1 APONTAMENTOS ACERCA DA IMPLEMENTAÇÃO DO SUAS: o caso do município de Juiz de Fora 1 Rodrigo de Souza Filho 2 Cláudia Mônica dos Santos 3 Maria Lúcia Duriguetto INTRODUÇÃO O presente trabalho expressa os primeiros resultados da pesquisa ANÁLISE DAS CONDIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E CULTURAIS E DA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) EM JUIZ DE FORA (período 2005-2008), realizada pelo Grupo de Pesquisa Serviço Social, Movimentos Sociais e Políticas Públicas da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (FSS/UFJF). A análise efetivada compreende que o Governo Lula, ao manter a política econômica neoliberal (Filgueiras e Gonçalves, 2007) e estruturar uma política de assistência social fundada em programas focalizados de transferência de renda, inviabiliza a democratização da assistência social prevista no SUAS. Dessa forma, nosso estudo analisou a estrutura de gestão da política de assistência social do município de Juiz de Fora, através de documentação e entrevista com o 1 Doutor. Universidade Federal de Juiz de Fora/Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] 2 Doutora. Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected] 3 Doutora. Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected] 2 responsável pelo planejamento do órgão executor da política, e verificou a intervenção das organizações da sociedade civil e dos assistentes sociais no processo de implementação do SUAS, identificando suas contribuições no sentido da afirmação da política de assistência social enquanto política pública de direito. A análise da intervenção das organizações da sociedade civil e dos assistentes sociais foi baseada em entrevistas realizadas com os representantes das instituições e com os profissionais que atuam na região da cidade onde foi implantado o primeiro CRAS do município (Região Leste). I – A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO GOVERNO LULA Conforme análise de especialistas (Filgueiras e Gonçalves, 2007), o Governo Lula tem mantido, no geral, a política econômica e social de FHC. Tal postura ratifica o compromisso com o ajuste fiscal e a manutenção do superávit primário, posicionando-se contra o princípio da universalidade no campo social, destacando a focalização nos grupos de menor renda como norteador das políticas sociais. Conforme Druck e Filgueiras (2007: 30), os gastos sociais que têm maior capacidade de impacto no combate às desigualdades e à pobreza, como saúde, educação, habitação e saneamento, perdem participação relativa no orçamento social. Nesse quadro, efetiva-se a tendência à privatização e assistencialização das políticas sociais, já esboçada por Mota (1995), no início da década de 1990, e atualizada para a conjuntura atual (Mota, 2008). No entanto, o processo de efetivação dessa tendência, no que se refere a expansão da política de assistência social, durante o governo Lula, permitiu que forças democráticas interviessem nesse contexto e elaborassem uma proposta que incorporava elementos democráticos previstos na Constituição Federal de 1988 (CF-1988) e na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Nesse sentido, consideramos que os aspectos mais significativos implementados pelo Governo Lula no campo da assistência social foram: o fim do Programa Comunidade Solidária e a rearticulação do Conselho Nacional de Assistência Social; a unificação dos programas de transferência de renda no denominado Bolsa Família; a centralização das ações da política de assistência social no Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); e, por fim, a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em setembro de 2004, consubstanciando as diretrizes da IV Conferência de Assistência 3 Social (PNAS), que teve como principal deliberação a implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Desses aspectos que consideramos efetivos avanços na área da assistência social, sem dúvida alguma, a PNAS, na perspectiva do SUAS e, em seguida, a aprovação de suas normas operacionais básicas (NOB-SUAS e NOB-RH), realizadas após um amplo processo de debate, via conselhos, define uma nova ordenação da gestão da assistência social como política pública. Essa nova ordenação reforça preceitos democratizadores contidos na LOAS. No entanto, a pedra angular da política de assistência social do governo Lula é a política de transferência de renda, principalmente a desenvolvida através do Programa Bolsa Família, que, apesar de ter tido o mérito de unificar e racionalizar as ações dispersas nessa área, o fez a partir de uma orientação tipicamente focalista, conformando um conteúdo classicamente neoliberal. Os gastos com a política de assistência social revelam a consolidação da tendência de tal constituir-se predominantemente nos programas de transferência de renda. Segundo dados apresentados por Behring (2009), entre 2006 e 2008, dos recursos do MDS, aproximadamente 90% foram destinados a esses programas. Nesse sentido, se por um lado a PNAS/SUAS representa um avanço democrático da concepção e do desenho institucional para a operacionalização da política de assistência social brasileira, por outro lado, esse avanço está subordinado à lógica neoliberal da política econômica e da estrutura efetiva da política de assistência social do Governo Lula, baseada nos programas de transferência de renda. Dessa forma, a PNAS/SUAS não possui condições objetivas para sua efetivação. Assim sendo, consideramos que a expressão da assistencialização das políticas sociais no campo assistencial realiza-se através dos Programas de Transferência de Renda, em especial do Programa Bolsa Família. Ou seja, a PNAS/SUAS sofre os mesmos constrangimentos relacionados à assistencialização e privatização que as demais políticas sociais sofrem, podendo, inclusive, servir a uma proposta antagônica à sua concepção. Nesse quadro, a implementação do SUAS nos municípios pode, de forma geral, caminhar em, pelo menos, dois sentidos, opostos entre si: reforço da dimensão democrática prevista na PNAS/SUAS ou, então, seguir como estratégia de controle e fiscalização dos critérios de elegibilidade e das condicionalidades previstas no PBF e consolidar o “pluralismo de bem-estar” na área, reiterando a assistencialização da assistência social. Tanto uma possibilidade quanto a outra sofrerão com a ausência de recursos, ratificando a precarização da política de assistência social. 4 Nesse sentido, a questão que se coloca é: quais as potencialidades da implementação do SUAS nos municípios em termos de sua gestão, da mobilização das organizações da sociedade civil e da intervenção profissional do assistente social? II - A ESTRUTURA DE GESTÃO DA POLÍTICA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE JUIZ DE FORA Embora a gestão da Política de Assistência Social de Juiz de Fora, no período 20052008, fosse de responsabilidade da Secretaria de Política Social – SPS, a coordenação e execução foi realizada pela Associação Municipal de Apoio Comunitário - AMAC. A AMAC se constitui como uma associação civil sem fins lucrativos, mas que tem atuado desde a sua criação, em 1984, na coordenação e execução de ações, programas e projetos na assistência social do município. Por isso, essa instituição possui um amplo leque de programas, projetos e serviços de assistência social. Dessa forma, a AMAC passou a ser o principal órgão responsável pelas demandas da assistência social no município, ficando, na gestão 2005-2008, como responsável pela coordenação e execução da política de assistência social de Juiz de Fora, oferecendo serviços de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade, no lugar da Secretaria de Política Social da Prefeitura Municipal, órgão a qual estava vinculada no período analisado. Ao observar as competências, a missão e o objetivo da AMAC, podemos observar e confirmar a natureza contraditória da mesma. Pois, ao mesmo tempo em que é uma associação sem fins lucrativos é ela quem tem a função de executar e coordenar a Política de Assistência Social no município e não a SPS. Essa natureza contraditória, mostra que a gestão da política de assistência social do município é frágil, na medida em que não se encontra sob responsabilidade direta do poder público, não efetivando uma estrutura burocrática estatal, o que pode vir a comprometer o andamento da implantação do SUAS no município, enquanto política pública democrática (Souza Filho, 2007). Em relação aos programas e projetos da AMAC, apesar deles constituírem uma rede da instituição e corresponderem aos níveis de proteção social previstos na NOB/SUAS, a organização institucional da entidade é departamentalizada por faixa etária. Portanto, do ponto de vista da gestão, a organização da AMAC não potencializa a lógica da proteção social prevista no SUAS. 5 Outro aspecto a destacar refere-se ao CRAS. Segundo a estrutura existente, o CRAS da região leste, primeiro centro de referência implantado no município, em 29/08/2006, se apresenta como um programa de atendimento da AMAC, na medida em que ele está subordinado a uma das cinco coordenações do Departamento da Infância/Adolescente4. Portanto, além de uma localização institucional inadequada, essa estrutura dificulta a articulação entre as outras coordenações e departamentos. Esses aspectos indicados acima configuram-se, então, os elementos centrais da estrutura de gestão da política de assistência social em Juiz de Fora. III – ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E A INTERVENÇÃO NO CAMPO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Foram pesquisadas 27 organizações da sociedade civil, sendo 11 religiosas, 10 comunitárias, 3 recreativas e 3 filantrópicas. Em vinte instituições, os representantes reconhecem que as reivindicações que mais mobilizam a população dizem respeito ao desenvolvimento de políticas públicas nas mais diferentes áreas, de onde podemos exemplificar citando a saúde, o saneamento básico e a segurança pública. Ao identificarem estes problemas, os entrevistados recolocam no debate que as expectativas de atenção das demandas do município ainda são depositadas na figura do Estado. Foi perguntado aos responsáveis das instituições o conhecimento acerca das políticas sociais do município. Para seis instituições, o conhecimento das políticas desenvolvidas se dá através do órgão responsável pela execução destas na administração municipal (AMAC). Cinco instituições destacaram elementos concernentes aos aspectos políticos do conhecimento das políticas, como seu perfil clientelista e a prática da corrupção. Em doze instituições, os responsáveis não responderam ou não tem nenhum conhecimento acerca das políticas sociais no município. Este número significativo de instituições que não souberam responder acerca do andamento das políticas sociais no município revela a pequena capacitação teórica e política destas entidades no entendimento do quadro operativo e normativo maior (realidade municipal e direitos constitucionais) aos quais suas ações estão dependentes. Este 4 Cabe registrar que o novo governo, iniciado em 2009, promoveu mudanças na organização da gestão da política de assistência, mas que não serão tratadas pois encontra-se fora do período de análise (2005-2008). 6 desconhecimento ganha contornos mais específicos quando observamos, que estes entrevistados reconhecem que a ausência de políticas públicas é um dos principais problemas na região e no município. Quando indagados acerca do conhecimento sobre o SUAS e sobre a política de assistência social no município três instituições expuseram ter conhecimento acerca da implementação do SUAS via rede de assistência, programas como bolsa família, seleção de crianças para o atendimento em creches e criação dos CRAS. Para outras três instituições, este processo se deu através dos serviços prestados pelos programas institucionais da AMAC ou outros como cesta básica, abrigamento e família substituta. Vinte representantes das instituições disseram não ter nenhum conhecimento sobre o SUAS e seu processo de implementação e sobre a política de assistência. Dessa forma, podemos notar que a maioria dos entrevistados desconhecem a dimensão normativa e as inovações institucionais e políticas na área da assistência após a promulgação da Carta de 1988 e sua regulamentação pela LOAS e a criação do SUAS. Esse desconhecimento do SUAS e da política de assistência bem como o seu conhecimento sustentado em alguns programas e serviços institucionais desdobra-se nas respostas generalistas quando indagados acerca das dificuldades e limites percebidos na condução da política de assistência social no município. A falta ou má distribuição de recursos financeiros e de investimento na política de assistência social foram apontados por seis instituições como um dos maiores dificultadores na condução da política. Na direção de ilustrar a desinformação explicitada na questão anterior, quatro instituições enfatizaram a falta de esclarecimento à comunidade acerca de seus direitos bem como a falta de participação popular nos processos de formulação e operacionalização da política. A prática da corrupção e o excesso de burocracia também foram apontados por duas instituições. Também nessa direção, três instituições destacaram a falta de vontade política e a prevalência de interesses eleitoreiros no desenvolvimento das ações. Entretanto, dos entrevistados, 13 instituições não souberam responder quais são os limites e dificuldades para a condução da política de assistência social no município. Esse dado nos permite observar que as entidades também não demostraram conhecimentos e condições de avaliar a atuação do poder público municipal no campo da política de assistência, o que coaduna com a desinformação acerca do processo de implementação dessa política exposto anteriormente. 7 IV – OS ASSISTENTES SOCIAIS E A IMPLEMENTAÇÃO DO SUAS Foram entrevistadas dezoito Assistentes Sociais correspondente a 16 instituições. Destas instituições 13 pertencentes à AMAC, duas vinculadas a instituições conveniadas com a política Municipal de Assistência Social e uma não possui convênio com a prefeitura. Esse fato nos leva a afirmar que o impacto mais forte na política de assistência social da Zona Leste, são as ações desenvolvidas pela AMAC. Identificou-se que 72% dos profissionais possuem vínculo empregatício celetista, 28,8% com contratos precários, caracterizados como parcerias e contratos temporários, e um profissional (5,55%) declarou trabalho voluntário. Essa constatação nos leva a crer que a qualidade dos serviços pode ser afetada pela não estabilidade do profissional na instituição. 83% dos entrevistados mostraram conhecimento do SUAS, de sua importância e de seus aspectos operacionais fundamentais: matricialidade familiar, trabalho em rede, os níveis de proteção, a descentralização. Apenas três profissionais informaram não conhecer os aspectos fundamentais da implantação do SUAS. Em relação às atividades que desenvolvem, apareceu, principalmente, encaminhamentos (55,56%), atendimento familiar (27,78%), visita domiciliar(33,32%), trabalho em grupo (33,34%), reuniões(27,78%), documentação (22,23%): relatório, laudos e pesquisas, elaboração de planos e projetos(11,12%). Esses dados associados aos dados sobre a participação e intervenção do assistente social em movimentos sociais são bastante significativos. A pesquisa constata que 50% dos profissionais tiveram uma participação, quando estudantes, de movimentos estudantis, mas, após sua graduação, apenas 22% participam dos movimentos de organização da categoria (CFESS/CRESS, ABEPSS) e 26% de sindicatos. Quando questionados se, enquanto profissionais de Serviço Social, atuam junto aos movimentos sociais, apenas 3 (16,68) afirmam terem essa ação e 44% se preocupam em realizar atividades que insiram a população atendida nos movimentos sociais existentes. Por outro lado, chamou-nos a atenção o fato de 88% dos profissionais afirmarem terem uma participação nos conselhos, em sua maioria, nos conselhos de assistência, da criança e do adolescente; do idoso; e, em menor escala, saúde, deficiência e mulher. Esse dado, se associado aos dados acima, pode significar uma participação burocrática, caso seja, apenas, uma demanda e/ou representação da instituição nos espaços conselhistas. Esses dados finais (atividades e intervenção junto aos movimentos), se articulados, indicam que os trabalhos em grupo e as reuniões são ações destinadas ao atendimento da 8 demanda imediata e não um trabalho voltado para a mobilização da comunidade (reuniões com associações, trabalho de grupo com lideranças etc). Em síntese, podemos dizer que os assistentes sociais, no processo de implementação do SUAS em Juiz de Fora, possuem clareza do desenho lógico previsto na PNAS, inclusive percebendo seus aspectos fundamentais, e identificam as necessidades para a intervenção profissional. No entanto, parece que essas necessidades identificadas restringem-se ao campo estrito da implementação burocrática do SUAS e não ao reconhecimento da política de assistência como um espaço contraditório que requer uma intervenção do assistente social voltado para a mobilização dos usuários, enquanto sujeito individual e coletivo, voltado para a expansão de direitos. V – CONCLUSÃO A conclusão preliminar que chegamos identifica que, aliado ao cenário adverso para a implementação do SUAS, o tipo de intervenção que constatamos existir em Juiz de Fora, no período de 2005-2008, no processo de implantação do CRAS da região leste da cidade estrutura de gestão da política inadequada a proposição da PNAS/SUAS; não conhecimento da política de assistência social e, por consequência, não intervenção na área por parte das organizações da sociedade civil que atuam na região do primeiro CRAS implantado; e o não desenvolvimento de trabalho junto aos usuários e as organizações da sociedade civil, buscando fortalecer as dimensões democráticas da PNAS/SUAS, por parte dos assistentes sociais que atuam no campo - inviabiliza qualquer possibilidade de tensionamento da atual política de assistência social. O caminho investigativo desenvolvido na pesquisa (análise da gestão, da atuação das organizações da sociedade civil e da intervenção do assistente social) aponta, no nosso entendimento, os elementos fundamentais para a análise do processo de implantação do SUAS nos municípios e para a definição de estratégias que possam contribuir com o fortalecimento da PNAS, tanto no que tange às possibilidades de enfrentamento da cultura política tradicional no campo da assistência quanto das possibilidades do enfrentamento de sua implementação neoliberal. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEHRING, E. (2009). “Palestra proferida no Seminário SUAS DRUCK, Graça e FILGUEIRAS, Luiz. (2007). “Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces do governo Lula. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 24-34, jan./jun. FILGUEIRAS, L. e GONÇALVES R. (2007). A Economia Política do Governo Lula. Rio de Janeiro. Contraponto. MOTA, A. E. (2008). A centralidade da Assistência Social na Seguridade Social brasileira nos anos 2000. In: Mota, A.E. (org.) O Mito da Assistência Social. São Paulo. Cortez. _________. (1995). Cultura da crise e Seguridade Social. São Paulo. Cortez. Souza Filho, R. (2007). O fenômeno burocrático e a universalização de direitos. In: Revista Libertas. Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora/Faculdade de Serviço Social.