A QUESTÃO DA AUTORIA E AS GRAMÁTICAS DE LÍNGUA INGLESA DOS SÉCULOS XVIII E XIX Elaine Maria Santos (UFS, [email protected]) Rodrigo Belfort Gomes (UFS, [email protected]) Palavras-chaves: Autoria; Gramáticas; Língua Inglesa Os compêndios produzidos para o ensino de línguas, mais especificamente de língua inglesa, dos séculos XVI ao XVIII apresentam forte influência do latim, uma vez que esta língua era utilizada como base para o ensino. Os alunos eram obrigados a estudar os vernáculos através do latim, por ser esta a língua sagrada e de acesso a todas as formas de conhecimento. Com a reforma protestante e o crescente valor que as línguas maternas começaram a adquirir, as gramáticas começaram a ser publicadas em língua vernacular e as mesmas características eram observadas, no que se refere à estrutura e formatação. Em decorrência do pensamento originário do processo de gramatização, iniciado no século XVI, acreditava-se que bastava saber o latim para que todas as outras línguas pudessem ser assimiladas por comparação (AUROUX, 1992). Diante desse contexto, os compêndios produzidos apresentavam pouca originalidade de conteúdo, sendo, muitas vezes, produto de reformulações e reproduções de trabalhos anteriormente publicados. Levando-se em consideração a obrigatoriedade em se garantir a semelhança entre a gramática alvo e a latina, percebeu-se uma repetição de exemplos, uma vez que as declinações precisavam ser trabalhadas em exaustão, e a escolha vocabular estava diretamente relacionada à facilidade com a qual os estudantes compreendiam os exemplos apresentados. Este fato justifica a constatação de que, por exemplo, na parte da conjugação verbal, o verbo amare/love era o mais frequente (HOWATT, 1988). Com os exemplos sendo sempre repetidos nas gramáticas publicadas nos séculos XVIII e XIX, os vestígios de autoria ficam cada vez mais raros. Em muitos casos, alguns autores chegavam a afirmar que as suas obras eram, na realidade, um aprimoramento de trabalhos anteriormente publicados, com a correção de erros gramaticais outrora encontrados. Em decorrência de heranças renascentistas, as gramáticas deste período eram comumente divididas em quatro partes, a saber: Ortografia (ou Letras), Etimologia (ou Palavras e partes do discurso), Sintaxe (ou Sentenças e regras de Concordância), Prosódia (ou Pronúncia e Versificação), podendo também ser encontrada uma quinta parte chamada de Ortoépia, além de uma parte contendo conjuntos de frases, diálogos familiares e cartas comerciais. Essa última parte pode estar contida na sintaxe (MICHAEL, 1987). O grande número de similaridades entre as gramáticas desse período comprova a contestação de Torre (1985, p. 31) ao afirmar que “é sempre difícil saber-se com segurança quando os gramáticos do passado eram originais, numa altura em que o plágio era uma prática corrente”. Com o objetivo de verificar as similaridades que fazem com que a autoria seja considerada uma questão secundária no setecentos e oitocentos, cinco gramáticas foram analisadas neste trabalho, a saber: A Compleat Account of the Portuguese Language being a copious Dictionary of English with Portuguese, and Portuguese with English (1701); A Grammatica anglo-lusitanica & lusitano-anglica, de J. Castro, publicada inicialmente em 1731; Nova grammatica da lingua ingleza, ou arte de falar e escrever com propriedade e correcção o idioma inglez, de Agostinho Nery da Silva (1779); Nova grammatica Ingleza e Portugueza dedicada à felicidade e augmento da Nação Portugueza (1812), de Manuel de Freitas Brazileiro; e o Compendio da Grammatica Ingleza e Portugueza para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras (1820), de Manuel José de Freitas. Os compêndios aqui analisados apresentam pouca originalidade de conteúdo. No entanto, conforme Chervel (1990, p. 203) atesta, “o problema do plágio é uma das constantes da edição escolar”. Esse pensamento é reforçado por Oliveira (2006, p. 136), ao afirmar que é preciso relativizar as noções de plágio e autoria em obras pedagógicas do gênero, pois nelas muito menos importante é a originalidade das idéias do que o modo como elas podem ser copiadas, imitadas, adaptadas, apropriadas ou manipuladas em função das condições sócio-políticas em que são produzidas, ou do público para o qual são dirigidas (OLIVEIRA, 2006, p. 136). A primeira obra de interesse para o estudo da língua inglesa como língua estrangeira é referenciada como sendo A Compleat Account of the Portuguese Language being a copious Dictionary of English with Portuguese, and Portuguese with English, publicada em 1701 por um autor anônimo que utilizou o pseudônimo de A.J. Pensou-se, de início, que este dicionário poderia ter sido escrito por um estrangeiro em Londres, responsável pela publicação da Grammatica Anglo-Lusitanica. O fato dessas duas publicações terem surgido em Londres, antes de qualquer tentativa de relacionar as Línguas Portuguesa e Inglesa em Portugal, nos faz pressupor que o interesse pelo Português na Inglaterra deva ter começado anteriormente ao interesse pelo Inglês em Portugal. De acordo com Auroux (1992), os dicionários foram os grandes precursores das gramáticas, apesar de não terem tido a mesma popularidade. Torre (1985), nesse sentido, afirma que a frequência de publicação de dicionários era muito menor do que a verificada com as gramáticas do século XVIII. Reconhecendo a importância do estudo do léxico, os gramáticos da época acrescentavam listagens de palavras a serem memorizadas pelos alunos, uma vez que, “em princípio, as gramáticas visavam possibilitar aos leitores a aquisição mais geral do sistema da língua, o que era muito mais útil do que o mero acesso ao léxico descontextualizado” (TORRE, 1985, p. 26). Os grupos de palavras destas listas não obedeciam a uma regra única, podendo seguir a ordem alfabética dos termos, ou os itens lexicais podiam ser agrupados de modo a atender as preocupações dos seus autores. Estudos mais aprofundados iniciados por Cardim e retomados por Torre (1986) apontam para a possibilidade de A Compleat Account ter sido, na realidade, uma tradução da Prosódia e do Thesouro da Lingua Portuguesa, publicados pelo jesuíta Bento Pereira. Pela idiomaticidade da obra, é muito provável que tenha sido escrita por um falante nativo da língua inglesa, o que é reforçado ao percebermos que, durante a parte introdutória, dedicada ao leitor, o autor muitas vezes se refere aos portugueses como eles, o que faz com que tenhamos a impressão de que o autor está se colocando como não pertencente à nacionalidade portuguesa. Na busca por uma possível autoria, Torre (1990) corrobora com a ideia defendida por Cardim (1922) de que muito provavelmente as iniciais A.J., associadas à autoria do compêndio, correspondem a “A Jesuit”, tendo-se, como base, o fato de Bento Pereira ter sido um jesuíta, e isso nos leva a suspeitar que um jovem sacerdote britânico, ao retornar à Inglaterra, após uma permanência em Portugal, tenha decidido escrever um dicionário para auxiliar seus compatriotas a aprenderem a língua portuguesa. A Grammatica anglo-lusitanica & lusitano-anglica, de J. Castro teve a sua primeira publicação em 1731, sendo que a Biblioteca Nacional possui em seu acervo uma edição de 1759. Trata-se da gramática com a proposta de ensinar, ao mesmo tempo, o Inglês e o Português. Conforme as palavras do autor, no prefácio, sua gramática tinha como objetivo o seu “great Use in Commerce”, isto é, sua grande utilidade no Comércio, tendo sido dividida em duas partes”, a primeira para a “instrução dos Inglezes que desejarem alcançar o conhecimento da Lingua Portugueza” e a segunda “para o uso dos Portuguezes que tiverem a mesma inclinação a Lingua Ingleza” (CASTRO, 1759). Composta por 407 páginas, 240 são dedicadas ao ensino de Português em Língua Inglesa e 167 para o ensino de Inglês em Língua Portuguesa. As gramáticas portuguesas dos séculos XVIII e XIX tinham, segundo Buescu (1969, p.19) “duas finalidades: a codificação e a dignificação das línguas vulgares”, estando as duas presentes na obra de Castro, que também seguia uma preocupação de diagramação. A maior parte do prefácio, escrito em Inglês e intitulado “To the Reader” (“ao leitor”), foi dedicada à sua tentativa de provar que o Português era tão digno da atenção dos ingleses quanto o Espanhol, para o que esboçou uma narrativa histórica da ascensão daquela Língua (“the Rise of this Language”) desde a ocupação romana até o século XV, argumentando que a Língua Espanhola não era “Mãe” da portuguesa, sendo ambas originárias do Latim. Ademais, complementava, a Língua Portuguesa era facilmente compreendida pelos espanhóis e, sendo muito próxima da “Língua Franca”, era corrente nas costas índicas e africanas onde os portugueses tinham estabelecido suas possessões. Quanto à parte do seu Compêndio dedicada à Gramática Inglesa, o autor pediu desculpas aos críticos pelos eventuais erros, muito justificáveis, segundo ele próprio, pelo fato de não ter nenhum modelo sobre o qual pudesse basear-se (CASTRO, 1759, p. v-x). Era muito comum, nas gramáticas da época, ter-se uma primeira parte, intitulada de prefácio, notas ao leitor, ou, simplesmente, ao leitor. Esta secção é caracterizada pela exaltação à língua estudada, e pela descrição histórica sobre as línguas. Em sua gramática, Castro afirma ser a Língua Portuguesa de grande utilidade para o comércio, apesar de não ser devidamente explorada e conhecida. Para justificar o valor e a nobreza do Português, o autor nos convida a analisar os percursos históricos verificados no transcorrer dos anos, com o objetivo de entender quais as nações que habitaram o país. De acordo com suas narrativas, os mesmos povos que dominaram a Espanha também habitaram Portugal, não sendo admissível considerar o Português como uma língua derivada do Espanhol. Na última parte da Grammatica Anglo-Lusitanica, são apresentados quinze diálogos familiares, conforme os padrões de ensino da época, que viam na educação uma oportunidade de fornecer modelos de boa conduta e de estilo de escrita a serem seguidos pelos alunos. As primeiras gramáticas portuguesas do século XVI já apresentavam esse tipo de método de ensino, o que era ainda recorrente até o século XIX. Entre os assuntos presentes na gramática de Castro, destacam-se: cumprimentos, refeições, vestimentas, o falar a Língua Portuguesa, clima, compras, jogos, viagem, câmbio e leis da Inglaterra, temas recorrentes em outros compêndios, o que mais uma vez comprova o fato de que a autoria não era uma preocupação dos autores da época. Todos os diálogos se baseiam em conversações entre duas pessoas, através de um jogo de perguntas e respostas sobre um tema identificado, tal qual acontecia com as aulas de catecismos, uma vez que, segundo Oliveira (2006), era comum a prática desse tipo de atividade até o século XIX. Torre (1985) destaca que todos os diálogos contidos nas gramáticas dessa época apresentam poucas alteração, e, no que se refere aos encontrados na gramática de J. Castro, suspeita-se que eles tenham sido retirados de uma gramática de inglês para italianos ou de italiano para ingleses. O próprio nome do autor da Grammatica Anglo-lusitanica demonstra a pouca importância que as questões autorais recebiam, uma vez que não se sabe qual o nome correspondente à inicial J. De acordo com Cardim (1922), não se pode confundir o autor dessa gramática com o médico Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), português de origem judaica residente em Londres: Em primeiro lugar é inadmissível que o médico Jacob de Castro Sarmento, membro do Colégio real dos médicos e da Real Sociedade de Londres, autor de várias obras notáveis e privando com sábios fôsse em 1751 [ano da segunda edição da obra] ‘mestre e traductor de ambas as linguas’, como se lê no frontispício logo por baixo do nome J. Castro (CARDIM, 1922, p. 106). Torre (1986), ao se debruçar sobre os trabalhos de Cardim, constatou que a gramática de J. Castro é, na realidade, uma tradução da Ars Grammatica pro Lingua Lusitana de Bento Pereira, o que pode significar que o verdadeiro autor desta gramática tenha também sido um discípulo deste religioso. Apesar de haver uma referência sobre o autor na “Advertência ao Leitor” da obra, afirmando ter sido J. Castro “Mestre e Traductor de ambas as Linguas” e ensinado, tanto em sua casa quanto “por fora”, a “Ler, Escrever, Contar, e Livro de Caixa pello Modo Italiano e em pouco Tempo (sem as costumadas Regras, Taboadas, e impertinentes ou inutils Questoens) por um Methodo, claro, patente, e bem a provado no estilo Mercantil”, nem Cardim (1922), Torre (1985) ou Oliveira (2006) conseguiram provas elucidativas sobre a real autoria. Agostinho Neri da Silva, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e cônsul Geral de Portugal na Dinamarca, publicou, em 1779, a sua Nova Grammatica da Lingua Ingleza, ou arte de falar e escrever com propriedade e correcção o idioma inglez. Duas outras obras foram também publicadas por este autor: Grammatica Portugueza e Ingleza (1793) e Grammatica da lingua ingleza (1800) (SANTOS, 2010). Neri da Silva justifica a sua iniciativa em escrever um compêndio através da “imperfeição de huma Grammatica, que em Londres se publicou para se aprender a Lingua Ingleza, à qual vindo á minha mão casualmente, achei-lhe alguns defeitos” (SILVA apud TORRE, 1985, p. 23). É muito provável que a gramática referida seja a Grammatica Anglo-Lusitanica. Segundo Torre (1985), a Gramática de Neri é bastante semelhante à de Castro, e pouca mudança é observada ao ser comparada com as publicadas anteriormente. O autor aparenta ser indiferente às inovações, por afirmar ter se apoiado em “termos antigos, e divisões igualmente antigas, por estar inteiramente capacitado da acertada observação, que fez o Sr. Johnson, dizendo que he ambição perigosa, e vaidade ridicula querer ensinar uma Lingua com nova arte” (SILVA, 1779, p. IX). Torre (1985) também observou haver muita semelhança entre os diálogos familiares encontrados na gramática de Neri e aqueles presentes em outras gramáticas, como, por exemplo, na gramática portuguesa de Transtagano, A New Portuguese Grammar, publicada em 1768, o que reforça a ideia defendida por Auroux (1992) sobre a gramatização. Para este autor, o ensino de línguas desde o século XVI se apoiou no fato de que para aprender um idioma bastava saber o Latim, e, pela tradução e comparação de regras gramaticais, todas as outras línguas podiam ser ensinadas. Observando as gramáticas de língua inglesa dos períodos setecentista e oitocentista percebemos uma grande recorrência às declinações para o estudo das partes gramaticais, e uma constatação de a cópia não era feita apenas entre as gramáticas de língua inglesa. Muitos exemplos eram repetidos tomando-se gramáticas de latim, português e outras línguas, como, por exemplo, o italiano. Carlos Bernardo da Silva Teles de Menezes, em sua Gramatica Ingleza Ordenada em Português, publicada em 1761, deixou em sua obra muitas pistas de que a gramática de Castro (1759) foi utilizada como base para a confecção do seu compêndio. O autor pede desculpas antecipadas aos leitores por possíveis defeitos na sua obra, muito provavelmente ocasionados como consequência das atribulações de sua profissão, já que era militar, e de uma grave doença que o acompanhou durante o período em que esteve ocupado com a impressão. A sua modéstia é esquecida ao destacar que outras Artes da mesma língua estavam repletas de erros e seu método, contudo, era capaz de minimizar problemas existentes em decorrência da utilização de conceitos e preceitos mais simples. forão já emendados muitos dos defeitos que achey em outras Artes da mesma lingua, feitas para uso de diversas nações; e não somente emendados os defeitos, mas melhorado o metodo, e os preceitos; pois tal he, que nesta Arte está reduzido a uma só regra, quando em outras he materia de mais de vinte (MENEZES, 1762, p. viii-ix). A referência acima parece ter sido escrita em relação à gramática de Castro (1759). O autor admitiu possuir bastante conhecimento da Língua Inglesa, e apesar de temer possíveis críticas, decidiu submeter o seu compêndio à apreciação real, o que resultou em uma aceitação e indicação da obra. A primeira licença obtida e publicada no compêndio foi a do Santo Officio, datada de 27 de fevereiro de 1761. O Dr. Fr. João de Mansilha, qualificador da Sagrada Religião dos Pregadores, atestou ter lido a referida gramática, não encontrando nenhuma informação contrária à Santa Fé ou aos bons costumes. A obra foi julgada como sendo “muito útil para facilitar o uso daquella lingoa, na qual se achão estampadas muitas Obras de huma vastíssima erudição” (MENEZES, 1762, p xiii). Muitos exemplos utilizados pela gramática de Teles de Menezes são também encontrados na gramática de Castro, o que comprova não ter sido objetivo do autor a preocupação com a inovação e com a escrita de um compêndio com índices de autoria. Uma outra oba que também se espelhou muito no compêndio de J. Castro (1759) foi A Nova grammatica ingleza e portugueza dedicada á felicidade e augmento da Nação Portugueza, publicada em Liverpool, em 1812, por Manoel de Freitas Brazileiro. Trata-se de uma gramática que contém 245 páginas, das quais trinta e três são dedicadas à ortografia, cento e trinta e três à etimologia do Inglês, onze relacionadas com a prosódia e sessenta e oito englobam informações coletadas no apêndice, contendo numerais, palavras com mesmo som, abreviações, perguntas e respostas, as vantagens de ler e escrever, dinheiro, tipos de cartas comerciais e uma advertência final. A gramática de Castro também teve a mesma preocupação com as cartas comerciais, tendo este autor colocado apenas alguns dos tipos destacados por Castro (1759). Brazileiro produziu dois outros compêndios: a Leitura instructiva e recreativa, ou ideas sentimentaes: sobre a faculdade do entendimento, communmente chamada GOSTO, em conhecer as perfeiçoens, e imperfeiçoens de qualquer objecto, na natureza, ou arte. Extrahido livremente do inglez, publicada em Liverpool em 1813; e o Compendio da grammatica ingleza e portugueza para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras, publicado em 1820, no Rio de Janeiro, utilizando o nome de Manoel Jose de Freitas. Conforme destacado, muitos dos exemplos utilizados na obra de Brazileiro eram recorrentes do compêndio de 1759, da mesma forma que algumas observações estão também presentes nas duas gramáticas, a exemplo do cuidado que se deve ter com a articulação do som formado pelas letras th. Freitas (1812), diferentemente de Castro (1759), destaca a importância em se observar a posição dos órgãos vocais para a produção da fala. Essa se constitui, na realidade, a grande inovação do seu compêndio. Pela primeira vez a articulação foi relacionada à posição que os órgãos vocais ocupam no momento da fala. Freitas (1812) se defendeu de possíveis críticas, declarando que “alguns escriptores pensarão, que estes objectos mencionados naõ constituém parte de Grammatica”. A influência da gramatica latina na construção de compêndios é ainda percebida na obra de Brazileiro (1812), porém, apesar de Freitas ter utilizado muitos dos exemplos de Castro, os casos ablativo, dativo e vocativo não foram mencionados. Modelos de cartas comerciais foram colocados em quatro páginas do apêndice, contendo cartas de conhecimento sobre fazendas, letras de câmbio, carta circular, apresentando os serviços de uma casa comercial e carta simples, algumas delas similares às encontradas na Gramática de Castro (1759). Na realidade, muitas são as semelhanças entre essas duas obras. A gramática de Brazileiro (1812), no entanto, tentou ser mais simples e concisa do que a de Castro (1759). Alguns exemplos foram usados da gramática anterior, destacando-se, como inovação, a referência à articulação das palavras quando do ensino da gramática. O Compendio da grammatica ingleza e portugueza para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras, primeiro compêndio de Inglês impresso no Brasil (OLIVEIRA, 1999), foi publicado no Rio de Janeiro, em 1820, por Manoel José de Freitas, com a Licença da Mesa do Desembargo do Paço, representada pela figura do Visconde de Cairu. A edição que tivemos acesso na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro encontra-se em estado avançado de deterioração, necessitando de reparos urgentes, com o intuito de garantir a preservação de uma importante obra para a reconstituição histórica do ensino de Inglês no Brasil. Através da análise dessa gramática, é possível perceber ser essa obra uma versão mais simplificada do livro a Nova grammatica ingleza e portugueza “dedicada á felicidade e augmento da Nação Portugueza”, publicada em Liverpool em 1812, por Manoel de Freitas Brazileiro, muito provavelmente o mesmo autor, que assinou essa obra com um nome diferente. No que se refere à questão da autoria, duas considerações podem ser feitas sobre essas gramáticas. Ambas se assemelham muito à gramática de J. Castro, contendo, inclusive, alguns exemplos muito parecidos e temas recorrentes na parte referente aos diálogos familiares. O nome do autor se constitui, na mesma forma, em uma incógnita, uma vez que, muito provavelmente, Manoel de Freitas Brazileiro tenha sido o próprio Manoel José de Freitas, segundo Torre (1985), o que comprova mais uma vez a tese também defendida por Cardim (1922) e Oliveira (2006) de que a autoria em gramáticas do século XVIII e XIX não era uma preocupação do período, e que só no século XX é que se tornou uma questão relevante na produção de livros didáticos. Considerações Finais A análise de compêndios produzidos desde o século XVI, sejam eles em Latim, Português, Inglês ou outras línguas, faz-nos compreender o modo pelo qual questões como autenticidade e autoria eram tratadas nesse período. Conforme pesquisas feitas por Cardim (1922), Torre (1985), Oliveira (2006) e Santos (2010), as gramáticas produzidas nesse período seguiam o princípio da gramatização, que explicava o fato de que as línguas foram inicialmente ensinadas tomando-se como base o Latim, de modo que todas as outras línguas seriam aprendidas por comparação através do estudo da gramática e da tradução. Esse fato ajuda-nos a entender o porquê de termos gramáticas escritas no século XVIII e XIX com base nas declinações latinas, mesmo sendo constatada que a análise gramatical através dessas declinações não contribuíam para o entendimento das construções ensinadas nas outras línguas. Vários foram os casos de gramáticas cuja autoria ou não é conhecida ou que tiveram a utilização de codinomes. Além da gramática de Brazileiro (1812), outras também possuem autorias derivadas de codinomes, como é o caso da Arte da Grammatica da Lingua Portugueza, de Reis Lobato, publicada em 1771. De acordo com as pesquisas de Assunção (1997), baseadas nas pesquisas do dicionarista Francisco Inocêncio Silva (Diccionário Bibliographico Portuguez – 1873), o Pe. Antônio Pereira de Figueiredo teria escrito esta arte em 1771, bem como a Gramatica Ingleza ordenada em portuguez, publicada em 1762, utilizando o pseudônimo de Antônio José dos Reis Lobato, uma vez que não há qualquer evidência que comprove a existência de Reis Lobato e o confronto Textual desses ‘autores’ nos leva a crer que são, na verdade, a mesma pessoa. Essa tentativa em copiar os modelos latinos fez com que os autores do período não se preocupassem em compor compêndios baseados em seus próprios estudos. O que se observa é uma tentativa em traduzir e copiar obras conceituadas da época, aproveitando-se, inclusive, os exemplos e textos utilizados. Como o autor não tinha a importância que hoje verificamos, muitas obras apresentam nomes fictícios, ou até mesmo iniciais, já que o que se buscava era a correção de erros encontrados em compêndios anteriores, ou a tradução de obras escritas em uma língua para outra. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A. J. A Compleat account of the portugueze language. Being a copious dictionary of English with Portugueze, and Portugueze with English together with an easie and unerring method of its pronunciation, by a distingishing accent, and a compendium of all the necessary rules of construction and orthography dgested into grammatical form. To which is subjoined by way of appendix their usual manner of correspondence by writing, being all suitable as well to the diversion and curiosity of the inquisitive traveller, as to the indispensable use and advantage of the more industrious trader and navigator to most of the known parts of the world. By A. J. London: Printed by R, Janeway for the author, 1701. ASSUNÇÃO. Carlos da Costa. Uma leitura da introdução da Arte da Grammatica da Lingua Portugueza de Reis Lobato. Revista da Faculdade de Letras: Línguas e Literaturas.Porto, XIV, 1997, PP. 165-81. AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução: Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. BRAZILEIRO, Manoel de Freitas. Nova grammatica ingleza e portugueza dedicada á felicidade e augmento da Nação Portugueza. Selecta dos melhores authores, por Manoel de Freitas Brazileiro. Liverpool: G. F. Harris’s Viuva e Irmãos, 1812. BUESCU, Maria Leonor Carvalhão. Textos pedagógicos e gramaticais de João de Barros. Lisboa: Editorial Verbo Lda, 1969. CARDIM, Luís. “Gramáticas inglesas para portugueses e gramáticas portuguesas para uso de ingleses”. Anais das Bibliotecas e Arquivos. Lisboa, v. 3, pp. 105-107, 1922. CASTRO, J.. Grammatica Anglo-Lusitanica & Lusitano-Anglica: ou, Gramatica Nova, Ingleza e Portugueza, e Portugueza e Ingleza; dividida em duas partes. A primeira para a instruição dos Inglezes que desejarem alcançar o conhecimento da Lingua Portugueza. A segunda, para o uso dos Portuguezes que tiverem a mesma inclinação a Lingua Ingleza. Das quaes a Primeira está corrigida e emendada, a segunda executada por Methodo claro, familiar, e facil. 3. ed. London: W. Meadows, 1759. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Tradução: Guacira Lopes Louro. Teoria & Educação. Porto Alegre, nº. 2, pp. 177-229, 1990. FREITAS, Manoel José de. Compendio da grammatica ingleza e portugueza para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras. Rio de Janeiro: Impressão Regia, 1820. HOWATT, Anthony Philip Reid. A history of English language teaching. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 1988. MENEZES, Carlos Bernardo da Silva Teles de. Gramatica ingleza ordenada em portuguez, na qual se explicão clara, e brevemente as regras fundamentaes, e as mais proprias para falar puramente aquela lingua. 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