo em que uma língua é utilizada por pessoas para falar ou
para ouvir, essa também pode ser representada e revelada em diferentes lugares e de
diferentes formas, algumas vezes por razões funcionais e outras por propósitos simbólicos. Os
recursos linguísticos que estão inseridos em qualquer espaço relacionam-se diretamente às
pessoas, uma vez que são elas quem os produzem e escolhem caminhos para usá-los.
3
We draw first of all on an understanding of metro lingualism, a term orig inally developed by extending the
notion of metroethnicity (Maher 2005, 2010) to refer to ‘creative linguistic conditions across space and borders
of culture, history and politics, as a way to move beyond current terms such as multilingualis m and
mu lticulturalism’ (OTSUJI & PENNYCOOK, 2010, p. 244, co mo no original).
3
Uma aproximação que fazemos dos conceitos apresentados e do contexto do nosso
estudo, a cidade de Juiz de Fora/MG, leva- nos a propor o conceito de “paisagem
sociolinguística”, a fim de vislumbrarmos não só as línguas que estão visualmente presentes
na cidade, mas também as condições linguísticas relacionadas à história, à cultura e à política,
mas esbarram na falsa ideia de espaço monolíngue. Destacamos assim, a perspectiva social do
termo, considerando que uma paisagem linguística é também uma paisagem sócio-histórica e
cultural, formada não apenas por recursos linguísticos dispostos em não- lugares, mas também
por pessoas – que participam de interações a todo tempo com outros falantes (inclusive de
outras variedades), têm suas próprias experiências, vivências, histórias, motivações e
objetivos, bem como suas próprias redes sociais locais e translocais. A paisagem, então, deve
ser entendida como um conjunto de todos esses elementos, que subjazem e podem constituir
um meio ambiente propício a variações.
Dessa forma, a fim de discutirmos alguns aspectos dessa sociedade complexa em que
estamos inseridos, buscamos exemplos da paisagem sociolinguística da cidade em questão, de
forma a mostrar como os padrões dos contatos linguístico-culturais dos séculos passados
parecem ter sido dissolvidos pelos resultados da mobilidade. Isso porque os indivíduos,
imigrantes e locais, não fazem mais parte de uma ou duas redes sociais, mas de uma
diversidade e de um emaranhado delas, de redes que se entrecruzam nos espaços físicos e/ou
no ciberespaço.
Assim, neste primeiro momento, analisaremos amostras de repertórios espaciais
(OTSUJI & PENNYCOOK, 2014) da cidade em questão, em que estão incluídos desde
recursos do português (língua oficial da região), do inglês (muito presente nesse contexto,
inclusive na forma do lookalike language (BLOMMAERT, 2012)), do árabe, do hebraico, do
chinês, do japonês, entre outras variedades. Portanto, o que nos cabe é dar visibilidade à atual
paisagem sociolinguística da cidade e, através de uma pesquisa qualitativa, produzir uma
verdade dentre tantas outras possíveis.
1.
As mudanças nos padrões migratórios de Juiz de Fora
Com o desenvolvimento de uma dissertação de mestrado intitulada Lieb heimatland,
ade!: o apagamento dos traços língua-cultura-identidade alemães em Juiz de Fora e a
4
hegemonia da língua portuguesa (SOARES, 2013), tivemos as primeiras compreensões sobre
questões de imigração em Juiz de Fora, no século XIX, e suas implicações linguísticoculturais.
Assim, a cidade, localizada no estado de Minas Gerais, abrigou indivíduos originários
de diversas partes do mundo. Primeiramente, a região recebeu uma enorme população escrava
africana (em sua maioria, do agrupamento linguístico/cultural bantu), trazida através do
tráfico negreiro, a partir do ano de 1870, para o desenvolvimento da produção cafeeira
(CUNHA LACERDA, 2009). Já os italianos vieram por volta do ano de 1880, justamente
para suprir as necessidades de livre mão de obra (GAIO, 2013). Além disso, os alemães,
austríacos, dinamarqueses e holandeses também emigraram de sua terra natal, a fim de
formarem uma colônia agrícola e/ou trabalharem na construção da Estrada União e Indústria,
no ano de 1858, estabelecendo-se na colônia D. Pedro II (SOARES, 2013). No entanto, apesar
desse fluxo migratório, conforme demonstramos em Soares (2013), houve a manutenção da
língua portuguesa na cidade de Juiz de Fora e a perda das variedades de língua alemã, devido
a diversos fatores ecológicos, dentre os quais está a hegemonia da língua portuguesa – eleita
como “língua brasileira” desde os tempos remotos, o que tende a sufocar a autonomia dos
falantes de outras línguas. Naquela época, com os conflitos mundiais e com a crescente tensão
entre os interesses da nação hegemônica e das sociedades minoritárias que conviviam no
mesmo território, as variedades de língua alemã se perderam, sem que exercessem influências
significativas no “português da Vila de Santo Antônio do Paraibuna” (hoje, o português
juizforano).
Os movimentos migratórios, naquela época, aconteceram com o intuito de suprir as
necessidades de mão de obra na cidade (bem como de fugir de problemas encontrados na terra
natal dos emigrados), que estava em franco desenvolvimento. Nos dias atuais, pode-se dizer
que a economia da região gira em torno, principalmente, do contingente populacional e
turístico atraído pela Universidade Federal de Juiz de Fora, fundada no ano de 1960. De
acordo com o professor do Departamento de História da UFJF, Marcos Olender, em entrevista
ao jornal Tribuna de Minas 4 , em 27 de abril de 2012, “temos uma nova leva de visitantes de
outras nacionalidades que se estabelecem temporariamente aqui [em Juiz de Fora],
4
Disponível em: http://www.tribunademinas.com.br/cidade/jf-e-segunda-de-mg-em-nu mero-de-imigrantes1.1082427. Acesso em: 25 nov. 2013.
5
principalmente vinculados a programas de intercâmbio.” A UFJF contava, na época, com
cerca de 120 alunos estrangeiros, sendo muitos europeus e africanos.
Assim, podemos dizer que principalmente (e não somente, conforme demonstraremos
ao longo da pesquisa) o fator UFJF tem estabelecido novos padrões migratórios na cidade,
uma vez que a instituição recebe: (i) estudantes de diversos lugares do mundo, tais como
África, Coréia, Japão, Espanha, Alemanha, Argentina etc. em intercâmbio; (ii) alunos
estrangeiros que se estabelecem como refugiados políticos; (iii) alunos que vêm de outras
cidades e estados com diferentes falares; (iv) professores de diferentes origens que vêm
participar de projetos ou para atuarem como docentes permanentes; (v) funcionários
aprovados em concursos, com diferentes culturas etc.
Segundo Carla Visentin, coordenadora do Programa de Estudantes-Convênio de
Graduação (PEC-G), da Diretoria de Relações Internacionais da UFJF, a maior parte dos
alunos intercambistas é de africanos, mas há pessoas de 57 instituições, de 45 países e de 07
continentes. A cultura africana está tão presente na cidade que todos os anos é realizada a
“Festa África”. Em junho de 2014, a festa chegou à sua 16ª edição, como mostra a Figura (1):
Figura (1): Panfleto da XVIª Festa África, em Juiz de Fora
Assim, o que encontramos na cidade, atualmente, é uma diversidade de repertórios e
de culturas convivendo e, possivelmente, influenciando-se mutuamente.
6
2.
O que encontramos, hoje, na paisagem sociolinguística de Juiz de Fora/MG em
termos de repertórios espaciais?
Atualmente, há uma diversidade muito maior de línguas em contato na cidade. Essa
recebe intercambistas de quarenta e cinco países pela Universidade Federal de Juiz de Fora,
bem como envia em torno de trezentos alunos para o exterior por ano (e os recebe de volta,
influenciados por outras línguas/culturas), abriga vários estabelecimentos comerciais de
coreanos, chineses, japoneses e sírio-libaneses, entre outras nacionalidades, e apresenta
pichações com grande influência especialmente da língua inglesa. O que parece é que os
contatos linguísticos estão acontecendo de forma muito mais dinâmica e frequente do que nos
séculos passados.
Para mostrarmos um pouco das práticas linguísticas das quais falamos, selecionamos
algumas fotografias da cidade de Juiz de Fora/MG, tiradas neste ano de 2014, pela
pesquisadora e por colaboradores, com o intuito de discutirmos alguns usos e circunstâncias
de uso de diferentes línguas. A verdade é que muitas variedades estão presentes nos espaços
públicos, tais como o português (língua oficial da região), o árabe, o alemão, o francês, o
hebraico, o grego, o inglês, o lookalike language (BLOMMAERT, 2012), o italiano, o
japonês, o chinês, entre outras.
Mostraremos aqui algumas dessas fotografias que representam a primeira fase desta
pesquisa. Buscamos, com isso, corroborar que a ideia de uma nação monolíngue (e, nesse
caso, de uma cidade monolíngue) não é verdadeira. Estamos em um ambiente plurilíngue e
multicultural, e essa realidade reflete o que acontece atualmente no Brasil e, possivelmente,
em todo o mundo.
A figura (2), apresentada a seguir, foi coletada no Bairro São Pedro, Zona Oeste da
cidade em questão:
7
Figura (2): pichação no Bairro São Pedro, Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
O sentença “I love quebrada” constitui uma mistura de códigos linguísticos que
apontam para um significado social, pichada em um muro da Região Oeste da cidade. A
palavra “quebrada”, do português não padrão, pode significar, na linguagem do público
jovem, “território” ou “noite de diversão”. Essa mistura mostra que os pichadores da
localidade manifestam certo grau de bilingualidade 5 . Outro exemplo de pichação bilíngue é a
figura (3), a seguir:
Figura (3): pichação na Rua Padre Café, Bairro São Mateus, Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Oliveira (2014)
Neste caso, vemos três expressões: “chefs”, que remete a “cozinheiros-chefes” em
inglês ou “chefes” em francês; “gordo crew”, em que “crew” significa “tripulação”; e
“charge”, que pode ser “carga” em inglês, ou em português pode remeter a um estilo de
ilustração voltada para a sátira. Nos três casos, o que vemos é uma combinação de signos com
5
Para Savedra (2009), bilinguismo é a situação social na qual duas ou mais línguas estão em contato e
bilingualidade é a expressão individual do bilinguismo. Esses conceitos permitem considerar que cada indivíduo
apresenta seu próprio grau de bilingualidade, esse que é mutável e dinâmico de acordo com as situações de
bilinguismo que lhe são apres entadas (SALGADO, 2008, p. 27). Isso quer dizer que a man ifestação da
bilingualidade está diretamente relacionada às necessidades que insurgem dos contextos de interação).
8
significados que podem remeter a diferentes conceituações/entendimentos em português,
francês e/ou inglês.
Há muitas outras ocorrências de pichações, nomes de lojas e prédios em língua
inglesa, nesse e em outros bairros. A lookalike language (BLOMMAERT, 2012) também está
presente, demonstrando o quanto os usos de recursos linguísticos são diversos, tal como se
pode verificar na figura (4), coletada no Bairro Nova Era, Zona Norte da cidade:
Figura (4): Rua Salvador Del Ducca, Bairro Nova Era, Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
Neste caso, a grafia é reproduzida quase como a palavra é falada na região /Ra’uze/,
com influências do português, no lugar do inglês padrão /hɑʊs/ “house”. A influência da
língua local é clara neste contexto. O mesmo acontece na figura (5), coletada na Av. JK, Zona
Norte da cidade:
Figura (5): Propaganda de um showroom na Av. JK, Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
9
Neste caso, o fonema /R/ foi reproduzido no lugar de /r/, tal como a palavra
“showroom” é pronunciada na região, com influência fonética do português. Outro exemplo é
a figura (6), apresentada a seguir:
Figura (6): Lanchonete móvel em um cruzamento da Av. Brasil, Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Peters (2014)
Neste caso, a palavra “trailer” (utilizada com sentido de “hot dog stand”) foi passada
para “treilher”, com influências claras do português. O termo, também já encontrado com a
grafia “treiller” na cidade (com “l” duplo, recurso não usual no português), é um pequeno
estabelecimento comercial que vende lanches. O som /eι/ do inglês foi literalmente
reproduzido pelas vogais “ei” do português, ao mesmo tempo em que a letra [l] passou a /λ/.
Outras línguas também são facilmente encontradas pela cidade. Um exemplo é a
figura (7), a seguir, em que se pode verificar a presença do árabe:
Figura (7): Nome de um prédio na Rua Delfim Moreira, Zona Sul de Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
10
O prédio foi construído recentemente e o nome em destaque foi escrito com recursos
do árabe, o que pode sugerir que os falantes tenham a variedade como grande parte de seu
repertório comunicativo, ou que a língua tenha forte valor identitário. Abaixo foi colocada a
sua tradução para o português, em letras menores, como um tipo de legenda.
A figura (8), por sua vez, mostra o uso do chinês na região central da cidade:
Figura (8): Nome de uma loja na Av. Getúlio Vargas, Centro, Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
O termo “xiang ai” (cuja tradução é “querer amar”) foi utilizado em destaque na placa.
Não há qualquer especificação do serviço prestado ou do que é vendido no estabelecimento
comercial, em qualquer outra língua. Há apenas alguns desenhos (de malas e bolsas), mas
para um falante do português (ou de outra variedade) não fica claro se o objetivo é venda de
bolsas ou conserto de bolsas, por exemplo, nem se a loja trabalha com outros produtos. Isso
pode sugerir que o falante (no caso, o proprietário da loja) tem seu repertório comunicativo
formado principalmente por recursos do chinês, uma vez que nem ao menos se pensou na
possibilidade de falha comunicativa com o público alvo (em grande parte, falantes de outras
variedades).
A figura (9), a seguir, mostra a presença do francês na cidade:
11
Figura (9): Nome de uma loja na Av. Presidente Itamar Franco, Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
A loja em questão utiliza como nome um empréstimo do francês. No entanto, não
foram colocados os acentos da palavra conforme a ortografia padrão “élégance”, o que sugere
influências do português.
A figura (10), por sua vez, mostra também a presença do grego na cidade:
Figura (10): Nome de um curso na Rua Marília, Bairro Benfica, Zona Norte de JF
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
A palavra rhodes faz referência à maior das ilhas do Dodecaneso, situadas no Mar
Egeu, que integra o território administrado pela Grécia. Também é o nome de Rhode Island,
12
um estado norte-americano que possui uma das mais antigas e conhecidas universidades de
arte e design dos Estados Unidos – a Rhode Island School of Design –, fundada em 1877.
A figura (11), a seguir, mostra também a presença do hebraico na cidade:
Figura (11): Lanchonete na Rua Gen. Almerindo da Silva Gomes, Bairro Nova Era, Zona Norte
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
“Shekinah” é uma grafia modificada de “Shekhinah”, termo derivado do verbo
hebraico ‫שכן‬. A palavra faz alusão à “habitação” ou “moradia do Senhor”, e é usada com
frequência na Bíblia hebraica e também mencionada algumas vezes no alcorão.
A figura (12), a seguir, também mostra o uso do hebraico:
Figura (12): Salão de beleza na Rua Bento Gonçalves, Bairro Benfica, Zona Norte de JF
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
13
Neste caso, o termo “baracho” deriva de “barak”, cujo significado é “benção”. O nome
do salão de beleza vem do sobrenome de uma família que reside na cidade.
A figura (13), por sua vez, mostra a presença do alemão na cidade:
Figura (13): Placa de uma loja de materiais de construção,
rua Bernardo Mascarenhas, Bairro Fábrica, Juiz de Fora
Fonte: fotografia tirada por Soares (2014)
O termo “zimmermann” aparece em uma propaganda de uma loja de materiais de
construção. Além de significar “carpinteiro” em português, também é o sobrenome de uma
família que reside na região.
Além dessas, até o momento da pesquisa, temos quase 100 fotos que mostram recursos
de variedades linguísticas que não do português na cidade em questão.
Considerações finais
Conforme percebemos nessa primeira fase da pesquisa, diferentes recursos linguísticos
estão dispostos pela cidade de Juiz de Fora, nos espaços p úblicos. Essas variedades de língua,
impossíveis de serem quantificadas devido à superdiversidade, convivem no mesmo território,
apesar de possíveis limitações (as quais ainda estão sendo pesquisadas).
Assim, propomos o termo paisagem sociolinguística, uma vez que consideramos não
somente as línguas que estão visualmente presentes na cidade, mas também as condições
relacionadas à história, à cultura e à política. Isso quer dizer que, para que diferentes recursos
de diferentes variedades linguísticas coexistissem na cidade, foi preciso todo um movimento
sócio-histórico-cultural que possibilitasse o estabelecimento deste meio ambiente tão diverso.
14
Além disso, os recursos linguísticos que vemos pelos não- lugares estão relacionados a
pessoas de diferentes origens, com diferentes histórias e motivações, e que participam de
interações a todo tempo com outros falantes (inclusive de outras variedades), que se
estabeleceram ou passaram pela região. Isso significa que a paisagem é também social, uma
vez que aciona e relaciona diferentes redes.
Buscaremos, assim, ao longo desta pesquisa, não apenas registrar a língua em
fotografias e analisá-las, mas também a realização de entrevistas para descobrirmos as
motivações e os objetivos dessas pessoas cujas origens são diversas. Dessa forma,
conheceremos não apenas a paisagem linguística (SHOHAMY & GORTER, 2009; SHOHAMY,
BEN-RAFAEL & BARNI, 2010) da cidade, mas também a paisagem social que subjaz os usos
linguísticos.
Referências:
BLOMMAERT, J. and Rampton, B. Language and Superdiversity. Diversities, v. 13, n. 2,
UNESCO, 2011.
BLOMMAERT, J. Lookalike language. Englis h Today, Cambridge University Press, UK, v.
28, n. 2, 2012.
CUNHA LACERDA, P. F. A. da. A língua portuguesa em Juiz de Fora no século XIX:
uma investigação sócio- histórica do falar da Zona da Mata Mineira. Relatório (Pós-doutorado
em Estudos Linguísticos) - Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos - Faculdade
de Letras. Universidade Federal de Minas Gerais. 2009.
GAIO, M. M. Imigração italiana e m Juiz de Fora: manutenção e perda linguística em
perspectiva de representação. 2013. Dissertação de Mestrado em Estudos de Linguagem.
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2013.
OLIVEIRA, A. V. de. Pichação na Rua Padre Café, Bairro São Mateus. 2014. 1 foto:
color, digital.
PENNYCOOK, A. & OTSUJI, E. Metrolingual multitasking and spatial repertoires: ‘Pizza
mo two minutes coming”. Journal of Sociolinguistics, v. 18, n. 2, 2014. pp. 161–184.
PETERS, P. H. Lanchonete móvel em um cruzamento da Av. Brasil. 2014. 1 foto: color,
digital
SALGADO, A. C. P. Medidas de Bilingualidade: uma proposta. 2008. 140 f. Tese
(Doutorado em Letras) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, Rio
de Janeiro, 2008.
15
SAVEDRA, M. M. G. Bilinguismo e bilingualidade: uma nova proposta conceitual. In:
SALGADO, Ana Claudia Peters; BARRETO, Mônica Maria Guimarães Savedra (Orgs).
Sociolinguística no Brasil: uma contribuição dos estudos sobre línguas em/de contato. Rio
de Janeiro: 7Letras, 2009. P. 121-140.
SHOHAMY, E. & GORTER, D. (Org). Linguistic Landscape: expanding the scenery. New
York, USA: Routledge, 2009.
SHOHAMY, E.; BEN-RAFAEL, E. & BARNI, M. Linguistic Landscape in the city.
Bristol, UK: Multilingual Matters, 2010.
SOARES, M. S. Lanchonete na Rua Gen. Alme rindo da Silva Gomes, Bairro Nova Era,
Zona Norte de JF. 1 foto: color, digital.
SOARES, M. S. Lieb heimatland, ade!: o apagamento dos traços língua-cultura identidade
alemães em Juiz de Fora/MG e a hegemonia da língua portuguesa. 2013. 147 f. Dissertação
(Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, Juiz de Fora,
2013.
SOARES, M. S. Nome de um curso na Rua Marília, Bairro Benfica, Zona Norte de JF. 1
foto: color, digital.
SOARES, M. S. Nome de um pré dio na Rua Delfim Moreira, Zona Sul de Juiz de Fora. 1
foto: color, digital.
SOARES, M. S. Nome de uma loja na Av. Getúlio Vargas, Centro. 1 foto: color, digital.
SOARES, M. S. Pichação no Bairro São Pedro. 2014. 1 foto: color, digital.
SOARES, M. S. Placa de uma loja de mate riais de construção, Rua Bernardo
Mascarenhas, Bairro Fábrica. 1 foto: color, digital.
SOARES, M. S. Propaganda de um s howroom na Av. JK. 2014. 1 foto: color, digital.
SOARES, M. S. Rua Salvador Del Ducca, Bairro Nova Era. 2014. 1 foto: color, digital.
SOARES, M. S. Salão de beleza na Rua Bento Gonçalves, Bairro Benfica, Zona Norte de
JF. 1 foto: color, digital.
UFJF. África XXI: XVIª Festa África [panfleto desdobrável]. Juiz de Fora: UFJF, 2014.
VERTOVEC, S. Super-diversity. London & New York: Routledge, 2006.
16
Download

a paisagem (socio)linguística da cidade de juiz de fora/mg