DISCURSOS DE CURRÍCULO, CURRÍCULOS PENSADOSPRATICADOS E FORMAÇÃO CIDADÃ: NARRANDO A TESSITURA DE UMA PESQUISA. Marina Santos Nunes de Campos; Eliane Fernandes de Lacerda. Universidade do Estado do Rio de Janeiro/CNPQ- [email protected]; Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Prefeitura Municipal de Angra dos Reis- [email protected]. RESUMO Em um processo histórico, a concepção de currículo passou de uma listagem neutra de conteúdos para um território de relações de poder, de disputa entre os diferentes conhecimentos e formação de identidades. Essa trajetória é inventada a partir do que é socialmente acreditado ser necessário a um sujeito saber/ser para se tornar um cidadão, ou seja, como se dará a formação de subjetividades democráticas a partir das noções que se tem naquele momento sobre cidadania e democracia. Partindo para noção do currículo como criação cotidiana, o presente trabalho apresenta a tessitura de uma pesquisa, ainda em andamento, voltada para a escuta de narrativas de professoras de escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, objetivando compreender e desinvisibilizar práticas cotidianas realizadas por elas que potencialmente favorecem a cidadania horizontal e a justiça cognitiva, entendendo-as como práticas emancipatórias e tendo como pressuposto que não há justiça social sem que haja justiça cognitiva. Tais narrativas são oriundas de encontros realizados mensalmente na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no contexto de um Projeto de Extensão. Currículos pensadospraticados- Narrativas Docentes- Justiça Cognitiva- Cidadania Horizontal Em um processo histórico, a concepção de currículo passou de uma listagem neutra de conteúdos para um território de relações de poder, de disputa entre os diferentes conhecimentos e formação de identidade. Essa trajetória é inventada a partir do que é socialmente acreditado ser necessário a um sujeito saber/ser para se tornar um cidadão, ou seja, como se dará a formação de subjetividades democráticas a partir das noções que se tem naquele momento sobre cidadania e democracia. É a partir dessas preocupações que as primeiras teorias de currículos são criadas e, ainda hoje, são norteadoras para os diferentes discursos de currículo que concorrem por espaço nos discursos educacionais e nas políticas públicas. Sobre as teorias de currículo, Tomas Tadeu da Silva (2007) explicita que a própria noção de teoria remete à suposição de que ela seria capaz de descobrir o real, ou seja, que haveria uma correlação entre teoria e realidade. Nesta conjectura a realidade precederia a teoria e esta última seria seu reflexo, indicando ser a teoria algo representacional. Trazendo para o nosso campo, as teorias de currículo tomam como verdade a preexistência de um objeto “currículo” e caberia a elas (as teorias de currículo) entrar em cena para descobri-lo/explicá-lo. No entanto, o autor demonstra que o conceito teoria é suspeito, pois a descrição simbólica implica em consequências na realidade e, destarte, não se limita a descrever/explicar a realidade, mas na medida em que procura explicar tal realidade a produz. Podemos, por assim dizer, que uma dada teoria descobre algo que ela mesma inventou. Procurando elucidar esse comportamento que as teorias provocam nas práticas, traremos o primeiro indício de quando o currículo foi concebido como objeto de estudo: nos Estados Unidos dos anos 20. O contexto era composto pelo processo de industrialização e os movimentos imigratórios que ocasionaram a massificação da escolarização e, com isso, o surgimento da necessidade de racionalizar o processo de construção e testagem dos currículos. Nesse período, Bobbitt inaugura os estudos sobre o currículo ao publicar o livro “The Curriculum”, tendo como instigação institucional o modelo “fábrica” e como inspiração teórica a “administração científica”. A partir desses pressupostos, Bobbitt define o currículo como a especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de resultados passíveis de serem precisamente mensurados, mas ao passo que descobria o que era o currículo e o descrevia, Bobbitt criava uma noção particular de currículo e, a partir desse feito, o que ele dizia ser currículo passava a ser, em muitos casos, efetivamente, o currículo na realidade, enfatizando o papel ativo que a teoria exerce na realidade que julga descrever. Então, aquilo que o currículo é depende diretamente da forma como ele é definido pelas diferentes teorias, visto que uma definição não revela essencialmente o que é o currículo, mas sim o que uma determinada teoria cogita o que é o currículo. Como contraproposta ao conceito de teoria de currículo, Silva (2007) traz a noção de discursos de currículo, em uma abordagem menos antológica e mais histórica. Essa noção nos traz como prerrogativa a inutilidade de separarmos as asserções sobre a realidade das asserções do que deveria ser a realidade, na medida em que levam em conta seus efeitos discursivos, já que ambas, como vimos dantes, geram a mesma consequência: a de fazer com que a realidade se torne o que elas dizem ser ou deveria ser a realidade. 1 Algo em comum aos discursos/teorias de currículos é a confiança de que o currículo é capaz de modificar as pessoas que o seguem. Essa aposta leva ao questionamento sobre “o que eles devem se tornar?” que desencadeia a pergunta “o que eles devem saber?” para que isso seja possível. Portanto, deduz-se o tipo de conhecimento considerado importante a partir de descrições sobre o tipo de pessoas consideradas ideais para uma determinada sociedade. E, à vista disso, são desenvolvidos critérios de seleção para justificar a escolha de certos conhecimentos em detrimento de 1 Ao longo do texto utilizaremos por diversas vezes a expressão teorias, mas sempre a concebendo como um discurso. outros, que ficam de fora. Em suma, para cada modelo de ser humano há um tipo de conhecimento, um tipo de currículo. Este panorama revela o caráter de identidade e subjetividade que abarca uma instituição curricular, revela que ao final do percurso de um currículo acabamos por nos tornar quem somos e que o conhecimento constituinte de um currículo está inevitavelmente ligado àquilo que somos, àquilo que nos tornamos (SILVA, 2007) e, complementarmente, segundo as teorias pós-estruturalistas de currículo, ele também é uma questão de poder, pois selecionar é empoderar uns e descapacitar outros. E é a questão do poder que vai apartar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas de currículo. Contextualizando, as teorias de currículo estão abarcadas na atividade de obter hegemonia, situadas num campo epistemológico social, centro de um território contestado. Voltando à categorização das teorias de currículo, elas podem ser classificadas a partir de sua relação com o poder. As tradicionais se (auto) intitulam neutras, científicas e desinteressadas, isso porque aceitam o status quo, os conhecimentos dominantes não são questionados e, por isso, a demanda se concentra nas questões técnicas, o metodologismo. Nesse caso o “o que” é tomado como óbvio e buscam responder o “como”. Já as críticas e pós-críticas argumentam que nenhuma teoria é neutra, pois está implicada em relações de poder e passam a questionar o “o que”. Ao fazer isso proporcionam novas perspectivas para a educação: as conexões entre saber, identidade e poder. Aprendemos com as teorias críticas que o currículo pode contribuir para a reprodução de uma estrutura social capitalista e que o currículo é uma construção social, resultante de um processo histórico, onde por meio de disputas e conflitos sociais certas formas de currículo se consolidaram como “o currículo” e nesse mecanismo certas formas de conhecimento o integram e outras são desvalidadas. É inegável que ainda somos governados por estruturas de poder baseadas nos recursos econômicos e culturais. Contudo, para além dessa conjuntura, as teorizações pós-críticas nos trouxeram condenações às grandes narrativas, evidenciando que somos cada vez mais governados por mecanismos sutis de poder, conforme as análises foucaultianas e indicando que “o pessoal também é político”. À reboque, desfez a sustentação da separação entre ideologia e ciência, reconfigurando a ciência e o conhecimento como um campo político de luta e poder. Sendo assim, não há uma superação das teorias críticas pelas pós-críticas, mas a premissa de se combinarem visando à compreensão das relações de poder, identidade e saber presentes no currículo, superando visões tecnicistas e estáticas, nos oferecendo diferentes perspectivas acerca do currículo e retificando nosso olhar ingênuo sobre o currículo como uma listagem neutra de conteúdos e sim um território de relações de poder, trajetória e de formação de identidades (SILVA, 2007). Trazendo essas discussões para a realidade dos discursos de currículo brasileiros, Pinar (2011) ressalta uma tendência crescente nos últimos quinze ou vinte anos, os estudos dos cotidianos, que vem sendo reconhecidos como uma importante perspectiva de estudos no campo do currículo. O presente trabalho é situado nesta tendência e objetiva compreender os modos pelos quais professoras de escolas públicas promovem práticas potencialmente emancipatórias nos cotidianos escolares em que atuam. A CRIAÇÃO CURRICULAR COTIDIANA DE SEUS PRATICANTESPENSANTES 2 COMO PRÁTICAS EMANCIPATÓRIAS Partimos do entendimento de que prática e teoria são instâncias complementares, o que nos faz conceber a prática docente como um fazerpensar cotidiano. Assim, não há, para nós, um sujeito que executa e outro que reflete ou que o sujeito em certo momento faça e noutro reflita, mas sim “tudo ao mesmo tempo agora”, parafraseando o professor Ferraço (2007) ou, como Santos (2000) nomeia, são práticas de conhecimento e, por isso, usamos junto com Oliveira (2012) o neologismo praticantespensantes para 2 Alguns pares de termos aparecerão aglutinados a fim de evidenciar a indissociabilidade deles, outrora pensados como pares de opostos. nos referir aos sujeitos que dão vida aos currículos cotidianamente nas escolas e para reafirmá-los como autores de sua prática. Segundo Certeau (1994), os praticantes da vida cotidiana na medida em que usam as regras e produtos que lhes são impostos para consumo dão origem a novas práticas e saberes, diferentes das que foram pensadas inicialmente por quem formulou tais produtos. Essa dinâmica evidencia que: ideias, documentos e debates criados em determinado espaçotempo social e cultural dialogam permanentemente com outros espaçostempos, sendo apropriados e modificados pelos sujeitos sociais, exatamente porque, mais do que consumi-los, estes os criam e recriam, usando-os de modos próprios, enredando-os aos seus conhecimentos, valores, ideias, crenças e trajetórias pessoais e profissionais anteriores. (OLIVEIRA, 2012, p. 9) A ideia bakhtiniana de “circularidade das culturas” também nos oferece aporte para compreendermos essa criação dos praticantespensantes, pois evidencia que há um alcance recíproco entre a cultura das classes subalternas e a cultura dominante, não havendo uma passiva conformação dos subprodutos culturais oferecidos pela cultura hegemônica a seus subordinados. Sendo assim, uma formulação ou norma curricular não é executada passivamente pelos praticantespensantes na sala de aula. A partir do diálogo entre tais documentos, sua experiência, as possibilidades inscritas em sua realidade, seus valores e conhecimentos, num processo de negociações de sentidos, há uma tessitura de conhecimentos curriculares cotidianos dos praticantespensantes das escolas. Essa criação é sempre provisória (recriada cotidianamente), é circunstancial. Santos (2004, apud OLIVEIRA, 2012) compreende a emancipação social como a prática de relações mais ecológicas entre os diferentes conhecimentos, culturas, temporalidades, dentre outros. Essa relação mais ecológica se dá por meio da superação das monoculturas hegemônicas das sociedades ocidentais atuais. Essa racionalidade ocidental hegemônica é, para Santos, metonímica, porque toma a parte da cultura científica e filosófica como o todo, concebendo-a como forma última da organização de saberes, e proléptica, pois pretende possuir o conhecimento do futuro no presente, concebido como progresso sem limite, ou seja, o melhor é o destino inexorável da humanidade, o conhecimento científico proporcionaria o progresso infinito. (CHAUÍ; SANTOS, 2013) Por essas características da razão moderna, o autor a considerou como uma “razão indolente”, pois não abre campos de ação para a chegada de diferentes modos de ser e de saber, tornando-se incapaz de pensar o presente, desperdiçando a experiência e, consequentemente, insuficiente para pensar em novas possibilidades de futuro. Para desinvisibilizar essas práticas sociais desperdiçadas, Santos formula a “sociologia das ausências” que identifica experiências desperdiçadas pela razão indolente e indaga sob que condições elas podem constituir-se como alternativas ao modelo hegemônico de sociabilidade e a “sociologia das emergências” que interroga o presente, investigando em que medida essas alternativas podem ser inseridas num horizonte concreto de possibilidades (CHAUÍ; SANTOS, 2013). Para a luta contra a injustiça cognitiva, Santos propõe como epistemologia a “ecologia de saberes”, contraproposta à monocultura do saber, é fundada na interdependência complexa entre os diferentes saberes que constituem o sistema aberto de conhecimento em processo constante de criação e renovação, sem hierarquias apriorísticas. Além da justiça cognitiva, trazemos para a discussão acerca da tessitura da justiça/emancipação social a noção da cidadania horizontal, que consiste na relação solidária entre os indivíduos, no pacto entre eles, presentes no compromisso de uns com os outros em nome do bem-estar de todos, comprometendo-os uns com os outros independentemente ou para além do Estado e das obrigações e direitos que os cidadãos tenham em relação a ele. (OLIVEIRA, 2013, p.192) Nessa perspectiva, a tessitura da emancipação social democratizante se dá pela “criação de relações mais ecológicas, de interdependência, entre os diferentes, em todas as dimensões da sociedade, sem dissociação entre o campo político e o epistemológico”. (OLIVEIRA, 2013, p.191). Portanto, os currículos pensadospraticados podem ser concebidos como experiências desperdiçadas pela razão indolente e merecem ser estudados, pois apostamos que podem se configurar como alternativas emancipatórias, agentes de ecologias de saberes e de cidadania horizontal. CONVERSAS DE PROFESSORAS: NARRATIVAS COMO POSSIBILIDADE DE DESINVISIBILIZAR PRÁTICAS EMANCIPATÓRIAS Há mais de vinte anos, o recurso das narrativas vem sendo usado na formação docente e na pesquisa. O uso de narrativas como método de pesquisa decorreu do malestar surgido dentre os pesquisadores em falar sobre a escola ao invés de falar a partir ou com a escola e, também, pesquisar sobre os professores em vez de com os professores. Esses diferentes posicionamentos na relação do pesquisador com o pesquisado (com ou sobre) resulta em sentidos diferentes produzidos pelas pesquisas. Alguns estudos, ainda hoje, supõem que é possível atingir certa objetividade e neutralidade em suas investigações à proporção que se distanciam do objeto estudado, características que, para esses autores, conferem mais confiabilidade e validade para suas pesquisas. No entanto, a crença e a perseguição por essa suposta neutralidade confere aos discursos construídos por essas pesquisas um distanciamento entre seus resultados e os sujeitos a quem esses estudos remetem, produzindo caricaturas destes últimos. “Além disso, as conclusões produzidas por essas pesquisas, consideradas consistentes pelo rigor teórico-metodológico, acabam autorizadas a expor, julgar, criticar, formatar e prescrever práticas” (LIMA; GERALDI, C; GERALDI,W, 2015, p. 19). Superando a preocupação que estes estudos têm com a contaminação que a aproximação entre pesquisador e objeto pode causar, este trabalho vê na própria aproximação a expectativa de compreensão acerca das experiências a serem aprofundadas que, no nosso caso são as práticas docentes. Trazemos as narrativas docentes como importante aporte para desinvisibilizarmos e entendermos os saberesfazeres dos praticantespensantes das escolas. Defendemos aqui a ideia de que é fundamental que os saberes da experiência sejam resgatados e postos em diálogos com o conhecimento científico, já que neste está baseado o modelo de educação existente que resulta da crença de que para a participação democrática é necessário que os sujeitos tenham acesso aos conhecimentos científicos, únicos que têm tido espaço no modelo atual de ensino, o qual é preciso ultrapassar (LIMA; GERALDI, C; GERALDI,W, 2015, p. 20). Para Bruner (1998, apud LIMA; GERALDI, C; GERALDI, W, 2015.), a experiência humana no mundo social e o seu conhecimento são organizados pela narrativa que, por sua vez, é organizada a partir das experiências particulares dos sujeitos e as idiossincrasias que delas emergem alcançam validade quando se aproxima com os repertórios e as vidas de quem as escutam, nas suas correlações com a realidade, assim como a autoridade de quem a narra reside na sua experiência acumulada. Isso quer dizer que a relevância de uma narrativa não está no fato dela ser verdadeira ou não, mas sim na sua capacidade de evocar/provocar. Esse conhecimento narrativo é passível de ser utilizado futuramente por outros sujeitos. Uma história contada, ao ser extraída pelo ouvinte do contexto narrado, pode ser recontextualizada em outras situações ou experiências, produzindo novas compreensões entre os contadores e os ouvintes. É isso que confere à narrativa um caráter quase universal (BRUNER, 1998, apud LIMA; GERALDI, C; GERALDI,W, 2015, p. 25). Adjudicamos no fato de que ao narrarem suas experiências esses sujeitos fazem emergir seus cotidianos, aprendizagens, criações, dificuldades, sentimentos, saberes e visões de mundo. E tal diversidade amplia/complexifica as possíveis compreensões desses espaçostempos e concomitantemente desinvisibiliza os praticantes dos currículos, contribuindo para a tessitura de um conhecimento mais horizontalizado e para a superação da hierarquização entre os saberes e sujeitos. A utilização de diversas narrativas contribui, ainda, para que múltiplas realidades da sociedade tornem-se visíveis, para além do que delas é quantificável, incluindo o que dela é subversivo e que a esterilidade científica tornou invisível através de categorias, números e normas (OLIVEIRA; GERALDI, 2010). CONTANDO HISTÓRIAS E OUVINDO PAPOS DE PROFESSORAS Para compreendermos os processos de criação curricular cotidianos vimos realizando, no contexto de uma extensão universitária, encontros com professoras de escolas públicas de diferentes municípios do Estado do Rio de Janeiro, onde elas conversam acerca de suas práticas. Chamamos esses encontros de “CHOPP: Contando histórias e ouvindo papos de professoras”. Posteriormente, essas conversas são transcritas e realizamos um mergulho (ALVES; OLIVEIRA, 2008) nas narrativas, buscando compreender práticas que consideramos potencialmente favoráveis à promoção da cidadania horizontal e da justiça cognitiva. O mergulho nas narrativas docentes tem nos permitido desinvisibilizar práticas de solidariedade e de reconhecimento mútuo que são tecidas nos currículos pensadospraticados. Dessas falas emergem iniciativas que redefinem saberes, valores e práticas, deslocam hierarquias, construindo novos sentidos e relações. Apostamos que tais movimentos são combatentes dos sistemas sociais dominantes. Reconhecer nessas experiências narradas pelas professoras práticas emancipatórias nos permitiu além de pensarmos na contribuição da escola para a emancipação social, alimentarmos a esperança de uma educação cidadã, atuando no sentido, não de uma educação para a cidadania, mas de uma educação na cidadania, que entende o aluno como um cidadão em processo de educação, rompendo, mesmo sem explicitar, com o modelo dominante do que é e do que deve ser a vida cidadã na qual se equilibram direitos e deveres pré-definidos em relação ao Estado (OLIVEIRA, 2013). Para contarem suas histórias, as professoras precisam repensar sua prática. Nesse processo lembram, refletem e selecionam o que será narrado e nos apresentam saberes acerca do seu trabalho pedagógico. Saberes esses que vem embebido de sentimentos, valores, ideologias e utopias, situados no tempo e no espaço. Assim, evidenciar práticas educacionais cotidianas por meio de narrativas é apostar que, ao narrá-las, os praticantes do currículo refletem sobre sua própria prática e inserem-se em uma nova perspectiva de formação e autoformação. Já que ao mesmo tempo em que narra, o narrador percorre novamente o caminho trilhado, movimento que implica reflexão e ressignificação na/da prática ao recriar saberes produzidos a partir das experiências. Saberes esses que são tecidos pelos significados que cada sujeito confere à atividade no seu cotidiano por meio de seus valores, conhecimentos e sentimentos de sua história. (PRADO, 2007). Deste modo, é fundamental o reconhecimento da escola como um espaçotempo de criação, subversão e diversidade e da impossibilidade dessa realidade complexa ser descrita, analisada e, muito menos, definida por normas estéreis. Esse reconhecimento nos permite encontrar evidências de como encarar os desafios da educação e das teorias curriculares em um contexto real. Por fim, considerando os saberes docentes constituídos no cotidiano escolar na formação e nos discursos educacionais, contribuímos para o reconhecimento de um novo status ao professor da educação básica: o de produtores de conhecimento, ao invés de meros aplicadores de conhecimentos e saberes produzidos por outros (PRADO, 2007). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Contar o passado, analisar o presente e sonhar o futuro. In: OLIVEIRA. I. B.; ALVES, N. (Orgs.). Pesquisas nos/dos/com os cotidianos das escolas: sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et Alli, 2008. p. 9-14. CERTEAU, M. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. CHAUI, Marilena; SANTOS, Boaventura de Sousa. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez Editora, 2013. FERRAÇO, Carlos Eduardo. As práticasteóricas de professoras e professores das escolas públicas ou sobre imagens em pesquisas com o cotidiano escolar. 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