A QUESTÃO DA AUTORIA E AS GRAMÁTICAS DE LÍNGUA INGLESA DOS
SÉCULOS XVIII E XIX
Elaine Maria Santos (UFS, [email protected])
Rodrigo Belfort Gomes (UFS, [email protected])
Palavras-chaves: Autoria; Gramáticas; Língua Inglesa
Os compêndios produzidos para o ensino de línguas, mais especificamente de língua
inglesa, dos séculos XVI ao XVIII apresentam forte influência do latim, uma vez que esta
língua era utilizada como base para o ensino. Os alunos eram obrigados a estudar os
vernáculos através do latim, por ser esta a língua sagrada e de acesso a todas as formas de
conhecimento. Com a reforma protestante e o crescente valor que as línguas maternas
começaram a adquirir, as gramáticas começaram a ser publicadas em língua vernacular e as
mesmas características eram observadas, no que se refere à estrutura e formatação. Em
decorrência do pensamento originário do processo de gramatização, iniciado no século XVI,
acreditava-se que bastava saber o latim para que todas as outras línguas pudessem ser
assimiladas por comparação (AUROUX, 1992). Diante desse contexto, os compêndios
produzidos apresentavam pouca originalidade de conteúdo, sendo, muitas vezes, produto de
reformulações e reproduções de trabalhos anteriormente publicados.
Levando-se em consideração a obrigatoriedade em se garantir a semelhança entre a
gramática alvo e a latina, percebeu-se uma repetição de exemplos, uma vez que as declinações
precisavam ser trabalhadas em exaustão, e a escolha vocabular estava diretamente relacionada
à facilidade com a qual os estudantes compreendiam os exemplos apresentados. Este fato
justifica a constatação de que, por exemplo, na parte da conjugação verbal, o verbo
amare/love era o mais frequente (HOWATT, 1988). Com os exemplos sendo sempre
repetidos nas gramáticas publicadas nos séculos XVIII e XIX, os vestígios de autoria ficam
cada vez mais raros. Em muitos casos, alguns autores chegavam a afirmar que as suas obras
eram, na realidade, um aprimoramento de trabalhos anteriormente publicados, com a correção
de erros gramaticais outrora encontrados.
Em decorrência de heranças renascentistas, as gramáticas deste período eram
comumente divididas em quatro partes, a saber: Ortografia (ou Letras), Etimologia (ou
Palavras e partes do discurso), Sintaxe (ou Sentenças e regras de Concordância), Prosódia (ou
Pronúncia e Versificação), podendo também ser encontrada uma quinta parte chamada de
Ortoépia, além de uma parte contendo conjuntos de frases, diálogos familiares e cartas
comerciais. Essa última parte pode estar contida na sintaxe (MICHAEL, 1987). O grande
número de similaridades entre as gramáticas desse período comprova a contestação de Torre
(1985, p. 31) ao afirmar que “é sempre difícil saber-se com segurança quando os gramáticos
do passado eram originais, numa altura em que o plágio era uma prática corrente”. Com o
objetivo de verificar as similaridades que fazem com que a autoria seja considerada uma
questão secundária no setecentos e oitocentos, cinco gramáticas foram analisadas neste
trabalho, a saber: A Compleat Account of the Portuguese Language being a copious
Dictionary of English with Portuguese, and Portuguese with English (1701); A Grammatica
anglo-lusitanica & lusitano-anglica, de J. Castro, publicada inicialmente em 1731; Nova
grammatica da lingua ingleza, ou arte de falar e escrever com propriedade e correcção o
idioma inglez, de Agostinho Nery da Silva (1779); Nova grammatica Ingleza e Portugueza
dedicada à felicidade e augmento da Nação Portugueza (1812), de Manuel de Freitas
Brazileiro; e o Compendio da Grammatica Ingleza e Portugueza para uso da mocidade
adiantada nas primeiras letras (1820), de Manuel José de Freitas.
Os compêndios aqui analisados apresentam pouca originalidade de conteúdo. No
entanto, conforme Chervel (1990, p. 203) atesta, “o problema do plágio é uma das constantes
da edição escolar”. Esse pensamento é reforçado por Oliveira (2006, p. 136), ao afirmar que
é preciso relativizar as noções de plágio e autoria em obras pedagógicas do
gênero, pois nelas muito menos importante é a originalidade das idéias do
que o modo como elas podem ser copiadas, imitadas, adaptadas, apropriadas
ou manipuladas em função das condições sócio-políticas em que são
produzidas, ou do público para o qual são dirigidas (OLIVEIRA, 2006, p.
136).
A primeira obra de interesse para o estudo da língua inglesa como língua estrangeira é
referenciada como sendo A Compleat Account of the Portuguese Language being a copious
Dictionary of English with Portuguese, and Portuguese with English, publicada em 1701 por
um autor anônimo que utilizou o pseudônimo de A.J. Pensou-se, de início, que este dicionário
poderia ter sido escrito por um estrangeiro em Londres, responsável pela publicação da
Grammatica Anglo-Lusitanica. O fato dessas duas publicações terem surgido em Londres,
antes de qualquer tentativa de relacionar as Línguas Portuguesa e Inglesa em Portugal, nos faz
pressupor que o interesse pelo Português na Inglaterra deva ter começado anteriormente ao
interesse pelo Inglês em Portugal.
De acordo com Auroux (1992), os dicionários foram os grandes precursores das
gramáticas, apesar de não terem tido a mesma popularidade. Torre (1985), nesse sentido,
afirma que a frequência de publicação de dicionários era muito menor do que a verificada
com as gramáticas do século XVIII. Reconhecendo a importância do estudo do léxico, os
gramáticos da época acrescentavam listagens de palavras a serem memorizadas pelos alunos,
uma vez que, “em princípio, as gramáticas visavam possibilitar aos leitores a aquisição mais
geral do sistema da língua, o que era muito mais útil do que o mero acesso ao léxico
descontextualizado” (TORRE, 1985, p. 26). Os grupos de palavras destas listas não
obedeciam a uma regra única, podendo seguir a ordem alfabética dos termos, ou os itens
lexicais podiam ser agrupados de modo a atender as preocupações dos seus autores.
Estudos mais aprofundados iniciados por Cardim e retomados por Torre (1986)
apontam para a possibilidade de A Compleat Account ter sido, na realidade, uma tradução da
Prosódia e do Thesouro da Lingua Portuguesa, publicados pelo jesuíta Bento Pereira. Pela
idiomaticidade da obra, é muito provável que tenha sido escrita por um falante nativo da
língua inglesa, o que é reforçado ao percebermos que, durante a parte introdutória, dedicada
ao leitor, o autor muitas vezes se refere aos portugueses como eles, o que faz com que
tenhamos a impressão de que o autor está se colocando como não pertencente à nacionalidade
portuguesa. Na busca por uma possível autoria, Torre (1990) corrobora com a ideia defendida
por Cardim (1922) de que muito provavelmente as iniciais A.J., associadas à autoria do
compêndio, correspondem a “A Jesuit”, tendo-se, como base, o fato de Bento Pereira ter sido
um jesuíta, e isso nos leva a suspeitar que um jovem sacerdote britânico, ao retornar à
Inglaterra, após uma permanência em Portugal, tenha decidido escrever um dicionário para
auxiliar seus compatriotas a aprenderem a língua portuguesa.
A Grammatica anglo-lusitanica & lusitano-anglica, de J. Castro teve a sua primeira
publicação em 1731, sendo que a Biblioteca Nacional possui em seu acervo uma edição de
1759. Trata-se da gramática com a proposta de ensinar, ao mesmo tempo, o Inglês e o
Português. Conforme as palavras do autor, no prefácio, sua gramática tinha como objetivo o
seu “great Use in Commerce”, isto é, sua grande utilidade no Comércio, tendo sido dividida
em duas partes”, a primeira para a “instrução dos Inglezes que desejarem alcançar o
conhecimento da Lingua Portugueza” e a segunda “para o uso dos Portuguezes que tiverem a
mesma inclinação a Lingua Ingleza” (CASTRO, 1759).
Composta por 407 páginas, 240 são dedicadas ao ensino de Português em Língua
Inglesa e 167 para o ensino de Inglês em Língua Portuguesa. As gramáticas portuguesas dos
séculos XVIII e XIX tinham, segundo Buescu (1969, p.19) “duas finalidades: a codificação e
a dignificação das línguas vulgares”, estando as duas presentes na obra de Castro, que
também seguia uma preocupação de diagramação.
A maior parte do prefácio, escrito em Inglês e intitulado “To the Reader” (“ao leitor”),
foi dedicada à sua tentativa de provar que o Português era tão digno da atenção dos ingleses
quanto o Espanhol, para o que esboçou uma narrativa histórica da ascensão daquela Língua
(“the Rise of this Language”) desde a ocupação romana até o século XV, argumentando que a
Língua Espanhola não era “Mãe” da portuguesa, sendo ambas originárias do Latim. Ademais,
complementava, a Língua Portuguesa era facilmente compreendida pelos espanhóis e, sendo
muito próxima da “Língua Franca”, era corrente nas costas índicas e africanas onde os
portugueses tinham estabelecido suas possessões. Quanto à parte do seu Compêndio dedicada
à Gramática Inglesa, o autor pediu desculpas aos críticos pelos eventuais erros, muito
justificáveis, segundo ele próprio, pelo fato de não ter nenhum modelo sobre o qual pudesse
basear-se (CASTRO, 1759, p. v-x).
Era muito comum, nas gramáticas da época, ter-se uma primeira parte, intitulada de
prefácio, notas ao leitor, ou, simplesmente, ao leitor. Esta secção é caracterizada pela
exaltação à língua estudada, e pela descrição histórica sobre as línguas. Em sua gramática,
Castro afirma ser a Língua Portuguesa de grande utilidade para o comércio, apesar de não ser
devidamente explorada e conhecida. Para justificar o valor e a nobreza do Português, o autor
nos convida a analisar os percursos históricos verificados no transcorrer dos anos, com o
objetivo de entender quais as nações que habitaram o país. De acordo com suas narrativas, os
mesmos povos que dominaram a Espanha também habitaram Portugal, não sendo admissível
considerar o Português como uma língua derivada do Espanhol.
Na última parte da Grammatica Anglo-Lusitanica, são apresentados quinze diálogos
familiares, conforme os padrões de ensino da época, que viam na educação uma oportunidade
de fornecer modelos de boa conduta e de estilo de escrita a serem seguidos pelos alunos. As
primeiras gramáticas portuguesas do século XVI já apresentavam esse tipo de método de
ensino, o que era ainda recorrente até o século XIX. Entre os assuntos presentes na gramática
de Castro, destacam-se: cumprimentos, refeições, vestimentas, o falar a Língua Portuguesa,
clima, compras, jogos, viagem, câmbio e leis da Inglaterra, temas recorrentes em outros
compêndios, o que mais uma vez comprova o fato de que a autoria não era uma preocupação
dos autores da época. Todos os diálogos se baseiam em conversações entre duas pessoas,
através de um jogo de perguntas e respostas sobre um tema identificado, tal qual acontecia
com as aulas de catecismos, uma vez que, segundo Oliveira (2006), era comum a prática
desse tipo de atividade até o século XIX.
Torre (1985) destaca que todos os diálogos contidos nas gramáticas dessa época
apresentam poucas alteração, e, no que se refere aos encontrados na gramática de J. Castro,
suspeita-se que eles tenham sido retirados de uma gramática de inglês para italianos ou de
italiano para ingleses. O próprio nome do autor da Grammatica Anglo-lusitanica demonstra a
pouca importância que as questões autorais recebiam, uma vez que não se sabe qual o nome
correspondente à inicial J. De acordo com Cardim (1922), não se pode confundir o autor
dessa gramática com o médico Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), português de origem
judaica residente em Londres:
Em primeiro lugar é inadmissível que o médico Jacob de Castro Sarmento,
membro do Colégio real dos médicos e da Real Sociedade de Londres, autor
de várias obras notáveis e privando com sábios fôsse em 1751 [ano da
segunda edição da obra] ‘mestre e traductor de ambas as linguas’, como se lê
no frontispício logo por baixo do nome J. Castro (CARDIM, 1922, p. 106).
Torre (1986), ao se debruçar sobre os trabalhos de Cardim, constatou que a gramática
de J. Castro é, na realidade, uma tradução da Ars Grammatica pro Lingua Lusitana de Bento
Pereira, o que pode significar que o verdadeiro autor desta gramática tenha também sido um
discípulo deste religioso. Apesar de haver uma referência sobre o autor na “Advertência ao
Leitor” da obra, afirmando ter sido J. Castro “Mestre e Traductor de ambas as Linguas” e
ensinado, tanto em sua casa quanto “por fora”, a “Ler, Escrever, Contar, e Livro de Caixa
pello Modo Italiano e em pouco Tempo (sem as costumadas Regras, Taboadas, e
impertinentes ou inutils Questoens) por um Methodo, claro, patente, e bem a provado no
estilo Mercantil”, nem Cardim (1922), Torre (1985) ou Oliveira (2006) conseguiram provas
elucidativas sobre a real autoria.
Agostinho Neri da Silva, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e
cônsul Geral de Portugal na Dinamarca, publicou, em 1779, a sua Nova Grammatica da
Lingua Ingleza, ou arte de falar e escrever com propriedade e correcção o idioma inglez.
Duas outras obras foram também publicadas por este autor: Grammatica Portugueza e
Ingleza (1793) e Grammatica da lingua ingleza (1800) (SANTOS, 2010). Neri da Silva
justifica a sua iniciativa em escrever um compêndio através da “imperfeição de huma
Grammatica, que em Londres se publicou para se aprender a Lingua Ingleza, à qual vindo á
minha mão casualmente, achei-lhe alguns defeitos” (SILVA apud TORRE, 1985, p. 23).
É muito provável que a gramática referida seja a Grammatica Anglo-Lusitanica.
Segundo Torre (1985), a Gramática de Neri é bastante semelhante à de Castro, e pouca
mudança é observada ao ser comparada com as publicadas anteriormente. O autor aparenta
ser indiferente às inovações, por afirmar ter se apoiado em “termos antigos, e divisões
igualmente antigas, por estar inteiramente capacitado da acertada observação, que fez o Sr.
Johnson, dizendo que he ambição perigosa, e vaidade ridicula querer ensinar uma Lingua com
nova arte” (SILVA, 1779, p. IX).
Torre (1985) também observou haver muita semelhança entre os diálogos familiares
encontrados na gramática de Neri e aqueles presentes em outras gramáticas, como, por
exemplo, na gramática portuguesa de Transtagano, A New Portuguese Grammar, publicada
em 1768, o que reforça a ideia defendida por Auroux (1992) sobre a gramatização. Para este
autor, o ensino de línguas desde o século XVI se apoiou no fato de que para aprender um
idioma bastava saber o Latim, e, pela tradução e comparação de regras gramaticais, todas as
outras línguas podiam ser ensinadas. Observando as gramáticas de língua inglesa dos períodos
setecentista e oitocentista percebemos uma grande recorrência às declinações para o estudo
das partes gramaticais, e uma constatação de a cópia não era feita apenas entre as gramáticas
de língua inglesa. Muitos exemplos eram repetidos tomando-se gramáticas de latim,
português e outras línguas, como, por exemplo, o italiano.
Carlos Bernardo da Silva Teles de Menezes, em sua Gramatica Ingleza Ordenada em
Português, publicada em 1761, deixou em sua obra muitas pistas de que a gramática de
Castro (1759) foi utilizada como base para a confecção do seu compêndio. O autor pede
desculpas antecipadas aos leitores por possíveis defeitos na sua obra, muito provavelmente
ocasionados como consequência das atribulações de sua profissão, já que era militar, e de uma
grave doença que o acompanhou durante o período em que esteve ocupado com a impressão.
A sua modéstia é esquecida ao destacar que outras Artes da mesma língua estavam repletas de
erros e seu método, contudo, era capaz de minimizar problemas existentes em decorrência da
utilização de conceitos e preceitos mais simples.
forão já emendados muitos dos defeitos que achey em outras Artes da
mesma lingua, feitas para uso de diversas nações; e não somente emendados
os defeitos, mas melhorado o metodo, e os preceitos; pois tal he, que nesta
Arte está reduzido a uma só regra, quando em outras he materia de mais de
vinte (MENEZES, 1762, p. viii-ix).
A referência acima parece ter sido escrita em relação à gramática de Castro (1759). O
autor admitiu possuir bastante conhecimento da Língua Inglesa, e apesar de temer possíveis
críticas, decidiu submeter o seu compêndio à apreciação real, o que resultou em uma
aceitação e indicação da obra. A primeira licença obtida e publicada no compêndio foi a do
Santo Officio, datada de 27 de fevereiro de 1761. O Dr. Fr. João de Mansilha, qualificador da
Sagrada Religião dos Pregadores, atestou ter lido a referida gramática, não encontrando
nenhuma informação contrária à Santa Fé ou aos bons costumes. A obra foi julgada como
sendo “muito útil para facilitar o uso daquella lingoa, na qual se achão estampadas muitas
Obras de huma vastíssima erudição” (MENEZES, 1762, p xiii). Muitos exemplos utilizados
pela gramática de Teles de Menezes são também encontrados na gramática de Castro, o que
comprova não ter sido objetivo do autor a preocupação com a inovação e com a escrita de um
compêndio com índices de autoria.
Uma outra oba que também se espelhou muito no compêndio de J. Castro (1759) foi A
Nova grammatica ingleza e portugueza dedicada á felicidade e augmento da Nação
Portugueza, publicada em Liverpool, em 1812, por Manoel de Freitas Brazileiro. Trata-se de
uma gramática que contém 245 páginas, das quais trinta e três são dedicadas à ortografia,
cento e trinta e três à etimologia do Inglês, onze relacionadas com a prosódia e sessenta e oito
englobam informações coletadas no apêndice, contendo numerais, palavras com mesmo som,
abreviações, perguntas e respostas, as vantagens de ler e escrever, dinheiro, tipos de cartas
comerciais e uma advertência final. A gramática de Castro também teve a mesma
preocupação com as cartas comerciais, tendo este autor colocado apenas alguns dos tipos
destacados por Castro (1759).
Brazileiro produziu dois outros compêndios: a Leitura instructiva e recreativa, ou ideas
sentimentaes: sobre a faculdade do entendimento, communmente chamada GOSTO, em
conhecer as perfeiçoens, e imperfeiçoens de qualquer objecto, na natureza, ou arte.
Extrahido livremente do inglez, publicada em Liverpool em 1813; e o Compendio da
grammatica ingleza e portugueza para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras,
publicado em 1820, no Rio de Janeiro, utilizando o nome de Manoel Jose de Freitas.
Conforme destacado, muitos dos exemplos utilizados na obra de Brazileiro eram
recorrentes do compêndio de 1759, da mesma forma que algumas observações estão também
presentes nas duas gramáticas, a exemplo do cuidado que se deve ter com a articulação do
som formado pelas letras th. Freitas (1812), diferentemente de Castro (1759), destaca a
importância em se observar a posição dos órgãos vocais para a produção da fala. Essa se
constitui, na realidade, a grande inovação do seu compêndio. Pela primeira vez a articulação
foi relacionada à posição que os órgãos vocais ocupam no momento da fala. Freitas (1812) se
defendeu de possíveis críticas, declarando que “alguns escriptores pensarão, que estes
objectos mencionados naõ constituém parte de Grammatica”.
A influência da gramatica latina na construção de compêndios é ainda percebida na obra
de Brazileiro (1812), porém, apesar de Freitas ter utilizado muitos dos exemplos de Castro, os
casos ablativo, dativo e vocativo não foram mencionados. Modelos de cartas comerciais
foram colocados em quatro páginas do apêndice, contendo cartas de conhecimento sobre
fazendas, letras de câmbio, carta circular, apresentando os serviços de uma casa comercial e
carta simples, algumas delas similares às encontradas na Gramática de Castro (1759). Na
realidade, muitas são as semelhanças entre essas duas obras. A gramática de Brazileiro
(1812), no entanto, tentou ser mais simples e concisa do que a de Castro (1759). Alguns
exemplos foram usados da gramática anterior, destacando-se, como inovação, a referência à
articulação das palavras quando do ensino da gramática.
O Compendio da grammatica ingleza e portugueza para uso da mocidade adiantada
nas primeiras letras, primeiro compêndio de Inglês impresso no Brasil (OLIVEIRA, 1999),
foi publicado no Rio de Janeiro, em 1820, por Manoel José de Freitas, com a Licença da Mesa
do Desembargo do Paço, representada pela figura do Visconde de Cairu. A edição que
tivemos acesso na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro encontra-se em estado avançado de
deterioração, necessitando de reparos urgentes, com o intuito de garantir a preservação de
uma importante obra para a reconstituição histórica do ensino de Inglês no Brasil. Através da
análise dessa gramática, é possível perceber ser essa obra uma versão mais simplificada do
livro a Nova grammatica ingleza e portugueza “dedicada á felicidade e augmento da Nação
Portugueza”, publicada em Liverpool em 1812, por Manoel de Freitas Brazileiro, muito
provavelmente o mesmo autor, que assinou essa obra com um nome diferente. No que se
refere à questão da autoria, duas considerações podem ser feitas sobre essas gramáticas.
Ambas se assemelham muito à gramática de J. Castro, contendo, inclusive, alguns exemplos
muito parecidos e temas recorrentes na parte referente aos diálogos familiares. O nome do
autor se constitui, na mesma forma, em uma incógnita, uma vez que, muito provavelmente,
Manoel de Freitas Brazileiro tenha sido o próprio Manoel José de Freitas, segundo Torre
(1985), o que comprova mais uma vez a tese também defendida por Cardim (1922) e Oliveira
(2006) de que a autoria em gramáticas do século XVIII e XIX não era uma preocupação do
período, e que só no século XX é que se tornou uma questão relevante na produção de livros
didáticos.
Considerações Finais
A análise de compêndios produzidos desde o século XVI, sejam eles em Latim,
Português, Inglês ou outras línguas, faz-nos compreender o modo pelo qual questões como
autenticidade e autoria eram tratadas nesse período. Conforme pesquisas feitas por Cardim
(1922), Torre (1985), Oliveira (2006) e Santos (2010), as gramáticas produzidas nesse
período seguiam o princípio da gramatização, que explicava o fato de que as línguas foram
inicialmente ensinadas tomando-se como base o Latim, de modo que todas as outras línguas
seriam aprendidas por comparação através do estudo da gramática e da tradução. Esse fato
ajuda-nos a entender o porquê de termos gramáticas escritas no século XVIII e XIX com base
nas declinações latinas, mesmo sendo constatada que a análise gramatical através dessas
declinações não contribuíam para o entendimento das construções ensinadas nas outras
línguas.
Vários foram os casos de gramáticas cuja autoria ou não é conhecida ou que tiveram a
utilização de codinomes. Além da gramática de Brazileiro (1812), outras também possuem
autorias derivadas de codinomes, como é o caso da Arte da Grammatica da Lingua
Portugueza, de Reis Lobato, publicada em 1771. De acordo com as pesquisas de Assunção
(1997), baseadas nas pesquisas do dicionarista Francisco Inocêncio Silva (Diccionário
Bibliographico Portuguez – 1873), o Pe. Antônio Pereira de Figueiredo teria escrito esta arte
em 1771, bem como a Gramatica Ingleza ordenada em portuguez, publicada em 1762,
utilizando o pseudônimo de Antônio José dos Reis Lobato, uma vez que não há qualquer
evidência que comprove a existência de Reis Lobato e o confronto Textual desses ‘autores’
nos leva a crer que são, na verdade, a mesma pessoa.
Essa tentativa em copiar os modelos latinos fez com que os autores do período não se
preocupassem em compor compêndios baseados em seus próprios estudos. O que se observa é
uma tentativa em traduzir e copiar obras conceituadas da época, aproveitando-se, inclusive, os
exemplos e textos utilizados. Como o autor não tinha a importância que hoje verificamos,
muitas obras apresentam nomes fictícios, ou até mesmo iniciais, já que o que se buscava era a
correção de erros encontrados em compêndios anteriores, ou a tradução de obras escritas em
uma língua para outra.
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